Baixe Personagens Alcoviteiros em 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' e 'Dom Casmurro' e outras Exercícios em PDF para Literatura, somente na Docsity! Anais SIEL e Semanas de Letras – FAALC/UFMS | Campo Grande | MS | n. 1 | 2019 | p. 182 a 192 182 A FIGURA DO ALCOVITEIRO NAS OBRAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E DOM CASMURRO, DE MACHADO DE ASSIS Suéllen Silva Varela (PPGEL/UFMS) José Alonso Tôrres Freire (PPGEL/UFMS) Resumo: Em geral, quando se fala em clássicos da Literatura Brasileira como Memórias póstumas de Brás Cubas (publicado em 1882) e Dom Casmurro (publicado em 1899), com vasta fortuna crítica, enfatizam-se os personagens principais, como Brás, no primeiro romance, e Capitu, no segundo. No entanto, as personagens secundárias nos dois romances que serão abordadas neste trabalho são muito importantes para o andamento e as peripécias do enredo, muitas vezes convertendo-se mesmo em personagens chave nas tramas. É o caso de D. Plácida, no primeiro, e José Dias, no segundo romance, já que ajudam de uma maneira ou de outra na consecução dos desejos dos protagonistas. Sem outras fontes de renda, esses personagens vivem à margem das famílias, como é o caso de José Dias, ou são mantidos por um dos personagens principais, como acontece com D. Plácida, dependendo destes para tudo. Como as obras selecionadas já contam com vasta fortuna crítica, adotaremos como suporte teórico e crítico básico o clássico Formação da Literatura Brasileira (2007), de Antônio Candido, referência sobre a literatura até o advento de Machado de Assis, além de trabalhos críticos específicos sobre o autor, tais como os de Roberto Schwarz, Ao vencedor as batatas: formas literárias e processo social nos inícios do romance brasileiro e Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis (2000), ensaios como Esquema de Machado de Assis, da obra Vários Escritos (2004), de Antonio Candido, entre outros. Dessa forma, no decorrer desse trabalho, buscamos demonstrar a importância dos personagens alcoviteiros, secundários, especificamente nos dois romances citados, ambos de Machado de Assis. Palavras-chave: Ficção Brasileira. Alcoviteiros. Machado de Assis. Literatura Brasileira. THE FIGURE OF THE ALCOVITER IN THE MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS AND DOM CASMURRO, OF MACHADO DE ASSIS Abstract: In general, when one speaks of Brazilian literature classics as Memórias Póstumas de Brás Cubas (published in 1882) and Dom Casmurro (published in 1899), with a vast critical fortune, the main characters, such as Brás, are emphasized in the first novel, and Capitu in the second. However, the secondary characters in the two novels that will be approached in this work are very important for the progress and the peripécias of the plot, often becoming even key characters in the plots. This is the case of D. Plácida, in the first, and José Dias, in the second novel, since they help in one way or another to achieve the desires of the protagonists. Without other sources of income, these characters live on the margins of families, as is the case of José Dias, or are kept by one of the main characters, as is D. Placida, depending on them for everything. As the selected works already have a large critical fortune, we will adopt Anais do II Seminário Internacional de Estudos de Linguagens e XX Semana de Letras – FAALC/UFMS Anais SIEL e Semanas de Letras – FAALC/UFMS | Campo Grande | MS | n. 1 | 2019 | p. 182 a 192 183 as a basic theoretical and critical support the classic Formação da Literatura Brasileira (2007), by Antonio Candido, reference on literature until the advent of Machado de Assis, as well as specific critical works on the author, such as those of Roberto Schwarz, Ao vencedor as batatas: formas literárias e processo social nos inícios do romance brasileiro and Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis (2000), essays as Esquema de Machado de Assis, da obra Vários Escritos (2004), by Antonio Candido, among others. Thus, in the course of this work, we sought to demonstrate the importance of the pimp characters, secondary, specifically in the two novels cited, both by Machado de Assis. Keywords: Brazilian Fiction. Alcoholic beverages. Machado de Assis. Brazilian literature. Introdução Este trabalho tem como principal objetivo analisar os personagens secundários, especialmente aqueles que desempenham o papel de alcoviteiros, que são de suma importância para o desenrolar do enredo dos romances “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, publicado em 1881, e “Dom Casmurro”, publicado em 1899, ambos de Machado de Assis. Como pudemos constatar pelas leituras e análises realizadas, os alcoviteiros são dependentes dos personagens principais, ou seja, vivem à margem de outras pessoas de posses, para conseguir sobreviver na sociedade a que pertencem. Para embasar esta pesquisa serão discutidos conceitos como representação, definições do que seriam os alcoviteiros e sua função, além das questões sociais envolvidas nas relações desses personagens com seus “tutores” e também as divisões de classes na sociedade representada nos dois romances, mostrando como, em muitos casos, personagens sem renda fixa ou trabalho formal são obrigadas a se submeterem a outras para sobreviver. Para a discussão dos conceitos citados, serão de fundamental importância o estudo de pesquisadores e críticos, como Reis& Lopes com os verbetes do “Dicionário de Narratologia” de (2007), obras de Roberto Schwarz, especialmente “Ao vencedor as batatas” (2000), Antonio Candido, com a obra “Vários escritos” (1977), Renald Pérez, com o artigo “Esboço biográfico: Machado de Assis e a sua circunstância” (1986), Roger Bastide, com o importante ensaio “Machado de Assis Paisagista”, (2002-2003), dentre outros constantes na bibliografia deste trabalho. A FIGURA DO ALCOVITEIRO NAS OBRAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E DOM CASMURRO, DE MACHADO DE ASSIS Anais SIEL e Semanas de Letras – FAALC/UFMS | Campo Grande | MS | n. 1 | 2019 | p. 182 a 192 186 pode vir a fazer um bom casamento, mas para isso deve submeter-se a um moço abonado, indo totalmente contra sua índole, aceitando a humilhação da classe dominante para alcançar um espaço na sociedade da época. Para diferenciar os dois tipos de agregados foco de nossa análise, sendo o mais retraído D. Plácida, e o agregado que possui maior influência José Dias, temos como base, no que se refere aos “favores”, o livro “A voz embargada: Imagem da mulher em romances ingleses e brasileiros do século XIX”, de Márcia Cavendish Wanderley, que faz a comparação de uma personagem feminina do romance inglês “Jane Eyre”, de Charlotte Brontë e uma do romance brasileiro “Helena”, de Machado de Assis. Neles estão presentes as relações por interesse, ou, como a autora coloca, “relações de favor”: A voz de ambas é embargada pela susceptibilidade que atormenta os que vivem sob o domínio das “relações de favor”. Mas, enquanto a Jane são permitidas outras tonalidades além desta, a Helena só resta o empenho em preservar a própria honra em situações inescapáveis de suspeição. (WANDERLEY, 1996, p.76-77). Grosso modo, José Dias pode ser análogo a Jane Eyre, personagem do romance homônimo de Charlotte Brontë, que aceita de bom grado os benefícios que a riqueza lhe proporciona e se adapta bem aos contextos sociais. Já D. Plácida pode ser comparada com Helena, personagem do romance homônimo, de Machado de Assis. Helena, quando exposta a uma situação visivelmente sem saída, acaba por ceder e aceita as consequências do destino; o que a difere de Jane Eyre, que demonstra grande desconforto com as situações impostas e não aceita redimir-se. Mesmo com a diferença de anos de publicação das obras “Jane Eyre” e “Helena” de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”, a realidade exposta nos romances “é de uma sociedade rigidamente dividida e hierarquizada, ainda baseada no trabalho escravo, e onde “o favor” conduzia as relações entre os chamados “homens livres” (WANDERLEY, 1996, p.79). Confirmando assim que são as “relações por interesse” que movem a sociedade, podendo passar meses, anos e séculos essa “troca de favores” sempre vai existir e acompanhar a humanidade em seu desenvolvimento. 2. A figura do alcoviteiro na obra “memórias Póstumas de Brás Cubas” Buscamos abordar a personagem alcoviteira, sua função e estratégias que utiliza para se manter na segurança de um lar, levando em consideração o contexto histórico Anais do II Seminário Internacional de Estudos de Linguagens e XX Semana de Letras – FAALC/UFMS Anais SIEL e Semanas de Letras – FAALC/UFMS | Campo Grande | MS | n. 1 | 2019 | p. 182 a 192 187 do séc. XIX, considerando-se a personagem D. Plácida, de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, representante de uma parte do grupo social excluído da sociedade, pois, além de ser mulher, o que já limitava bastante seu percurso nessa sociedade, era pobre e viúva, mas é através dela que conseguiremos perceber a força existente entre as relações de dependências entre as partes dominantes e as dominadas. D. Plácida representa as pessoas que necessitam de ajuda, e acabam por descobrir algo muito importante sobre figuras influentes na sociedade, normalmente algum segredo que burla as normas de postura que são exigidas socialmente. E é através do seu silêncio que conseguem garantir o sustento, uma forma de “moeda de troca”. A personagem sabe a importância do segredo que porta e, caso ameaçasse os personagens principais, obteria maiores vantagens. Porém, esse primeiro tipo de agregado não possui essa ambição: “Faz parte do espírito realista do livro que a agregada, a despeito de sua índole orgulhosa, aceite com naturalidade os favores que lhe são necessários para viver, e que faça o necessário para merecê-los.” (SCHWARZ, 2000, p.182). Dessa maneira, ela se sente grata com o que recebe, e algumas vezes até culpada por acobertar o adultério de uma mulher casada, mas acaba aceitando a situação por não ter outra fonte de renda: Custou-lhe muito a aceitar a casa; farejava a intenção, e doía-lhe o ofício; mas afinal cedeu. Creio que chorava, a princípio: tinha nojo de si mesma. Ao menos, é certo que não levantou os olhos para mim durante os primeiros dois meses [...]. (ASSIS, 1987, p.84-85). Nesse trecho percebemos que D. Plácida apesar de estar fazendo um “favor” contra a vontade, não tem outra escolha já que está velha, sem marido, e não tem nenhuma garantia de melhoras no futuro após o abandono da filha e a solidão da velhice: “Felizmente, Iaiá me protegeu, e o senhor doutor também... Eu tinha um medo de acabar na rua, pedindo esmola...” (ASSIS, 1987, p. 88). Depois de um tempo, “ao cabo de seis meses...” (ibid., p.85), já havia se acomodado com a situação e o fato de ser cúmplice em um adultério já não incomodava, criando muita gratidão por Brás e Virgília. A vida da Dona Plácida cabe em poucas linhas, onde alternam os trabalhos insanos, as desgraças, doenças e frustações, o que em si não seria notável, nem suficiente para explicar o efeito atroz do episódio. A pobre mulher costura, faz doces para fora, ensina crianças do bairro, tudo indiferentemente e sem descanso, “para comer e não cair”. (CANDIDO apud SCHWARZ, 2000, p. 106). A FIGURA DO ALCOVITEIRO NAS OBRAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E DOM CASMURRO, DE MACHADO DE ASSIS Anais SIEL e Semanas de Letras – FAALC/UFMS | Campo Grande | MS | n. 1 | 2019 | p. 182 a 192 188 Quando Antonio Candido coloca que a história da personagem “cabe em poucas linhas (...)”, essa é uma forma de mostrar que essa personagem representa pessoas que levam uma vida enfadonha, sem muitas emoções que mereçam dedicar-lhe mais que “poucas linhas” da escrita em um livro, demonstrando que aquela sociedade desvalorizava esse tipo de trajeto de vida. Mas, vale ressaltar que desse tipo de relação, ambas as partes conseguem lucrar, pois, mesmo indo contra seus valores, D. Plácida fica feliz por ter em quem se apoiar na velhice: “(...) apesar de incansavelmente trabalhadora, chega o momento em que se vê obrigada a buscar a proteção de uma família de posses, à qual se agrega, o que tampouco impede que morra na indigência”. (SCHWARZ, 2000, p. 106-107). Nem sempre conseguir uma família rica para se agregar significa segurança financeira para o resto da vida, já que alguns casos são apenas temporários. A vida de um agregado, assim, é cheia de incertezas. A importância da agregada no romance é inquestionável, pois sem ela os encontros dos namorados não aconteceriam ou mesmo, seriam descobertos. A alcoviteira sabe disso, mas prefere não utilizar o “poder” que possui. Como diz Freire (2015), por falta e frustrações com sua família verdadeira, o agregado aceita o papel que lhe atribuem na família que o acolhe, pois essa carência de afeto faz com que se apegue e crie laços com seus “senhores”, acreditando pertencer a esse meio familiar. Porém, não deixa de ser um personagem “solto”, que flutua entre o limbo de não pertencer formalmente à família e também não ser assalariado, não tem laços sanguíneos com os personagens principais, mas também não chega a ser empregado. Retornando a obra “Ao vencedor as batatas”, de Robert Schwarz, em que o autor afirma que “A elevação e os conflitos dignos de literatura existem somente no interior do círculo familiar” (SCHWARZ, 2000, p. 216). Dona Plácida fantasia, assim, a partir de sua atual família (Ela, Virgília e Brás), preocupa-se apenas em manter boa convivência com os protagonistas, sem qualquer tipo de ambição. 3. A figura do alcoviteiro na obra Dom Casmurro No romance “Dom Casmurro” temos como personagem alcoviteiro José Dias, que diferentemente de D. Plácida pode ser considerado como um personagem complexo e de várias faces. Anais do II Seminário Internacional de Estudos de Linguagens e XX Semana de Letras – FAALC/UFMS Anais SIEL e Semanas de Letras – FAALC/UFMS | Campo Grande | MS | n. 1 | 2019 | p. 182 a 192 191 Referências FREIRE, José Alonso Torres. Habitantes das fronteiras: “crias da casa” na literatura brasileira. In: Pereira, Danglei de Castro; Santos, Rosana Cristina Zanelatto (Orgs.). 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