Baixe A Guerra Contra a Inteligência Aula 1 e outras Transcrições em PDF para Filosofia, somente na Docsity! A Guerra Contra a Inteligência Análise do ambiente intelectual e psicológico e das inibições e obstáculos que ele impõe à inteligência individual OLAVO DE CARVALHO Aula 1 5 de março de 2018 [versão provisória] Para uso exclusivo dos alunos do Seminário de Filosofia. O texto dessa transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor. Por favor, não cite nem divulgue esse material. Boa noite. Sejam bem-vindos todos os presentes e também aqueles que estão assistindo online. O tema desse curso é a inteligência humana e um dos seus objetivos é mostrar a vocês todas as correntes e mecanismos postos em ação hoje em dia e desde a, pelo menos, duzentos anos para deprimi-la e, se possível, suprimi-la. Desde muito tempo atrás tudo o que chamamos de “sistema de educação” tem se destinado precisamente a isso e muito do que imaginamos como alta cultura tem apenas esse objetivo. É evidente que, até certo ponto, todo ser humano se considera inteligente ou pelo menos imagina que possui inteligência suficiente para as suas necessidades. Eu nunca conheci ninguém que confessasse ser definitivamente burro – às vezes as pessoas fazem isso por brincadeira. Por exemplo, o Pedro tinha um amiguinho que dizia: “Eu sou burro com muito orgulho” – ele morreu baleado pela polícia. Então, evidentemente é uma coisa contraproducente. De algum modo, nós nos apegamos à nossa inteligência, porque não temos outro farol para orientação na vida. Não adianta confiar num instinto ou em ordens de superiores, nada disso vai resolver nossos problemas. Sempre vamos precisar usar a sua inteligência para, de algum modo, tentar se orientar na situação, mesmo que se pretenda seguir uma autoridade, um líder ou uma religião, nós ainda vamos precisar usar inteligência para entender o que eles estão dizendo e para saber se os estamos seguindo corretamente ou não. Portanto, nós simplesmente não temos escapatória. Desistir da inteligência é como um urso desistir das garras e dentes ou uma águia desistir das asas. No entanto, as principais forças da nossa civilização se voltam contra a inteligência humana e isso não é de hoje. Muitas ideias se impregnaram de tal modo na cultura que elas [acabaram por] nos parecer naturais. Uma delas é a de que nós não conhecemos a realidade, mas apenas fenômenos ou aparências; que na verdade o mundo real supostamente seria muito diferente daquilo que vemos. Podemos, mais ou menos, datar a origem disso em um filósofo escocês chamado David Hume – mesmo que essa não fosse a sua intenção. A maior parte da obra de Hume é dedicada à crítica do conhecimento humano – somando tudo ele tenta provar que é impossível conhecer qualquer coisa. Ele diz, por exemplo, que temos sensações, impressões, pensamentos, mas não temos nenhuma prova de que por trás disso exista um “eu” pensante, um “eu” consciente – de fato, não temos. Ninguém nunca viu o seu “eu”, nunca tiveram uma experiência direta do seu “eu”, só o reconhecendo pelas suas ações que estão, evidentemente, separadas umas das outras, não há uma experiência contínua e daí por diante, Hume segue fazendo vários exames críticos do conhecimento humano, sempre apontando as suas falhas. Porém, depois de ter dito tudo isso, de ter mostrado que não há razões para crer na objetividade, na realidade, na veracidade do próprio conhecimento, ele diz, apesar disso, que precisamos crer nesse conhecimento, pois isso nos é ensinado pela tradição e nós não podemos viver sem isso. Então, é errado considerar o Hume como um céptico. Na verdade, ele está fazendo, com a crítica da razão, a apologia da tradição, da obediência, do hábito. Ele diz que há muitas ideias que não podemos provar, que se impregnaram em nós pelo hábito, mas que nós precisamos delas embora não possuam fundamento racional. Nós sabemos que essa crítica do conhecimento humano feita por Hume causou uma profunda impressão em Immanuel Kant, que não se conformou com aquela conclusão negativa e achou que devia encontrar um novo fundamento para o conhecimento, sobretudo porque ele viu um paradoxo no fato de que, por um lado, Hume provava que o conhecimento racional não é possível, por outro lado, lendo as obras de Newton, se via que algum conhecimento racional Newton havia conseguido obter. Então, se uma coisa é impossível, como ela aconteceu? Se Hume tem razão, como a física de Newton é possível? Tentando localizar um novo fundamento para a credibilidade do conhecimento científico, Kant descobre – ou acredita ter descoberto – que esse fundamento não está na objetividade do conhecimento, no fato de que ele reflita a realidade das coisas, mas dado na própria estrutura da razão humana. Essa estrutura se define por uma série de pré-condições do nosso conhecimento e algumas dessas pré-condições determinam o formato do nosso conhecimento racional e um outro conjunto de pré-condições determina o formato da nossa percepção sensível – isso ele vai chamar de “categorias”. Existem as categorias da percepção sensível e as categorias da razão e fora dessas categorias nós não conhecemos absolutamente nada. Porém, essas categorias só dizem respeito ao nosso modo de conhecer e não à realidade do mundo. Daqui ele conclui que nós só conhecemos aquilo que nos chega no formato adequado da nossa estrutura de percepção ou da estrutura da razão – ele chama isso de “condições a priori”; a priori significa o que vem antes, ou seja, antes de qualquer ato de conhecimento essas condições formam um quadro que molda e limita o nosso conhecimento e isso já está dado na nossa cabeça de uma vez para sempre e é igual para todos os seres humanos. Então, daí vem a famosa confusão dele de que “nós não conhecemos as coisas em si mesmas, mas apenas as suas aparências fenomênicas”. “Aparência fenomênica” é de fato uma redundância, porque “fenômeno” quer dizer aparência. Ele diz que nós captamos estes dados externos, mas que eles não refletem a estrutura real das coisas, mas apenas o nosso modo de conhecer. Depois disso apareceram várias observações que parecem confirmar isso. Por exemplo, nós não captamos todas as longitudes de onda que nos chegam aos ouvidos, mas apenas uma certa faixa. Um cachorro, por exemplo, capta ondas que nós não. Essas ondas corresponderiam às categorias, as formas a priori, do cérebro do cachorro, mas não do nosso. Portanto, todo o nosso conhecimento é apenas uma vasta coleção de aparências da qual não podemos saber se é real ou não. Podemos saber apenas se ela é adequada ao estado atual dos conhecimentos científicos. Então, a ideia de realidade fica substituída pela ideia de um consenso científico, isto é, todos os seres humanos pensam mais ou menos da mesma forma e possuem as mesmas categorias de sensação e percepção, portanto se os mais inteligentes dentre nós concordam em alguma coisa, essa coisa deve ser mais ou menos assim; não porque tenhamos meios de verificá-la na realidade, mas simplesmente porque corresponde ao estado atual dos nossos conhecimentos. A maior parte das pessoas não percebe a consequência imediata disso: nenhum de nós pode jurar que aquilo que enxergamos e conhecemos é a realidade e a única autoridade que decide se o nosso conhecimento é verdadeiro ou não é um consenso científico. O que é um consenso científico? É a opinião dominante para a maioria dos cientistas. Isso quer dizer que entre o ser humano e a realidade se interpõe uma espécie de guardião, o homem do pedágio, que te deixa ou não passar, que é a classe científica. A partir daí, vai se espalhando gradativamente na sociedade a ideia de que a ciência estabelecida pela classe científica é o único árbitro para todas as questões possíveis. Nós não estamos num mundo real, mas separados dele, e a única coisa que remotamente nos conecta a ele é a autoridade do consenso científico. Se, ao contrário, exigirmos da inteligência algo mais – para que ela mereça este nome – e dissermos que “só há inteligência onde existe uma capacidade de penetração na realidade das coisas e de expressão dessas”, então aí toda a perspectiva muda – só que esse conceito está ausente da nossa cultura. Para compensar, vamos dizer, os efeitos dessa tradição – que começa com Kant, se prolonga com Auguste Comte e que, no EUA, ainda é tendência dominante em todas as universidades –, surge com Hegel uma tendência exatamente oposta onde ele afirma resolutamente a nossa capacidade, não só de conhecer o real, mas de conhecer o trajeto todo do real na história efetiva humana. Ou seja, Kant diz: “Nós nada podemos conhecer além de aparências”. E Hegel diz: “Nós conhecemos tudo, pelo menos eu conheço tudo, eu já entendi todo o percurso da história humana e já sei onde vai terminar”. Dessas duas tendências aparecem os pilares do pensamento moderno que são o marxismo e o positivismo. O positivismo herdado de Kant e marxismo herdado de Hegel. Então, uns não têm conhecimento de nada a não ser da aparência e outros já têm conhecimento de tudo e já sabem aonde tudo vai dar e aonde as coisas vão terminar. Vejam, só o fato de haver essas duas tradições e de elas serem influentes na nossa educação, isso já nos coloca num problema terrível, pois podemos ver que metade da humanidade se empenhou em realizar o sentido da história, tal como Hegel e Karl Marx haviam explicado – e para isso mataram centenas e milhões de pessoas – e para opor-se a isso tem somente o Kant que diz que não sabe de nada, que ninguém também não sabe nada, que não podemos conhecer coisa nenhuma a não ser aparências. Aí está a coisa mais engraçada, pois na medida em que se aceita este pressuposto kantiano o indivíduo se coloca nas mãos da classe científica e é como se ela dissesse: “Ninguém conhece a realidade, só quem conhece um pouco da realidade somos nós, os cientistas, então você sempre tem que perguntar para nós se o que você está vendo é real ou irreal” – isso consagra o poder da intelectualidade, é a intelectualidade cientifica que comanda a sociedade inteira e é a máxima autoridade. Por outro lado, no desenvolvimento histórico da tradição hegeliana, com Marx, com o Partido Comunista, etc., o poder termina nas mãos de quem? Da intelectualidade também. Então temos dois caminhos pelos quais se consagra a uma certa classe de pessoas, que são “intelectuais”, o poder e tudo temos que perguntar a eles. Ora, o que significa adestrar a inteligência de uma pessoa nesse contexto? O quê que é uma pessoa inteligente dentro da tradição hegeliana ou dentro da tradição kantiana? Bom, dentro da tradição hegeliana, o sujeito mais inteligente que existiu foi Josef Stalin evidentemente, porque ele era o sujeito que conseguia fazer planos e realizá-los no sentido dos objetivos propostos na tradição, conseguia fazer isso com uma eficiência monstruosa. Stalin fez um plano de ocupar metade da Europa e conseguiu isso usando até o seu adversário, que era Adolf Hitler e o nazismo; o resultado final da guerra foi entregar metade da Europa para a União Soviética. A URSS antes era um país falido, era um terceiro mundo, e quando termina a guerra ela virou uma potência comparável ao EUA. Então, é claro que temos de concluir que Stalin foi o maior estrategista de todos os tempos, porque estratégia consiste em articular um conjunto de ações para obter um certo resultado e se medir a eficiência da estratégia pelo resultado obtido. Se vocês perguntarem: “Quem mais fez isso no mundo?” – ninguém mais fez. Se vocês pensarem, peguem os governantes dos vários países – Roosevelt, Charles de Gaulle, Churchill – e perguntem se algum deles concebeu uma estratégia tão boa e se obtiveram exatamente os resultados pretendidos: nenhum deles. Por exemplo, Churchill, se dissessem para ele: “Olha, o resultado de tudo o que você está fazendo para defender o império britânico vai ser a liquidação do império britânico” – ele ficaria mortalmente ofendido, no entanto, foi isso mesmo que aconteceu. E se dissessem ao Roosevelt: “Olha, o resultado de tudo o que você está fazendo é entregar o mundo para a URSS” – ele também diria que não. Então, vemos vários personagens que não têm controle do fluxo dos acontecimentos lidando com outro que tem o controle total das coisas. É claro que ele, [Stalin], também errou, houve alguns percalços, mas no conjunto ele fez exatamente o que queria. Isso é o resultado final da tradição hegeliana-marxista. O resultado final da tradição kantiana é a perpétua inconclusividade, é a Síndrome do Piu-Piu, onde não se pode nunca chegar a conclusão nenhuma pois tudo são apenas aparências, tudo são hipóteses, tudo é apenas investigação cientifica, portanto tem que continuar investigando. Nunca se pode chegar a uma conclusão sobre nada. Isso é exatamente a cabeça perfeita do que no ocidente se considera um político, um líder moderado, racional, equilibrado, etc., é um sujeito que nunca tira conclusão nenhuma, sempre tudo pode ser de um jeito, pode ser de outro, está eternamente com a Síndrome do Piu-Piu. Se dizem uma realidade para ele, ele diz: “É, pode ser, pode não ser. Será que eu vi um gatinho? Eu vi um gatinho ou não vi um gatinho?” – e assim continua. O próprio Franklin Roosevelt foi um exemplo disso: enquanto ele estava governando, o pessoal da URSS infiltrou tudo quanto era agente dentro do governo dele e ele não percebia. Tinha um agente que era tão íntimo do Roosevelt que morava dentro da Casa Branca, o sujeito era espião da KGB e ele não sabia. E se o dissessem, ele diria: “Não. Não temos provas científicas. Temos de esperar mais um pouco”. Isso é mais ou menos o panorama do mundo histórico tomado na visão das elites. E nós perguntamos a ele: “O que é aí a efetiva inteligência?”. O único sujeito inteligente que aparece aí é Joseph Stalin, evidentemente. Parece ser o único sujeito que tem algum poder de preensão sobre a realidade. Mas se dissessem para ele: “Olha, tudo o que você está fazendo não vai resultar no paraíso dos proletários, mas na eternização de uma ditadura que vai ter que continuar matando os proletários um por um para sempre”. Ele chegaria a perceber isso? Acho que não. Era certamente o personagem mais inteligente no tempo da segunda guerra, mas não tão inteligente assim. Quando Karl Marx formula o marxismo, todo o destino do movimento comunista já estava dado ali nas entrelinhas; era perfeitamente previsível. Por exemplo, se lhe perguntassem assim: “Olha, no mundo capitalista você tem o poder econômico que são as pessoas que têm muito dinheiro, banqueiros, etc., do outro lado há o poder político que é mais ou menos independente disso, embora um dependa do outro, mas são coisa distintas, se se vai ao socialismo, vai unificar, as pessoas que têm o poder político serão as mesmas que têm o poder econômico direto, portanto o que vai acontecer é uma separação muito maior daquilo que se tem hoje entre o povo e os governantes. Você acha que isso vai ser alguma democracia?”. Isso é coisa de idiota! É claro que isso vai terminar numa ditadura quase impossível [0:30] de se derrubar. Uma ditadura desse porte só pode ser derrubada, por assim dizer, desde fora; por uma guerra ou alguma coisa assim – como acabou acontecendo; foi uma guerra econômica, mas houve uma guerra. Nós podemos perguntar: “Por que ninguém percebeu isso logo ao ler as obras de Karl Marx? Por que tiveram que esperar a experiência de cento e tantos anos, da qual tem muita gente que ainda não tirou as conclusões?” – nós estamos carecas de ver esquerdista que conhece a história da desgraça toda que foi o regime comunista, não só na URSS, mas na China, na Hungria, na Polônia, em Cuba, em toda parte, e ainda não tirou as conclusões, então, é a Síndrome do Piu-Piu evidentemente. Só que de onde eles a obtiveram? Certamente não foi do marxismo. Foi do positivismo. São pessoas educadas no mundo kantiano e que continuam em dúvida eterna quanto as coisas que estão bem na cara delas – é proibido tirar conclusões. Vejam, para o sujeito da tradição comunista-marxista ele não precisa tirar conclusão; a conclusão já veio pronta. A conclusão é a revolução socialista universal e a instauração da universal ditadura do proletariado, pronto, acabou, chegamos ao fim da história. O que quer que aconteça será explicado assim. Se no meio da realização do projeto acontece a formação de uma ditadura dos intelectuais e opressão total do proletariado, para os marxistas, essa é uma etapa dialética. Aconteça o que a acontecer o resultado final será o reino dos proletários. Aí simplesmente não há respostas porque não há perguntas – do outro lado, só há perguntas que não tem respostas. Esse é o conjunto das influências que nós recebemos na educação. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que o problema atual é o seguinte: fazer uma escolha entre o totalitarismo comunista e a democracia. Mas o que é a democracia? A democracia é um conjunto de direitos que são assegurados a todas as pessoas. Mas daí perguntam: “Mas está sendo assegurado mesmo a todos ou nós precisamos ampliar? E quais são esses direitos?”. Aí um sujeito vem com uma lista de, por exemplo, quinze direitos. “Por que quinze e não cento e cinquenta?” – perguntam novamente. Então é preciso, como diz a Marilena Chauí, “ampliar os direitos”. Daí amplia-se mais e mais os diretos e na medida em que os amplia é preciso garanti-los. Mas como se garante? Através da fiscalização e controle estatal de tudo. “Uai, então nas democracias acontece a mesma coisa que no comunismo?” – é cada vez mais controle estatal ao qual se segue indefinidamente e daí, sem saber a conclusão de nada, se estará empurrando o mundo para o mesmo lugar onde Stalin queria empurrar – e as pessoas acham que esses caras são inteligentes. Eu vejo, assim, uma crise monstruosa da inteligência humana, porque esses padrões são os mesmos que são passados para as crianças nas escolas. Quando se julga a inteligência, se julga determinadas habilidades. Mas, se essas habilidades têm de ser julgadas em si mesmas, pelo seu mero funcionamento e não pelo resultado obtido em termos de conhecimento da realidade, então pouco importa se essas habilidades são utilizadas para o conhecimento da realidade ou para a geração de uma fantasia idiota, dá na mesma. Podemos dizer, por exemplo, todo mundo conhece o Lula. Ninguém pode dizer que o Lula é desprovido de uma inteligência social. Ele conseguiu fazer a carreira dele inteira sem ter um único inimigo dentro do partido. Ele conseguia seduzir todo mundo, fazer todo mundo confiar nele. Ele não sabia fazer uma conta de dois mais dois, mas inteligência social ele tinha. Qual foi o resultado? O resultado foi a desgraça que se viu. Se vocês julgarem essa habilidade em si mesma, separada da sua eficiência cognitiva, então o resultado dela pouco importa. O resultado pode ser uma desgraça, mas o sujeito continua tendo aquela inteligência. E até as pessoas, às vezes, não sabendo exprimir o que elas percebem no Lula, dizem: “Ele é um líder carismático” – mas não; ele nunca foi líder e muito menos carismático. Ele foi um símbolo do partido, ele nunca liderou ninguém – esse foi o segredo do Lula. Ele nunca deu uma ordem na vida! Enquanto o pessoal do partido estava fazendo a assembleia, ele saía para tomar um cafezinho. Quando terminava a assembleia ele voltava e perguntava: “O que foi que vocês decidiram?” – eles lhes respondiam e daí o Lula “vestia a camiseta”. Passava a dizer a mesma coisa e agradava a todo mundo. O fato é o seguinte: o Lula não é um líder, muito menos é carismático, ele é um sujeito com um traquejo social monstruoso e subiu na vida nessa base, só isso. Vejam que até para diagnosticar os caracteres, as personalidades, os vícios das pessoas, nós hoje temos nomes errados. Quando se quer dizer, por exemplo, no Brasil que uma ideia é duvidosa, é improvável, se diz que ela é polêmica. Mas o que significa isso? Uma ideia em si mesma não pode ser polêmica. Só pode haver polêmica entre duas ideias, salvo engano. Como é que se pode dizer que uma ideia em si mesma é polêmica? Isso aí parece aquele koan: bater palmas com uma mão só. Essa imprecisão de linguagem revela uma imprecisão de percepção. Por que usam tantas palavras fora do lugar hoje em dia? Se vocês pegarem a mídia brasileira inteira vão ver que aquilo é de uma imprecisão vocabular do início ao fim. Por quê? Porque não há uma realidade pela qual se possa aferir a linguagem. Há apenas a autoridade do consenso. E, no caso, é o consenso da mídia – que faz parte da intelectualidade evidentemente. Então, se a mídia inteira aceita isso, então essa linguagem está adequada, porque eles entendem o que eles estão dizendo. Um fala um negócio que ele não sabe, o outro entende um negócio que ele também não sabe, mas parece a mesma coisa: os dois lados aceitam essa maluquice. No entanto, vocês não têm para onde correr, não saem do problema do consenso. Existem filosofias inteiras construídas com base na ideia do consenso. O Jürgen Habermas é um exemplo. Consenso para ele é tudo. Só que, enquanto Habermas está fazendo essa apologia do consenso, há outro sujeito que é o Kurt Lewin – que é um psicólogo absolutamente genial, um pouco maligno, mas genial – que estava criando um negócio chamado de engenharia do consenso. Que é essa engenharia do consenso? Alguém reúne um grupo de pessoas para discutir determinado assunto – pode até ser uma psicoterapia de grupo, um projeto, um jogo de futebol, qualquer coisa – e tem ali um técnico treinado orientando sutilmente o grupo para que ele chegue a determinadas conclusões. Isso aí se tornou o modo normal URSS ou da Alemanha Nazista: são sistemas e são sistemas normativos, todos eles têm uma premissa fundamental, portanto, do ponto de vista formal, seria a mesma coisa. Mas outros defendiam o aspecto sociológico do direito. Eles diziam que o direito é efeito, a criação, de um determinado estado de coisas em tal ou qual sociedade – também há esse lado sociológico. Assim, haviam essas três correntes, uns podiam estudar o direito como norma, outros como fato sociológico e outros como um valor. E, foi o Miguel Reale que conseguiu articular esse três: “O direito é definido justamente pela fusão inseparável desses três aspectos” – com isso ele realmente matou o problema; até agora pelo menos. É muito interessante acompanharmos essas discussões para vermos que o campo de uma ciência não aparece pronto. O campo de uma ciência depende de uma série de procedimentos abstrativos que vão separando o que ele é daquilo ele não é, daquilo que é contíguo ou que está associado, e assim por diante. Por exemplo, se olharmos para a física de Newton: tudo o que ele fez que nós conhecemos pelo livro Princípios Matemáticos da Filosofia Natural é uma física teológica, aquilo é parte de um argumento teológico que Newton estava desenvolvendo, para ele, a física era um aspecto da teologia. Ora, nas gerações seguintes já não aceitavam mais isso. E o que fizeram? Apagaram os outros livros do Newton e ficaram só com esse. E assim, durante 300 anos, se entendeu errado a física de Newton, pois não era isso o que ele estava dizendo. Ele não estava fazendo física no sentido atual da palavra “física”, ele estava fazendo física no sentido do tempo dele, que era uma parte da teologia. Newton tinha umas ideias religiosas muito estranhas: ele era cristão, mas era contra a trindade, ele acreditava numa espécie de unidade absoluta – do tipo islâmico; uma espécie de islamismo cristão – e tudo o que ele fez foi para poder argumentar em favor disso. Por isso, se vocês entenderem essa parte, a parte da física, fora do contexto teológico de Newton, na verdade, vocês não estão entendendo direito. No entanto, foi só essa parte que foi aproveitada pelas gerações seguintes, as gerações de cientistas, o que eles estudam não é o Newton, é o Newton que interessa a eles, um Newton abstrato. No processo de formação de qualquer ciência nós temos essa série de operações abstrativas que vão criando um objeto cientificamente estudável, mas esse objeto cientificamente estudável não é um objeto da experiência real e concreta. Apesar de Kant, apesar de todo o positivismo, nós todos continuamos vivendo no mundo das realidades concretas. Tudo o que chega a nós, chega entremesclado de aspectos acidentais que não tem nada a ver com a essência do fenômeno, com a essência do objeto, mas que sem os quais não poderia existir. Nós cada vez mais somos convidados a esquecer isso e focar a nossa atenção só naqueles objetos já formalizados para o estudo de determinada ciência. O que acontece devido a isso? Nós simplesmente saímos da realidade e vivemos no mundo do consenso científico. Isso é um desastre? É claro que é. Porque nós nunca mais teremos uma realidade na qual possamos testar nossos conhecimentos – só poderemos testar no sentido do teste científico, mas esse também não se refere a objetos reais, mas sim a objetos recortados e especialmente recortados para testes em laboratório. Ora a ciência funciona assim, não há outra maneira dela funcionar – isso não é uma crítica a ciência, é assim que se faz mesmo e não tem outro jeito. Às vezes ela nos dá algumas certezas sobre algum objeto recortado para as necessidades dela, mas não sobre o objeto considerado em geral. Assim, os camaradas inventam um negócio que é a interdisciplinaridade. Eles percebem que eles estão indo muito [fundo] no mundo abstrato e decidem cruzar os resultados, mas não adianta, cruzando diferentes recortes abstrativos não se obtém uma realidade concreta. A realidade não pode estar no fim do estudo cientifico, ela tem de estar na origem dele. Pergunto eu: “Alguém foi ensinado, alguém no mundo, algum cientista, à medida em que ele vai recortando o objeto da sua ciência, a voltar a referi-lo a realidade concreta inicial para que ele não se perca nas abstrações?” – não, ninguém foi ensinado a fazer isso, essa disciplina simplesmente não existe. Essa é – ou seria – uma das tarefas fundamentais da filosofia, mas acontece que a filosofia também tentou virar uma ciência. Existem dois tipos de filosofias científicas. A marxista, que já tem – ou imagina ter – todo o domínio do trajeto completo da existência humana e da sua finalidade e que tudo pode ser deduzido a partir dessa finalidade que, para ela, é o paraíso dos proletários – essa é a culminação da humanidade, esse é o fim da História, a História termina aí e, na verdade, é esse o começo da História verdadeiramente humana, em termos do próprio Karl Marx – e, portanto, tudo pode ser julgado em função disso. Pode até, a partir disso, tirar conclusões para as ciências físicas: como a famosa genética de Lysenko, que é uma genética marxista, não funcionava, mas se enquadrava bem dentro dessa visão global. Por outro lado, tem a visão positivista, que é a Síndrome do Piu-Piu organizada. Se perguntarem: “Alguém foi treinado para perceber a realidade, expressá-la e discuti-la?” – ninguém. Uns são treinados para se enquadrarem dentro do projeto socialista final. Outros são treinados para se enquadrar dentro do consenso científico no qual, por definição, é provisório. Significa, então, que a noção de realidade sumiu e, portanto, a noção de inteligência também sumiu sendo substituída por duas coisas: no mundo marxista pela sua ortodoxia, pela sua fidelidade ao projeto global e, no mundo ocidental, pela sua fidelidade e obediência ao consenso científico – que na verdade, repito, não existe, existe apenas para uso popular. É claro que quanto mais o ensino das ciências se aprimora, mais esses problemas aparecem, quer dizer, os cientistas acabam percebendo que eles não sabem do que estão falando. Entre os praticantes da física quântica, eu acho, hoje em dia todos eles sabem que não sabem do que estão falando: “Nós sabemos fazer esse experimento, sabemos medir para onde vai a partícula, etc., mas não sabemos do que estamos falando”. Isso porque simplesmente não existe mais o “quê”, existe só a descrição de fenômenos. E fenômenos são o quê? Aparências. Eles podem continuar praticando isso o resto da vida e se praticarem direitinho serão tidos como grandes cientistas, mas no fundo eles sabem que não sabem do que estão falando. Essa dupla corrente de filosofias que dominam a mente contemporânea, sobre todos os aspectos, foram feitas para neutralizar a inteligência humana. Uma vai lhes submeter aos mandados do partido, que é um bando de intelectuais, e a outra vai lhes submeter ao consenso dos cientistas, que é outro bando de intelectuais. Assim, tudo fica reduzido a obediência e a adequação do sujeito a esse estado de coisas passa a ser a medida da sua própria inteligência – se ele obedece aos planos do partido direitinho, então ele é um grande homem, se ele não consegue ou não quer, então, ou ele é um idiota, ou é um traidor, ou é um infiltrado, ou um burguês, qualquer coisa assim; do outro lado, se o sujeito tenta escapar do formalismo científico e tenta dizer algo da realidade concreta, então o que ele diz é poesia, é sonho, é fanatismo, é fundamentalismo, qualquer coisa assim. Tudo foi montado para instituir a obediência e não a inteligência. [1:00] Em seguida, aparecem umas pessoas dizendo: “Então temos de ensinar as pessoas a ter um pensamento crítico” – mas nós sabemos de onde vem essa expressão, vem da tradição marxista. O pensamento crítico para eles é o pensamento crítico do quê? Da ideologia capitalista. Ademais, se pegarmos todas as teorias que estão rodando por aí e fizermos a crítica de uma por uma, nós conhecemos algo da realidade concreta? Ainda não. Estaremos apenas dentro do processo dialético da discussão de cada uma dessas ciências, ainda estaremos dentro do mundo do formalismo. É claro que não será o pensamento crítico que irá nos libertar disso aí. Quem percebeu direito o que precisava fazer foi o Edmund Husserl que disse que precisávamos nos voltar às coisas. O que quer dizer as coisas? São as coisas que nos aparecem na realidade – “Temos de começar a descrever a experiência tal como ela nos aparece”. Se ele conseguiu ou não fazer isso, é outro problema – eu acho que não conseguiu, eu acho que no fim ele acabou terminando no formalismo também. Mas a ideia era muito boa e é ela que deve nos inspirar aqui. Aluno: Com a internet ficando cada vez mais presente, de uma certa forma todas essas contradições não ficam mais aparentes e geram essa confusão política que a gente tem hoje, essa coalização em que as pessoas começam a perceber essa distância entre a realidade e esse totalitarismo aí dos intelectuais? Olavo: Sim, mas pelo volume de informações se cria outro negócio que é a psicose informática, quer dizer, um bombardeio de informações que ultrapassam infinitamente a capacidade do indivíduo de organizá-las. Isso chega ao ponto de ocorrer um fenômeno chamado snapping – como alguns estudiosos chamam, que significa aquele barulho de estalo, como que um elástico que foi puxado demais e arrebenta – na qual o sujeito fica mais ou menos num estado de estupor, de incerteza total. Tem muita gente assim hoje: não são capazes de tirar conclusão de absolutamente nada, pois foram infectadas pela psicose informática. Aluno: Professor, eu vi uma palestra do Obama, que era para ser só para os estudantes do MIT, mas que veio a público, na qual ele fala que o problema hoje é o de que existem várias realidades como, por exemplo, a realidade do NY Times, a realidade da Fox News, e que a China resolve isso de uma maneira simples, que é o partido é que tem que dizer o que tem de ser e que todo mundo obedece. Ele acha que a gente tem que viver em mundo assim, mas ele mesmo coloca né... Olavo: A busca da autoridade é uma busca de alívio, evidentemente. O que eles fazem? As pessoas transferem o problema para alguém que, segundo elas, sabe mais do que elas e então não precisam mais pensar no assunto – é uma busca de alívio e de segurança. Mas isso resolve o problema? Não. Isso agrava o problema formidavelmente. Onde o partido estiver errado todo mundo vai errar junto e isso, notem bem, não é a exceção, isso é a regra. A única coisa que deu certo no comunismo foi o plano do Stálin da Segunda Guerra, onde as coisas se passaram exatamente como ele tinha previsto, com exceção da invasão da Rússia pela Alemanha. Ele imaginava o contrário, a Rússia que iria invadir a Alemanha. Mas ele conseguiu dar a volta por cima, conseguiu readaptar o plano e chegou onde queria – ele não dominou a Europa inteira, mas dominou metade. Isso, para nós, é bom exemplo. Para o nosso tipo de estudo aqui, a melhor coisa que podemos fazer é estudar alguém que fez alguma coisa que deu certo. Um sujeito que fez um plano, que executou esse plano e que chegou ao resultado que ele queria – o que não quer dizer que ele controlou inteiramente o resultado, mas apenas em linhas gerais. Um filósofo chamado Alain também pensava a mesma coisa sobre esse ponto: ele botava os alunos dele para estudar a campanha que os americanos fizeram para eliminar a febre amarela em Cuba, que foi um negócio excepcionalmente bem-sucedido. Ele usava isso como modelo de como se faz as coisas. Ora, uma campanha para eliminar a febre amarela é baseada no quê? Na existência de uma vacina? Não. A fabricação da vacina advém dos fatores sociais, fatores econômicos, etc., e como é que se vai articular tudo isso? A ação real é sempre a articulação de linhas de forças acidentais. Por exemplo, no último ano da Primeira Guerra Mundial os alemães decidiram fazer um ataque frontal final. Eles reuniram uma força monstruosa, muito superior à do adversário, pois fazia anos que a guerra estava estática, que se dava apenas entre confrontos de trincheiras, que ninguém conseguia avançar, eles decidiram romper com essa dinâmica e acabar com tudo de uma só vez – eles fizeram isso. Só que lá pelas tantas faltou comida. O quê que a comida tem a ver com a atividade bélica? Podemos deduzir uma coisa da outra e a outra da uma? Para o serviço de intendência, que vai fornecer a comida, o seu funcionamento depende da eficácia bélica do exército que está no front? Não. É um fator extra. A verdadeira inteligência a gente vê em operação nessas horas. No tempo dos escolásticos, isso era chamado de raciocínio de conveniência – conveniência no sentido de vir junto, de coisas que convergem, é como convergência, como concrescior ou concreto. Algumas pessoas têm uma genialidade excepcional nisso aí. Se estudarmos a vida de Napoleão Bonaparte veremos que o segredo dele era este: ele conseguia juntar coisas que não tinham nada a ver para produzir um resultado. coisa tão simples. Eu tive a sorte de estar presente nessa mudança da escola. Por exemplo, eu não tinha ideia da riqueza de livros que havia na biblioteca do colégio, isso eu adquiri nesse dia. Por quê? Porque era eu mesmo que estava pegando os livros e colocando na estante, no lugar certo. Então, aí nós temos alguns princípios. Todo conhecimento que toma raiz na realidade da experiência concreta e tão logo perde essa conexão só vale para fins administrativos. Agora, existe alguma prática que tenha realmente algo a ver com a realidade concreta e com a tomada de posse dela? Existe. Mas certamente não é nenhuma das ciências. Vejam, quando começamos a estudar física, por exemplo, alguém nos informa o rolo que foi para isolar a física dos outros fatores para poder chamá-la de física? Como se formou o objeto dessa ciência? Ninguém nunca ouviu falar disso. E acho que aqui, [no EUA], também não. As ciências que são resultado da articulação de inúmeros procedimentos de abstração que vão se consolidando e recortando um objeto ideal no espaço aparece para nós como se fossem uma coisa do mundo físico. Quer dizer, a física nasceu como nascem as bananas? A coisa mais apaixonante que existe em qualquer ciência é justamente ver isso: ver como ela se formou. Porque se todos os objetos chegam para nós na realidade concreta, eles chegam sempre misturado a milhões de coisas que não são eles, mas que tem algo a ver. Como é que se vai separando e depois rearticulando? A história dessa separação, ou seja, da formação dos objetos de uma determinada ciência, está mais ou menos documentada. Mas e a articulação dela com a realidade concreta? Não existe nenhuma história disso; nunca ninguém fez. Quando vemos algum cientista que é capaz de articular uma coisa com outra isso é explicado pelo talento pessoal dele ou pelas manias dele. Qual era a relação que Newton via entre a teologia e a lei da gravitação universal? Ele via uma e deduzia uma coisa da outra e a outra da uma. Podia ser loucura, mas que ele fez isso ele fez. Como é que fizeram depois para separar? Se pensarmos bem, de onde surgiu a noção atual de cientista puro? Newton não era um cientista puro. Ele era mil coisas misturadas. Leibniz também. Vocês conhecem alguém que os ensinou isto: como é que se formou a ideia de cientista? Não. Isso não se ensina em parte alguma. E como é que vamos entender ciências se não sabemos nem como isso apareceu, meu Deus do Céu? Então, existem duas maneiras básicas de fugir da realidade concreta. A primeira é o modo marxista na qual já sabemos tudo e como tudo vai terminar, nós sabemos o todo e, portanto, o resto não interessa. E a segunda é o kantismo na qual nós não podemos saber nada, só podemos saber aparências. É claro que o nosso estudo aqui tem que passar por uma crítica aprofundada dessas duas correntes, mas simplesmente a crítica delas não vai resolver nosso problema. Vamos ter de dar alguma sugestão prática para que vocês, de algum modo, refaçam suas vidas intelectuais tendo como base essa tensão permanente entre a realidade concreta e a abordagem científica. A realidade científica sempre vai fugir da realidade concreta para tentar tornar o seu objeto manobrável intelectualmente, pois, é claro, não podemos pensar tudo ao mesmo tempo, nós temos de fazer a abstração de algum modo. O problema é saber de onde abstraímos as coisas e não esquecer o caminho para não achar que aquele objeto abstrato existe e existe per si, que é uma coisa eterna que surge como, sei lá, as bananas ou os movimentos da Terra. Conhecer as coisas pela sua origem e de algum modo conseguir manipular a realidade concreta: existem meios de se fazer isso e isso, na verdade, se faz. Mas, só é possível realizar isso se dermos um giro de 180º no processo educacional onde vamos começar a privilegiar a percepção da realidade concreta e não o domínio dessa ou daquela ciência ou arte particular. Vamos fazer um intervalo e na segunda parte voltamos com as perguntas. *** Aluno: Professor, o modelo de algumas universidades para enfatizar as questões práticas das ciências, como a utilização de laboratórios ou com [inaudível] de matemática que possam prever o comportamento de algumas teorias, isso de algum modo resgata de certo modo essa [inaudível] que o senhor colocou? Olavo: Não, de jeito nenhum. Veja, qualquer processo real que se desenvolve na natureza ou na história é evidentemente um fato de ordem concreta, isto é, nele tem a confluência de um milhão de fatores, inclusive acidentais, que ou você percebe como um conjunto ou você não percebe jeito nenhum. Quer dizer, somando os vários fatores e por mais exatidão que você tenha nos detalhes você não consegue [reproduzir a realidade]. Então, por exemplo, um dia eu tive a pachorra de ver: de todos os estudiosos de ciência e filosofia política do mundo, quantos tinham previsto a queda da URSS? Só cinco. Os outros não tiveram a menor ideia e três anos antes da queda da URSS, por volta de 86/87, foi publicado o livro do Paul Kennedy, Ascensão e Queda das Grandes Potências, que previa que na década de 90 o EUA ia cair e a URSS iria se tornaria a potência dominante. Em comparação com isso, as pessoas que haviam previsto corretamente utilizaram métodos que os cientistas chamariam de impressionismo. Teve um astrólogo que previu isso em 1956, ele ainda deu a data certa: “Neste dia o negócio cai”. Teve outros também, mas não por procedimentos quantitativos, aliás, nenhum por procedimentos científicos admitidos e assim por diante. Vemos que ao longo da história a previsão certa requer uma certa habilidade que o ensino científico mata. Nós vamos ver, nas próximas aulas, algumas técnicas utilizadas para manter essa capacidade viva. Mas, notem bem, a realidade, portanto, a capacidade de previsão, é menos valorizada do que o consenso científico, ou seja, o pessoal prefere errar com a maioria das ciências do que acertar com um sujeito que acertou sozinho. Então, a realidade foi simplesmente rebaixada. Na verdade, tudo se tornou um problema de autoridade, de prestígio científico, de privilégios corporativos e assim por diante. Nós vemos, por exemplo, que aconteceu no domínio das letras: a partir dos anos 60/70, a própria atividade literária vai se integrando na academia e se tornando uma profissão especializada. Resultado: a literatura acaba – exceto por camaradas que não foram infectados por isso. Na primeira metade do século XX, a riqueza da literatura americana era de uma riqueza inteiramente absurda. Na segunda metade, acaba tudo. Não há um autor hoje que possa ser comparado a William Faulkner, a Nathaniel Hawthorne, a Herman Melville, simplesmente não há mais. O sujeito entra na universidade para [simplesmente] aprender letras e ele vai tentar tornar aquilo cada vez mais científico. Eu não nego que possa haver uma ciência da literatura, é evidente, porém se o sujeito passa o tempo todo estudando teoria crítica, estruturalismo, desconstrucionismo, etc., ele simplesmente não tem tempo para ler as obras literárias. Se vocês lerem Balzac, vocês aprendem um monte de coisas sobre a arte da ficção. São coisas que não se consegue expressar, não se consegue dizer, mas que se aprende a fazer. Ora, o que é um romancista? Não é um sujeito que compreende tecnicamente a arte do romance, mas um sujeito que sabe realizá-la. Assim como um pintor não é um teórico de pintura. Mas a partir da profissionalização dessa atividade as coisas se confundiram entre o que era uma determinada prática e o que era o estudo científico dela. Por exemplo, o sujeito pode entender cientificamente todas as artes marciais e não saber bater num cachorro, enquanto um outro, que não sabe nada, enche todo mundo de porrada. Quer dizer, o saber fazer é uma coisa e o saber explicar é outra. É claro que pode haver pessoas que façam as duas coisas ao mesmo tempo, é raridade, mas existe. Agora, normalmente, onde predomina a atividade teorizante, a outra parte será prejudicada. Isso acontece na própria técnica. Por exemplo, se vocês estudarem a vida do Nikola Tesla, verão um monte de coisas extraordinárias que ele inventou que cientificamente eram impossíveis e, no entanto, ele fez. Bom, ele não sabia justificar aquilo completamente, mas ele sabia fazer. Mas ninguém precisa provar que é capaz de fazer aquilo que já fez e que é possível fazer – o real é, por definição, possível. Então, em vez de partir da realidade do que ele tinha inventado e começar a buscar a explicação a partir daí, não, simplesmente apagaram o que ele havia inventado. Por exemplo, a transmissão da eletricidade sem [a necessidade de um] fio: houve uma usina que transmitia eletricidade para qualquer lugar do mundo, e isso sem utilizar fios. Daí dizem: “Não, foi por interesses econômicos que eles bloquearam, o Thomas Edison estava ligado às indústrias de eletricidade” – bom, pode até ter havido isso, mas eu acho que o impacto intelectual foi muito mais desencorajador do que isso, simplesmente não havia explicação para aquilo. Eu estou bem na área do estudo histórico, sociológico, político, etc., e se nós queremos desenvolver uma capacidade de compreensão da situação real e, portanto, de previsão correta, bom, nós teremos que desistir da teorização de muitas coisas. Como é que o sujeito acertou aqui ou ali? Bom, às vezes eu sei fazer, mas não sei explicar. Há muita coisa que é assim. Por exemplo, se um sujeito vai ensinar o outro a tocar piano ou a cantar – eu já vi vários vídeos do assim como, por exemplo, o Giuseppe Di Stefano treinando outro tenor. Como é que ele fazia? “Olha, é assim: [canta]”. E daí o outro imitava. Não há aquela linguagem teórica, é só mostrando como se faz. [1:30] Aluno: Professor, pensando na minha área de atuação profissional e também de estudos acadêmicos, em relação a segurança pública no Brasil, o problema é quando a gente não encontra respostas nem na teoria e nem na prática. Quanto mais nos aproximamos da realidade concreta, mais caos a gente encontra. Quando vamos para a área acadêmica, de estudos, para a teoria, também não existe nada. Só as conclusões dos estudiosos americanos da década de setenta que não funcionam absolutamente para a realidade da segurança pública. Qual o motivo disso? Olavo: Pensa bem a expressão “segurança pública”. Essa expressão quer dizer um grupo de sujeitos que mantém a segurança para todo mundo – o conceito é autocontraditório. Não existe segurança pública, só existe segurança individual. Alguém faz um roubo coletivo, rouba todos ao mesmo tempo? Não. Alguém vende drogas para todo mundo ao mesmo tempo? Não. Vende de um por um. Então, esse é o erro fundamental. Isso é patente à primeira vista. Ninguém pode garantir a segurança da sociedade, isso é um conceito inteiramente absurdo. Em primeiro lugar, um sujeito só pode garantir a segurança de alguém se ele está lá [fisicamente presente]. Pode existir uma polícia onipresente? Ou que seja muito rápida? Aqui a polícia leva de cinco a dez minutos para chegar ao lugar, mas cinco a dez minutos são suficientes para matar umas trinta pessoas. Se elas não estiverem seguras, elas próprias, nada pode garantir a segurança delas. A própria noção de segurança pública é inteiramente absurda. Eu uso também a expressão “segurança pública”, mas eu sei que estou falando um contrassenso, eu a uso apenas por uma questão convencional, porque convencionou-se chamar isso de segurança pública. Aluno: A criminalidade como um [inaudível]... Olavo: Também. O problema não é a criminalidade, o problema são os crimes. [risos] Aluno: O sujeito [inaudível] e daí quando se leva isso para a realidade concreta há fatores tão complexos e tão diferentes que é impossível determinar por que alguém comete um crime e como se pode prevenir ou combater o crime. A não ser, é claro... Olavo: Essa ideia de combater o crime pelas causas é outra coisa absolutamente ridícula. Quer dizer então que precisa haver uma causa determinada para o sujeito cometer um crime? Por exemplo, sei lá, o sujeito estrangulou a mulher. Você vai saber a causa? Você vai passar o resto da vida estudando e não vai saber porque ele fez isso. Todo o problema de polícia está colocado de maneira abstrativa econômico mesmo não mudou nada. Ou seja, a estratégia do Gramsci é ótima, mas não para implantar o socialismo. Eles não implantaram socialismo nenhum, na verdade, eles corromperam o capitalismo apenas. Mas quem disse que do capitalismo corrupto irá nascer o socialismo? Não houve um que explicasse isso para eles. Até no meu próprio filme, O Jardim das Aflições, eu falei isso, eles queriam o ideal do Raymundo Faoro, que é destruir o estamento burocrático: muito bonito, só que para fazer isso eles se transformaram no estamento burocrático. E agora? O que vão fazer? Vão se suicidar em público? Como é possível alguém não perceber uma coisa dessa? Toda e qualquer proposta ideológica tem dentro de si certos aspectos antagonísticos ou contraditórios e são esses aspectos os primeiros que vão aparecer na prática. Porque são os que não estão sob controle. Agora, em geral, as pessoas raciocinam sobre isso positivisticamente: “Tem aqui esse projeto, o projeto será aplicado à realidade e dará tal e qual resultado” – um sujeito treinado no marxismo sabe que as coisas não são assim. Mas, nem os marxistas e nem os positivistas perceberam isso. Por quê? Eu acho, em primeiro lugar, porque eles não querem. Alguém disse – eu não sei quem foi – que as pessoas acreditam na mentira não porque estão enganadas, mas porque eles querem. Por exemplo, uma ideia, uma convicção, que o indivíduo tem: qual a função disso no conjunto de sua existência? É orientar os atos? Na maior parte dos casos as condutas não têm nada a ver com a convicção. É dar uma justificativa para si mesmo, o tranquilizar. “Estou aqui lidando com o problema da segurança pública” – mas eu quero resolver o problema da segurança pública ou quero me tranquilizar? Entendem? Ou seja, existe algumas condições psicológicas e morais que devem ser cumpridas caso o indivíduo queira investigar a verdade. Uma delas é precisamente essa – ter de estar totalmente disposto a arcar com qualquer consequência. Eu tive a sorte de ter feito um voto para Deus quando eu era novo: “Deus, eu quero entender essas coisas mesmo que eu não as consiga explicar para ninguém” – isso foi a minha salvação. No fim, acabei conseguindo explicar para um monte de gente. Até que eu conseguisse os instrumentos verbais, conseguisse dominar o aparato verbal para explicar certas coisas, porém não tudo, apenas uma fração ínfima, durante muito tempo, eu só pude falar com as paredes, pois se eu tentasse explicar ninguém iria entender. Se você quer o conhecimento, você tem que querer o conhecimento. Agora, se você quer o conhecimento, mas também quer um bom emprego, quer comer umas 150 mulheres, quer ser o bonitão, quer isto, quer aquilo: “Epa! ‘Tá querendo muito”. É preciso escolher um e seguir nele. O resto vem por acréscimo – ou não vem. Há um monte de camaradas que fizeram trabalhos maravilhosos em ciência, em arte, etc., e nunca receberam um tratamento justo da sociedade. O próprio Leibniz é um deles. Ele começou a ser lido e estudado apenas no século XX, quer dizer, dois séculos depois de ter morrido. Durante sua vida inteira ele teve uma profissão modesta, ele era bibliotecário dos duques etc., era o homem mais inteligente que já havia existido no ocidente, no entanto, teve uma vida relativamente modesta. Porém, ele não se incomodava com isso, pois não era isso o que ele estava querendo. A busca da verdade é na verdade uma especialização que tem as suas exigências próprias, porém essas, tanto no ensino universitário quanto na administração pública, não têm a menor importância, pois aí sempre se está tratando de outra coisa. Aluno: Professor, tem um psicólogo que está fazendo bastante sucesso, o Jordan Peterson, que sugere que nós não temos controle absoluto sobre as áreas que nos interessam. Olavo: Sem dúvida! Aluno: Surgem como um instinto e que têm inclusive um reflexo físico no nosso corpo e que temos de seguir essa conduta de identificar e ir atrás desse impulso. Isso tem a ver com a proximidade maior com a realidade concreta? Seguir sistematicamente... Olavo: Tem! Veja, o Jordan Peterson é um camarada que tem um notável senso da realidade concreta – absolutamente notável – e o que eu acho mais incrível é que as influências intelectuais que pesam sobre ele são completamente as opostas da minhas – ele segue Nietzsche e Jung, dois caras inteligentes, mas que, comigo, não são – e ele acaba acertando, isto é, ele vai além do que ele aprendeu, ele está se guiando pelo o que ele realmente percebe. Ele obtém um sucesso extraordinário porque as coisas que ele fala todo mundo é obrigado a reconhecer: “Não é que é assim mesmo. Não é que o desgraçado tem razão!”. Eu não vi ele inventar nenhuma estória da carochinha até hoje, tudo o que ele fala é certo. Isso evidentemente é um talento dele e não depende das influências recebidas, não depende do quadro teórico dele. Aluno: Mas nesse aspecto da intuição, o senhor teria alguma dica de como melhorar essa capacidade? Olavo: Tenho sim, vou dar algumas nesse curso, pode deixar. Porém, a primeira coisa é um negócio que se chama desejo: “O quê que você quer?”. Se você não estiver desesperadamente interessado em compreender alguma coisa, você não vai compreender – mas aí é preciso desistir de tudo o mais. Aluno: Ainda sobre esse [inaudível] de as pessoas pensarem e argumentarem muito baseado nos sentimentos e não motivados pela busca da verdade. Por que o senhor acha que no Brasil isso é tão mais evidente que no resto do mundo? Olavo: Esse é outro ponto importantíssimo pelo seguinte: a sociedade brasileira é muito incerta. Existem muitas incertezas quanto ao que é uma boa conduta, o que é uma má conduta etc. – as pessoas não têm normas claras para nada. Tanto não tem normas morais, quanto não tem normas práticas de ajustamento nos ambientes. Por exemplo, o garoto que sai do ensino médio e entra na universidade. Ele sabe que ali vigoram outras regras, que as pessoas querem outras coisas, que para ele ser aprovado ele vai precisar agir de maneira diferente, porém ele não sabe quais são essas normas e ninguém lhe diz: “Olha, aqui, se você quer que gostem de você, você tem de fazer assim, assim e assado” – ninguém diz; o cara tem que descobrir tudo na prática, na esfera não-verbal, isso é dificílimo. Isso faz com que os brasileiros sejam uma população de pessoas muito inseguras. Aluno: Vai meio que de maneira animal, por instinto. Se adaptando conforme os ambientes que estão em volta. Olavo: Ele vai ter de aprender tudo pela experiência. Mas se alguém o diz que ele tem de fazer tudo assim e assado, ora, ele pode gostar ou não gostar, mas pelo menos ele estará informado, estará mais ou menos orientado – no Brasil simplesmente não há isso. Por exemplo, aquele negócio de saber se as pessoas gostam de você ou não: existem certas condutas padrão que aqui nos EUA são muitas claras; em certos ambientes as regras são claras no sentido do que pode ou não pode ser feito. Vou lhes dar outro exemplo. O Bruno Tolentino, quando foi para a Inglaterra, ele entrou para Oxford e, então, lhe convidaram para jantar na casa do professor – isso aí faz parte do ritual, quer dizer, além das qualidades intelectuais, o sujeito precisa ser aprovado socialmente e tem de mostrar que é um cara capaz de se deixar conduzir de acordo com as normas de educação da classe superior inglesa. Ele disse que propositadamente na sobremesa lhe serviram algumas frutas com caroço, porém ele sabia que uma das normas ali seguidas era a de que “o que entra na sua boca não sai mais”. O quê que ele fez? Engoliu todos os caroços. Assim, acharam que ele era um rapaz muito educado. Entendem? Ou seja, ele sabia: “Olha, isso aqui não se faz”. Outro exemplo. Não se pode assoar o nariz na mesa na Inglaterra – coisa que aqui, no EUA e no Brasil, todo mundo faz. Então, existe uma norma clara; o sujeito pode gostar dela ou não, mas se ele quiser ser aprovado naquele ambiente ele vai ter de cumpri-la. Quanto mais antiga é uma sociedade, mais essas normas são claras. Por exemplo, na Alemanha. Lá não se passa manteiga, corta-se a manteiga – não se pode amassar a manteiga, se você fizer isso, os caras já vão achar que você é um bárbaro –, porém lá, as pessoas avisam. Por exemplo, se você for fazer um cursinho de alemão, no cursinho os caras dizem para você que se você for para Alemanha não se deve fazer isso ou aquilo. Outra: batatas se comem com colher, não se pode cortá-las com a faca – bom, é uma frescura, claro, mas é uma frescura estabelecida a séculos. Essas normas, que parecem ser opressivas, na verdade, elas libertam o cara. Porque se ele tiver que sozinho ir descobrindo, quantas vezes ele não vai tomar na cabeça só para descobrir a norma? E no Brasil é tudo assim, não tem norma para nada; as normas são arbitrárias. Aluno: Na França existe uma disciplina nas escolas que se chama civilisation française que ensina... Olavo: Sim, civilisation française, claro. Pelo fato das pessoas serem muito inseguras, elas precisam se apegar ao que seja o símbolo de segurança psicológica para elas. Pode ser, por exemplo, repetir a fala da maioria para se sentir integrada a um grupo: “Não, ele é um de nós. Ele não é do outro grupo” – o sujeito começa a macaquear isso aí para ver se dá certo; às vezes dá, às vezes não dá, mas é tudo na base experimental. Então, eu acho que é o povo mais seguro do universo. Porque se vocês forem, sei lá, para a Zâmbia, lá está cheio de sociedades tribais e nessas as normas são milenares – todo mundo sabe o que é para fazer e o que não é para fazer. Isso aí é o que favorece no Brasil a força tremenda que tem qualquer slogan de mídia. No Brasil, as pessoas mudam de personalidade do dia para a noite porque a mídia mandou – se a mídia disser que tal coisa é feia, todo mundo a segue. Aluno: Faz como se estivesse mudado a regra para ser aceito no grupo. Olavo: Mas é o simulacro de uma regra, não é uma regra desenvolvida pela própria sociedade. Foi um maluco qualquer que a inventou, que pode ter sido importada anteontem e que as pessoas vão obedecê-la como se fosse uma regra divina milenar, como se no tempo de Adão e Eva já estivesse em vigor – eles vão confiar naquilo totalmente, mas também é por experiência que vão fazer isso. Aluno: Que nem aquele cantor que era paparicado pela Globo, mas que apareceu praticando tiro num stand e do dia para a noite passou a ser criticado, passou a ser um... Olavo: Acabou! Esse horror que o brasileiro tem de arma foi inventado recentemente. Eu me lembro de quando era moleque que todo mundo tinha arma. Meus primos tinham armas, eu tinha armas: eu ganhei minha primeira espingarda de fogo com oito anos de idade e ninguém foi criticar meu pai por causa disso. Aluno: Parte de um sentimento inclusive, de olhar e não gostar ou de achar que é melhor não gostar disso achando que será uma pessoa melhor, que será mais aceito pelo grupo. Olavo: Mas isso foi uma norma implantada pela mídia muito recentemente. O sujeito ter medo de armas: bom, eu também tenho, mas depende de qual lado eu estou, se do lado do cabo ou do lado do cano. [risos] Mas os caras acham que a arma dá tiro até pelo lado do cabo, porra! Não dá! As pessoas têm medo físico de tocar naquilo – isso não é normal. Aluna: Mas esse medo físico de armas não vem de um medo cultivado antes, um medo que eles têm de ser responsável pela própria defesa? Olavo: Não. Pois eles têm medo da arma enquanto tal. Olavo: Em primeiro lugar, a educação se dirigia a muito menos pessoas, portanto o programa era muito mais fácil, evidentemente. Se pegarmos alguns exemplos históricos de lugares onde a educação funcionou maravilhosamente e deu exatamente os resultados esperados, esses casos existem, mas são em lugares limitados, para pouca gente e dura pouco tempo. Existe um livro do Stephen Jaeger que se chama The Envy of The Angels que é sobre o ensino nas chamadas escolas catedrais entre os séculos X, XI e XII, em que o objetivo deles não era de ordem intelectual, mas era o de formar belas personalidades, particularmente as dirigidas à vida monástica – e com um sucesso espetacular. Depois, na fase seguinte, o ensino passa mais para as universidades e se torna um ensino mais intelectual, mas ainda assim produz resultados extraordinários. Se pegarmos o florescimento intelectual do século XIII é um negócio absolutamente inexplicável – mas era pouca gente. Tem um autor que se chama Kenneth Minogue, ele escreveu The Concept of a University, é sobre o que é uma universidade. Lá ele explica que hoje em dia o pessoal pensa que a universidade é para formar a classe dominante, para formar os assessores da classe dominante, mas ele diz que não é nada disso, as pessoas simplesmente queriam aprender e se sacrificavam para isso, faziam sacrifícios extraordinários. Normalmente as universidades eram mantidas ou pelos próprios estudantes ou por contribuições de quem jamais esperava receber aquilo de volta, não tinha, por exemplo, um empresário [a dirigindo] – universidade capitalista não existia e também não existia universidade do governo. As universidades eram como se fossem clubes de aficionados. As pessoas davam a vida para aprender aquele negócio e por isso que funcionou, mas mesmo assim, apenas para pouquíssima gente. Logo depois a universidade começa a ter funções secundárias. Ela se torna uma força política e mais tarde se torna parte da indústria e comércio. Se vocês verem no Brasil, as discussões sobre educação são um negócio impressionante. Durante quase cem anos as pessoas discutem sobre se é melhor universidade pública ou privada. Quer dizer, ou a universidade é um órgão do poder governamental ou é uma máquina de fazer dinheiro. Eu digo: e se ela não for nada disso? E se ela for uma outra coisa? Essa hipótese simplesmente não existe no Brasil. Outra coisa: quando o pessoal fala em educação no Brasil, a primeira expressão que surge é “investimento em educação” – ‘peraí, parem para pensar, e se a educação estiver saindo muito cara? E se estivermos gastando muito dinheiro com essa porcaria?”. Vocês viram quando apareceu o Leonel Brizola com o Darcy Ribeiro fazendo esquemas de educação? “Primeira coisa, vamos construir um monte de prédio” – uai, se vocês forem, sei lá, em países mulçumanos, verão escolas funcionando na rua, garotos com uma lousa na mão etc. Vão ver escolas lá na China: lá tem escolas que funcionam em barracos – e funciona. Eu mesmo vi isso quando era moleque, pois minhas tias eram todas professoras de escolas do interior e o ensino funcionava muito mais. Minha mãe só tinha o ensino primário e o que ela aprendeu no primário naquele tempo é um negócio que hoje em dia só um cara com PHD sabe; e era uma escolinha do interior, uma escolinha vagabunda, a escola dela. Então, levantem esta hipótese, pensem por um minuto: “Quem sabe não estamos gastando dinheiro demais com educação? Devíamos fazer uma educação mais barata ao invés de investir mais” – essa ideia eu nunca vi ninguém pensar. Por quê? Porque pega mal. Os professores querem ganhar mais dinheiro, os diretores de escolas querem ganhar mais, todo mundo quer ganhar mais dinheiro, precisamos arrumar emprego para um monte de vagabundo que saiu da universidade etc. Então, escola não existe para ensinar ninguém, existe para dar emprego para quem não sabe fazer mais nada – essa é uma finalidade social legítima, afinal algum emprego tem de ser dado para esses caras. Por que não mandam eles cortar cana? E eles vão querer? Não vão querer. A falta de dinheiro é usada como explicação da falta de dinheiro. Também tem esse aspecto dinheirista da cultura brasileira. Os caras acham que a causa de tudo é o dinheiro – ou a falta dele. Quando realmente as coisas não são assim. Aluno: Então, eu diria que principal diferença é que a motivação do pessoal no passado era aprender de fato. Olavo: Onde deu certo, era. Mas, em geral, não era. Por exemplo, a partir do século XV/XVI, começa a disputa para ver quem manda na universidade. A Igreja tinha fundado as universidades, mas aí começa algumas agitações estudantis e essa coisa toda e os caras percebem que aquilo era uma fonte de poder político. Então, começa a disputa entre os reis e a Igreja para ver quem manda nas universidades. Então, aí elas já tinham uma finalidade secundária: elas são a massa de manobra para a disputa de poder. Aluno: Formação de consensos? Olavo: Sim, formação de consensos. E aí, evidentemente, a coisa decai muito. Começa a decair desde aquela época e vem decaindo até hoje – hoje chegou num nível indescritível. Outro dia me passaram um vídeo de umas meninas fazendo um trabalho de sociologia sobre a obra de Max Weber, elas fizeram uma musiquinha e estavam cantando: “Max Vébi [♫]” – mas já chegou a esse ponto? Quantos anos elas têm? Três anos? Aluno: Me parece, professor, que houve um desenvolvimento em paralelo, onde as ciências mais... Engenharia, ArtScience, se desenvolveram muito e as ciências sociais fizeram o movimento contrário? Olavo: Não. Na verdade, hoje a gente gasta muito mais dinheiro em ciências sociais do que jamais gastou. O investimento em ciências sociais é monstruoso. Aluno: Investimento, sim. Mas o resultado final, parece que engenharia e outras ciências conseguiram entregar... Olavo: Na área das tecnologias as coisas simplesmente têm que funcionar. Pois deve cumprir a finalidade que elas dizem que têm. Se não funciona, ninguém compra aquela porcaria, portanto o teste é imediato. Mas o negócio das ciências sociais é de longuíssimo prazo. Por exemplo, eu tenho um livro – até esqueci o nome do autor – que monstra especialistas em ciência política que foram testados para prever coisas óbvias: todos erraram. Sabe o que é 100%? E, às vezes, consultam um astrólogo e ele acerta. Aluno: Professor, e quem tem filho novo no Brasil hoje? Qual o melhor caminho em relação ao estudo? Olavo: Primeira coisa, antes de pensar no filho, você tem de pensar em você mesmo: “Como é que eu vou me educar?” – tem que pensar isso. Eu não acho que [educar] criar criança seja uma coisa muito difícil, eu acho a coisa mais fácil do mundo, porque criança tem o instinto de imitar o pai e a mãe. Então, o que ela ver você fazendo, ela vai fazer. Por exemplo, se você quer que seu filho seja educado, em primeiro lugar, não grite com ele – essa é a coisa mais óbvia do mundo. Faça essa experiência com um cachorro. O cachorro não entende a palavra, mas entende o tom. Portanto, se você falar uma coisa doce para ele, mas num tom repressivo, ele vai entender que você está bravo e vice-versa. Eu faço muito isso com o Big Mac, meu cachorro: “Ô seu filho da puta, veadinho” – enquanto acaricio ele. Ele entende perfeitamente que a minha intenção é boa. Criança pequena é a mesma coisa. Antes dela ter o domínio da linguagem, ela entende o tom. Então, se você grita com ela, o conteúdo, o significado do grito, não interessa, mas ela vai aprender a gritar. Se você bate nela, ela vai aprender a bater – isso eu vi com os meus netinhos aí. Aluno: O senhor acha que a escola, por exemplo, é secundária ante a isso? Olavo: Eu não sei. Eu sempre mandei os meus filhos para a escola, porque eu não tenho talento para o homeschooling. Eu gosto de dar aula para gente adulta, no mínimo adolescente. Criança pequena, se eu tivesse de pegar uma classe deles, para mim seria a maior infelicidade do mundo. Então, eu mandava eles para a escola, mas eles diziam: “Por que eu tenho de ir para a escola, pai?” – e eu dizia: “Olha, só por um motivo: pros caras não me mandarem para a cadeia. Então, isso é um favor que você está fazendo para seu velho pai. Por favor, tenha paciência e aguente essa porcaria”. Eles entendiam perfeitamente: “Eu não quero ficar sem pai não, então eu vou para a escola”. [risos] Porque não tinha nenhum outro motivo para ir para a escola. Alguns se tornaram muito estudiosos, outros não – isso foi de acordo com a cabeça deles. Aluno: Eu tenho certeza que durante os quinze anos em que fui para a escola – eu larguei a escola cedo – eu não aprendi nada esse tempo inteiro. Eu aprendi a ler antes de ir para a escola. Olavo: Não se aprende nada. Eu digo que eu aprendi biologia e latim porque eu queria aprender. Porque eu gostava desses professores. Se eu via que o professor tinha uma paixão por aquela coisa, isso pegava na gente. Agora, se o cara está ali apenas cumprindo um dever burocrático, ele está me desanimando logo. O resto simplesmente eu não aprendi. Tinha um professor de matemática que quando ele entrava, eu saia. Eu falava: “Eu não quero aprender isso aí”. E ele respondia: “Ah, mas você vai tirar zero”. “Pode me dar zero, é justo” – eu respondia. É que nem resistência civil: você aceita a punição de bom grado – “Eu prefiro a punição”. Eu estava contando para ela. Meu professor de biologia, na primeira aula dele, ele entrou, sentou e começou a ler um jornal. Houve 15 minutos de silêncio e todo mundo se questionando o que ia acontecer. Depois de 15 minutos ele leu uma notícia. A notícia era sobre a disputa que estava havendo entre o Brasil e a França quanto a pesca de camarão nas costas do Brasil. Daí ele começou a falar do camarão. Nós ficamos estudando camarão durante seis meses. A economia do camarão, a culinária do camarão, a pesca do camarão, a anatomia do camarão, a fisiologia do camarão, poder nutritivo do camarão, tudo, tudo, tudo. Em torno desse negócio, ele nos deu a biologia inteira – aí vale a pena. Então, isso quer dizer que depois de seis meses nós realmente sabíamos alguma coisa. E o resto do programa? Que se dane o resto do programa! Esse foi um exemplo que para mim. Quando li o negócio do John Taylor Gatto, que para estudar alguma coisa o sujeito tem que saber muito seriamente alguma coisa, por pequena que seja, daí eu entendi. Isso é uma das coisas que tenho que dizer aqui para vocês. Tem que pegar um ponto no qual você saiba tudo, pode ser uma coisa muito modesta, não tem importância: tudo vai se articular em torno daquilo. Outro exemplo que peguei. O Hugo de São Vitor diz que quando ele era menino ele tinha a mania de anotar tudo. Tudo o que ele via na rua, que diziam para ele, os nomes das coisas, tudo, tudo. Preenchia cadernos e mais cadernos – e todo mundo ria da cara dele. Mais tarde, ele disse, quando ele escreveu os seus livros, que tudo aquilo foi útil. Então, vejam, o problema da inteligência e do desenvolvimento da inteligência não é um problema realmente colocado pelo sistema de educação. O sistema de educação tem muitas finalidades secundárias que predominam em cima dessa. Ninguém está interessado no desenvolvimento de suas inteligências, estão interessados em adestrar vocês para uma profissão – o que não significa que irão dominar essa profissão, apenas que terão acesso a ela ou que, pelo menos, não serão barrados. Eu já disse que a educação brasileira não se caracteriza pelo o que ela dá a quem a tem, mas pelo o que ela nega a quem não a tem. Quer dizer, se vocês não têm determinado diploma, então não têm acesso a determinada profissão/atividade – nisso a educação funciona: como barreira. Agora, dizer que ela vai dar acesso? Ela não vai dar acesso a coisa nenhuma. Moldar comportamentos, adaptar o sujeito aos novos slogans da elite politicamente correta e assim por diante, tem milhares de funções. E a inteligência do sujeito? Alguém está ligando para isso? Não. O simples fato de termos de cumprir um programa constituído de várias coisas na qual uma que não tem absolutamente nada que ver com a outra e que é impossível que alguém se interesse por tudo aquilo ao mesmo tempo, então, se o aluno se interessa por uma coisa, a primeira obrigação do professor seria reforçar ele naquilo. Aluno: Existem algumas escolas na Europa que têm o método de ensino muito individualizado, baseado nisso. Determinada criança de três anos gosta, sei lá, de pintar: eles ensinam matemática, biologia, tudo com base na pintura. Aluno: O pensamento dos homens que influenciaram o método científico como Roger Bacon, John, Beckham, Robert Grosseteste, tem mais semelhanças ou mais diferenças com o positivismo e com o materialismo? Olavo: Não. Isso foi tudo a origem do positivismo. Na medida em que vão definindo o campo e os métodos da ciência, os objetivos de cada uma, vão recortando o fato concreto para tornar uma parte dele acessível a determinados métodos. Então, só dispõem de certos métodos e, portanto, terão de adaptar o objeto a eles – isso é inevitável, não tem como não fazer assim, portanto não tem sentido criticar o método científico. O problema é, em primeiro lugar, levar o processo abstrativo longe demais. E, à medida que vão criando novos instrumentos matemáticos, a coisa foi piorando ao ponto de a exatidão matemática predominar sobre o senso da realidade e o sujeito já não saber mais se aquilo que ele está estudando existe ou não e, pior, ele já não quer mais saber. E daí inventam ainda a multidisciplinaridade para ver se juntando vários desses recortes eles recompõem [a realidade] – isso é a mesma coisa que pegar vários aspectos de um gato e juntar para ver se isso recompõe um gato real: não obtém. Obtém o quê? Obtém um Frankenstein – esse foi o problema. Agora, o fato é que esses primeiros formuladores do método científico eram pessoas que tinham uma cultura geral e humanística monstruosa; já os da geração seguinte, não têm. Aluno: O senhor acha que eles não incorreram nisso? Olavo: Mas de jeito nenhum. É o que eu estou falando para vocês, se o Newton, por exemplo, achava que aquilo que ele estava fazendo se enquadrava dentro de uma teoria teológica que ele estava desenvolvendo, então é porque ele sabia a conexão de uma coisa com a outra – a teoria poderia até estar errada; como eu acho que estava. Mas e quando vemos um tipo como Leibniz? Que transitava com a maior facilidade em todos os setores do conhecimento e em todos ele deu alguma contribuição boa? Ele certamente não padecia desse estreitamento de visão. Aluno: O próprio Leonardo da Vinci, por exemplo. Olavo: O próprio Leonardo da Vinci – se bem que ele estava mais na tecnologia. Aluno: Então a gente pode dizer que a ciência originalmente é algo muito diferente da ciência moderna. Olavo: Muitíssimo diferente. Hoje em dia se faz muito mais descobertas, mas elas têm muito menos valor e são de muito menos duração. Todo ano surge novidades espetaculares na ciência que no ano seguinte ninguém lembra mais. Agora, o que Bacon – digo o Roger Bacon, porque o Francis Bacon era uma besta quadrada –, o Leibniz, o Newton descobriu: isso aí não, isso daí tem um valor permanente, nós ainda nos baseamos nisso. Outra coisa: além desse estreitamento de visão nas ciências, temos ainda a imagem popular da ciência – essa é pior ainda, pois as pessoas acreditam nisso como se fosse verdade evangélica. No Brasil é assim: se alguém diz uma coisa que os especialistas da área todos conhecem, mas não chegou na imagem popular, as pessoas ficam escandalizadas. Ficam revoltadas, achando que esse cara é fundamentalista, que é contra a ciência. O quê que é? É o poder da imagem pública da ciência, que é passada, sobretudo, no ensino secundário. E daí, também, às vezes, para remediar isso, as pessoas sentem que o negócio está malparado e decidem ensinar pensamento crítico – aí complica ainda mais o negócio. Tem que ter, vamos dizer, a ideia de um retorno ao senso do fato concreto. Agora, senso do fato concreto toda pessoa tem, se não tivesse não conseguiria, sei lá, ir até o banheiro. Então, não se trata de inventar alguma [2:30] coisa, mas de descobrir algo que já temos e que já exercemos. Só que não fazemos a ponte entre esse conhecimento espontâneo e o conhecimento de mais alto nível que a gente aprende na escola – a gente apaga o primeiro para ter o segundo, mas não é preciso fazer isso; não precisa e não deve. Existe, então, instrumentos suficientes que a própria cultura criou, para isso. A partir da próxima aula já começamos a ver alguns. Está bem? Aluno: Professor Olavo, essa apreensão do fato concreto, essa aptidão para de mantê-la, parece que não são só instrumentos da cultura, mas parece que o próprio organismo humano já é criado assim, porque todo o nosso contato primário com o ambiente físico, quando a gente é criança, o uso da boca, do tato, da língua, ou seja, são uma série de apreensões concretas, não estão interessadas em abstrações. Nosso primeiro aprendizado... Olavo: É o do fato concreto, sem dúvida. Por isso que eu digo que todo mundo tem, que durante a infância todos desenvolveram isso aí, mas quando começa o ensino formal é que a coisa complica. Quer dizer, ao invés de ser uma continuidade natural, não, há uma ruptura e a pessoa se adapta a ela e acha que agora ela vai ser uma pessoa culta, pois agora ela está falando igual aos outros, raciocinando igual ao professor, igual ao primeiro da classe, etc., e aí reprime um processo que é natural. Por isso que eu estou falando: recuperar o senso do fato concreto não é difícil. Duas ou três dicas vai ser suficiente para vocês pegarem isso para o resto da vida. Aluno: Lembrei de um texto antigo do senhor que está lá no site: “O Fato Concreto e Depuração Abstrativa”. Olavo: Sim. Inclusive eu vou ler essa apostila para ver se ela serve aqui, para a gente usá-la um pouco. Fazer essa ponte seria uma das tarefas da filosofia, mas a filosofia também se transformou numa profissão especializada, uma profissão formalizada, burocratizada, sobretudo aqui no Estados Unidos. E quando chega aqui um sujeito praticando a filosofia à maneira clássica eles não entendem o que o sujeito está fazendo. É o caso do Eugen Rosenstock: ninguém sabia em que departamento colocar ele: “Isso aqui é teologia, é direito, é sociologia, é o quê?” – isso aconteceu com muitos, às vezes, os maiores gênios da área, são prejudicados por causa disso. Então, filosofia aqui – e na Inglaterra também – é aquele negócio definido por Sir Michael Dummett: “A filosofia é uma atividade para pessoas que gostam de argumentos abstratos”. Isto é, o sujeito vai ficar estudando argumentos abstratos o resto da sua vida, poderá se tornar até um ás, um dominador perfeito da argumentação abstrata, só que ele estará falando sobre nada. Eu pergunto: “Argumentação abstrata sobre o quê?”. É um formalismo crescente. E é por isso que quando chega na hora de dar palpite sobre alguma coisa que está realmente acontecendo esses filósofos só falam besteira. O sr. Bertrand Russell: a primeira ideia política dele foi um bombardeio nuclear preventivo na União Soviética: “Mata todo mundo” – grande ideia essa, hein. São trezentos milhões de russos e ele queria já matar todos de uma vez para resolver os problemas. Passa 20 anos daí e ele muda de lado, ele passa para a esquerda e começa: “Não, nós temos que condenar o Estados Unidos pelo crime de guerra no Vietnã...” – essa porcaria toda. Ou seja, ele não sabia o que estava falando antes e não sabia depois. É tudo um negócio puramente emocional, quer dizer, o cara, talvez o maior lógico do século XX, quando se metia a analisar alguma coisa real era perfeitamente ilógico. Aluno: Quem é esse, professor? Olavo: Bertrand Russell. Bom, então, por hoje é só. Amanhã seis horas estamos aqui. [2:34:42] Transcrição: Diego, Israel Kralco, Leonardo Yukio Afuso, Mariana Schurr, Neuton Silva, Rahul Gusmão e Victor Fidel Revisão: Rahul Gusmão