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Guias e Dicas
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Filosofia da Matemática, Manuais, Projetos, Pesquisas de Ciências da Educação

Discursões pertinentes sobre a Filosofia da Matemática

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2024

Compartilhado em 13/04/2024

leonardo-silva-santos-8
leonardo-silva-santos-8 🇧🇷

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Baixe Filosofia da Matemática e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Ciências da Educação, somente na Docsity! filosofia das ciências e da matemática licenciatura em matemática L IC E N C IA T U R A E M M A T E M Á T IC A - F IL O S O F IA D A S C IÊ N C IA S E D A M A T E M Á T IC A U A B / IF C E S E M E S T R E 6 Ministério da Educação - MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Aberta do Brasi l Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Universidade Aberta do Brasil Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Diretoria de Educação a Distância Fortaleza, CE 2011 Licenciatura em Matemática Filosofia das Ciências e da Matemática Francisco Régis Vieira Alves SUMÁRIO AULA 2 AULA 3 AULA 4 Apresentação 7 Referências 164 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Currículo 167 Filosofia das Ciências e da Matemática 8 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática 9 A natureza do conhecimento matemático 18 Os precursores da filosofia 23 AULA 1 Filosofia da Matemática 35 As correntes filosóficas da matemática 36 O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetiano 50 Arquimedes e a Noção de Demonstração 58 Sobre a natureza das definições matemáticas 59 As influências das correntes filosóficas no ensino atual 68 As características de uma definição matemática e o ensino de álgebra 80 As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade do matemático e alguns paradoxos 84 As dimensões filosóficas da intuição matemática 85 O papel da intuição da atividade do matemático 91 Os paradoxos relacionadosà intuição matemática 98 AULA 6 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais 107 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática 108 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II 116 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 125 A construção dos números reais, complexos e considerações finais 134 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 135 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV 149 Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de sua história 156 7APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Caro(a) estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ciências e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribuído ao filósofo da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro investigou a Lógica da Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua vida acadêmica, analisou a Lógica da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos a “impossibilidade”, do ponto de vista filosófico, de compreensão da LDC, por parte do futuro professor, sem um entendimento razoável da LDM, embora muitos defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas iniciais, o cenário filosófico, epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a revolução dos paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de um olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que, aos olhos dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos que a Matemática é bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de fórmulas. Por fim, trazemos a filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e Morris Kline, com a intenção de inspirar a pedagogia do futuro docente. Francisco Regis Vieira Alves 10 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica b. Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua organização, quer sejam especulativos, quer científicos; c. Epistemologia particular, quando trata de levar em consideração um campo particular de saber, quer especulativo, quer científico; d. Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela mantém com as demais disciplinas. Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a ênfase que daremos ao longo destas aulas à Epistemologia Específica e, de modo particular, à Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um seu viés filosófico. Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico da Matemática na medida em que identificamos mudanças e substituições de paradigmas epistemológicos. Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da Matemática, muito menos diversos fenômenos que evoluem no universo didático, histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo, identificados no item (2): Figura 1: Aspectos do saber matemático (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 2) O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/ caracterizam ou significam determinadas dimensões do saber matemático, apesar de possuírem uma região de interface comum, todavia tal interface ou região de 11AULA 1 TÓPICO 1 interseção é observada graças à necessidade e insuficiência que muitas áreas do conhecimento científico apresentam; deste modo, necessitam se apoiar, “importar” e se ‘apropriar’ de determinados paradigmas e métodos próprios da Matemática para seu próprio interior, como garantia de rigor e cientificidade. Figura 2: Relações entre Ciências e Matemática (elaboração própria) Por outro lado, destacamos, também na Figura 2, uma região pertencente ainda à Filosofia da Matemática que possui vigor próprio, que indicamos por (?), a qual não é encontrada e/ou identificada em mais nenhuma outra área do conhecimento científico. Sua importância se explicita na medida em que desenvolvermos nossas considerações acerca do ensino de Matemática que não pode desprezar a dimensão filosófica do saber matemático. Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo José da Silva, quando, em seu livro intitulado Filosofias da Matemática, destaca: A matemática entrou na cultura primeiramente como uma técnica, a de fazer cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens perdem-se nos primórdios da história. Dentre os povos antigos, os egípcios foram bons matemáticos, como suas realizações técnicas o atestam, mas os babilônios foram ainda melhores. Mas, ainda que essas culturas tenham produzido uma matemática reconhecível como tal, faltava a ela o caráter sistemático, rigoroso, puro – isto é, não empírico – e, em grande medida, a indiferença com respeito a aplicações práticas e imediatas que caracterizam o conhecimento matemático, tal como entendemos hoje (SILVA, 2007, p. 31). Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por algumas civilizações mais antigas para um saber matemático de caráter “rigoroso”, “sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de 12 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica transição, encontrado em determinadas fases históricas mais proeminentes, como as fases históricas discutidas por Silva, são objeto de estudo do que Hilton Japiassu chamou acima da epistemologia específica da Matemática. A Filosofia da Matemática que por ora discutimos se interessa por questões desta natureza. Além disso, vamos discutir, ainda, outros interesses que podem ser identificados apenas nesta área e em mais nenhuma outra área do conhecimento científico (Figura 2). Destacamos outro trecho de Silva (2007, p.34) com a intenção de ilustrar, em nossa discussão filosófica inicial, a significação do termo Filosofia da Matemática. O gênio de Euclides, porém, estava no modo como ele fez isso. A partir de um sistema mínimo e supostamente completo de verdades não-demonstradas e indemonstráveis – axiomas e postulados (posteriormente verificou-se que faltavam pressupostos substituídos pela intuição espacial) -, Euclides, demonstrava racionalmente todos os enunciados de Os elementos. Estava assim criado o método axiomático-dedutivo que viria a servir de modelo para toda a matemática a partir de então: a redução racional (preferivelmente lógica) de todas as verdades de uma teoria e uma base mínima e completa de verdades evidentes ou simplesmente pressupostas. Não havia nada de remotamente similar na matemática não grega. Nas palavras do autor, observamos um dos elementos peculiares ao pensamento matemático que influenciou, séculos mais tarde, várias áreas do conhecimento científico. Note-se que a dimensão epistêmica é sempre exigida para que possamos compreender o caráter filosófico dos saberes científicos constituídos até nossos dias. De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao método axiomático-dedutivo, inaugurado pela civilização jônica. Sua função naquela época assumiu um papel fundamental do ponto de vista epistemológico, principalmente quando adotamos a seguinte significação: A epistemologia pode, então ser definida como o ‘estudo da constituição dos conhecimentos válidos’. O termo ‘constituição’ recobre ao mesmo tempo as ‘condições de acesso’, isto é, os processos de aquisição dos conhecimentos, e s a i b a m a i s ! O Método axiomático–dedutivo foi sistematizado a partir dos gregos evoluiu e se aperfeiçoou, alcançando seu apogeu com o grupo Bourbaki. A intenção principal consiste em formalizar e descrever o conhecimento matemático por meio de estruturas gerais e abstratas. 15AULA 1 TÓPICO 1 de inquérito da matemática, diferencia-se da matemática, pois não se dispõe a fazer matemática, construindo o conhecimento desta ciência, mas dedica- se a entender o seu significado no mundo, o sentido que faz para o homem, de uma perspectiva antropológica e psicológica, a lógica da construção do seu conhecimento, os modos de expressão pelos quais aparece e materializa- se, cultural e historicamente, a realidade dos seus objetos, a gênese do seu conhecimento (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27). Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando pensamos que, de um ponto de vista prático e utilitarista, seria mais importante para o professor de matemática um razoável conhecimento em Filosofia da Educação em detrimento da Filosofia da Matemática. Tal patologia intelectual pode ocorrer também quando acreditamos de modo ingênuo que, compreendendo a Filosofia da Educação, consequentemente, o professor compreenderá a Filosofia da Matemática. E, por fim, com vistas finais ao ensino de matemática propriamente dito, qual das duas se apresenta de maior relevância para o futuro professor de matemática? Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por profissionais que desconhecem o real e o concreto efetivo significado da regência numa aula de Matemática, que se refere ao fato de que a maior parte do tempo despendido pelo professor na escola é dedicada à ação de dar aula de Matemática. Assim, a retórica que identificamos na definição fornecida por Bicudo & Guarnica (2001) relativa à Filosofia da Educação, em termos práticos, em nada melhorará ou aperfeiçoará a ação que mencionamos. Nesse sentido, destacamos a relevância de um saber vinculado e determinado pelo saber matemático que poderá proporcionar o aperfeiçoamento da ação docente, de acordo com o que exibimos na Figura 1. Antes de apresentarmos nosso argumento final, discutiremos outras questões levantadas por Bicudo & Guarnica (2001, p. 27) quando afirmam que: As perguntas básicas da filosofia – “O que existe?”, “O que é o conhecimento?”, “O que vale?” -, são trabalhadas pela filosofia da matemática, focalizando-se especificamente nos objetos da matemática. Desdobram-se em termos de “Qual a realidade dos objetos da matemática?”, “Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais os critérios que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas?”, “Os objetos e as leis matemáticas são inventadas (construídas) ou descobertas?”. Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é relevante para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de 16 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica propostas curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino, expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27). Depois destas ponderações, acreditamos ser insustentável a crença de que a formação em Filosofia da Educação deve anteceder qualquer formação e informação relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre, assumir este posicionamento implica aceitar o diagrama que propomos (Figura 3), ou melhor, significa compreender o particular, para depois compreender o geral. Vários epistemólogos nos fornecem esta lição, entre eles podemos citar Karl Popper e Thomas Khun. Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos iniciais que adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino de Matemática, recordamos ainda que a Filosofia da Matemática interessa-se por questões de caráter: (i) ontológico: o que existe em Matemática; (ii) epistemológico: como se conhece o que existe em Matemática e o que pode ser considerado conhecimento matemático; (iii) axiológico: quando um conhecimento matemático pode ser considerado como verdadeiro. Estes questionamentos podem nos fornecer elementos para compreender os processos necessários que tornam nossas crenças matemáticas em conhecimento matemático válido. Figura 4: Relações entre conhecimento e crença matemática Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro professor de Matemática. Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente firmada e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática. Tal área de inquérito investigativo é assim caracterizada: 17AULA 1 TÓPICO 1 Por focalizar a matemática no contexto da educação, a Filosofia da Educação Matemática também se coloca questões sobre o conteúdo a ser ensinado e a ser apreendido e, desse modo, necessita de análises e reflexões da filosofia da matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do conhecimento matemático, do valor da matemática (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 30). Esta área de investigação será retomada por nós no final de nossos estudos. Assim, para prosseguir de acordo com o que acreditamos ser o mais compreensível para o leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões relacionadas ao saber matemático. Nesta aula, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais relacionados com a Filosofia das Ciências e Filosofia das Matemáticas. No próximo tópico introduziremos outros elementos que diferenciam e distinguem a evolução do saber matemático no contexto científico de qualquer outro saber acadêmico. 20 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É apresentada uma lista de propriedades gozadas por eles (os axiomas) e tudo decorre daí. Não interessa i que os números são; (isto seria mais um problema filosófico) o que interessa é como eles se comportam. Embora os axiomas por ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo indica que Peano trabalhou independentemente. O mais importante não são quais os axiomas ele escolheu e sim qual a atitude que ele adotou, a qual veio a prevalecer na Matemática atual, sob o nome de método axiomático. Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de filosófico, todavia a descrição que fizemos acima, com destaque para o item (iii), que caracteriza o princípio de indução matemática, é pura Filosofia da Matemática. Caraça (1951, p. 4) referenda nosso posicionamento quando comenta que: A ideia de numero natural não é um produto puro do pensamento humano, independentemente da experiência; os homens não adquirem primeiro os números naturais para depois contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem do homem criando de uma maneira completa a ideia de número, para depois aplicar à prática da contagem, é cômoda, mas falsa. Note-se que, dependendo do sistema matemático formal, o conjunto ={0,1,2,3,.....,.....} ou ={1,2,3,.....,.....} . De fato, quando consideramos a teoria aritmética dos números, o primeiro conjunto é assumido, e quando estudamos os conteúdos de Análise Real, o conjunto  é assumido sem o zero ‘0’. Lima (2004, p. 150) se manifesta do seguinte modo: Sim e não. Incluir ou não o número 0 no conjunto dos números naturais é uma questão de preferência pessoal ou, mais objetivamente, de conveniência. O mesmo professor ou autor pode, em diferentes circunstâncias, escrever Î0  ou Ï0  . Como assim? Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente em todos eles encontramos ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de Análise. Lá achamos quase sempre ={1,2,3,.....,.....} . s a i b a m a i s ! A criação de um símbolo para representar o nada constitui um dos atos mais audazes do pensamento, uma das maiores aventuras da razão. Essa criação é relativamente recente (talvez pelos primeiros séculos da era cristã) e foi devida às exigências da numeração escrita. (CARAÇA, 1951, p. 6). 21AULA 1 TÓPICO 2 Ernest (1991) discute o exemplo da verificação que de fato + =1 1 2 , segundo o sistema axiomático de Peano. Para tanto, assumimos os axiomas que garantem que podemos escrever que =(0) 1s e =(1) 2s . Também a partir da Aritmética de Peano, sabemos que + = = +0 0x x x , para todo Îx  . Temos também que + = +( ) ( )x s y s x y , onde Î,x y  . Na sequência, o fato banal simbolizado por + =1 1 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez passos de inferências lógicas como vemos na Figura 5. Figura 5: Passos de inferências lógicas (ERNEST, 1991, p. 5) Alguns dos elementos discutidos anteriormente apontam para a direção de considerar o conhecimento matemático dotado de verdades universais, infalível e não questionável. Essencialmente construído a partir de verdades estabelecidas a priori. Tal perspectiva é o que Ernest (1991, p. 7) chama de visão absolutista da matemática. De acordo com tal visão, o conhecimento matemático fornece o único modo de alcançarmos a verdade. O autor explica ainda que parte deste poder e caráter absolutista é fortalecido por meio do método dedutivo formal. Tal terreno é construído a partir da lógica e pode fornecer absoluta certeza ao conhecimento. Ernest (1991, p. 7- 8) salienta ainda que, no primeiro momento, todos os pressupostos básicos são assumidos a partir da exploração de suas provas e demonstrações. Ademais, os axiomas matemáticos são assumidos como verdade e, a partir da necessidade de considerações anteriores, as definições formais matemáticas são construídas assumindo também valores lógicos verdadeiros. No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem preservar a verdade e conduzir também à verdade. E, verdade deve ser obtida a partir de verdades, por meio do emprego destes modelos lógicos. Ernest (1991, p. 22 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica 8) acrescenta ainda que toda afirmação ou proposição estabelecida num sistema dedutivo deverá conter suas conclusões e, uma vez estabelecido um teorema por meio do método dedutivo, o conhecimento extraído deste teorema deve ser sempre verdadeiro. A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas (ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto, de modo pormenorizado, nas próximas aulas. Para concluir, destacamos algumas características do saber matemático, fornecidas por Morris Kline: Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos. Os conceitos, os métodos e conclusões a respeito de que a matemática constitui o substratum das ciências físicas. (KLINE, 1964, p. 5). Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da beleza do conhecimento matemático ao declarar que: Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição, imaginação árida na criação de provas e conclusões oferece satisfação estética de alta para o criador. Se a percepção e a imaginação, simetria e proporção, a falta de superfluidade, e adaptação exata entre meios e fins são compreendidas em beleza e são características das obras de arte, então a matemática é uma arte com uma beleza própria [...] Grandes pensadores cedem às modas intelectuais do seu tempo como as mulheres fazem a moda no vestuário. Mesmo os gênios criativos para quem a matemática era puramente um hobby prosseguido os problemas que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No entanto, esses “amadores” e matemáticos em geral, não têm se preocupado principalmente com a utilidade do seu trabalho. Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste âmbito de reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas dificilmente seriam percebidas por um estudante que não apresente uma formação em Matemática além da escolar. Este assunto será retomado por nós adiante, por ora, apresentamos, na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento matemático filosófico ocidental. 25AULA 1 TÓPICO 3 Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica absolutista da Matemática conhecida como logicismo. Discutiremos as principais características desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são esclarecedoras suas palavras na medida em que explicam as intenções iniciais do antigo filósofo, e é interessante conhecer as consequências que tiveram e as implicações desta ideologia ou doutrina do platonismo com relação ao saber matemático. Neste contexto, Barbosa (2009, p. 37) acrescenta ainda: Uma boa parte do platonismo, assim como nós o conhecemos hoje, é, portanto, uma criação posterior a Platão. O platonismo na moderna filosofia matemática é descrito como uma teoria que trata das verdades das proposições matemáticas, sendo “usualmente tomado como um tipo de realismo, equivalente a crença de que os objetos da matemática tais como os números literalmente existem independentes de nós e de nossos pensamentos a respeito deles”. Segundo Silva (2007, p. 37), para Platão, as entidades matemáticas constituem um domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo entendimento. Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes matemáticos têm uma existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os objetos matemáticos só existem encarnados em objetos reais – e só nos são revelados com o concurso, ao menos em parte, dos sentidos. Silva (2007, p. 37-38) diferencia de modo eficiente as duas perspectivas desenvolvidas por estes dois pensadores ao declarar que: Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo puro de entidades perfeitas, imutáveis e eternas – os conceitos matemáticos entre elas. Para Aristóteles, o mundo sensível é a realidade fundamental, os entes matemáticos são ‘extraídos’ dos objetos sensíveis por meio de operações do pensamento, e os conceitos matemáticos são apenas modos de tratar o mundo real. [...] De um lado o racionalismo de Platão, que atribui à razão humana o poder de penetrar nos domínios supra-sensíveis da matemática, e o seu realismo ontológico transcendente, que afirma que a existência independente dos entes matemáticos num reino fora deste mundo; de outro, o empirismo de Aristóteles, que se recusa a dar morada aos entes matemáticos em qualquer outro reino que não o deste mundo, e o seu realismo ontológico imanente, que garante, ele também, uma existência dos objetos matemáticos independentemente de um sujeito [...]. 26 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de números matemáticos. Para ele, não existem vários números ‘2’, e sim a ideia de dois. Se existisse no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade + =2 2 4 , na qual comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’ (SILVA, 2007, p. 40). Essa identidade não pode ser uma relação entre Ideias numéricas – sendo entidades singulares elas não admitem cópias de si próprias – mas entre números, que precisam então existir em abundância. Platão teve assim que admitir a existência, além da perfeita Ideia de 2, das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA, 2007, p. 40). Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os conceitos de números pares e números ímpares. Barbosa (2009, p. 48) acrescenta que os conceitos de par e ímpar permeiam toda a aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar todos os outros números. Esta dualidade pode indicar certa concordância com o pitagorismo. E ainda, Platão teria utilizado os números dois e três precisamente por se tratarem dos primeiros par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade, em geral, não se considerava o um como número (BARBOSA, 2009, p. 48). Não podemos esquecer as preocupações de Platão com o ensino e, com respeito a isto, Barbosa (2009, p. 49) ilustra: Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon. Nesse diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático como instrumento de ensino, quando primeiramente leva o escravo a reconhecer o próprio erro, e depois o induz ao conhecimento certo. O problema colocado para o escravo é o de calcular a área de um quadrado de lado 2. Feito isso, Sócrates questiona o jovem escravo sobre o que aconteceria com cada linha deste quadrado se a sua área fosse duplicada [...] Sócrates constrói com o escravo um novo quadrado sobre aquele inicialmente dado, o que tem lados com medida de 2 pés, prolongando os seus lados até que atinjam a medida 4 pés. O escravo parece estarrecido ao notar que o quadrado construído com as linhas duplicadas do quadrado original tem o quádruplo de sua área. at e n ç ã o ! A filosofia da Matemática de Aristóteles foi desenvolvida, em parte, em oposição a de Platão, pois ele critica a Teoria das Formas, dizendo que ela não é racional. Para Aristóteles, cada objeto empírico, cada ser existente, é uma unidade e não existe separado de sua forma ou essência (CURY, 1994, p. 47). 27AULA 1 TÓPICO 3 O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar do mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino transcendente de Ideias e formas matemáticas. As formas geométricas e numéricas existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais (SILVA, 2007, p. 43). Para Aristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior das hipóteses, uma ficção útil (SILVA, 2007, p. 44). Eles não têm existência separada dos objetos empíricos, são apenas aspectos delas, e se por vezes pensamos como independentes, isto é, não tem maiores consequências. Um objeto empírico é um objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA, 2007, p. 44). Machado (1994, p. 21) fornece uma distinção interessante quando declara: Enquanto que para Platão, os enunciados matemáticos eram verdadeiros por serem descrições de, ou relações entre, formas matemáticas de existência objetiva. Aristóteles reabilita o mundo empírico bem como o trabalho do matemático. E recoloca a questão de os objetos matemáticos e os enunciados serem verdadeiros ou falsos não em termos absolutos, mas por serem mais ou menos adequados à representação do mundo empírico, adequação esta relativa a algum fim que se objetiva. Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias matemáticas, aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade e o método que identificamos até nossos dias que diz respeito à organização das proposições nas hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições dedutíveis a partir delas, tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções (MACHADO, 1994, p. 21). Suas concepções podem ser consideradas as precursoras do pensamento que motivou os princípios que passaram a regular e caracterizar as subdivisões sucessivas da matemática em várias ramificações (no caso das geometrias: Geometria Euclidiana, Geometria Diferencia, Geometria Hiperbólica, Geometria Riemanniana, etc). Silva (2007, p. 45) diferencia o pensamento aristotélico do seguinte modo: Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos aspectos apenas, uma bola como uma esfera, um par de dois livros como dois. Ao fazer isso, abstraímos da bola a sua forma geométrica e da coleção de livros sua forma aritmética. Visto assim, Aristóteles, é um empirista em ontologia, 30 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica apenas as relações formais entre elas (SILVA, 2007, p. 51). Mas isto quer dizer que podemos tomá-la apenas como um jogo formal sem nenhuma intenção cognitiva? Este questionamento, fruto de intensas querelas e embates políticos entre os matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não se tem uma resposta de argumentação satisfatória. Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como pedras angulares para o saber matemático. Um destes exemplos e que foi objeto de reflexão para Aristóteles diz respeito à noção de infinito. Em virtude das ponderações aristotélicas, desenvolveram-se as noções de infinito atual e infinito potencial, entretanto, no que diz respeito ao aspecto matemático desta noção, Georg Cantor (1845-1918) forneceu o acabamento final, acrescentando alguns elementos descuidados por Aristóteles. Com relação a tais noções, Silva (2007, p. 51) acrescenta: Devemo-lhes a distinção fundamental entre o infinito atual e o infinito potencial, ou seja, entre a noção de uma totalidade finita em que sempre cabe mais um indefinidamente – o infinito potencial – e uma totalidade infinita acabada. Segundo Aristóteles, aos matemáticos bastava a noção de infinito potencial. Se bem que esta ideia não corresponde à realidade da prática matemática, uma vez que a noção de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, uma vez que a noção de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, ela foi, e ainda é, aceita por muitos matemáticos, que não vêem na matemática do infinito senão uma fonte de absurdos e contradições. Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções importantes para a Matemática. Para concluir esta seção, discutiremos ainda parte das contribuições devidas à Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e Immanuel Kant (1724-1804) . Machado (1994) explica que cerca de dois mil anos se passaram para que a obra aristotélica, enquanto Lógica, fosse retomada e desenvolvida. Segundo Machado (1994, p. 22), Leibniz fornece uma intensa contribuição ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as at e n ç ã o ! Acreditamos que a radical mudança na abordagem sobre o infinito promovida por Cantor no final do século XIX pode ser melhor destacada com uma análise sob três ângulos, que interpretamos como três pontos de vista sobre o infinito: o histórico, o filosófico e o matemático. 31AULA 1 TÓPICO 3 proposições. E vai além, ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está contido, em algum sentido, no sujeito. Machado (1994, p. 22) esclarece que: Para Leibniz há duas classes de verdades: as verdades da razão e as verdades dos fatos. As verdades da razão são necessárias e sua negação não faz sentido. A necessidade se exprime através da análise e da conseqüente decomposição em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a necessidade lógica seja transparente. O princípio que regula a análise é o da não-contradição, que engloba o da não identidade e o do terceiro excluído. Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os postulados e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é impossível de sustentar sem incorrer em contradições (MACHADO, 1994, p. 23). As verdades da razão enunciam que uma coisa é necessária e universal, não podendo de modo algum ser diferente do que é e de como é. Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É inquestionável que o triângulo não possua três lados e que a soma dos seus ângulos seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da razão é que um circulo não tenha todos os pontos eqüidistantes do centro. Outra verdade da razão é que não se pode contradizer o que 2+2 seja diferente de 4; é impossível questionar que o todo é maior do que suas partes constituintes. As verdades de fato, por outro lado, são as que dependem de nossa experiência captada no mundo em que vivemos. De fato, elas são obtidas através da sensação, da percepção e da memória. Elas são empíricas e se referem a coisas que poderiam ser diferentes do que são, mas podemos identificar causas que sejam assim. Quando dizemos que uma rosa é branca, nada impede que ela possa ser vermelha ou amarela, mas se ela é branca é porque alguma causa a fez deste modo e aparência. Mas não é acidental ou contingente que ela tenha cor e é a “cor” que possui e envolve uma causa necessária. As verdades de fato são verdades porque para elas funciona e empregamos o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que percebemos e identificamos, e tudo aquilo que temos experiência possui uma causa determinada e identificável e conhecida. Pelo princípio da razão suficiente – isto é, pelo conhecimento das causas – toda a verdade de fato pode tornar-se verdades necessárias e serem consideradas verdades da razão, ainda que para conhecê-las dependamos da experiência mundana. filosofia das ciências e da matemática licenciatura em matemática L IC E N C IA T U R A E M M A T E M Á T IC A - F IL O S O F IA D A S C IÊ N C IA S E D A M A T E M Á T IC A U A B / IF C E S E M E S T R E 6 Ministério da Educação - MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Aberta do Brasi l Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Universidade Aberta do Brasil Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Diretoria de Educação a Distância Fortaleza, CE 2011 Licenciatura em Matemática Filosofia das Ciências e da Matemática Francisco Régis Vieira Alves SUMÁRIO AULA 2 AULA 3 AULA 4 Apresentação 7 Referências 164 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Currículo 167 Filosofia das Ciências e da Matemática 8 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática 9 A natureza do conhecimento matemático 18 Os precursores da filosofia 23 AULA 1 Filosofia da Matemática 35 As correntes filosóficas da matemática 36 O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetiano 50 Arquimedes e a Noção de Demonstração 58 Sobre a natureza das definições matemáticas 59 As influências das correntes filosóficas no ensino atual 68 As características de uma definição matemática e o ensino de álgebra 80 As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade do matemático e alguns paradoxos 84 As dimensões filosóficas da intuição matemática 85 O papel da intuição da atividade do matemático 91 Os paradoxos relacionadosà intuição matemática 98 AULA 6 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais 107 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática 108 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II 116 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 125 A construção dos números reais, complexos e considerações finais 134 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 135 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV 149 Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de sua história 156 7APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Caro(a) estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ciências e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribuído ao filósofo da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro investigou a Lógica da Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua vida acadêmica, analisou a Lógica da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos a “impossibilidade”, do ponto de vista filosófico, de compreensão da LDC, por parte do futuro professor, sem um entendimento razoável da LDM, embora muitos defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas iniciais, o cenário filosófico, epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a revolução dos paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de um olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que, aos olhos dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos que a Matemática é bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de fórmulas. Por fim, trazemos a filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e Morris Kline, com a intenção de inspirar a pedagogia do futuro docente. Francisco Regis Vieira Alves 10 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica b. Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua organização, quer sejam especulativos, quer científicos; c. Epistemologia particular, quando trata de levar em consideração um campo particular de saber, quer especulativo, quer científico; d. Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela mantém com as demais disciplinas. Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a ênfase que daremos ao longo destas aulas à Epistemologia Específica e, de modo particular, à Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um seu viés filosófico. Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico da Matemática na medida em que identificamos mudanças e substituições de paradigmas epistemológicos. Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da Matemática, muito menos diversos fenômenos que evoluem no universo didático, histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo, identificados no item (2): Figura 1: Aspectos do saber matemático (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 2) O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/ caracterizam ou significam determinadas dimensões do saber matemático, apesar de possuírem uma região de interface comum, todavia tal interface ou região de 11AULA 1 TÓPICO 1 interseção é observada graças à necessidade e insuficiência que muitas áreas do conhecimento científico apresentam; deste modo, necessitam se apoiar, “importar” e se ‘apropriar’ de determinados paradigmas e métodos próprios da Matemática para seu próprio interior, como garantia de rigor e cientificidade. Figura 2: Relações entre Ciências e Matemática (elaboração própria) Por outro lado, destacamos, também na Figura 2, uma região pertencente ainda à Filosofia da Matemática que possui vigor próprio, que indicamos por (?), a qual não é encontrada e/ou identificada em mais nenhuma outra área do conhecimento científico. Sua importância se explicita na medida em que desenvolvermos nossas considerações acerca do ensino de Matemática que não pode desprezar a dimensão filosófica do saber matemático. Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo José da Silva, quando, em seu livro intitulado Filosofias da Matemática, destaca: A matemática entrou na cultura primeiramente como uma técnica, a de fazer cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens perdem-se nos primórdios da história. Dentre os povos antigos, os egípcios foram bons matemáticos, como suas realizações técnicas o atestam, mas os babilônios foram ainda melhores. Mas, ainda que essas culturas tenham produzido uma matemática reconhecível como tal, faltava a ela o caráter sistemático, rigoroso, puro – isto é, não empírico – e, em grande medida, a indiferença com respeito a aplicações práticas e imediatas que caracterizam o conhecimento matemático, tal como entendemos hoje (SILVA, 2007, p. 31). Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por algumas civilizações mais antigas para um saber matemático de caráter “rigoroso”, “sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de 12 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica transição, encontrado em determinadas fases históricas mais proeminentes, como as fases históricas discutidas por Silva, são objeto de estudo do que Hilton Japiassu chamou acima da epistemologia específica da Matemática. A Filosofia da Matemática que por ora discutimos se interessa por questões desta natureza. Além disso, vamos discutir, ainda, outros interesses que podem ser identificados apenas nesta área e em mais nenhuma outra área do conhecimento científico (Figura 2). Destacamos outro trecho de Silva (2007, p.34) com a intenção de ilustrar, em nossa discussão filosófica inicial, a significação do termo Filosofia da Matemática. O gênio de Euclides, porém, estava no modo como ele fez isso. A partir de um sistema mínimo e supostamente completo de verdades não-demonstradas e indemonstráveis – axiomas e postulados (posteriormente verificou-se que faltavam pressupostos substituídos pela intuição espacial) -, Euclides, demonstrava racionalmente todos os enunciados de Os elementos. Estava assim criado o método axiomático-dedutivo que viria a servir de modelo para toda a matemática a partir de então: a redução racional (preferivelmente lógica) de todas as verdades de uma teoria e uma base mínima e completa de verdades evidentes ou simplesmente pressupostas. Não havia nada de remotamente similar na matemática não grega. Nas palavras do autor, observamos um dos elementos peculiares ao pensamento matemático que influenciou, séculos mais tarde, várias áreas do conhecimento científico. Note-se que a dimensão epistêmica é sempre exigida para que possamos compreender o caráter filosófico dos saberes científicos constituídos até nossos dias. De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao método axiomático-dedutivo, inaugurado pela civilização jônica. Sua função naquela época assumiu um papel fundamental do ponto de vista epistemológico, principalmente quando adotamos a seguinte significação: A epistemologia pode, então ser definida como o ‘estudo da constituição dos conhecimentos válidos’. O termo ‘constituição’ recobre ao mesmo tempo as ‘condições de acesso’, isto é, os processos de aquisição dos conhecimentos, e s a i b a m a i s ! O Método axiomático–dedutivo foi sistematizado a partir dos gregos evoluiu e se aperfeiçoou, alcançando seu apogeu com o grupo Bourbaki. A intenção principal consiste em formalizar e descrever o conhecimento matemático por meio de estruturas gerais e abstratas. 15AULA 1 TÓPICO 1 de inquérito da matemática, diferencia-se da matemática, pois não se dispõe a fazer matemática, construindo o conhecimento desta ciência, mas dedica- se a entender o seu significado no mundo, o sentido que faz para o homem, de uma perspectiva antropológica e psicológica, a lógica da construção do seu conhecimento, os modos de expressão pelos quais aparece e materializa- se, cultural e historicamente, a realidade dos seus objetos, a gênese do seu conhecimento (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27). Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando pensamos que, de um ponto de vista prático e utilitarista, seria mais importante para o professor de matemática um razoável conhecimento em Filosofia da Educação em detrimento da Filosofia da Matemática. Tal patologia intelectual pode ocorrer também quando acreditamos de modo ingênuo que, compreendendo a Filosofia da Educação, consequentemente, o professor compreenderá a Filosofia da Matemática. E, por fim, com vistas finais ao ensino de matemática propriamente dito, qual das duas se apresenta de maior relevância para o futuro professor de matemática? Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por profissionais que desconhecem o real e o concreto efetivo significado da regência numa aula de Matemática, que se refere ao fato de que a maior parte do tempo despendido pelo professor na escola é dedicada à ação de dar aula de Matemática. Assim, a retórica que identificamos na definição fornecida por Bicudo & Guarnica (2001) relativa à Filosofia da Educação, em termos práticos, em nada melhorará ou aperfeiçoará a ação que mencionamos. Nesse sentido, destacamos a relevância de um saber vinculado e determinado pelo saber matemático que poderá proporcionar o aperfeiçoamento da ação docente, de acordo com o que exibimos na Figura 1. Antes de apresentarmos nosso argumento final, discutiremos outras questões levantadas por Bicudo & Guarnica (2001, p. 27) quando afirmam que: As perguntas básicas da filosofia – “O que existe?”, “O que é o conhecimento?”, “O que vale?” -, são trabalhadas pela filosofia da matemática, focalizando-se especificamente nos objetos da matemática. Desdobram-se em termos de “Qual a realidade dos objetos da matemática?”, “Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais os critérios que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas?”, “Os objetos e as leis matemáticas são inventadas (construídas) ou descobertas?”. Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é relevante para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de 16 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica propostas curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino, expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27). Depois destas ponderações, acreditamos ser insustentável a crença de que a formação em Filosofia da Educação deve anteceder qualquer formação e informação relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre, assumir este posicionamento implica aceitar o diagrama que propomos (Figura 3), ou melhor, significa compreender o particular, para depois compreender o geral. Vários epistemólogos nos fornecem esta lição, entre eles podemos citar Karl Popper e Thomas Khun. Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos iniciais que adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino de Matemática, recordamos ainda que a Filosofia da Matemática interessa-se por questões de caráter: (i) ontológico: o que existe em Matemática; (ii) epistemológico: como se conhece o que existe em Matemática e o que pode ser considerado conhecimento matemático; (iii) axiológico: quando um conhecimento matemático pode ser considerado como verdadeiro. Estes questionamentos podem nos fornecer elementos para compreender os processos necessários que tornam nossas crenças matemáticas em conhecimento matemático válido. Figura 4: Relações entre conhecimento e crença matemática Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro professor de Matemática. Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente firmada e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática. Tal área de inquérito investigativo é assim caracterizada: 17AULA 1 TÓPICO 1 Por focalizar a matemática no contexto da educação, a Filosofia da Educação Matemática também se coloca questões sobre o conteúdo a ser ensinado e a ser apreendido e, desse modo, necessita de análises e reflexões da filosofia da matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do conhecimento matemático, do valor da matemática (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 30). Esta área de investigação será retomada por nós no final de nossos estudos. Assim, para prosseguir de acordo com o que acreditamos ser o mais compreensível para o leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões relacionadas ao saber matemático. Nesta aula, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais relacionados com a Filosofia das Ciências e Filosofia das Matemáticas. No próximo tópico introduziremos outros elementos que diferenciam e distinguem a evolução do saber matemático no contexto científico de qualquer outro saber acadêmico. 20 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É apresentada uma lista de propriedades gozadas por eles (os axiomas) e tudo decorre daí. Não interessa i que os números são; (isto seria mais um problema filosófico) o que interessa é como eles se comportam. Embora os axiomas por ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo indica que Peano trabalhou independentemente. O mais importante não são quais os axiomas ele escolheu e sim qual a atitude que ele adotou, a qual veio a prevalecer na Matemática atual, sob o nome de método axiomático. Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de filosófico, todavia a descrição que fizemos acima, com destaque para o item (iii), que caracteriza o princípio de indução matemática, é pura Filosofia da Matemática. Caraça (1951, p. 4) referenda nosso posicionamento quando comenta que: A ideia de numero natural não é um produto puro do pensamento humano, independentemente da experiência; os homens não adquirem primeiro os números naturais para depois contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem do homem criando de uma maneira completa a ideia de número, para depois aplicar à prática da contagem, é cômoda, mas falsa. Note-se que, dependendo do sistema matemático formal, o conjunto ={0,1,2,3,.....,.....} ou ={1,2,3,.....,.....} . De fato, quando consideramos a teoria aritmética dos números, o primeiro conjunto é assumido, e quando estudamos os conteúdos de Análise Real, o conjunto  é assumido sem o zero ‘0’. Lima (2004, p. 150) se manifesta do seguinte modo: Sim e não. Incluir ou não o número 0 no conjunto dos números naturais é uma questão de preferência pessoal ou, mais objetivamente, de conveniência. O mesmo professor ou autor pode, em diferentes circunstâncias, escrever Î0  ou Ï0  . Como assim? Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente em todos eles encontramos ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de Análise. Lá achamos quase sempre ={1,2,3,.....,.....} . s a i b a m a i s ! A criação de um símbolo para representar o nada constitui um dos atos mais audazes do pensamento, uma das maiores aventuras da razão. Essa criação é relativamente recente (talvez pelos primeiros séculos da era cristã) e foi devida às exigências da numeração escrita. (CARAÇA, 1951, p. 6). 21AULA 1 TÓPICO 2 Ernest (1991) discute o exemplo da verificação que de fato + =1 1 2 , segundo o sistema axiomático de Peano. Para tanto, assumimos os axiomas que garantem que podemos escrever que =(0) 1s e =(1) 2s . Também a partir da Aritmética de Peano, sabemos que + = = +0 0x x x , para todo Îx  . Temos também que + = +( ) ( )x s y s x y , onde Î,x y  . Na sequência, o fato banal simbolizado por + =1 1 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez passos de inferências lógicas como vemos na Figura 5. Figura 5: Passos de inferências lógicas (ERNEST, 1991, p. 5) Alguns dos elementos discutidos anteriormente apontam para a direção de considerar o conhecimento matemático dotado de verdades universais, infalível e não questionável. Essencialmente construído a partir de verdades estabelecidas a priori. Tal perspectiva é o que Ernest (1991, p. 7) chama de visão absolutista da matemática. De acordo com tal visão, o conhecimento matemático fornece o único modo de alcançarmos a verdade. O autor explica ainda que parte deste poder e caráter absolutista é fortalecido por meio do método dedutivo formal. Tal terreno é construído a partir da lógica e pode fornecer absoluta certeza ao conhecimento. Ernest (1991, p. 7- 8) salienta ainda que, no primeiro momento, todos os pressupostos básicos são assumidos a partir da exploração de suas provas e demonstrações. Ademais, os axiomas matemáticos são assumidos como verdade e, a partir da necessidade de considerações anteriores, as definições formais matemáticas são construídas assumindo também valores lógicos verdadeiros. No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem preservar a verdade e conduzir também à verdade. E, verdade deve ser obtida a partir de verdades, por meio do emprego destes modelos lógicos. Ernest (1991, p. 22 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica 8) acrescenta ainda que toda afirmação ou proposição estabelecida num sistema dedutivo deverá conter suas conclusões e, uma vez estabelecido um teorema por meio do método dedutivo, o conhecimento extraído deste teorema deve ser sempre verdadeiro. A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas (ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto, de modo pormenorizado, nas próximas aulas. Para concluir, destacamos algumas características do saber matemático, fornecidas por Morris Kline: Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos. Os conceitos, os métodos e conclusões a respeito de que a matemática constitui o substratum das ciências físicas. (KLINE, 1964, p. 5). Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da beleza do conhecimento matemático ao declarar que: Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição, imaginação árida na criação de provas e conclusões oferece satisfação estética de alta para o criador. Se a percepção e a imaginação, simetria e proporção, a falta de superfluidade, e adaptação exata entre meios e fins são compreendidas em beleza e são características das obras de arte, então a matemática é uma arte com uma beleza própria [...] Grandes pensadores cedem às modas intelectuais do seu tempo como as mulheres fazem a moda no vestuário. Mesmo os gênios criativos para quem a matemática era puramente um hobby prosseguido os problemas que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No entanto, esses “amadores” e matemáticos em geral, não têm se preocupado principalmente com a utilidade do seu trabalho. Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste âmbito de reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas dificilmente seriam percebidas por um estudante que não apresente uma formação em Matemática além da escolar. Este assunto será retomado por nós adiante, por ora, apresentamos, na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento matemático filosófico ocidental. 25AULA 1 TÓPICO 3 Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica absolutista da Matemática conhecida como logicismo. Discutiremos as principais características desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são esclarecedoras suas palavras na medida em que explicam as intenções iniciais do antigo filósofo, e é interessante conhecer as consequências que tiveram e as implicações desta ideologia ou doutrina do platonismo com relação ao saber matemático. Neste contexto, Barbosa (2009, p. 37) acrescenta ainda: Uma boa parte do platonismo, assim como nós o conhecemos hoje, é, portanto, uma criação posterior a Platão. O platonismo na moderna filosofia matemática é descrito como uma teoria que trata das verdades das proposições matemáticas, sendo “usualmente tomado como um tipo de realismo, equivalente a crença de que os objetos da matemática tais como os números literalmente existem independentes de nós e de nossos pensamentos a respeito deles”. Segundo Silva (2007, p. 37), para Platão, as entidades matemáticas constituem um domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo entendimento. Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes matemáticos têm uma existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os objetos matemáticos só existem encarnados em objetos reais – e só nos são revelados com o concurso, ao menos em parte, dos sentidos. Silva (2007, p. 37-38) diferencia de modo eficiente as duas perspectivas desenvolvidas por estes dois pensadores ao declarar que: Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo puro de entidades perfeitas, imutáveis e eternas – os conceitos matemáticos entre elas. Para Aristóteles, o mundo sensível é a realidade fundamental, os entes matemáticos são ‘extraídos’ dos objetos sensíveis por meio de operações do pensamento, e os conceitos matemáticos são apenas modos de tratar o mundo real. [...] De um lado o racionalismo de Platão, que atribui à razão humana o poder de penetrar nos domínios supra-sensíveis da matemática, e o seu realismo ontológico transcendente, que afirma que a existência independente dos entes matemáticos num reino fora deste mundo; de outro, o empirismo de Aristóteles, que se recusa a dar morada aos entes matemáticos em qualquer outro reino que não o deste mundo, e o seu realismo ontológico imanente, que garante, ele também, uma existência dos objetos matemáticos independentemente de um sujeito [...]. 26 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de números matemáticos. Para ele, não existem vários números ‘2’, e sim a ideia de dois. Se existisse no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade + =2 2 4 , na qual comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’ (SILVA, 2007, p. 40). Essa identidade não pode ser uma relação entre Ideias numéricas – sendo entidades singulares elas não admitem cópias de si próprias – mas entre números, que precisam então existir em abundância. Platão teve assim que admitir a existência, além da perfeita Ideia de 2, das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA, 2007, p. 40). Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os conceitos de números pares e números ímpares. Barbosa (2009, p. 48) acrescenta que os conceitos de par e ímpar permeiam toda a aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar todos os outros números. Esta dualidade pode indicar certa concordância com o pitagorismo. E ainda, Platão teria utilizado os números dois e três precisamente por se tratarem dos primeiros par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade, em geral, não se considerava o um como número (BARBOSA, 2009, p. 48). Não podemos esquecer as preocupações de Platão com o ensino e, com respeito a isto, Barbosa (2009, p. 49) ilustra: Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon. Nesse diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático como instrumento de ensino, quando primeiramente leva o escravo a reconhecer o próprio erro, e depois o induz ao conhecimento certo. O problema colocado para o escravo é o de calcular a área de um quadrado de lado 2. Feito isso, Sócrates questiona o jovem escravo sobre o que aconteceria com cada linha deste quadrado se a sua área fosse duplicada [...] Sócrates constrói com o escravo um novo quadrado sobre aquele inicialmente dado, o que tem lados com medida de 2 pés, prolongando os seus lados até que atinjam a medida 4 pés. O escravo parece estarrecido ao notar que o quadrado construído com as linhas duplicadas do quadrado original tem o quádruplo de sua área. at e n ç ã o ! A filosofia da Matemática de Aristóteles foi desenvolvida, em parte, em oposição a de Platão, pois ele critica a Teoria das Formas, dizendo que ela não é racional. Para Aristóteles, cada objeto empírico, cada ser existente, é uma unidade e não existe separado de sua forma ou essência (CURY, 1994, p. 47). 27AULA 1 TÓPICO 3 O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar do mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino transcendente de Ideias e formas matemáticas. As formas geométricas e numéricas existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais (SILVA, 2007, p. 43). Para Aristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior das hipóteses, uma ficção útil (SILVA, 2007, p. 44). Eles não têm existência separada dos objetos empíricos, são apenas aspectos delas, e se por vezes pensamos como independentes, isto é, não tem maiores consequências. Um objeto empírico é um objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA, 2007, p. 44). Machado (1994, p. 21) fornece uma distinção interessante quando declara: Enquanto que para Platão, os enunciados matemáticos eram verdadeiros por serem descrições de, ou relações entre, formas matemáticas de existência objetiva. Aristóteles reabilita o mundo empírico bem como o trabalho do matemático. E recoloca a questão de os objetos matemáticos e os enunciados serem verdadeiros ou falsos não em termos absolutos, mas por serem mais ou menos adequados à representação do mundo empírico, adequação esta relativa a algum fim que se objetiva. Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias matemáticas, aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade e o método que identificamos até nossos dias que diz respeito à organização das proposições nas hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições dedutíveis a partir delas, tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções (MACHADO, 1994, p. 21). Suas concepções podem ser consideradas as precursoras do pensamento que motivou os princípios que passaram a regular e caracterizar as subdivisões sucessivas da matemática em várias ramificações (no caso das geometrias: Geometria Euclidiana, Geometria Diferencia, Geometria Hiperbólica, Geometria Riemanniana, etc). Silva (2007, p. 45) diferencia o pensamento aristotélico do seguinte modo: Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos aspectos apenas, uma bola como uma esfera, um par de dois livros como dois. Ao fazer isso, abstraímos da bola a sua forma geométrica e da coleção de livros sua forma aritmética. Visto assim, Aristóteles, é um empirista em ontologia, 30 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica apenas as relações formais entre elas (SILVA, 2007, p. 51). Mas isto quer dizer que podemos tomá-la apenas como um jogo formal sem nenhuma intenção cognitiva? Este questionamento, fruto de intensas querelas e embates políticos entre os matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não se tem uma resposta de argumentação satisfatória. Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como pedras angulares para o saber matemático. Um destes exemplos e que foi objeto de reflexão para Aristóteles diz respeito à noção de infinito. Em virtude das ponderações aristotélicas, desenvolveram-se as noções de infinito atual e infinito potencial, entretanto, no que diz respeito ao aspecto matemático desta noção, Georg Cantor (1845-1918) forneceu o acabamento final, acrescentando alguns elementos descuidados por Aristóteles. Com relação a tais noções, Silva (2007, p. 51) acrescenta: Devemo-lhes a distinção fundamental entre o infinito atual e o infinito potencial, ou seja, entre a noção de uma totalidade finita em que sempre cabe mais um indefinidamente – o infinito potencial – e uma totalidade infinita acabada. Segundo Aristóteles, aos matemáticos bastava a noção de infinito potencial. Se bem que esta ideia não corresponde à realidade da prática matemática, uma vez que a noção de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, uma vez que a noção de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, ela foi, e ainda é, aceita por muitos matemáticos, que não vêem na matemática do infinito senão uma fonte de absurdos e contradições. Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções importantes para a Matemática. Para concluir esta seção, discutiremos ainda parte das contribuições devidas à Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e Immanuel Kant (1724-1804) . Machado (1994) explica que cerca de dois mil anos se passaram para que a obra aristotélica, enquanto Lógica, fosse retomada e desenvolvida. Segundo Machado (1994, p. 22), Leibniz fornece uma intensa contribuição ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as at e n ç ã o ! Acreditamos que a radical mudança na abordagem sobre o infinito promovida por Cantor no final do século XIX pode ser melhor destacada com uma análise sob três ângulos, que interpretamos como três pontos de vista sobre o infinito: o histórico, o filosófico e o matemático. 31AULA 1 TÓPICO 3 proposições. E vai além, ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está contido, em algum sentido, no sujeito. Machado (1994, p. 22) esclarece que: Para Leibniz há duas classes de verdades: as verdades da razão e as verdades dos fatos. As verdades da razão são necessárias e sua negação não faz sentido. A necessidade se exprime através da análise e da conseqüente decomposição em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a necessidade lógica seja transparente. O princípio que regula a análise é o da não-contradição, que engloba o da não identidade e o do terceiro excluído. Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os postulados e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é impossível de sustentar sem incorrer em contradições (MACHADO, 1994, p. 23). As verdades da razão enunciam que uma coisa é necessária e universal, não podendo de modo algum ser diferente do que é e de como é. Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É inquestionável que o triângulo não possua três lados e que a soma dos seus ângulos seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da razão é que um circulo não tenha todos os pontos eqüidistantes do centro. Outra verdade da razão é que não se pode contradizer o que 2+2 seja diferente de 4; é impossível questionar que o todo é maior do que suas partes constituintes. As verdades de fato, por outro lado, são as que dependem de nossa experiência captada no mundo em que vivemos. De fato, elas são obtidas através da sensação, da percepção e da memória. Elas são empíricas e se referem a coisas que poderiam ser diferentes do que são, mas podemos identificar causas que sejam assim. Quando dizemos que uma rosa é branca, nada impede que ela possa ser vermelha ou amarela, mas se ela é branca é porque alguma causa a fez deste modo e aparência. Mas não é acidental ou contingente que ela tenha cor e é a “cor” que possui e envolve uma causa necessária. As verdades de fato são verdades porque para elas funciona e empregamos o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que percebemos e identificamos, e tudo aquilo que temos experiência possui uma causa determinada e identificável e conhecida. Pelo princípio da razão suficiente – isto é, pelo conhecimento das causas – toda a verdade de fato pode tornar-se verdades necessárias e serem consideradas verdades da razão, ainda que para conhecê-las dependamos da experiência mundana. 32 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Machado (1994, p. 23) explica ainda que as verdades dos fatos são proposições empíricas cuja negação não encontra óbices do ponto de vista lógico. É uma verdade da razão que minha caneta é uma caneta ou que + =2 2 23 4 5 . É uma verdade de fato que minha caneta é preta ou que um corpo, abandonado em uma certa altura da Torre de Pisa, cairá até o solo. Machado (1994, p. 23) fornece uma importante distinção: Diferentemente de Platão, para quem diagramas, figuras, cálculo simbólico, foram elementos auxiliares ocasionais, Leibniz acreditava que a representação concreta do pensamento em símbolos adequados era, segundo suas próprias palavras, o “fio de Ariadne” que conduz a mente. E o desenvolvimento que ele imprime à Lógica decorre do seu propósito de criar um método de representar o pensamento através de signos, de características relacionadas com o que se está pensando. Para concluir este tópico, destacamos a figura emblemática da Imanuel Kant. Sua proposta inicial consiste na distinção de duas classes de proposições. As proposições sintéticas: as que são empíricas, ou as sintéticas a posteriori e as que não são empíricas, ou sintéticas a priori. As proposições sintéticas a posteriori dependem, segundo Kant, da experiência sensível, para sua verificação, para sua validação e aceitação. Ou ainda de modo indireto, uma vez que são consequências de inferências proposicionais passíveis de alguma verificação experimental. Por outro lado, Machado (1994, p. 24) explica que: Já as proposições sintéticas a priori não dependem da percepção sensorial para sua validação, nem são analíticas, isto é, nem a sua negação conduz a contradições. São proposições necessárias por constituírem a base, a condição de possibilidade da ciência, da experiência objetiva. s a i b a m a i s ! Experiência sensível: Este termo possui dupla raiz etimológica. A palavra latina experientia de onde deriva a palavra experiência, é originária da expressão grega. Deriva-se também de um uso específico da palavra empírico. s a i b a m a i s ! Validação: Este termo aqui é empregado no sentido restrito ao âmbito da investigação em Matemática Pura, assim, diz respeito à aplicação de paradigmas de testagem e verificação da confiabilidade dos conteúdos matemáticos obtidos. 35AULA 2 AULA 2 Filosofia da Matemática Nos próximos tópicos, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais assumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das implicações mais importantes diz respeito à identificação de distorções e incongruências relacionadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem à interpretação dos fenômenos relacionados a este ensino sob o viés de teorias pedagógicas de campos de saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber matemático. Assim, o conhecimento das correntes filosóficas da Matemática poderá instrumentalizar o futuro professor no sentido de proporcionar uma leitura filosófica de sua própria prática docente. Objetivos • Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática • Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da teorização de Piaget e suas implicações para o ensino 36 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Nesta aula discutiremos as principais correntes filosóficas da Matemática. Alguns dos autores escolhidos e consultados ao longo do texto as denominam de correntes absolutistas, pelo fato de não conceber o caráter falível do saber matemático. Um comentário introdutório sobre tais correntes podem ser encontradas em Machado (1994, p. 26) quando esclarece que: As principais concepções a respeito da natureza da Matemática, de sua relação com a realidade, a despeito de suas várias raízes e dos inúmeros filósofos envolvidos, convergiram a partir da segunda metade do século XIX, para três grandes troncos. Estas três grandes correntes do pensamento matemático, cada uma das quais pretendendo fundamentar a Matemática, sua produção, seu ensino, são o Logicismo, o Formalismo e o Intuicionismo. Certamente que a classificação fornecida por Machado (1994) é de caráter esquemático e pedagógico, uma vez que é impossível enquadrar de modo indiscutível todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO, 1994, p. 26). No contexto histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-se desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl Friedrich Gauss (no século XVIII) e as contribuições, principalmente os resultados obtidos por Georg Cantor (no século XIX). TÓPICO 1 As correntes filosóficas da matemática ObjetivO • Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática 37AULA 2 TÓPICO 1 Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto, estavam preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na Teoria dos Conjuntos. Assim, com a intenção de identificar critérios mais rigorosos e confiáveis no sentido de fundamentar a Matemática, desenvolveram-se três escolas de filosofia, cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo e o Formalismo (CURY, 1994, p. 53). Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de hoje, Cury faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento com respeito à atividade avaliativa em Matemática. Muitos tentam compreender e descrever este fenômeno específico por meio de teorias “importadas” de outros campos do saber, o que resulta em uma leitura e significação de caráter retórico, pouco operacional no que diz respeito à sua aplicação no ensino efetivo de Matemática. Iniciamos nossa discussão com uma reflexão de Russell (1920, p. 18) quando alerta que: Matemática e lógica, historicamente, têm sidoestudos inteiramente distintos [...] Mas ambos têm se desenvolvido em tempos modernos; a lógica tornou-se mais matemática e matemática tornou-se mais lógica. A conseqüência é que agora se tornou completamente impossível traçar uma linha entre os dois, na verdade os dois são um só [..] A prova da sua identidade é, naturalmente, uma questão de detalhe. No excerto acima identificamos a dificuldade de traçarmos uma linha divisória entre Matemática e Lógica. De fato, até mesmo mentes brilhantes, como a de Bertrand Russell (1872-1970), destacavam tal empecilho. Mas já que introduzimos a polêmica em torno da Lógica, discutiremos inicialmente alguns aspectos relacionados ao Logicismo. Para falar do Logicismo, é necessário falar de Gottlob Frege (1848-1925). Silva (2007, p. 127) acentua que a estratégia logicista de Frege começa com uma releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos o lógico com o psicológico. Em sua concepção: A razão é simples, representações são “cópias” das coisas em nossa mente, elas são objetos mentais, e qualquer tentativa de definir analiticidade em termos v o c ê s a b i a? Bertrand Russell foi um matemático, filósofo, lógico e historiador matemático inglês. 40 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica quais se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e postulados de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Por outro lado, uma vez atingido os axiomas e postulados, o seu emprego dedutivo, como testemunhamos em Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A distinção entre matemática e filosofia da matemática depende do interesse que inspire a pesquisa e da etapa por esta atingida e não das proposições às quais a investigação esteja afetada (RUSSELL, 1981, p. 9). Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que deveriam ser tomados com vigilância pelos próprios logicistas. Em suas palavras, percebemos alguma destas ressalvas: Uma vez toda a matemática pura e tradicional reduzida à teoria dos números naturais, o passo seguinte na análise lógica, foi reduzir essa própria teoria ao menor conjunto de premissas e termos não definidos dos quais se pudesse ser derivada. Esse trabalho foi realizado por Peano. Ele mostrou que toda a teoria dos números naturais podia ser derivada de três ideias primitivas e cinco proposições primitivas, além daquelas da Lógica pura. Essas três ideias e cinco proposições tornaram-se, desse modo, por assim dizer, as garantias de toda a matemática pura. Seu “peso” lógico, caso se possa usar tal expressão, é igual ao de toda a série de ciências deduzidas da teoria dos números naturais; a verdade das cinco proposições primitivas, desde que, naturalmente, nada haja de errôneo no aparato lógico também envolvido (1981, p. 12). A principal tese logicista foi defendida por Russell, Whitehead, na fundamental obra Principia Mathematica. O autor pretendia derivar as leias da Aritmética e, de resto, toda a Matemática, das leis da Lógica normativa elementar. Muito cedo, porém, a Lógica aristotélica, mesmo incorporando os desenvolvimentos de Leibniz, bem como os que seguiram, mostrou-se pequena demais para tal tarefa (MACHADO, 1994, p. 27). Neste sentido, Machado (1994) aponta os seguintes objetivos propostos pelos logicistas: a) todas as proposições matemáticas podem ser expressas na terminologia lógica; b) todas as proposições matemáticas verdadeiras são expressões de verdades lógicas. Cury (1994, p. 54) menciona que alguns dos logicistas mereceram destaque, como Russell e Whitehead. Cury chama atenção para o coroamento das pesquisas de vários matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos 41AULA 2 TÓPICO 1 o simbolismo exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell intitulada Principia Mathematica mostram que, para os seus autores, a matemática existe em um “céu platônico”, desligada dos problemas humanos. Cury (1994, p. 54) destaca, no entanto que: [...] a tentativa de Russell e Whitehead de mostrar que a matemática clássica pode ser reduzida à Lógica não estava completa. Para evitar os paradoxos e as críticas que surgiam à sua obra, Russell teve que edificar a teoria dos tipos e assumir o axioma do infinito, que não tem caráter lógico estrito, pois é uma hipótese sobre o mundo real. Assim, o programa logicista não teve êxito em sua tentativa de assegurar a visão absolutista da matemática. No final de sua vida, Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara nos seus trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de fundamentar a matemática (CURY, 1994, p. 54). Machado (1994, p. 27) salienta que: A Lógica elementar contém regras de quantificação que provêem a matemática de instrumental eficiente quando se trata de frases onde esteja bem-estabelecida a caracterização do indivíduo e do atributo, distinção essa que sabemos de raízes aristotélicas. Entretanto, ela não admite, sem enfrentar dificuldades, regras de quantificação para expressões bem-formadas onde atributos são tratados como indivíduos. Assim, frases do tipo “todos os indivíduos i têm o atributo A” ou “existe um indivíduo i que tem o atributo A” não oferecem problemas; mas frases como “todos os atributos A têm o atributo B” ou “existe um atributo A que tem o atributo B” conduziriam a dificuldades lógicas. Machado (1994) discute o Paradoxo de Russell, que consiste em uma situação contraditória descoberta por Bertrand Russell em 1901 e que prova que a teoria de conjuntos de Cantor e Frege é contraditória. Consideramos então o conjunto M como definido “conjunto de todos os conjuntos que não se contêm a si próprio como membro. Empregando a notação matemática, escrevemos A é elemento pertencente de M se, e somente se, A não é elemento de A, ou seja, : { ; A A}M A= Ï . No sistema concebido por George Cantor, M é um conjunto bem definido. A questão que se apresenta diz respeito da possibilidade de M conter-se a si mesmo? Ora, se as resposta é sim, não é membro de M, de acordo com a definição estabelecida há pouco. Por outro lado, supondo que M não se contém a si mesmo, tem de ser membro de M, de acordo mais uma vez com a definição de M. Deste modo, as afirmações “M é membro de M” e “M não é membro de M” conduzem ambas 42 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica a inconsistências e contradições. Já no sistema devido a Frege, M corresponde ao conceito e não recai no conceito de sua definição. O sistema de Frege conduz ainda a outras contradições. Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal paradoxo é explicado a partir da Lógica e da Teoria dos Conjuntos. O paradoxo envolve uma aldeia onde, todos os dias um barbeiro faz a barba de todos os homens que não se barbeiam a si próprios e a mais ninguém. Ora, tal aldeia pode existir? O raciocínio nos conduz a duas possibilidades: i) se o barbeiro não se barbeia a si mesmo, então terá de fazer a barba de si mesmo; (ii) se o barbeiro se barbear a si mesmo, de acordo com a regra estabelecida, ele não pode se barbear a si mesmo. A regra anterior caracteriza uma situação indecidível. O paradoxo costuma ser atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de 1901 elaborou este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e inconsistente da teoria dos conjuntos estruturada por Cantor. Não nos deteremos de modo aprofundado nestas questões que exigem um conhecimento aprofundado de lógica e noções e programação. Machado (1994, p. 27) discute outro paradoxo: Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros (indivíduos). Diremos que um catálogo é normal (atributo) se ele não se incluir entre os livros que cita; se ele se incluir, será anormal. Consideremos, agora, o conjunto de todos os catálogos normais e organizemos o catálogo de todos os catálogos normais (indivíduo?). Este catálogo será normal ou anormal? Se ele for normal, ele não se incluirá, por definição deste atributo e, portanto, deverá se incluir uma vez que é o catálogo de todos os catálogos normais, sendo, consequentemente, anormal. Se ele for anormal, ele se incluirá e, portanto, será normal, uma vez que só inclui os normais. E agora?. Por oposição de superação destes e outros entraves, identificamos na história o surgimento de outra corrente filosófica que, em determinados aspectos, sustentava a superação dos entraves logicistas. Assim, observamos o surgimento do formalismo, uma das correntes que mais repercutiu no ensino de Matemática (CURY, 1994). Segundo Ernest (1991, p. 10), o formalismo é uma visão da matemática como um jogo formal sem sentido, constituído de marcas no papel, seguindo regras. O seu maior proponente foi David Hilbert. A corrente formalista teve em Kant profunda inspiração, assim como em Leibniz, que na sua lógica fundou o logicismo. Para 45AULA 2 TÓPICO 1 retas se cruzarão, se prolongadas indefinidamente, do lado da primeira reta em que se encontram os dois ângulos citados. Figura 2: Interpretação do 5º postulado euclidiano por Machado (1994, p. 31) Ainda com referência ao trabalho erigido por Euclides, destacamos o trecho interessante do trabalho de Machado (1993, p. 103) quando explica que: Machado (1994, p. 32) explica ainda que Euclides assumiu outros cinco princípios de caráter mais geral, de natureza que julgava lógica e que seriam utilizados em todas as matérias. Estes princípios ele chamou de axiomas: 1A : Duas coisas iguais a uma terceira coisa são iguais entre si; 2A : Se parcelas iguais forem somadas a quantias iguais os resultados obtidos serão iguais; 3A : Se quantias iguais forem subtraídas de quantias iguais, os restos obtidos serão iguais; 4A : Coisas que coincidem umas com as outras são iguais entre si; 46 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica 5A : O todo é maior do que cada uma das partes. Machado (1994, p. 32) sublinha que a ideia subjacente à fixação dos postulados e axiomas é que eles sejam de tal modo evidentes que ninguém deles duvide. E a partir deles que todos os fatos geométricos, todos os teoremas são demonstrados. Por outro lado, um problema profundo de natureza filosófica diz respeito ao caráter de “evidência” atribuído aos axiomas e postulados. Neste sentido, Machado (1994, p. 32) sublinha que: A análise da afirmação do 5º postulado perturbou a muitos matemáticos desde o início, uma vez que ele parecia menos evidente que os demais, anômalo em algum sentido que não era explicitamente percebido. Na verdade, o 5º postulado parecia um teorema como os inúmeros demonstrados por Euclides e não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a tentarem demonstrá-lo a partir dos outros quatro. O problema maior apontado no trecho acima diz respeito ao caráter não tão evidente do 5º postulado. Como consequência deste caráter de incredibilidade e falta de consenso da comunidade, não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a tentarem demonstrá-lo partir dos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 32). Como essa ideia se mostrou impraticável e tratou-se de uma tarefa não trivial, os esforços se modificaram na tentativa de substituição do 5º postulado por outro enunciado de natureza mais simples ou evidente. Todavia, tais iniciativas mostraram que existem muitos outros princípios geométricos capazes de substituir o 5º postulado, sem que o sistema formal (Figura 1) perca qualquer de seus teoremas (MACHADO, 1994, p. 32). A partir daí, a História da Matemática descreve o advento das Geometrias Não Euclidianas. Nestas novas geometrias, coisas estranhas e propriedades que contrariam nossos sentidos, erigidos a partir dos modelos euclidianos, são exploradas. Por exemplo, podemos recordar o problema que descreve que partindo de um ponto da Terra, um caçador andou 10 km para Sul, 10 km para Leste e 10 km para Norte, voltando assim ao ponto de partida. Aí encontrou um urso. Qual a cor do urso? À primeira vista, podemos imaginar que esta situação problema não possui solução e, portanto, o caçador não retornaria ao ponto de partida, como mostra o esquema da figura 3. No entanto, não podemos esquecer o fato de que a Terra não é uma superfície plana, mas curva. Assim, a solução está à vista: andando 10Km segundo aquelas três direções perpendiculares, o caçador só voltará ao ponto inicial de partida se iniciar sua caminhada no Pólo Norte. Mas enquanto ao urso? 47AULA 2 TÓPICO 1 Com a história toda se desenvolve no Pólo Norte, só pode ser um urso polar e por isso um urso de cor branca. Toda a dificuldade na solução deste problema passa pelo fato de pensarmos na Geometria sobre um plano. Note-se que desde o século passado, com o aparecimento de Geometria Não Euclidiana, surge uma nova solução para este problema. Figura 3: O problema do urso polar envolvendo noções de geometrias não euclidianas Vamos pensar ainda que o caçador está no Pólo Sul e a Terra possui círculos concêntricos, com comprimentos distintos. Um desses círculos terá 10 km de comprimento então, qualquer que seja o ponto, situado a 10km para a direção norte desse círculo, satisfará as condições e exigências do problema inicial. De fato, o caçador anda 10 km para a direção Sul e chega a esse circulo; em seguida anda 10km para a direção Leste e dá uma volta completa; ao andar 10km para a direção Norte, retorna ao mesmo ponto de origem. Nesta nova solução esta ainda o urso, todavia, não existem ursos no Pólo Sul. Se bem que os ursos não tem relação alguma com a Matemática, tem? No século XVIII, o matemático italiano Sachieri fez outro tipo de tentativa: em vez de demonstrar o 5º postulado de Euclides, a partir dos demais postulados ou de propor um substituto mais evidente, ele investigou a independência deste postulado em relação aos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 33). Seu plano é descrito por Machado (1994, p. 33) do seguinte modo: [...] era admitir os quatro primeiros postulados e negar o 5º postulado, para efeito de discussão, considerando o novo sistema formal resultante. 50 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica TÓPICO 2 O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetiano ObjetivO • Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da teorização de Piaget e suas implicações para o ensino Nesta aula abordaremos uma palavra recorrentemente explorada e aplicado em situações e domínio epistêmicos completamente distintos dos quais efetivamente se originou. De fato, o termo “construtivismo” se espalhou com tanto vigor que na atualidade não se encontra ninguém não se autodenomine um construtivista. O equívoco acadêmico diz respeito ao desconhecimento de dois pressupostos filosóficos. O primeiro é o construtivismo no seio da própria Matemática e o segundo, mais popularizado, o construtivismo piagetiano. Para compreender-mos um pouco mais do primeiro a ponto de distingui-lo do segundo, destacamos Machado (1994, p. 41) quando comenta os principais elementos inconsistentes e que receberam críticas das correntes absolutistas da Matemática do seguinte modo: O logicismo pretendeu fundar a matemática nas leis gerais do pensamento sem que nunca penetrasse nas características específicas, na gênese dessas leis lógicas. O formalismo pregou que os sistemas formais, que utilizavam essas mesmas leis, constituiriam em si o objeto da matemática, independentemente de suas interpretações. Mas também não deu grandes passos no sentido de investigar o mecanismo que possibilita a concordância, mais cedo ou mais tarde, destes sistemas abstratos com o real através das interpretações. O intuicionismo deixou em permanente penumbra a dinâmica das intuições que conduziam os matemáticos à criação de seu mundo autônomo. Nunca esclareceu o modo como se mesclavam as concepções a priori sobre o espaço e o tempo e as construções dos matemáticos. 51AULA 2 TÓPICO 2 De modo semelhante ao discutido por Ermest (1991), neste trecho acima Machado aponta de modo consistente os pontos mais delicados das correntes que discutimos na seção anterior. Ademais, Machado (1994) insere nesta discussão as formulações de Piaget, todavia, antes de discutirmos seu ponto de vista, torna- se imperioso compreendermos a corrente filosófica construtivista pertencente à Filosofia da Matemática, que se diferencia de modo substancial do construtivismo piagetiano. Neste sentido, Ernest (1991, p. 11) declara que o programa construtivista diz respeito à reconstrução do conhecimento matemático (e reformulação da prática matemática). Seu objetivo caracterizou-se por rejeitar argumentos não construtivistas, tais como os argumentos de Cantor relacionados a não enumerabilidade do conjunto dos números reais, e as leis da lógica relacionada ao Princípio do Terceiro Excluído. Os construtivistas da Matemática mais conhecidos foram Brouwer e Arend Heyting (1898-1980) que foi um matemático holandês. Ademais variadas dimensões do construtivismo podem ser identificas hoje em dia (ERNEST, 1991, p. 11). Esta corrente filosófica reúne matemáticos que acreditam que a Matemática clássica necessita ser reconstruída a partir de métodos e raciocínio adequado. Os construtivistas assumem que tanto as verdades matemáticas como os objetos existentes da matemática precisam ser estabelecidos por meio de métodos construtivos (ERNEST, 1991, p. 11). Ernest (1991, p. 12) explica que, considerando a clássica demonstração de existência matemática em demonstrações, deve-se de modo similar demonstrar a necessidade lógica da existência, e uma prova construtiva da existência pode mostrar como construir o objeto matemático cuja existência é defendida. Por outro lado, os construtivistas não demonstraram que existem problemas inescapáveis diante de problemas clássicos de matemática (ERNEST, 1991, p. 12). Todavia, de modo semelhante às outras correntes filosóficas absolutistas, a perspectiva construtivista na Matemática, em alguns resultados, mostrou-se inconsistente em relação a alguns resultados da Matemática clássica. Com respeito a esta tendência verificada, Jairo (2007, p. 143) esclarece: at e n ç ã o ! O princípio do Terceiro Excluído diz que uma proposição pode ser verdadeira se não for falsa e só pode ser falsa se não for verdadeira. 52 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Considerando a linguagem e os métodos caracteristicamente construtivos da matemática grega, o construtivismo remonta à Antiguidade Clássica. Mas como uma filosofia da matemática, em particular uma ontologia e uma epistemologia, ele é mais moderno; Kepler foi talvez o primeiro a dizer explicitamente que uma figura geométrica não construída não existe. Mas o pioneiro na elaboração de uma filosofia construtivista da matemática foi Kant e, de um modo ou de outro, todos os filósofos da matemática de orientação construtivista são seus herdeiros. Kant não hesitou em negar como matemática tudo aquilo que não fosse atual ou potencialmente construído, neste sentido, as raízes quadradas de números negativos foram seriamente evitados. Segundo o próprio Kant, essas raízes são pseudonúmeros, por não admitirem exemplificação intuitiva (SILVA, 2007, p. 143). No entanto, foi no final do século XIX, primeiras décadas do século XX, que o construtivismo ganhou maior vigor na comunidade de matemáticos. Jairo (2007, p. 145) comenta ainda que: Construtivistas, como Poincaré e Brouwer, preferiam deixar Deus e a lógica para apelar para a intuição humana. Eles acreditavam que é no interior da consciência humana e suas vivências que os números naturais se constituem e suas verdades se fundamentam. Não há, segundo eles, como definir esses números em termos mais elementares. Poincaré, além de ridicularizar todo o projeto logicista, criticou, como mencionamos há pouco, as tentativas de Dedekind de definir o conceito de número natural. São esses os herdeiros legítimos de Kant. Até o momento já dispomos de elementos teóricos que nos permitirão comparar o construtivismo piagetiano com o construtivismo na Matemática. Provavelmente o que ambos possuem de comum é a identificação de elementos essenciais pertencentes à cognição humana que precisam ser ativados e estimulados de modo conveniente (MAIO, 2002) para que possamos esperar uma razoável aprendizagem. O construtivismo piagetiano apresenta várias distorções no contexto de ensino aprendizagem, apesar de seus pressupostos iniciais indicarem elementos diferenciados de natureza epistemológica e filosófica. Seu principal expoente foi Jean Piaget (1896-1980), que sempre manifestou profundas inspirações no conhecimento matemático. Para ele, as soluções clássicas do problema da relação da Matemática com a realidade se encerravam no dilema: ou a matemática se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída 55AULA 2 TÓPICO 2 Grosso modo, sua proposta é de fundar a lógica nessa moderna Psicologia, científica e objetiva. Ele pretende que, em sua origem, as operações lógico- matemáticas procedam diretamente das ações mais gerais que podemos exercer sobre objetos ou grupos de objetos. Elas consistem em estabelecer correspondências contar, reunir, associar, dissociar, ordenar, etc. A gênese das operações lógico-matemáticas deve ser buscada, segundo ele, neste aspecto de atividade coordenadora das ações físicas mais elementares. Deste modo, a perspectiva filosófica de Piaget pode ser descrita do seguinte modo, no que diz respeito ao desenvolvimento da Matemática: 1) os entes matemáticos originam-se da coordenação das ações físicas mais gerais que o sujeito exerce sobre o objeto; 2) desta ligação, tais entes se distanciam mais e mais do objeto concreto, entretanto, conservam o poder de reunirem ao objeto, de se reencontrarem com a realidade imediata em todos os níveis, de dizerem respeito à realidade, por mais alto que seja o vôo alcançado. Mais adiante, Machado (1994, p. 43) levanta algumas questões de ordem filosófica: a) Como, apesar deste afastamento da realidade, o pensamento matemático segue fecundo? b) O que possibilita este constante acordo com a realidade? Qual a condição de possibilidade de tal compatibilidade? Piaget responde alguns destes questionamentos quando declara que o pensamento matemático é fecundo porque, ao ser uma assimilação do real às coordenadas gerais da ação, é, essencialmente, operatório (PIAGET, 1978, apud MACHADO, 1994, p. 44). Assim, alguns de seus pressupostos envolvem a intenção de explicar as operações de composição das ações básicas em novas ações mais complexas que se estabelecem e se sobrepõem às anteriores, na dependência de um caráter de operacionalidade. Para Piaget, é inexato dizer que os entes matemáticos e as estruturas matemáticas se formam a partir do objeto isolado. Para ele, o pensamento matemático em relação à realidade física: É criação e agrega a ela em lugar de abstrair algo ou de extrair sua matéria... antecipa experiências, em alguns casos, antes que se produzam, e lhes proporciona marcos antes que a idéia de tais experiências haja germinado no pensamento (PIAGET, 1978, apud, MACHADO, 1994, p. 44). 56 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Na Figura 5 abaixo, descrevemos as relações que podem ser estabelecidas entre o sujeito do conhecimento (indivíduo) e um objeto matemático. Note-se que vários pensadores discutem as formas (dimensão filosófica) e maneiras da ocorrência de um fenômeno (dimensão cognitiva) que conhecemos por abstração matemática, que, depois da perspectiva piagetiana, passou a ser melhor compreendido. Figura 5: Relações estabelecidas entre sujeito e objeto matemático diante à realidade Machado (1994, p. 46) exalta o ponto de vista original piagetiano quando declara que: O fato de Piaget ter concentrado seus esforços na Psicologia teve como conseqüência uma aparência de maior aproximação de seu trabalho da prática docente o que conduziu a diversas tentativas de fundamentação de uma didática para a matemática. Entretanto, o superdimensionamento da componente psicológica da atividade didática, em detrimento de outros fatores, frequentemente mais proeminentes, é um dado que compromete tais tentativas, por não ser circunstancial, mas sim inteiramente decorrente da visão piagetiana da relação da matemática com a realidade. Para concluir esta aula, destacamos que, no ambiente da formação de professores, muito se fala a respeito do construtivismo piagetiano e nada se comenta ou se discute a respeito do construtivismo na Matemática. Com relação a este fato é necessário estabelecer alguns pontos de vigilância. Com relação ao primeiro ponto, evidenciamos com preocupação o discurso retórico a respeito do construtivismo piagetiano no ambiente de formação, todavia, como vimos em alguns exemplos, Piaget apoiou fortemente sua teoria na Matemática e desenvolveu raciocínio metafóricos e analogias entre as operações cognitivas e as 57AULA 2 TÓPICO 2 estruturas algébricas matemáticas (MAIO, 2002). Desse modo, sem dispor de uma formação razoável em Matemática. não se pode esperar compreender Piaget. Ademais, as pessoas costumam valorizar a face visível da Matemática, e neste sentido, a dimensão lúdica recebe destaque, entretanto a beleza ou curiosidade realçada por um educador adquire sentido na medida em que compreendemos também o modelo lógico-matemático que reside nestas aplicações, alias, observamos com frequência exemplos de aplicações supérfluas que, no final das contas, em nada acrescentam ao conhecimento do futuro professor de Matemática. O segundo ponto que requer vigilância se refere à necessidade de adquirirmos um “olhar filosófico” do conhecimento matemático. De fato, observamos vários exemplos de pensadores que destacam a ‘beleza’ do saber matemático quando vislumbrado por meio de uma perspectiva filosófica, embora o domínio do conteúdo seja ainda uma condição imprescindível para esta visão filosófica. O terceiro ponto que requer vigilância se relaciona com os desdobramentos e consequências das correntes filosóficas (formalismo, logicismo e intuicionismo) que discutimos nas seções anteriores. Veremos que algumas delas mostraram-se mais marcantes do que outras e conseguiram um espaço maior de influência, tanto no que diz respeito à atitude do professor, quanto ao que pode ser relacionado à sua práxis em sala de aula. Algumas destas “distorções” e “incongruências” no ensino de Matemática são determinadas, em maior ou menor parte, por algumas dessas correntes filosóficas. Nesse ponto, identificamos um discurso acadêmico, ancorado em conhecimentos que apresentam campos epistêmicos distintos da própria Matemática, todavia empregados de modo inadequado e superficial para explicar/ significar/compreender as distorções no ensino desta ciência. Para encerrar, salientamos nesta aula a discussão em torno das correntes filosóficas absolutistas da Matemática. Neste rol de posicionamentos filosóficos, discutimos o construtivismo na Matemática e o distinguimos do construtivismo de Piaget. Com relação a um observador mais atento, as consequências destas tendências podem ser observadas no ambiente escolar em nossos dias e não podem ser confundidas com movimentos pedagógicos inerentes às outras áreas do conhecimento. 60 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica manipulação e/ou operação mental. De fato, Maroger (1908, p. 67) explica que a definição tem precisamente por objetivo assegurar uma especificação semelhante, de fornecer uma realidade, subjetiva ao menos, no sentido filosófico da palavra, a um objeto do pensamento. Quando definimos axiomaticamente um objeto matemático ou realizamos formalmente a sua construção, adquirimos a possibilidade de distinguir/diferenciar este objeto definido dos demais. Adquirimos a possibilidade de raciocinar e conjecturar sobre tal objeto, que agora passa a ser um objeto de nosso pensamento, de nossa reflexão. Neste sentido, Buffet (2003, p. 20) recorda que D´Alembert atribuía importância às definições pois elas abreviam o discurso, e a inexatitude de uma definição pode impedir a obtenção da verdadeira significação da palavra. Por outro lado, em Matemática, não se pode perder de vista que estamos numa espécie de camisa de força, dentro de um sistema teórico formal. Assim, seu uso constante a todo o momento é exigido. Em virtude deste fato, devemos ficar atentos no sentido de respeitar as propriedades previamente existentes ao objeto definido. Acrescentamos que uma única condição, mais absoluta, será requerida para a validade de uma definição: que esta não implica numa contradição, em outros termos, que o objeto definido seja possível (MAROGER, 1908, p. 67). Maroger adverte que a criação/estabelecimento de uma definição matemática, por um lado, não pode ser abusiva, e, por outro, não pode ser comparada à liberdade de um poeta. Ela esta condicionada e amarrada ao sistema teórico em que determinado objeto matemático é definido. Por exemplo, quando nos referimos ao Cálculo Diferencial e Integral, estamos sujeitos a determinadas regras particulares que se diferenciam das regras peculiares à Álgebra baseada em modelos finitos. Maroger (1908, p. 68) discute uma questão fundamental formulada do seguinte modo: Todos os objetos, todas as noções de especulação matemática, podem ser definidos? Dito de outro modo, não existem noções que sabemos caracterizar o mais claro possível e que, portanto, podem permanecer indefiníveis, de forma rigorosa? Maroger acrescenta que, depois de Pascal, não se pode mais conceber tal idéia (1908, p. 68), uma vez que Blaise Pascal s a i b a m a i s ! Blaise Pascal foi um matemático francês que contribuiu para a sistematização do método científico e a pesquisa em Matemática. s a i b a m a i s ! Heráclito, filósofo grego que viveu há cerca de 600 a. C., afirmava que o mundo se caracterizava pela mudança e que tudo mudava. O rio que observamos muda a cada instante, pois as águas que correm nunca são as mesmas. Para ele, a única constante do mundo que habitamos é a mudança. Este pensamento tornou-se célebre como metáfora da mudança. 61AULA 3 TÓPICO 1 (1623-1662) foi um matemático que se destacou, entre outros motivos, pela sua preocupação demasiada com o papel das definições em Matemática. Com o intuito de enriquecer nossa discussão e extrair algumas implicações relacionadas aos objetos da Matemática, adotamos provisoriamente as distinções assumidas por Maroger. Assim, diremos resumidamente que existem dois tipos de definições matemáticas. A saber: Definições matemáticas que necessitam das propriedades características do objeto matemático definido, as quais podemos demonstrar sua existência; Definições matemáticas que prescindem do objeto definido, sem demonstrar sua existência. Maroger assinala que a diferença entre as duas caracterizações remonta a episódios sobre a história do pensamento matemático e acrescenta ainda que as definições do primeiro tipo definem o objeto, enquanto a segunda somente caracteriza-o e são chamadas apenas por caracterizações. Resumidamente, as definições, de fato, são as primeiras e, em termos filosóficos, são chamadas de: definições reais, causais, por generação ou genéticas. Veremos que no primeiro caso, em que as definições requerem a verificação do objeto definido, podem ocorrer dificuldades, sobretudo de compreensão, nas situações ordinárias do seu ensino. Por outro lado, um aspecto mencionado pelo autor é que uma definição é a melhor possível, quando podemos legitimá-la de uma forma mais simples possível (MAROGER, 1908, p. 71). Neste contexto de discussão, vale lembrar que não existe somente uma única forma de se definir um objeto que lhe é submetido (MAROGER, 1908, p. 71). Assim, dependendo de nossos objetivos, no caso do matemático profissional são investigativos, mas, também, podem ser objetivos com vistas ao ensino, temos a possibilidade de escolher a definição que melhor nos apraz e/ou a definição que proporciona melhores condições ao entendimento. O matemático Jules-Henri Poincaré (1854-1912) manifesta em sua obra profunda preocupação com a compreensão e entendimento dos iniciantes. Dentre os vários aspectos que foram objeto de análise por parte de Poincaré (1904), destacam-se suas preocupações relacionadas à intuição matemática e as definições matemáticas. Poincaré questiona sobre o papel das demonstrações em Matemática, interroga se a compreensão de uma demonstração de um teorema se limita a examinar sucessivamente cada silogismo e constatar que são corretos. Pergunta ainda se no caso de compreendermos uma definição matemática, se seria suficiente constatar que não se obteria uma contradição com o seu emprego v o c ê s a b i a? Henri Poincaré foi considerado por muitos como um matemático universal. Com trabalhos nas áreas de Matemática e Física Teórica. 62 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica (POINCARÉ, 1904, p. 258). Mais adiante ele sublinha que, para cada palavra, é necessário se acrescentar uma imagem sensível; é necessário que a definição matemática evoque tal imagem e que a cada passo da demonstração pode-se observar sua evolução. Somente nesta condição ocorrerá a compreensão. (POINCARÉ, 1904, p. 259). Poincaré questiona a posição tradicional de seus contemporâneos ao declarar que para compreender as propriedades que geraram uma definição, é necessário apelar à experiência ou a intuição, sem o que os teoremas seriam perfeitamente rigorosos, mas perfeitamente inúteis (POINCARÉ, 1904, p. 263). Entretanto, como encontrar um enunciado conciso que satisfaça ao mesmo tempo as regras da lógica e ao nosso desejo de compreender o local novo de uma noção dentro da ciência matemática, e a necessidade de pensar por meio de imagens? Poincaré destaca a importância do raciocínio intuitivo na produção das definições matemáticas que não podem ser meramente arbitrárias e baseadas puramente em argumentos lógicos. Finaliza dizendo que grande parte das definições matemáticas, como demonstrou Louis Liard, são verdadeiras construções edificadas sobre noções mais simples (POINCARÉ, 1904, p. 268). Na tese de doutorado Des définitions géométriques et des définitions empiriques, Louis Liard (1846-1917) desenvolve uma profunda reflexão sobre os elementos essenciais que constituem as definições matemáticas. Logo no início do seu trabalho, o referido autor explica que descrevemos as representações e definimos as ideias. Descrever é determinar a circunscrição de um indivíduo; definir é determinar a circunscrição de uma idéia. A descrição se faz por acidente, e a definição por meio de essência (LIARD, 1873, p. 7). Liard discute a origem das noções geométricas que derivam da experiência, como podemos observar no seguinte trecho: Em toda figura existem elementos, os quais se podem encontrar sua origem na experiência, a saber: o conteúdo, o limite e a forma do conteúdo, a exterioridade da figura com respeito ao pensamento. Um teorema enuncia a relação entre uma figura e uma propriedade geométrica; a definição nos faz conhecer a essência de uma forma determinada. Quando dizemos que a definição é uma generalização de nossa experiência, queremos dizer generalização entre as noções que compreendem a figura e sua forma (LIARD, 1873, p. 31) Talvez o matemático mais famoso pela criação de “boas” notações tenha sido, v o c ê s a b i a? Louis Liard foi Professor da École Normal de Paris, lecionava Filosofia e Letras. Foi diretor do ensino superior em um ministério francês. 65AULA 3 TÓPICO 1 para ele, parece um encadeamento de definições e distingue, na arte de demonstrar, duas outras artes: a arte de definir (l´art de definir) e a arte de combinar definições (l´art de combiner les définitions) (BUFFET, 2003, p. 31). Como vimos, vários matemáticos e filósofos destacam e caracterizam o papel das definições matemáticas. Outro aspecto que pode ser encarado como uma consequência imediata desta preocupação diz respeito à compreensão que o professor de Matemática precisa possuir para antever os aspectos positivos e os aspectos negativos, com relação ao entendimento dos estudantes, vinculados à natureza de uma definição matemática. Ou de outra forma, existem definições mais adaptadas ao ensino do que outras? Existem definições matemáticas formais mais intuitivas do que outras? No que se refere à caracterização lógica de uma definição, qual a melhor e mais acessível ao entendimento dos aprendizes? Questionamentos desta natureza são incongruentes com teorias generalistas para o ensino. Por outro lado, quando assumimos desde o início a importância do estudo da filosofia própria da Matemática, nos instrumentalizamos com mecanismos mais precisos para a análise de nossa realidade, para compreender a esfera de práticas do professor de Matemática. Vejamos um exemplo no qual evidenciamos de que modo a natureza de uma definição matemática pode intervir diretamente no ensino de Matemática. No ensino ordinário, os estudantes aprendem o conceito e são apresentados à definição formal de função bijetora, quando existe uma aplicação :f A B® , de modo que (i) , , com x y f(x) f(y)x y A" Î ¹ ® ¹ ; (ii) ( )f A B= . A primeira é conhecida como injetividade e a segunda propriedade diz respeito à sobrejetividade. Por outro lado, do ponto de vista da lógica, temos outra formulação equivalente a que descrevemos em (i), declarando que: (iii) ,x y A" Î , se ( ) ( )f x f y x y= ® = . Se admitirmos (i) como inferência direta, o que descrevemos em (iii) é sua contrarrecíproca. E sabemos que ( ) ~ ~ (contra-recíproca)p q direta q p® Û ® . O problema metodológico é: Qual das duas formas de definir uma propriedade da função :f A B® é mais viável para o ensino do que a outra.? Qual das duas definições envolve uma melhor interpretação geométrica? Por exemplo, se consideramos a definição (i), dados , , com x yx y A" Î ¹ , digamos x y< , poderemos determinar os elementos no plano ´  . Notamos na Figura 2-I que podemos representar suas imagens no gráfico. A dificuldade é conseguir condições formais de verificar que f(x) f(y)¹ . Muitos matemáticos formalistas desacreditavam o raciocínio matemático apoiado em figuras e desenhos. Por outro lado, para verificar a condição equivalente (iii), necessitamos da condição geométrica descrita algebricamente por ( ) ( )f x f y= . Note-se que na Figura 2 do lado direito, necessitaríamos verificar que não pode acontecer x y< e também que x y> . Nota-se que, no primeiro caso, nossa preocupação metodológica 66 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica recairá sobre a necessidade de verificar, do ponto de vista lógico, que ( ) ( )f x f y< ou ( ) ( )f x f y> . Por outro lado, no caso de (iii), o esforço didático recai sobre a necessidade de verificação que não pode ocorrer a condição x y< e também a outra possibilidade x y> . Deste modo, dependendo da definição de injetividade adotada, o professor enfrentará maiores ou menores dificuldades metodológicas. Figura 2: Representação de funções injetoras (elaboração própria). De modo semelhante, podemos descrever a condição (ii) ( )f A B= por (iv) y B" Î , existe x AÎ tal que ( )y f x= . Neste caso, a definição formal de função sobrejetora trata de uma questão pouco trivial e de conteúdo indiscutivelmente filosófica, conhecida como existência de um objeto x AÎ , de modo que sua imagem realiza o valor numérico, por meio da regra formal característica da função geral :f A B® . Sua negação pode ser mais complicada ainda, de fato, na Figura 3, lado esquerdo: Como investigar um possível elemento que nunca poderá realizar a propriedade desejada que declara a igualdade ( )f A B= ? Figura 3: Representação de funções sobrejetoras (elaboração própria). Antes de concluir esta seção, destacamos algumas ponderações de cunho filosóficas devidas a Lima (2004, p. 60) quando desenvolve as seguintes declarações sobre o conjunto dos números reais intimamente ligadas à noção de existência: Um espírito mais crítico indagaria sobre a existência dos números reais, ou 67AULA 3 TÓPICO 1 seja, se realmente se conhece algum exemplo de corpo ordenado completo. Em outras palavras: partindo-se dos números naturais (digamos, apresentados através dos axiomas de Peano) seria possível, por meio de extensões sucessivas do conceito de número, chegar à construção dos números reais? A resposta é afirmativa. Isto pode ser feito de varias maneiras. A passagem crucial é dos racionais para os reais, a qual pode ser o método de cortes de Dedekind ou das sequencias de Cauchy (devido a Cantor), para citar apenas os dois mais populares. Nota-se ainda que, dependendo da vertente filosófica assumida, determinados argumentos indicados por Lima (2004) não são aceitos como confiáveis. Na seção seguinte estabeleceremos alguns ambientes de atuação do professor nos quais identificamos os condicionantes, os entraves e as concepções herdadas a partir das correntes absolutistas da Matemática. 70 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica O motivo diz respeito basicamente ao fato de que estes autores se apóiam em fundamentações teóricas erigidas a partir de outra esfera de práticas, distinta do campo de atuação do professor de Matemática, e que se mostram insuficientes neste âmbito particular. Por outro lado, em sua tese, Cury (1994) desenvolve sua argumentação relativa ao fenômeno avaliativo na medida em que analisa e identifica as influências das correntes filosóficas da Matemática no ensino. Em relação a este fato, Cury (1994, p. 69) conclui: Parece-nos que a visão absolutista da matemática está presente nesse procedimento dos professores: ele acreditam que, efetivamente, na existência, em matemática, de uma verdade absoluta que não pode ser sujeita a criticas e correções e, por extensão, de uma maneira de fazer, uma resolução certa que deveria ser seguida por todos [...] Quando os professores de matemática constroem um gabarito, já estão estabelecendo uma verdade única, isolada para os alunos. Outro agravante pode ser citado: ao avaliar a prova separadamente das outras atividades desenvolvidas durante o período de aprendizagem, ou seja, do próprio trabalho da sala de aula, do estudo individual ou dos trabalhos de casa, o professor isola o processo de aprendizagem de seu produto. Mais adiante acrescenta um interessante ponto de vista quando comenta: Na correção de cada questão, surge, em nossa opinião, novamente o laivo absolutista, agora em sua versão formalista, quando o professor considera que as regras formais de uso do conteúdo são mais importantes do que o significado que é atribuído a esse conteúdo. E são as regras que contam na avaliação, uma vez que ela é feita com base no uso das mesmas regras em uma prova. Mesmo quando o professor salienta sua preocupação com o desenvolvimento da questão, essa observação se refere ao encadeamento lógico dos raciocínios, à elegância, à correção, ao rigor das provas apresentadas, ou seja, àqueles elementos valorizados pela comunidade matemática, segundo os quais um trabalho na área pode ou não habilitar-se a ser lido pelos membros da comunidade (CURY, 1994, p. 69). Cury (1994) faz referência às concepções, práticas de ensino, rituais introjetados, cristalizados e condicionados pelas correntes absolutistas ou por seus prolongamentos. Tais concepções e visões sobre o conteúdo e seu ensino dificilmente podem ser explicados por teorias oriundas de outros campos epistêmicos, nomeadamente as teorias do campo pedagógico das ciências humanas. Basta evidenciar, por exemplo, que, se um educador observar que quando o professor considera que as regras formais de uso do conteúdo 71AULA 3 TÓPICO 2 são mais importantes do que o significado que é atribuído a esse conteúdo, esse educador interpretará tal fenômeno a partir da corrente pedagógica tecnicista, o que nos parece um equívoco e desconhecimento gritante. Mas se um matemático observar o mesmo fato interpretará e identificará as influências diretas da corrente filosófica formalista, devida a David Hilbert. Outra influência considerável das correntes filosóficas é observada nas determinações curriculares na Matemática. Nota-se que não nos referimos a um currículo qualquer, de uma área do conhecimento geral e, sim, de modo específico, ao currículo de Matemática. Uma obra que merece destaque e que foi amplamente divulgada nos Estados Unidos, no final da década de 60, é O fracasso da Matemática Moderna, do matemático norte-americano Morris Kline, um protagonista da reforma do ensino da Matemática que ocorreu na segunda metade do século XX, um período que inclui os programas da Nova Matemática. Em 1956, Professor de Matemática, revista publicada por Kline, responsabiliza os professores pelos fracassos dos alunos. Kline (1976, p. 34) escreveu: Há um problema estudantil, mas também existem três outros fatores que são responsáveis pelo estado atual da aprendizagem matemática, ou seja, os currículos, os textos, e os professores. O discurso tocou um nervo, e as mudanças começaram a acontecer. Reproduzimos abaixo um trecho do livro no qual o autor descreve o estado e as características equivocadas do currículo de Matemática daquela época. Embora o currículo tradicional tenha sido algo afetado nos últimos anos pelo espírito de reforma, suas características básicas são facilmente descritas. Os primeiros seis graus da escola elementar são dedicados à aritmética. No sétimo e oitavo graus, os alunos aprendem um pouco de álgebra e os fatos simples de geometria, tais como fórmulas para a área e o volume de figuras comuns. O primeiro ano de escola secundária preocupa-se com álgebra elementar, o segundo com geometria dedutiva e o terceiro com mais álgebra (geralmente denominada álgebra intermediária) e com trigonometria. O quarto ano de escola secundária geralmente abrange geometria sólida e álgebra adiantada [...] Houve, frequentemente, várias criticas sérias que se aplicam ao currículo. A primeira critica diz respeito à álgebra presente no mesmo que força o aluno a memorização em detrimento da compreensão (KLINE, 1976, p. 19). Vale destacar que a predominância ainda nos dias de hoje do pensamento algébrico é observada quando encontramos pessoas, com conhecimento limitado em Matemática que a concebem como a “ciência dos números”. Esta visão constitui, dentro dos pensamentos do senso comum, o mais limitado e equivocado ponto de vista. Mas o 72 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica que merece ser observado é que o currículo criticado por Kline foi o resultado de pressões de grupos políticos de matemáticos, em determinada época histórica, que determinaram e apontaram os paradigmas mais importantes do saber matemático naquela época. Ainda nos deteremos nestes e outros aspectos, principalmente na identificação dos fatores filosóficos, mas antes disso, em outro trecho abaixo, observamos as determinações do currículo sobre a práxis do professor, identificadas e caracterizadas por Kline (1976, p. 20) de modo eficiente ao mencionar que: Uma boa professora sem dúvida esforçar-se-ia por auxiliar os alunos a compreender o fundamento lógico deste processo, mas, via de regra, o currículo tradicional não dá muita atenção à compreensão. Confia em exercícios para fazer com que os alunos sigam facilmente o processo. Após aprenderem a somar as frações numéricas, os alunos enfrentam a somar frações onde letras se acham envolvidas. Conquanto se empregue o mesmo processo para calcular? 3 2 x a x a + + + os passos individuais são mais complicados. Novamente o currículo confia em que os exercícios transmitam a lição. É solicitado ao aluno que faça as somas em inúmeros exercícios até que as possa realizar com facilidade. Kline, como constamos a seguir, descreve de modo melancólico a análise do currículo com relação aos conceitos de Álgebra e de Geometria e aponta um dos conhecimentos que são menos aprofundados nos cursos de graduação. Tal conhecimento diz respeito à Geometria Plana e Espacial herdada de Euclides. E o mais curioso em nossos dias é que se perguntarmos a um aluno da escola regular suas preferências, ele exclamará sem pestanejar que prefere Álgebra em vez de Geometria. O que ocorre de mais irônico, para não dizer trágico, é que se fizermos a mesma pergunta para um professor de Matemática recém formado, ele dirá também que prefere ensinar Álgebra, em detrimento da Geometria dedutiva. Com respeito a tal cenário, Kline (1976) observa: Após um ano deste estudo de álgebra, o currículo tradicional passa para a geometria euclidiana. Nela a matemática torna-se subitamente dedutiva, isto é, o texto começa com definições das figuras geométricas e com axiomas ou asserções que presumivelmente são “obviamente verdadeiras” acerca das figuras. Eles provam depois teoremas aplicando o raciocínio dedutivo aos axiomas. Os teoremas seguem um ao outro numa sequência lógica; quer dizer, as demonstrações dos teoremas posteriores dependem das conclusões já estabelecidas nos anteriores. Esta mudança repentina de álgebra mecânica para a geometria dedutiva certamente transtorna a maioria dos alunos. Até 75AULA 3 TÓPICO 2 a física e a astronomia do século XX em diante não pode mais ser considerada a mesma desde então. As tradições no currículo de Matemática são guiadas por questões de ordem particular da própria Matemática e uma epistemologia também particular. E antes de explorar de modo equivocado a necessidade de compreensão do porquê da constituição do conhecimento matemático escolar, o professor deve compreender a própria constituição do seu currículo de graduação, a constituição do currículo escolar de Matemática, e o motivo pelo qual estuda mais Cálculo Diferencial e Integral em detrimento de Geometria Plana. Dois equívocos precisam ser apontados aqui. O primeiro diz respeito à sensação de que o professor, ainda nos cursos de graduação, acha que “sabe” Geometria Plana, entretanto não sabe. De fato, encontramos vários trabalhos acadêmicos dando conta da precária atenção dos formadores de professores no ambiente de graduação. Assim, admite-se que o professor sabe este conteúdo e priorizam-se tópicos de Matemática avançada. Neste contexto de discussão é que a Filosofia da Matemática pode fornecer um viés de análise privilegiada para o professor. Nesse sentido, seria auspicioso para o professor saber identificar os desdobramentos e condicionantes das antigas correntes filosóficas da Matemática em sua sala de aula, na própria maneira de conceber, assim como saber explicar o significado do conhecimento matemático. A título de exemplo, Cury (1994, p. 44) discute um condicionante interessante ao afirmar que: Vemos, aqui, germe da seleção pela matemática, pois ela servirá para os eleitos. Quando estudada em profundidade, propicia-lhe chegar à verdade. O seu uso para os cálculos cotidianos é considerado desprezível, assim como eram os mercadores e negociantes frente aos guerreiros. Está estabelecida a separação entre a matemática pura e a aplicada, com a evidente valorização da primeira. Assim, o futuro professor precisa ser formado no sentido de compreender estes condicionantes,que agem e condicionam, de modo velado e com pouca nitidez, a aprendizagem dos estudantes, escolhendo e selecionando os “eleitos”, os que possuem mais habilidade com a Matemática. Esse tipo de função social, esse tipo de “funil social”, assumido há séculos pela Matemática, precisa ser compreendido pelo professor e não será a partir de teorias gestadas numa esfera de práticas completamente distantes da esfera de prática do professor que o docente tornará sua ação mais eficaz. Esta função de “seleção” é reforçada pela herança e hegemonia de concepções 76 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica absolutistas no ambiente de ensino/aprendizagem, como a descrita por Santos (2008, p. 98): Frege se refere aos axiomas como aquelas verdades irrefutáveis, para as quais, contudo, não é possível nenhuma prova. Trata-se, portanto, de um contra- senso tentar fornecer uma prova para uma verdade auto-evidente, seja devido à natureza dessa verdade, que não admite, em princípio, uma refutação, seja devido ao teor extremamente primitivo do conteúdo do que é expresso na proposição. Os dois casos, muitas vezes, se identificam numa única e mesma condição, aquela que determina se uma afirmação pode ou não ser considerada um axioma do ponto de vista clássico, uma verdade imediata e inabalável. Em outro fragmento, Santos (2008, p. 99) destaca que: O conhecimento legítimo é um dado irrefutável, visto que é auto-evidente ou é obtido por meio de uma demonstração. Um conhecimento se identifica sempre com uma afirmação verdadeira sobre algo. Isto é, um conhecimento é sempre a compreensão de uma verdade. Não é possível, portanto, um conhecimento sobre algo que não exista, dado que nenhuma verdade, assim como nenhuma falsidade, pode ser afirmada sobre o que não existe. Para concluir esta seção, destacaremos de modo breve alguns pensamentos de Imre Lakatos (1922 – 1974), que se graduou em Matemática, Física e Filosofia, e então iniciou suas pesquisas em Filosofia da Matemática. Também se dedicou à Filosofia da Ciência. Ele foi ativo em Filosofia da Matemática entre os anos de 1950 e 1967, com algum trabalho retomado em torno de 1973. Seu maior trabalho em Filosofia da Matemática foi Provas e Refutações, republicado postumamente em 1976. Com respeito a Lakatos, Jesus (2002, p. 75) comenta que o matemático húngaro é considerado falibilista devido à influência do falseacionismo e do falibilismo de Popper. Wittgenstein, por sua vez, ora é considerado o mais estrito finitista, ora um convencionalista. Mas o que o caracterizou mesmo foi a sua singularidade na tradição filosófica. Jesus (2002, p. 78) esclarece que: at e n ç ã o ! Falibilismo é a doutrina filosófica segundo a qual não podemos ter a certeza de qualquer forma de conhecimento. 77AULA 3 TÓPICO 2 Lakatos considera que a ciência constitui um dos jogos lingüísticos legítimos. A filosofia da ciência, não. Segundo ele, o principal crime dos filósofos da ciência de antanho – e dos filósofos da matemática e da lógica – foi tentar erigir-se a si mesmos em um novo jogo de linguagem, autônomo com respeito à ciência. Além disso, continua Lakatos, os filósofos tradicionais queriam estabelecer um jogo de linguagem incorreto com regras explícitas – os wittgensteinianos dizem mecânicas – que separassem a ciência da pseudociência, e com critérios explícitos de progresso e degeneração dentro da ciência. Mais adiante, Jesus (2002, p. 80-81) diferencia o olhar e a análise generalista de Karl Popper com o olhar e o posicionamento filosófico de Lakatos quando declara: Paul Ernest situa as raízes da filosofia da matemática de Lakatos em Hegel, em Polya e em Popper. Seguramente este último fora uma das maiores influências no pensamento de Lakatos. Alguns paralelos dão conta dessa influência: a metodologia de Popper é chamada de lógica da descoberta científica; a metodologia de Lakatos: lógica da descoberta matemática (LDM), o que é uma transposição direta, segundo Ernest. Outro exemplo é o nome do maior trabalho de Lakatos, Provas e refutações é um jogo direto sobre Conjecturas e refutações de Popper. A partir de Lakatos, a LDM passa a ser objeto de estudo filosófico nas ciências da Matemática. De modo sistemático, Jesus (2002) propõe a seguinte tabela explicativa que distingue o pensamento generalista de Popper (LDC – Lógica da Descoberta Científica) da visão específica e particular de Lakatos (LDM – Lógica da Descoberta da Matemática), conforme figuras 4 e 5. Figura 4: Diferença entre LDC e LDM (JESUS,2002, p. 81) Figura 5: Comparação entre LDC e LDM (JESUS, 2002, p. 81) 80 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica TÓPICO 3 As características de uma definição matemática e o ensino de álgebra ObjetivO • Identificar as características de uma definição matemática vinculando-as ao ensino Nas próximas aulas introduziremos a discussão de outras correntes filosóficas que se ocuparam pela investigação científica filosófica acerca da natureza das definições matemáticas. O consenso nesta seara de perquirição não é preponderante e regra entre os pensadores, todavia, antes de discutirmos suas vertentes de modo individualizado, vale recordar que Kluth (2005, p. 12) explicita o papel das definições matemáticas e dos teoremas que funcionam como guias construtores de definições na atividade algébrica do alunos, quando menciona: A apresentação das estruturas da Álgebra nos livros de Matemática dá- se por meio de definições. Espera-se que, lendo-as e possuindo um prévio conhecimento de outras definições e teoremas, os significados das estruturas da Álgebra possam vir à tona, como uma articulação de resultados plenos de sentido matemático, dos quais possam ser deduzidas asserções que constituirão a teoria num processo lógico-dedutivo, caracterizando-se como o estudo das estruturas. Esse é o movimento do pensar que se mostra na construção do conhecimento das estruturas da álgebra nos livros de Álgebra em geral e, em particular, no livro que vinha sendo adotado no programa da disciplina de Álgebra Abstrata que eu ministrava. Kluth (2005, p. 175), em determinado momento, indica as consequências e condicionamentos impostos pelas correntes filosóficas absolutistas quando comenta: 81AULA 3 TÓPICO 3 ao educar-se, tendo como material de apoio a Matemática, evidencia-se, na maioria das vezes, o pensar técnico, prático e utilitário em detrimento dos aspectos essenciais da Matemática como uma Modulação de mundo. [...] o conhecimento aprofundado e amplificado dos objetos da Matemática, que englobam técnicas, teorias, análises e reflexões sobre essa Modulação, possam auxiliar os Educadores Matemáticos a exercerem sua professoralidade, até mesmo nas ações cotidianas mais comuns, como por exemplo, ao decidir qual definição vai apresentar aos seus alunos. [...] As definições podem, ou não, apresentar a priori sintético e a priori estrutural. Observamos no trecho uma reflexão feita pela autora, uma professora de Matemática. Destaca-se sua preocupação com respeito ao domínio aprofundado do conhecimento que se tenciona explicar/ensinar. Sem tal aprofundamento, um ensino “lúdico” e apoiado em atividades “prazerosas”, como muitos desavisados defendem, torna-se um episódio rápido e passageiro, uma vez que, no momento da avaliação, por meio de condicionantes absolutistas, é bem mais fácil ater-se ao gabarito das provas. Principalmente no caso da Álgebra em que a linguagem, e, portanto, o domínio sintático, em detrimento do domínio semântico, é priorizada. De fato, neste contexto, o domínio sintático encobre muitos significados dos conceitos. No final, resta ao aluno apenas as habilidades algorítmicas que funcionam, embora não forneçam ou construam um significado do que se esperava ser aprendido. Por exemplo, quando se toma 21 ........S a a= + + + , logo o professor de Matemática, multiplica a expressão: 2 3 ........a S a a a× = + + + . Portanto, temos 21 ( ........) 1 1 (1 ) 1S a a a S S a S a S= + + + = + × Þ = + × Û - × = . Ou seja, 1 1 S a = - . Neste tipo de “malabarismo algébrico”, não nos atemos de modo recorrente ao significado dos elementos pertencentes às inferências lógicas empregadas, e sim à própria simbologia. Mas quando refletimos a respeito do que foi obtido, vemos que a soma de parcelas infinita 21 ........a a+ + + é equivalente à execução de duas operações apenas. A primeira, uma subtração da unidade por “a”, em seguida a divisão da unidade “1” por “1-a”. Isto foi motivo de desconfiança para muitos matemáticos do passado. Exemplos como estes e outros são discutidos por Otte (1991) quando descreve o raciocínio algorítmico. Tal raciocínio proporciona, na maioria dos casos, a resolução e a obtenção da resposta esperada pelo professor, todavia, qual o significado dos valores encontrados? 82 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Na figura abaixo, vemos a ilustração de um labirinto. Por meio de uma instrução ou por meio de um conjunto de regras a priori conhecidas (Figura 5), um estudante perdido dentro deste labirinto certamente conseguirá sair e se livrar desta situação periclitante. Entretanto, Otte (1991) questiona se o estudante se torna mais sábio ou inteligente pelo fato de conseguir lograr êxito na situação. Figura 6: A metáfora do Labirinto desenvolvida por Otte (1991, p. 286). 1. Escolha uma direção inicial arbitrária, chame-a de “norte” e vire-se para essa direção; 2. Vá em direção ao “norte” em linha reta até encontrar um obstáculo; 3. Vire à esquerda até que esse obstáculo esteja à sua direita; 4. Contorne o obstáculo, mantendo-o à sua direita até que a volta total (incluindo a volta inicial do passo 3) seja igual a zero. De modo semelhante, vemos isto ocorrer no ensino de Álgebra. Os estudantes aprendem rotinas que envolvem “malabarismos algébricos” descritos e estabelecidos de modo arbitrário pelo professor. Tais rotinas “funcionam”, adquirem status de conduzir os estudantes sempre a um resultado. Basta entrarmos com os dados iniciais e obteremos uma resposta. As próprias regras encerram o caráter de verdade e justificam e determinam toda a aprendizagem. Na História da Matemática, estes condicionamentos e obstáculos filosóficos são apontados num trecho de um livro de Caraça (1951, p. 166), que denuncia: De todas as surpresas que a história das Matemáticas nos apresenta, a menor não é certamente esta – que, antes de os números negativos serem considerados como verdadeiros números, já eram conhecidas e praticadas quase todas as regras operatórias sobre os números complexos, coisa que parece simplesmente 85AULA 4 TÓPICO 1 TÓPICO 1 As dimensões filosóficas da intuição matemática ObjetivO • Reconhecer as características e os aspectos filosóficos da intuição matemática Nas aulas passadas discutimos as filosofias absolutistas da Matemática. Destacamos também algumas de suas consequências no ensino atual e suas condicionantes com respeito à práxis do professor de Matemática. Nesta aula, detalharemos uma discussão relacionada à intuição matemática. Veremos que matemáticos, epistemólogos, filósofos e outros pensadores, se detiveram à busca de compreender tal faculdade psíquica que intervém em todo momento na criação matemática. Mas não se pode falar de intuição sem mencionarmos outra característica ontológica do ser humano conhecida por percepção. De fato, o interesse pela percepção que nos permite captar, entender e interpretar o mundo que nos cerca remonta à história dos povos antigos. A civilização helênica, de modo insuperável, foi a que deu a maior contribuição, o que permitiu distingui-la de outras civilizações. De fato, os gregos, desde cedo, refletiram sobre a relação entre homem e objeto e sobre os elementos da relação estabelecida que permitem compreender e investigar propriedades intrínsecas do objeto. Entendemos bem esse posicionamento dos antigos gregos quando observamos as afirmações de Aristóteles, presentes no texto Boutroux (1908) quando declarava que: 86 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Querer conhecer os fatos, não apenas do modo como se apresentam mas, também, do modo como devem ser é querer resolver o contingente e o necessário. É necessário, todavia, investigar as condições pelas quais o espírito concebe algo como necessário; em outras palavras, é necessário inicialmente encarar a ciência em sua forma, abstração feita do seu conteúdo: é o objeto da lógica (BOUTROUX, 1908, p. 116, tradução nossa). Étienne Émile Marie Boutroux (1845- 1921), filósofo e historiador francês, descreveu a preocupação de Aristóteles em conhecer e sistematizar os dados pesquisados. Boutroux destaca, ainda, como vemos no final do excerto acima, que um dos elementos que podem promover o entendimento na investigação do espírito é a Lógica. Um dos povos da Grécia Antiga, os jônicos atribuíam papel de relevo às ciências matemáticas que recorrem à Lógica para o estabelecimento de diversos fundamentos, apesar de, em sua origem, a Matemática não ter obedecido a regras explícitas e fórmulas bem formadas que explicassem sua gênese. Desse modo, a contribuição desse povo helênico, no sentido da sistematização e depuração das crenças e concepções que, em alguns casos, formamos a partir dos nossos sentidos, é inigualável. Recorremos mais uma vez a Boutroux, que extrai um ensinamento influenciado pela tradição helênica, quando afirma que: No que concerne à inteligência, uma boa educação aprimora e dirige as faculdades, mais do que força a memória. Existem dois exercícios da faculdade: um é livre, é o jogo; o outro imposto é o trabalho. Este último é obrigatório por si mesmo e no ensino não é substituído pelo primeiro. A faculdade da intuição deve ser formada antes do entendimento. Todo ensino será inicialmente intuitivo, representativo e técnico (BOUTROUX, 1908, p. 394, tradução nossa.) No final do excerto, vemos claramente a orientação e valorização de um ensino intuitivo, entretanto, se desconhecemos a natureza, a fonte, o propósito e as possibilidades alcançadas pelo entendimento humano ao fazer uso da habilidade ou faculdade intuitiva, caminharemos por uma via infrutífera que torna inexequível seguir o ensinamento de Boutroux. v o c ê s a b i a? Os jônios, ou jônicos, representavam um povo indo-europeu e ficaram conhecidos pela grande organização social e tradição militar. Participaram ativamente da expansão grega e colaboraram significativamente com o desenvolvimento da cultura na Grécia Antiga, principalmente, da ciência e do racionalismo. Os jônios foram um dos quatro povos que formaram o povo grego, junto com os aqueus, eólios e dórios. (Disponível em: <www.suapesquisa.com/grecia/ jonios.htm>) 87AULA 4 TÓPICO 1 A intuição mereceu atenção de Immanuel Kant (1724-1804). Kant assegurava que um conceito permanecia vazio a menos que o mesmo se correspondesse com a intuição; intuição é necessária para o estabelecimento de uma realidade objetiva do conceito, isto é, a possibilidade de uma instância (KANT, apud PARSONS, 2008, p. 8). Kant se interessou de modo especial pelas figuras geométricas na Matemática, as quais denominava formas (empíricas) ou objetos. Nas provas, tais objetos são construídos intuitivamente (no sentido de que podem ser intuídos). Representações intuitivas surgem também na Matemática a partir de outros objetos, embora para os números de modo particular estas surgem a partir de uma intuição mais indireta do que as formas geométricas (KANT apud PARSONS, 2008, p. 8). Parsons (2008, p. 8) dedica algumas páginas de sua obra para explicar o termo em inglês “intuitability”, que traduziremos por a capacidade de aprender por intuição. Parsons caracteriza o mencionado termo na acepção de uma condição geral dos objetos. O autor recorda que Kant empregava o termo intuição (intuition) como uma representação imediata de um objeto individual (PARSONS, 2008, p.8). Por outro lado, que significado atribuímos ao termo “imediato” (immediate)? Conforme o autor, este termo foi fruto de intensa polêmica. Retornando à discussão do termo intuitability e o papel da intuição, observamos que seu conceito ocupa um lugar não trivial de discussão entre diferentes noções que merecem atenção por parte de filósofos e matemáticos. Na Matemática, a importância do seu papel foi defendida por alguns e atacada por outros, como recorda Parsons (2008, p. 139). Num âmbito filosófico, intuição é mencionada em ambas as relações estabelecidas com objetos e relações com proposições. Parsons usa as expressões “intuition of” e “intuition that” para marcar as duas relações possíveis na perspectiva de alguns filósofos. Para compreender o significado do termo “intuition of” e “intuition that” e o seu emprego no âmbito filosófico, recorremos as suas ponderações: O que fornece à “intuition of” um importante local na filosofia é provavelmente o fato de que Kant´s Anschauung é intuição de objetos. Todavia, Kant certamente confere ao conhecimento intuitivo uma indicação do que seria uma espécie de “intuition of”. Eu penso ser bastante claro que Kant possuía tal concepção, porém não as designou pelo termo Anschauung ou igualmente usado como na frase anschauliche Erknntnis (PARSONS, 2008, p. 140, tradução nossa). Pode-se falar, seguindo-se esta tradição de influencia kantiana, em intuição de objetos e intuição de verdades, embora, neste último caso, alguns dilemas e ambiguidades de âmbito filosófico precisem ser esclarecidos. Parsons (2008, p. 140) diz que quando temos uma intuição sobre à (proposição), isto significa que seguimos tal proposição. Por exemplo, quando um filósofo fala sobre suas ou sobre as intuições 90 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica De fato, Bunge (1996, p. 60) comenta que hoje se compreende que nem todas as entidades, relações e operações se originam na intuição sensível e se reconhece que a evidência não serve de critério de verdade e que as provas não podem se apresentar somente por figuras, pois os raciocínios são invisíveis. Desse modo, com o fracasso das intuições sensíveis e espaciais (ou geométricas) como guia para a construção da Matemática, observamos o surgimento de concepções matemático-filosóficas que caracterizariam a intuição pura. Nesse contexto, uma corrente de pensamento matemático denominada intuicionismo matemático (discutida na aula 2) se caracterizou como: a) uma reação contra os exageros do logicismo e do formalismo; b) uma tentativa de resgatar a Matemática do naufrágio que parecia ameaçar no início do século, como o resultado do descobrimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos; c) um produto menor da filosofia kantiana (BUNGE, 1996, p. 61). No próximo tópico discutiremos a relevância e a função da intuição na atividade do matemático profissional. 91AULA 4 TÓPICO 2 TÓPICO 2 O papel da intuição da atividade do matemático ObjetivO • Descrever o papel da intuição na atividade investigativa Decididamente, quando nos atemos ao fenômeno do ensino de Matemática, questionamos até que ponto esta claro para o entendimento do professor de Matemática, o papel e as formas de manifestação do raciocínio intuitivo. Para compreender tal função inerente à atividade matemática, torna-se imprescindível que entendamos o caráter de ubiqüidade da intuição matemática, tanto no contexto escolar como no contexto acadêmico. O matemático Jean Dieudonné (1906-1992) descreve uma maneira particular na qual a intuição exerce seu papel coercitivo, ao declarar que: Semelhantemente a vida da maioria dos sábios, a vida do matemático é dominada por uma curiosidade insaciável, uma vontade de resolver os problemas estudados que confirmam sua paixão e que conduzem à realização de uma abstração quase total da realidade do ambiente; as distrações ou excentricidades matemáticas célebres não possuem outra origem. É que a descoberta de uma demonstração não se obtém em geral sem o auxílio de períodos de concentração intenso que se renovam possivelmente por meses ou anos até que o resultado pretendido seja alcançado (DIEUDONNÉ, 1987, p. 19, tradução nossa.) A intuição matemática sempre despertou o interesse de muitos filósofos. Parte desses interesses se caracterizava pela compreensão do tipo de ligação que a intuição permite, especialmente, com a verdade ou, pelo menos, com a ausência 92 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica do erro. Observamos uma reflexão particular do filósofo inglês John Locke (1632- 1704), sobre o conhecimento geométrico presente na Matemática. Stewart (1821, p. 23) destaca este episódio ao lembrar que: Há muito tempo Locke destacou, à respeito dos axiomas da Geometria, estabelecidos por Euclides, que embora a proposição seja inicialmente enunciada em termos gerais, e posteriormente fazendo recurso na particularidade de suas aplicações, como o princípio previamente examinado e admitido, todavia a verdade não é menos evidente neste último caso do que no padrão inicial. Ele observou mais adiante que em algumas de suas aplicações que a verdade de cada axioma é percebida pela mente e, todavia, a proposição geral, distante do local onde foi assentada e da verdade que encerra, é apenas uma generalização verbal do que, em instâncias particulares, foi aceito como verdade (tradução nossa). Stewart aponta a preocupação manifesta por Locke a respeito da origem ou a fonte da verdade matemática. A verdade deste tipo de saber é originada nos enunciados mais gerais e distanciados das aplicações ou nos casos particulares em que vemos suas aplicações? Em situações mais perceptíveis e menos abstratas a verdade matemática está mais próxima do nosso entendimento? Um elemento que merece atenção diante da situação pouco complexa observada por Locke que é exemplificada por Mill (1869) diz respeito à possibilidade de que enquanto tal verdade não se estabelece, enquanto a incerteza sobre o que conhecemos da Geometria e como conhecemos não for reduzida a zero, a intuição desempenhará um papel importante. Mas é possível reduzir a zero nossas incertezas com a intenção de atingirmos a verdade durante a investigação? Qual ou quais verdades podemos identificar no saber matemático? E na condição de se atingi-la, de onde partimos e como saber se a alcançamos? Algumas destes questionamentos não constituem simples tarefas para se responder em poucos parágrafos, entretanto destacamos os que se aproximam da nossa temática. Por exemplo, existe uma verdade única na Matemática? Guerrier (2005, p. 12), por exemplo, destaca que: A questão de saber se a verdade vincula-se ao domínio da Matemática ou ao domínio da Lógica é uma questão bem antiga. Aristóteles distinguia as verdades de fato (vérités de facto) e as verdades necessárias (vérités nécessaires). Aquelas obtidas como conclusão de um silogismo concluído a partir de premissas verdadeiras; e as últimas são os objetos da Lógica (tradução nossa). 95AULA 4 TÓPICO 2 diferentes funções psicológicas, evidenciamos uma exaltação no reconhecimento da ligação da estética mais conectada com a prova. Hadamard (1945, p. 41) nos fornece uma interessante explicação a respeito da noção de estética e prova ao mencionar que: Pode ser surpreendente ver a sensibilidade emocional evocada nas demonstrações matemáticas que, aparentemente, interessam apenas ao intelecto. [...] Esta é a verdadeira estética do sentimento que todos os matemáticos conhecem, e certamente pertence à sensibilidade emocional (tradução nossa). Assim como outros pensadores, Jacques Salomon Hadamard (1865-1963) comenta o papel do elemento afetivo, tanto na descoberta como na invenção matemática, que o mesmo faz questão de diferenciar. Hadamard discute também outros elementos nem sempre explícitos na atividade do matemático que se relacionam de algum modo com a faculdade intuitiva. Com esta perspectiva, Hadamard discute os momentos em que o matemático trabalha de modo consciente na atividade solucionadora de problemas e outros momentos em que ocorrem determinados fenômenos mentais sem o controle intencional e um pensamento sistemático. Hadarmard discute alguns pontos de vista fornecidos por Henri Poincaré. Recorda que Poincaré salientava a importância da intervenção de uma atividade consciente, após uma atividade mental inconsciente, não apenas para o emprego de uma linguagem conveniente, mas também para verificar e precisar os resultados finais, uma vez que é flagrante a insistência de Poincaré na atribuição de uma significação geométrica antes mesmo de possuir uma demonstração (ROBADEY, 2006, p. 1999). No que diz respeito à verificação dos resultados, Hadarmard (1945, p. 64) esclarece que o sentimento de certeza absoluta que acompanha a inspiração geralmente corresponde à verdade; porém, este pode nos enganar. Em todo caso, seja num momento de esforço mental consciente ou estágio mental inconsciente em que se encontre o matemático, as imagens mentais e representações que alicerçam uma ideia particular proporcionam o terreno para a atividade intuitiva. Neste sentido, Souriau (1881, p. 12) explica: As imagens que concebemos a cada momento não surgem do caos, mas de um pensamento anterior. Antes que nossas ideias se combinem numa ordem s a i b a m a i s ! Sauriau (1881, p. 121) diz que quando mencionamos, por exemplo, a palavra ‘triângulo’, ou se a vemos escrita, imaginamos imediatamente a figura geométrica que aprendemos associar a este som ou letras. E de modo similar, se pronuncio ou escrevo esta palavra, sabemos que a mesma não faltará em me sugerir uma concepção semelhante. Assim, as palavras possuem a propriedade de despertar em nossos espíritos certas imagens, que são o que denomino de significação. 96 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica presente, elas possuíam já certa ordem, ou nosso espírito já apresentava determinada organização. Na medida em que em concebemos um pensamento novo, consideramos certo tipo de inteligência adquirida, e tal inteligência determinará, pelo menos em parte, o tipo de pensamento que conceberemos (tradução nossa). Hadamard discute algumas das ideias de Paul Souriau, como a que destacamos no trecho acima. A expressão “pensar de lado” teve origem com Paul Souriau (1852 – 1926), com seu livro “Théorie de L’Invention”, de 1881. Tal atividade mental requer o emprego da intuição, na medida em que o indivíduo percebe a necessidade de relacionar as ideias objetivadas quando ‘pensava de lado’, e as ideias principais que buscava compreender. Notamos que, em todo caso, as ideias se combinam na dependência das imagens que formamos. Por outro lado, quando falamos do aluno ou do indivíduo que tenta compreender um raciocínio empregado por um matemático profissional, identificamos dificuldades consideráveis, uma vez que: Na procura de se abstrair ao máximo, o matemático se priva de uma determinada sorte de intuição e priva de modo similar o leitor que não compreende mais o porquê das definições e acredita se perder numa nuvem escura (QUENNEAU, 1978, p. 23). Quenneau aponta um hábito peculiar na frente investigativa que em muitos casos se manifesta na sala de aula do locus acadêmico. Paradoxalmente, observamos uma mudança do modus operandi do matemático. De fato, enquanto, em sua pesquisa, as imagens mentais e representações provisórias auxiliavam seu raciocínio, na sala de aula, figuras ou representações que fornecem ideias particulares podiam ser evitadas, em detrimento do alcance das ideias mais gerais que explicam os teoremas que devem ser discutidos. Além disso, no âmbito de sua pesquisa, os problemas são atacados, em muitos casos de modo indireto e de modo sistemático; entretanto, no seu ensino, apresenta argumentações diretas para a resolução definitiva de situações-problema. Acrescentamos que, em muitos casos, o tempo didático não permite o exercício da ‘incubação’ das ideias que, para Hadamard, possibilitava a combinação e recombinação das ideias, de modo consciente ou não, com a expectativa do s a i b a m a i s ! Sauriau (1881, p. 128) explica que a linguagem é capaz de substituir o pensamento, uma vez que as palavras podem substituir as ideias, ao menos provisoriamente, e ver de que modo pode ser feito o emprego de signos no trabalho da invenção. 97AULA 4 TÓPICO 2 alcance, de modo individual, de uma solução. Com isto temos a oportunidade de proporcionar que o estudante vivencie situações de euforia e contentamento em virtude do alcance de um objetivo. Com consequência, o estudante não alcança o prazer de uma descoberta matemática, como consequência do exercício de sua imaginação; e assim, não compreende o que significa fazer Ciência. Hadamard (1945) comenta de modo pitoresco o papel de imaginação quando considera que: Imaginação, por si só, não possibilita fazer Ciência, entretanto, em certos casos, devemos explorá-la. Primeiramente, focando o objeto que desejamos considerar, prevenimos os desvios de percurso [...] Imaginação pode ser essencial na solução de problemas por meio de várias deduções, e os resultados precisam ser coordenados após uma completa enumeração (p. 86, tradução nossa.) Em sentido contrário, não fazemos Ciência e, de modo particular, não fazemos Matemática quando desenvolvemos em nossos estudantes o hábito de exploração de sua capacidade imaginativa. Resulta na eliminação paulatina do espírito inventivo do estudante, que, segundo a opinião de Souriau (1881, p. 106), deve ser curioso e original. Com isto, o estudante permanece indiferente à descoberta de uma verdade matemática e não fará nenhum esforço para pensar. Mas para pensar energicamente, é necessário o estabelecimento de um objetivo e o desejo de alcançá-lo, é necessário, em uma única palavra, ser curioso (SOURIAU, 1881, p. 106). Neste tópico analisamos alguns aspectos e elementos que explicam e se relacionam de modo íntimo com a intuição. Na sequência, discutiremos alguns exemplos particulares nos quais poderemos observar de que modo nossa intuição acarreta em conclusões errôneas, paradoxos, surpresas inesperadas e uma flagrante contradição com a teoria matemática formal.
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