Baixe Eletromagnetismo: Geração de Campos por Cargas e outras Resumos em PDF para Física, somente na Docsity! Caṕıtulo 1 Campo Elétrico 1.1 Prelúdio • O Eletromagnetismo é o estudo i) da geração e da propagação de campos elétricos e magnéticos por cargas elétricas e ii) da dinâmica de cargas em resposta a estes campos. • A geração de campos por cargas é descrita pelas Equações de Maxwell e, em casos parti- culares, por leis simples como a Lei de Coulomb e a Lei de Biot-Savart. • Uma vez criados, os campos se propagam como ondas no espaço com uma velocidade constante e igual à velocidade da luz. • Na presença de campos elétricos e magnéticos, cargas sofrem forças elétricas e magnéticas de acordo com a Força de Lorentz. • Todos os fenômenos eletromagnéticos são descritos de uma forma ou outra pelas Equações de Maxwell e pela Força de Lorentz. Elas, respectivamente, dizem às cargas como gerar campos, e aos campos como afetar as cargas. • O eletromagnetismo tem grande importância prática, pois as interações eletromagnéticas des- crevem átomos, moléculas, propriedades dos materiais, aparelhos eletrônicos, etc. • Na F́ısica, busca-se a unificação de leis fundamentais, o que significa que leis descrevendo fenômenos aparentemente distintos podem ser combinadas em uma descrição mais ampla e única dos fenômenos. O eletromagnetismo é o grande exemplo de unificação de leis f́ısicas. • Veremos que fenômenos elétricos e fenomênos magnéticos, iniciamente pensados como dis- tintos, estão na verdade relacionados por um único formalismo, o Eletromagnetismo. Essa unificação vai além desses fenômenos, e unifica também a Ótica como parte do eletromag- netismo. Como veremos, a luz nada mais é do que ondas de campos eletromagnéticos se auto-criando e propagando; por isso chamamos a luz de radiação eletromagnética. Essa uni- ficação gerou um grande debate no final do século XIX: se os campos se propagam com a velocidade da luz, com relação a que referencial deve ser medida essa velocidade? Essa questão foi o que levou Einstein a propor em 1905 a Relatividade Especial, que revolucionou as noções clássicas de espaço-tempo. 9 10 CAPÍTULO 1. CAMPO ELÉTRICO • Outro exemplo de unificação: a interação eletro-fraca, em que os fenômenos eletromagnéticos e a interação nuclear fraca são descritos por um formalismo único (prêmio Nobel de F́ısica de 1979). Um dos grandes desafios da f́ısica moderna é unificar todas as interações da natureza em um formalismo único; o eletromagnetismo é o maior exemplo que inspira essa busca. • Embora a dinâmica de galáxias no universo seja governada basicamente pela gravidade, vários efeitos eletromagnéticos são também importantes. Além disso, a maneira como astrônomos estudam galáxias também se relaciona com o eletromagnetismo. Afinal de contas, a única fonte de informação que temos das galáxias é a luz que elas nos enviam. Por meio desta radiação, devemos descobrir todas as propriedades da galáxia relevantes para estudos as- trof́ısicos e cosmológicos. Esssa propriedades incluem o tamanho da galáxia, o seu tipo, a sua morfologia, os elementos qúımicos que a compoem, sua temperatura, sua massa e sua distância até nós; tudo isso tem que ser inferido pelos fótons de luz enviados pelas gálaxias. • Portanto, os efeitos eletromagnéticos são de grande importância sob várias perspectivas. Eles descrevem a estrutura da matéria, permeiam a tecnologia de ponta e tem profunda relação com outros tópicos da f́ısica moderna e outras áreas da ciência. 1.2 Carga Elétrica • A carga elétrica q é uma propriedade intŕınseca fundamental das part́ıculas. • Existem dois tipos de carga elétrica: positiva e negativa. • Cargas de mesmo sinal se repelem e cargas de sinal oposto se atraem mutuamente. • A unidade de carga é o Coulomb, denotado C. • O núcleo atômico é composto por prótons (part́ıculas de carga positiva) e neutrons (part́ıculas sem carga, i.e. eletricamente neutras). Os elétrons (part́ıculas de carga negativa) orbitam os núcleos atômicos devido à atração eletromagnética. As cargas do próton e do elétron são idênticas e opostas, com magnitude |qe| = 1.6 × 10−19C. • A carga elétrica é conservada. Em qualquer processo f́ısico, a carga total antes e depois é a mesma, i.e. cargas totais não são criadas nem destrúıdas. Se uma carga desaparece em algum local, ela deve re-aparecer em outro. Veremos que a conservação de cargas é automaticamente garantida pelas Equações de Maxwell e não precisa ser assumida independentemente. • A carga elétrica é quantizada. Todas as cargas são múltiplos da carga do elétron, i.e. Q = nqe para algum n inteiro. Paul Dirac mostrou que, se existissem cargas magnéticas na natureza, isso explicaria por que a carga elétrica é quantizada. Infelizmente, cargas magnéticas nunca foram observadas e a quantização da carga continua sendo um fato basicamente emṕırico. 1.3 Força Elétrica: Lei de Coulomb • Uma carga pontual q1 separada por uma distância r de uma segunda carga q2, exerce sobre esta uma força elétrica ~F12 mútua. A força é proporcional ao produto das cargas q1q2 e inversamente proporcional ao quadrado da distância r, sendo dada pela Lei de Coulomb: ~F12 = q1q2 4πǫ0r2 r̂12 , (Lei de Coulomb) (1.1) 1.6. EXEMPLOS 13 • Na Fig 1.3 , estão mostradas linhas de campo de certas configurações de cargas pontuais. As linhas saem de cargas positivas e se entram em cargas negativas. Naturalmente, a densidade de linhas é maior próximo às cargas. 1.6 Exemplos Com o prinćıpio de superposição em mente, vamos calcular o campo elétrico em algumas confi- gurações de cargas. Para distribuições de carga, usamos cargas diferenciais dq = λdx = σdA = ρdV , onde λ, σ e ρ são densidades linear, superficial e volumétrica de carga, respectivamente, e dx, dA e dV são correspondentes elementos infinitesimais de comprimento, área e volume. 1.6.1 Carga Pontual Como visto acima, para uma carga pontual q, o campo é simplesmente dado pela Lei de Coulomb ~Eq = q 4πǫ0r2 r̂ (1.6) Uma carga pontual configura um monopolo elétrico. 1.6.2 Dipolo Figura 1.4: Campo elétrico de um dipolo elétrico. (Halliday) Considere o dipolo elétrico, formado por duas cargas, sendo uma delas positiva de carga +q e a outra nega- tiva de carga −q, separadas por uma distancia d. Pelo prinćıpio da superposição, o campo elétrico total em um ponto P no eixo do dipolo, a uma distância z do seu cen- tro conforme a Fig 1.4, é dado por E = E+ − E− = q 4πǫ0r2 + − q 4πǫ0r2 − = q 4πǫ0z2 ( 1 − d 2z )2 − q 4πǫ0z2 ( 1 + d 2z )2 = q 4πǫ0z2 2d/z [1 − ( d 2z )2]2 = qd 2πǫ0z3 1 [1 − ( d 2z )2]2 (1.7) Para P distante do dipolo, i.e. para z ≫ d, podemos desprezar o termo d/2z entre parênteses, e obtemos: E = qd 2πǫ0z3 = p 2πǫ0z3 (Dipolo Elétrico) (1.8) onde p = qd é o momento de dipolo. Pode-se mostrar que, ao longo do eixo perpendicular ao do dipolo, o campo também varia com a distância ao cubo, e portanto isso vale para qualquer ponto distante do dipolo. 14 CAPÍTULO 1. CAMPO ELÉTRICO Quando discutirmos potencial elétrico, veremos que para calcular o campo de um dipolo em um ponto geral, é mais fácil calcular primeiro o potencial elétrico e obter o campo elétrico como o gradiente do potencial. 1.6.3 Anel de carga Figura 1.5: Anel carregado. (Halliday) Considere um anel carregado conforme a Fig 1.5. A carga dq contida em um elemento de comprimento infinitesimal ds é dada por dq = λds Essa carga diferencial pode ser tratada como uma carga pontual e gera um campo infinitesimal dE dE = dq 4πǫ0r2 = λds 4πǫ0r2 O campo elétrico total é dado somando (integrando) a contribuição de todos os elementos infinitesimais. Por simetria, o campo deve apontar na direção z, pois contribuições na direção radial se cancelam em pares simetricamente opostos. Temos então: E = ∫ anel dE cos θ = ∫ anel λds 4πǫ0r2 z r = λ 4πǫ0r2 z r ∫ 2πR 0 ds = zλ(2πR) 4πǫ0r3 Finalmente, usando q = λ2πR e r = √ z2 + R2, temos E = qz 4πǫ0(z2 + R2)3/2 (1.9) Note que quando R → 0 ou z → ∞, temos E ≈ qz 4πǫ0z3 = q 4πǫ0z2 , como esperado para uma carga pontual. 1.6.4 Disco de carga Considere agora um disco carregado conforme a Fig 1.6. Neste caso podemos considerar um anel de raio (variável) r e espessura dr como um elemento infinitesimal do disco. Como acabamos de descobrir o campo gerado por um anel, temos dE = zdq 4πǫ0(z2 + r2)3/2 A carga dq contida em um elemento de área infinitesimal dA = (2πr)dr é dada por dq = σdA = σ(2πr)dr 1.6. EXEMPLOS 15 Figura 1.6: Disco carregado. (Halliday) Portanto, o campo total é dado por E = ∫ disco dE = ∫ disco zdq 4πǫ0(z2 + r2)3/2 = ∫ zσ(2πr)dr 4πǫ0(z2 + r2)3/2 = zσ 4ǫ0 ∫ R 0 2r dr (z2 + r2)3/2 Fazendo a substituição u = z2 + r2, du = 2r dr, temos E = zσ 4ǫ0 ∫ R 0 2r dr (z2 + r2)3/2 = zσ 4ǫ0 ∫ z2+R2 z2 du u3/2 = zσ 4ǫ0 [ − 2 u1/2 ]z2+R2 z2 = zσ 4ǫ0 [ − 2√ z2 + r2 ]R 0 = zσ 4ǫ0 [ 2 z − 2√ z2 + R2 ] ou seja E = σ 2ǫ0 [ 1 − z√ z2 + R2 ] (1.10) Note que quando R → ∞, temos que o campo de uma placa infinita é constante: E = σ 2ǫ0 (1.11) Por outro lado, para R → 0 ou z → ∞, podemos fazer uma expansão binomial, obtendo z√ z2 + R2 = 1 √ 1 + ( R z )2 ≈ 1 − R2 2z2 Neste caso, como a carga total do disco q = σ(πR2), temos E = σ 2ǫ0 ( R2 2z2 ) = σ(πR2) 4πǫ0z2 = q 4πǫ0z2 (1.12) Ou seja, como esperado, nesse limite o disco parece uma carga pontual. 18 CAPÍTULO 1. CAMPO ELÉTRICO O elemento de carga dq é dado por dq = σ(2πR sin θ)(Rdθ) e portanto Er = ∫ dq 4πǫ0s2 cos φ = σ(2πR2) 4πǫ0 ∫ sin θ cos φ s2 dθ Como s e φ são funções de θ, é conveniente fazer a integração em s. Usando a lei dos cossenos para φ e θ temos s2 = r2 + R2 − 2rR cos θ R2 = r2 + s2 − 2rs cos φ Destas relações, temos 2sds = 2rR sin θdθ → sin θdθ = sds rR cos φ = r2 + s2 − R2 2rs Figura 1.9: Casca esférica carre- gada. Campo dentro da casca. e o campo se torna Er = σ(2πR2) 4πǫ0 ∫ sds rR r2 + s2 − R2 2rs 1 s2 = σ(πR) 4πǫ0r2 ∫ ds r2 + s2 − R2 s2 = σ(πR) 4πǫ0r2 ∫ ds [ 1 + r2 − R2 s2 ] = σ(πR) 4πǫ0r2 [ s − r2 − R2 s ]r+R r−R = σ(πR) 4πǫ0r2 [ (r + R) − (r − R) − (r2 − R2) ( 1 r + R − 1 r − R )] = σ(πR) 4πǫ0r2 [ 2R − (r2 − R2) (r − R) − (r + R) (r + R)(r − R) ] = σ(πR) 4πǫ0r2 [2R + 2R] = σ(4πR2) 4πǫ0r2 = q 4πǫ0r2 (1.17) Portanto, o campo de uma casca esférica é o mesmo de uma carga pontual com carga q localizada no centro da casca esférica. Para pontos dentro da casca esférica, o calculo é idêntico, mas de acordo com a Fig 1.9. os 1.7. ESFERA SÓLIDA 19 limites de integração são s = R − r e s = R + r, o que resulta Er = σ(πR) 4πǫ0r2 [ s − r2 − R2 s ]R+r R−r = σ(πR) 4πǫ0r2 [ (R + r) − (R − r) − (r2 − R2) ( 1 (R + r) − 1 R − r )] = σ(πR) 4πǫ0r2 [ 2r + (R2 − r2) (R − r) − (R + r) (R + r)(R − r) ] = σ(πR) 4πǫ0r2 [2r − 2r] = 0 (1.18) i.e. o campo é nulo dentro da casca esférica. Esses resultados na casca esferica foram primeiro mostrados por Newton na teoria da gravitação, que tambem decae com o quadrado da distância. 1.7 Esfera Sólida Resultados similares aos da casca esférica se aplicam a uma esfera sólida. Para pontos fora da esfera, cada casca esférica infinitesimal pode ser substituida por uma carga pontual no centro da esfera. Somando a contribuição de todas as cascas, conclui-se que pode-se também substituir a esfera por uma carga pontual em seu centro com a carga total da esfera. Para pontos dentro da esfera, cascas esféricas fora do ponto não contribuem. Pelo argumento do parágrafo anterior, a esfera imaginária delimitada pelo ponto pode ser substitúıda por uma carga pontual com carga igual à carga interna Q′ (e não a carga total Q). Essa carga interna é dada por Q′ = (r/R)3Q. Portanto o campo é dado por Er = Q′ 4πǫ0r2 = Qr 4πǫ0R3 (1.19) i.e. o campo cresce linearmente com a distância r. 1.8 Movimento de Carga em um Campo Elétrico Considere uma carga q sob ação de um campo elétrico uniforme, como e.g. o campo criado por uma placa infinita. A segunda lei de Newton nos dá Fe = qE = ma, e a cinemática da carga é dada então pelas equações usuais da mecânica para uma aceleração constante a = qE m (1.20) x = x0 + v0t + at2 2 (1.21) v = v0 + at (1.22)