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Ética Eudemonista na Mediação Familiar: Busca de Felicidade e Autonomia, Exercícios de Ética

Direito Processual CivilEticaDireito CivilDireito Constitucional

Este documento discute a importância da ética eudemonista na mediação e conciliação familiares, além de apresentar uma análise hermenêutica dessa relação. Ele também aborda o papel desses meios na acesso a uma nova justiça e na compreensão da felicidade humana no contexto da pós-modernidade.

O que você vai aprender

  • Como as mediações e conciliações familiares contribuem para o acesso a uma nova justiça?
  • Quais são as vantagens de usar meios alternativos de resolução de conflitos em vez da jurisdição?
  • Como a hermenêutica pode ajudar a entender a relação entre ética eudemonista e mediação e conciliação familiares?
  • Quais são as implicações da pós-modernidade para a compreensão da felicidade humana?
  • Qual é a importância da ética eudemonista na mediação e conciliação familiar?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Sel_Brasileira
Sel_Brasileira 🇧🇷

4.7

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Baixe Ética Eudemonista na Mediação Familiar: Busca de Felicidade e Autonomia e outras Exercícios em PDF para Ética, somente na Docsity! 248 ANÁLISE HERMENÊUTICA DA ÉTICA EUDEMONISTA NAS CONCILIAÇÕES E MEDIAÇÕES FAMILIARES Leticia Prazeres Falcão1 RESUMO Ir em busca da felicidade e da autonomia individual é algo que fica perceptível nas mediações e conciliações familiares como princípio ético. São construções que primam pelo construir da própria história enquanto sujeito de direitos. A problemática se faz em como a análise da hermenêutica propicia esse olhar mais humano para esses meios adequados de resolução de conflito. A busca demonstra que apesar das viradas paradigmáticas, nunca se quis tanto o respeito pelas escolhas, sentimentos e interesses. A metodologia consistirá no método indutivo e análise bibliográfica. Palavras-chave: Ética. Hermenêutica. Conciliação. Mediação. Felicidade 1 INTRODUÇÃO A compreensão dentro de um círculo hermenêutico nunca estará definitivamente pronta, haja vista a própria mutação inerente dos fatos sociais, dos personagens envolvidos e da 1 Mestranda em Direito pela Unichristus, Especialista em Direito de Família, Infância e Juventude (UNDB) e em Direito do Consumidor (Ceuma). Mediadora pelo Tribunal de Justiça do Maranhão e Assessora na Escola Superior do Ministério Público do Maranhão. 249 dinâmica das relações que de maneira espontânea ou não sofrem influência de outros segmentos e ganham novos significados e roupagens. O interessante é que o fato de surgir novos elementos dentro de uma cultura argumentativa não só desafia o intérprete a realizar um trabalho de aprofundamento maior e melhor, como também demonstra que o entendimento e sua captura cognitiva estarão sempre em crescimento, sempre em metamorfose. Pensar na relação eudemonista dentro de meios alternativos à jurisdição, como a conciliação e mediação, é deparar-se com um novo círculo no qual se procura algo a mais, algo para além de mecanismos de resolução de conflitos. O que a mais esses institutos conferem dentro de princípios, procedimentos e objetivos? O que diz a linguagem dos meios autocompositivos levando em consideração a sociedade contemporânea e suas particularidades? Ou ainda o que de fato se busca para além de acordos, termos e assinaturas? Todo esse movimento leva a um amadurecimento no que tange os escopos jurídicos, o acompanhar do Direito e o campo prático que o cerca. O desafio é apresentar uma nova leitura do que verdadeiramente se busca em audiências de conciliação e mediação sob o plano de fundo de uma Ética Eudemonista hodierna. Para tanto, faz-se mister demonstrar no que consiste essa ética e como ela se dá no tempo e espaço, quem a buscava, como e para o quê era almejada. A intenção é que esse caminho acabe revelando os sentidos jurídicos entre regra e princípio dentro de uma visão aristotélica sobre o que seria a felicidade buscada. A compreensão de que um determinado instituto pode acabar sendo base e alicerce para o desenvolver de outras questões, outras categorias normativas, panoramas relacionais ou ainda outras estruturas familiares, é fundamental para a percepção que um texto sempre pode dizer bem mais do que aparenta. De maneira subsequente apresenta-se um panorama de aspectos relevantes das mediações e conciliações enquanto mecanismos de acesso à uma (nova) justiça, de instrumentos que não se devem restringir no sentido de solução para uma crise numérica. As crises judiciárias simbolizam crises maiores e que se não devidamente tratadas ou manuseadas, irão colaborar para um retroalimentar de um falso progresso e desenvolvimento. Neste ponto, vislumbrar tais questões dentro do âmbito de Direito de Família, é admitir que a dialética pública-privada nunca esteve tão forte, interesses e posições a todo tempo convergem e divergem em um cenário no qual o que realmente se busca pode não estar nas petições, culturas conflitivas ou em elaborações de acordos. Diante disto, apresentar uma análise hermenêutica é entender que a arte interpretativa deve ser vista enquanto mais do que um mecanismo de leitura ou interpretação. Pode representar um elo entre o ser e o dever de uma sociedade que muito diz, e institutos jurídicos 252 Alcançar uma verdadeira felicidade dentro do sentido de regramento moderno é a implicação de uma certeza sem levar em conta os dinamismos que sopesam o que seria de fato essa busca. A generalidade baixa dos mandamentos regrais desse momento implica na desconsideração de outros elementos que complementam a vida em sociedade, estagnam sentimentos e vontades em suposições pré-estabelecidas e engessam a ratificação de dores e pensamentos em um jogo de tudo ou nada, em um tabuleiro no qual as peças se anulam e se excluem, e o foco está mais nas determinações do que nas motivações substanciais (ALEXY, 2012). Se em um lado da espiral têm-se o enrijecer de alguns elos, a transição paradigmática para a pós-modernidade se apresenta como uma nova concepção dessa interpretação hermenêutica, filosófica e jurídica, só que de maneira mais fluida. No final do século XX, essa nova antítese carrega consigo o continuar da política industrial, mas intensifica o poderio das tecnologias de informação, práticas consumeristas, percepções de efemeridade e instantaneidade das situações, o olhar da individualidade e a força da globalização. Se antes poderia ser afirmado a existência de solidez e concretude de ações e reações baseados em regras absolutas, agora parece ser notório um estado mais líquido, no qual esse escape e imediatismo humano tornam processos, governanças, políticas e relações faces desse novo “aqui e agora” (BAUMAN, 2001). Esse novo passo se visualiza em três alicerces: as ingerências capitalistas e as propostas do neoliberalismo; o advento da tecnologia de comunicação e informação estabelecendo a quebra de barreiras físicas, impacto nas relações subjetivas, interferência nas esferas públicas e privadas e por fim, uma individualidade nunca antes vista (LIPOVETSKY, 2004). O homem ainda se encontra de certo modo no centro das mais variadas discussões, mas nesse instante, o ator da pós-modernidade mergulha em meio a um lago de dúvidas, angústias e desejos cada vez mais insaciáveis, a vontade de ser reconhecido passa a ser uma forma de identidade, as regras antes adotadas parecem não fazer mais sentido, a racionalidade parece encontrar a sensibilidade e assim passam a projetar não uma felicidade ou satisfação impostas, mas sim construídas e de acordo com suas necessidades físicas, psicológicas, morais, culturais, valorativas e mais humanas. É um estado de inseguranças, incertezas e inconsistência, a pós-modernidade, pós- globalização ou hipermodernidade como também é chamada, aplica uma nova demanda do binômio dever-ser, a espiral não gira em torno exclusivamente no tocante à comunicabilidade, informação, relações sócio-políticas, existir um transpor de um conceito jurídico de Estado Democrático de Direito. O que busca agora não é apenas uma realização em si, mas uma 253 satisfação que preencha esse novo vazio, uma felicidade que implique no desenvolver de capacidade e liberdades3 até chegar na dignidade da pessoa humana (SEN, 2018). A proposta sobre a ética eudemonista surge justamente no cenário pós-moderno, nos fluxos e influxos contemporâneos de uma individualidade que não está mais ligada a um regramento de condutas, mas por uma principiologia do ser. A ética eudemonista de Aristóteles, embora escrita e pensada em tempos antigos, se encaixa neste momento quando coloca que esse homem racional está no processo de busca por essa felicidade quando a considera um bem maior, algo que deve ser buscado em si de maneira finalista, o que vem como resultado são consequências desse processo. Essa eticidade da felicidade é um fator que distingue o homem dos outros animais, nos quais a busca pelas finalidades não está ligada somente a prazeres fisiológicos, a felicidade aristotélica é algo de alma, é transcendental e independente de concepções divinas (AMORIM; CARDOSO; SILVA, 2012). Segundo a doutrina filosófica em comento, a felicidade é aquilo que se pode chamar de objetivo do homem, ou na acepção aristotélica, é o fim último da atuação humana. Tudo aquilo que o homem conquista, descobre e cria (como o Direito) está subordinado a sua constante busca pela felicidade, são instrumentos (meios) para alcançá-la. Trata-se, como se vê, de uma ética teleológica, de busca por uma finalidade (CRISAFULLI, 2011, p.38). É com esse recorte de espaço temporal que a teoria aristotélica é bem-vinda, visto que retira a realização humana de algo colocado e transporta para algo construído e almejado, nota- se uma desvinculação da felicidade concreta e assume o estado líquido daquela, não no sentido diminuído da importância ou da falta de forma, mas sim que é na liquefação salientada que se vislumbra o círculo da autonomia, liberdades, capacidades e realizações. Pensar no estado líquido da pós-modernidade, muito se toca no sentido da volatidade das relações e na efemeridade dos desejos, todavia a inquietação a ser provocada aqui consiste na interpretação aristotélica dessa felicidade mais fluida. 3 A teoria no tocante à importância capacitiva e de liberdades para uma correta interpretação do que seria de fato o desenvolvimento de um país, passa a levar em consideração o quão livre de amarras estatais e alvo de desigualdades sociais o homem é. Ser livre é uma condição para que as capacidades sejam fortalecidas e exercidas em sua plenitude, a construção de um certo desenvolver implica na oportunidade de escolhas, exercícios e atuações dentro de uma função social e uma visão mais plausível sobre o que é a felicidade na contemporaneidade (SEN, 2018). 254 Neste ponto, permanece o reconhecimento da racionalidade basilar desse sujeito, admite-se também que existem conflitos intrínsecos que transcendem interesses estatais e a própria existência de multiplicidade de caminhos para se alcançar esse bem-estar. A aspiração de existir gira em torno de uma roupagem axiológica ao colocar que se deve agir da melhor maneira possível no processo de realização, deve ser levado em conta ainda a importância do agir político diante dessa satisfação e como essa busca também é interligada aos ideais de cidadania e justiça (SEWAYBRICKER, 2012). Se de um lado têm-se um olhar mais a título de regramentos sobre o que é ou não essa busca pela realização, aqui a ética eudemonista aristotélica se assemelha mais na interpretação e leitura principiológica da discussão. A felicidade contemporânea tem um caráter principiológico haja vista a potencialidade de ser satisfeita na maior medida possível e dentro das circunstâncias fático-jurídicas possíveis, cabíveis e existentes. É um mandamento de otimização, haja vista que diante de embates subjetivos e objetivos não deve ser falado em extinção ou anulabilidade de felicidades, mas sim, no sopesamento e no ceder espaço de uma à outra (ALEXY, 2012). Ainda neste sentido, a felicidade para Aristóteles, na contemporaneidade, também pode ser interpretada como algo que não configura um princípio absoluto. Primeiramente em razão da felicidade ser uma construção subjetiva e não algo posto ou normatizado a ponto de se criar um núcleo inatingível e impenetrável quando se fala em sopesar situações fáticas. Em sequência, admitir uma forma de felicidade absoluta é ir de encontro à essência de direitos fundamentais e colocar em risco esse diálogo que é possível por meio das leis de sopesamento (ALEXY, 2012). Essa linguagem eudemonista e as renovações pelas quais perpassam os campos jurídicos e políticos demonstram um alinhar de searas até então distintas, mas percebidas enquanto complementares. A leitura do Direito e da Ética influenciam no adotar da reflexão principiológica constitucional dentro do Direito Civil e colocam mais próximos os fatos sociais nesse exercício cognitivo, a hermenêutica não se resume à uma atividade interpretativa da racionalidade, mas ganha sua relevância em clarear e aprofundar campos teóricos dos práticos, ao somar relevâncias quantitativas e qualitativas e ao fazer entender que a aplicação de princípios não deve ser tida enquanto algo que expulsa as regras de um ordenamento, mas as conduz por um caminho de maior equilíbrio e sintonia do sistema (HIRONAKA, 2006). Concepções humanistas de direitos humanos reforçam esse aproximar dos campos empíricos e abstratos, não se pode falar no estabelecer de uma dignidade universal. Existem sim, princípios que guiam valores mundialmente adotados, mas que no caso concreto podem 257 Algumas diferenças cercam esses institutos e apesar de ambas estarem regidas sobre a autonomia da vontade, algumas particularidades merecem destaque, começando pela mediação: o foco aqui é o restabelecimento da comunicação, do diálogo, de modo que as partes juntas possam encontrar um elo em comum e sobre ele decidir a questão, geralmente diz respeito às relações com vínculos pretéritos ou continuados, muito presentes nas dinâmicas familiares. Aqui têm-se a presença de um mediador, terceiro imparcial que vai conduzir, guiar, auxiliar os dois lados no chegar do denominador, ele não vai sugerir ou propor soluções, mas vai dar instrumentos para que os envolvidos consigam por meio da comunicação desenvolver as soluções possíveis. Não que a função do mediador seja ínfima ou anulada, mas se busca o protagonismo dos indivíduos frente aos seus interesses e despidos de suas, por vezes, rígidas posições (SILVA; SPENGLER, 2013). Instrumento de pacificação social, a mediação promove a autonomia do indivíduo, a cidadania e a concretização da democracia, princípio basilar do estado, pois tem a virtude de educar para as diferenças entre os indivíduos e estimular a tomada de decisões sem a intervenção de terceiros que imponham suas decisões aos litigantes, representando um verdadeiro instrumento de exercício da cidadania, de acesso à justiça e de obtenção da felicidade (VITALE, 2015, p. 191-192). No que tange a conciliação, o perfil relacional muda e pode ser consubstanciado em situações ou relações sem um vínculo anterior, algo esporádico ou específico, imagina-se por exemplo, um acidente de trânsito em determinada avenida. É uma situação específica na qual a circunstância colocará os interesses em confronto, não havendo um laço pretérito. O conciliador, também terceiro imparcial, possui uma atividade mais ativa, criando e sugerindo algumas opções de acordos e saídas, junto das partes vão desenvolver essa teia de resoluções. O aspecto da comunicação não se faz deixada absolutamente de lado, mas o acordo em si ganha um destaque maior (MELLO K; BAPTISTA, 2011). Podendo ser exercida tanto dentro do procedimento judicial, quanto fora dele, a conciliação é indicada para lidar com relações eventuais, como as de consumo, e outras igualmente casuais, onde não prevalece o interesse comum de manter um relacionamento, mas apenas o objetivo de equacionar interesses, via de regra, materiais. Não há, no entanto, uma abordagem aprofundada sobre o conflito ou sobre os envolvidos. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar o processo judicial, ou para nele pôr um ponto final, caso ele já exista. A conciliação se apresenta, assim, como uma 258 tentativa de se chegar voluntariamente a um acordo neutro, que conta com a participação de um terceiro que intervém entre as partes de forma oficiosa e desestruturada para alcançar um acordo (TEIXEIRA, 2017, p. 31-32) Aspectos como a confidencialidade, sigilo, a possibilidade de reconstrução de laços, o controle do procedimento, a busca por uma satisfação e não necessariamente a procedência de uma sentença, a celeridade, o dispor das somas não zero e o entender da relevância do tempo no sentido processual, material, substancial e psicológico, são fatores que demonstram a relevância de meios consensuais de resolução do conflito. Importante salientar que, embora tenham sido apresentadas algumas diferenças, a depender das particularidades do evento e da conexão entre os indivíduos, alguns pontos podem se cruzar (TARTUCE, 2016). Tanto a mediação como a conciliação, dentro do âmbito do Direito de Família, têm se mostrado excelentes mecanismos na leitura e pacificação de desentendimentos, tendo em vista as próprias complexidades das relações. A adjudicação ainda é arregrada a metodologias, uma estrutura procedimental e de pessoal ligada a perspectivas mais tradicionais, pouco se colocam dispostas para em descobrir os interesses por trás das posições processuais e acabam colaborando para o manifestar de decisões até favoráveis, mas muito distantes de uma satisfação plena (FONSECA, 2002). Não que nos outros ramos jurídicos isso não ocorra, mas as dinâmicas familiares possuem particularidades que as conecta muito com sentimento de pertencimento, identificação, socialização e cidadania, por exemplo. Quando não se procura entender o cerne para uma disputa, as chances de ocorrer o retroalimentar desse círculo do conflito são enormes, e o que antes poderia ser um simples divórcio consensual, ganha níveis cíveis, criminais e até administrativos. Levando em consideração também a própria evolução do conceito de família, que hoje em dia é mais ligada a figura do afeto, as audiências de conciliação e mediação parecem estar mais em consonância com a importância da vontade e liberdade de escolhas assim como os sentimentos que unem os grupos familiares. Talvez a impessoalidade e objetividade muito pura do âmbito judicial faça com que alguns operadores do Direito não consigam visualizar os novos arranjos e suas implicações, as fases instrutórias não dão margem ou não são suficientes para trabalhar o que une ou separa os indivíduos, assim como as varas pouco tem interesse em montar equipes multidisciplinares para estudar as configurações familiares na medida de suas complexidades e possibilitar respostas mais próximas da realidade, justiça e dignidade humana (BASTOS, 2014). 259 Diversos são os princípios e técnicas utilizadas nesses dois mecanismos, tanto judicial quanto extrajudicialmente, mas o que vai influenciar diretamente no sucesso desse procedimento é um conjunto, um somatório de vontades de agentes, órgãos, instituições que vão auxiliar no chegar da mensagem entre emissores e receptores familiares. Tais particularidades das mediações e conciliações podem ter uma importância ainda maior se vistas por uma ótica hermenêutica da leitura e interpretação, na qual se transcenderá aspectos meramente objetivos, se vislumbra intenções para além das jurídicas e motivações que não estão necessariamente ligadas aos valores tradicionais familiares, mas que revelam o escopo de se chegar à essência da Ética eudemonista nas conciliações e mediações familiares. 4 A INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA DAS CONCILIAÇÕES E MEDIAÇÕES EM PROL DA EUDEMONIA CONTEMPORÂNEA Como já colocado no início dessa investigação, a busca por uma felicidade, por uma (re)afirmação subjetiva e uma satisfação que tenha conexão com a concretização de direitos fundamentais é uma construção histórica, não propriamente declarada, mas costurada com os fluxos e influxos da sociedade, hoje, pós-moderna. Não que as realizações vigentes sejam fáceis, atingíveis de qualquer forma ou plenamente viáveis, na verdade continuam ainda precisando ultrapassar e vencer diversas barreiras de campos públicos e privados, mas também talvez nunca tenha ficado tão evidente que esse estado volátil possa ter um lado bom no que tange o alcançar eudemonista. As conciliações e mediações, em especial as familiares, já situadas no capítulo anterior, trazem consigo facetas dessa Ética Eudemonista de maneira muito particular, não que as outras searas do Direito não sejam passíveis de plenitudes ou tentativas destas por meio dessas sessões, mas levando em consideração a própria evolução de família, aquelas ganham um destaque especial. De início, e tendo como retomada um aspecto iniciado, esses meios alternativos adequados de resolução de conflitos possibilitam uma espécie de círculo hermenêutico da escuta, tanto se pretende pelo ouvir como o ser ouvido, e é nesse movimento que detalhes são melhor esclarecidos, que desentendimentos podem ser solucionados e que é proposta uma sensibilidade humana diante de embates processuais (BARROS, 2012). A escuta ativa é uma das técnicas utilizadas e se bem colocada proporciona uma realocação de posições de modo que os envolvidos consigam enxergam múltiplos lados e facilita a compreensão de questões mal resolvidas. Compreender é uma das bases da 262 Considerar a Hermenêutica enquanto uma forte aliada na aproximação do dever-ser entre o Direito e a sociedade é salientar que os sistemas, as instituições, os instrumentos, seus agentes, seus processos e procedimentos falam, dizem algo. Esse exercício, que por vezes clama um despir de concepções doutrinárias e exclusivamente normativas, ressalta que a criação de fluidos constitucionais para a realização de direitos fundamentais na contemporaneidade busca algo muito maior do que está contido nos ordenamentos jurídicos pátrios. Ler e interpretar mediação e conciliação enquanto laboratórios da busca eudemonista é dizer que inúmeras serão as portas para o acesso à justiça, diversos serão os profissionais capacitados, muitas podem até ser as técnicas, mas se estas no fundo não almejarem a felicidade e dignidade humana, pode-se dizer que em muito percorreram, mas em lugar nenhum chegaram. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar que o Direito possa ser reduzido à sua estrutura formal, burocrática e por vezes excludente e desigual é torná-lo vazio diante de seus inúmeros escopos. É desconsiderar que há algo que preenche muito mais todo um sistema para além da velha política judicial que tanto se conhece e tanto se combate, afinal de contas não há que se falar em transformação social sem o empoderamento e reconhecimento dos sujeitos enquanto agentes ativos na construção e desenvolvimento de suas narrativas. Dar espaço para uma análise hermenêutica é sair um pouco da zona de conforto e entender que o desfrutar de certas conquistas são frutos de processos históricos, de círculos interpretativos, de considerações homem-homem, de entender que o sentido real de determinada norma, mandamento ou atuação judicial pode ter muito mais sentido se combinado de outras esferas do conhecimento, se aberto para discussões, se houver a disposição de conhecer quem são esses sujeitos tão dotados de racionalidade e tão misteriosos no sentido das suas intenções. Possibilitar essa comunicação é fazer com que haja uma real conectividade em um mundo contemporâneo no qual se parece estar tão distante e tão próximo ao mesmo tempo. A carga principiológica da Ética Eudemonista demonstra a relevância axiológica dos princípios como norteadores da transformação jurídica diante das novas demandas econômicas, culturais, sociais e políticas. São eles que norteiam a posterior criação de regras, visto que emanam uma sensibilidade nem sempre entendida ou almejada pelos interesses estatais. A procura da felicidade na sociedade hodierna não é normatizada, não é estática, universal ou singular. 263 Do ponto de vista prático da discussão, conciliações e mediações familiares podem ser considerados ambientes no qual essa procura de realizações será desenvolvida, lugar em que motivações serão ponderadas, debatidas, sopesadas, situação na qual se procura sim uma satisfação pessoal, mas também daqueles que integram a família e que são importantes. A felicidade não precisa ser única e isolada, ela pode ser dividida e compartilhada diante da autonomia da vontade, da liberdade de escolhas e do potencializar de capacidades transformadoras do status quo. A chave talvez seja entender que de fato, aspectos objetivos dentro das dinâmicas do Direito possuem sua relevância, mas se não combinados com aspectos críticos, o sentido da argumentação, a interpretação de contextos, situações, atores e a força principiológica, em pouco se evoluiu. A proposta apresentada perpassa sim por um descontruir de pré-conceitos e um despir de concepções hegemônicas e sistemáticas dos meios autocompositivos de resolução de conflitos, mas também oferece a leitura e interpretação de que talvez dentro de tantas posições, tantas garantias, tantos avanços legislativos e jurisprudências, o que se busca de fato não são apenas sentenças procedentes, mas sim a felicidade que verdadeiramente importa. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2 ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. AMORIM, Wellington Lima; CARDOSO, Mateus Ramos; DA SILVA, Everaldo. Ética da felicidade em Aristóteles. Húmus. São Luís. v. 2, n. 6. P. 29-40. 2012. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/1546. Acesso em 16 de junho de 2020. BARROS, José D’ Assunção. Tempo e narrativa em Paul Ricoeur: considerações sobre o círculo hermenêutico. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia. Vol. 9, ano IX, nº 1. P. 1-27 2012. 264 BASTOS, Isis Boll de Araújo. (RE) pensando a família e o Direito de Família: evolução histórica e conceitual. In: O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDAFAM/RS. P. 180-198. 2014. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. CASTRO, Maíra Lopes de. Teoria do agir comunicativo e meios adequados de resolução do conflito: uma avaliação dos centros judiciários de solução de conflito e cidadania do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão na perspectiva do Jurisdicionado. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito 2019. Disponível em: https://tedebc.ufma.br/jspui/handle/tede/2930. Acesso em 17 de junho de 2020. CRISAFULLI, Pedro Henrique de Assis. O direito de família e a filosofia eudemonista. Monografia apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos–UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Barbacena, 2011. Disponível em: https://ri.unipac.br/repositorio/wp- content/uploads/2019/08/PEDRO-HENRIQUE-DE-ASSIS-CRISAFULLI.pdf. Acesso em 16 de junho de 2020. DE CARVALHO, Alexander Perazo Nunes; LIMA, Renata Albuquerque. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Revista Opinião Jurídica. Fortaleza. v. 13, n. 17, p. 11-23, 2015. 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