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COMPREENSÕES SOBRE A OBRA DE PABLO PICASSO ..., Notas de estudo de Cultura

Quando percebi que a relação entre a ciência e a arte era o “lugar” onde com mais facilidade poderia realizar meus anseios, decidi me dedicar não ao estudo ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE DE BRASILIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA
EROS, ARTE E DESEJO: COMPREENSÕES SOBRE A OBRA DE
PABLO PICASSO
André Luiz Picolli da Silva
Brasília/DF, junho de 2017
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UNIVERSIDADE DE BRASILIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA

EROS, ARTE E DESEJO: COMPREENSÕES SOBRE A OBRA DE

PABLO PICASSO

André Luiz Picolli da Silva

Brasília/DF, junho de 2017

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UNIVERSIDADE DE BRASILIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA

EROS, ARTE E DESEJO: COMPREENSÕES SOBRE A OBRA DE

PABLO PICASSO

André Luiz Picolli da Silva

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura – como requisito para obtenção do título de Doutor em Psicologia. ORIENTADORA: Profa. Dra. Terezinha de Camargo Viana Brasília/DF, junho de 2017

I Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta tese, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

II

IV

Resumo

De todas as construções humanas, a arte, talvez seja a que mais contribuiu para nos tornar humanos. No centro de toda cultura encontramos o impulso para criar objetos, interpretar cenas, produzir imagens, sons e movimentos, sendo os artistas, vistos como seres especiais, quase míticos. Um exemplo desse sentimento é o que encontramos em relação ao pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), considerado como um dos principais artistas do período moderno e influenciador da estética contemporânea. Suas pinturas causaram um grande impacto na Europa e muita repercussão no resto do mundo, porém, a razão pela qual tantas pessoas ficaram fascinadas com as imagens por ele produzidas ainda é uma incógnita. Buscando compreender essa questão a partir de uma perspectiva psicanalítica, levanta-se a hipótese de que isso ocorreu devido a intensa manifestação de Eros sobre o artista, que produziu obras com fortes marcas dessa manifestação facilitando assim o processo de sublimação do público identificado com suas obras. Baseado nisso, o presente trabalho constitui-se em uma narrativa sobre a estética do desejo em Pablo Picasso, tendo por objetivo investigar a dinâmica inconsciente do artista por meio de sua produção, bem como, identificar de que modo sua obra se caracterizou também como um sintoma da cultura. Para tanto, foram realizadas observações de pinturas gravuras e desenhos do pintor que se encontram no acervo de museus da Espanha e do Brasil, bem como de obras que se encontram publicadas em literaturas específicas sobre a arte de Pablo Picasso. A partir disso, foram selecionadas algumas obras que, devido suas características, permitiam uma melhor observação da manifestação de Eros sobre o artista e, em seguida, foi realizada uma análise relacionando-se os elementos existentes nestas obras, a biografia do artista e conceitos da teoria psicanalítica. Posteriormente, visando uma melhor contextualização do fenômeno estudado, foram identificadas as principais características psicológicas da sociedade da época em que Picasso viveu, de modo a compreender em que medida ocorreram identificações entre a cultura e as produções do artista. Ao discutir os dados produzidos nesse processo constatou-se que a obra de Picasso apresentou uma grande mutabilidade ao longo do tempo devido as diversas formas de manifestação das pulsões do artista visando garantir a realização de desejos como: o desejo de liberdade, de querer mudar a realidade, de ser um objeto de amor e de querer controlar o outro. Tais manifestações, aliado ao alto grau de narcisismo encontrado na obra de Picasso, vão de encontro as principais características identificadas na sociedade em que que Picasso viveu, o que, dentro da narrativa produzida, confirma a ideia de que arte produzida por ele se configura em um sintoma da cultura. Por fim, concluiu-se o presente trabalho constatando que Picasso deu livre vazão as manifestações de Eros que sentia em si e, desse modo, construiu uma estética que reflete a realização de seus desejos narcisistas. Tal estética serviu como meio ideal para que indivíduos da sociedade moderna e contemporânea, identificados com sua obra, pudessem sublimar seus desejos com características semelhantes, razão pela qual entendemos, que tantas pessoas se fascinaram e ainda se fascinam pela obra de Pablo Picasso. Palavras-chave: Picasso, Desejo, Arte, Pulsão, Psicanálise, Estética

V

Abstract

Of all human constructions, art may be the one that most contributed to make us human. At the center of every culture is the impulse to create objects, to interpret scenes, to produce images, sounds and movements, and the artists are seen as special beings, almost mythical. An example of this feeling is what we find in relation to the Spanish painter Pablo Picasso (1881-1973), considered as one of the main artists of the modern period and influential of contemporary aesthetics. His paintings have had a great impact on Europe and much repercussion in the rest of the world. However, the reason why so many people were fascinated with the images produced by him is still unknown. Seeking to understand this question from a psychoanalytical perspective, the hypothesis arises that this happened due to the intense manifestation of Eros on the artist, who produced works with strong marks of this manifestation facilitating the process of sublimation of the public identified with his works. Based on this, the present research constitutes a narrative about the aesthetics of the desire in Pablo Picasso, aiming to investigate the artist's unconscious dynamics through his production, as well as to identify in what way his work was also characterized as a symptom of the culture. To that end, observations were made of paintings of the painter's drawings and drawings found in the collection of museums in Spain and Brazil, as well as works that are published in specific literatures on the art of Pablo Picasso. From this, some works were selected which, due to their characteristics, allowed a better observation of the manifestation of Eros on the artist, and then an analysis was made relating the elements existing in these works, the artist's biography and psychoanalytic theory. Later, in order to better contextualize the studied phenomenon, the main psychological characteristics of the society of the time in which Picasso lived were identified, in order to understand to what extent identifications occurred between the culture and the artist 's productions. In discussing the data produced in this process it was found that the work of Picasso showed a great mutability over time due to the various forms of manifestation of the artist's drives in order to guarantee the fulfillment of desires such as: the desire for freedom, reality, of being an object of love and of wanting to control the other. These manifestations, together with the high degree of narcissism found in Picasso's work, go against the main characteristics identified in the society in which Picasso lived, which, within the narrative produced, confirms the idea that art produced by him is shaped by A symptom of culture. Finally, the present work was concluded, stating that Picasso gave free flow to the manifestations of Eros that he felt in himself and, in this way, constructed an aesthetic that reflects the fulfillment of his narcissistic desires. Such aesthetics served as an ideal means for individuals of modern and contemporary society, identified with their work, to sublimate their desires with similar characteristics, which is why we understand that so many people were fascinated and still fascinated by the work of Pablo Picasso. Key words: Picasso , Desire, Art, Drive, Psychoanalysis, Aesthetics.

VII

  • INTRODUÇÃO Sumário - 1. Inquietudes e trajetória inicial - 2. Delineando contornos, percursos e direções - 2.1. O brincar e a arte: reflexos em Picasso - 2.2. Objetivos - 2.3. Justificativa - 2.4. Procedimentos metodológicos e materiais utilizados
  • CAPÍTULO 1 - UMA ESFINGE A DESVELAR - 1. O entendimento da arte ao longo da obra Freudiana - 2. Os conceitos de desejo e pulsão e sua relação com a arte - 3. Arte e prazer - 4. Arte: um sintoma da cultura? - 5. Sobre a noção de narcisismo e o narcisismo em Picasso
  • CAPÍTULO 2 - MARCAS DO DESEJO NA OBRA DE PICASSO - 1. O destruir e o reconstruir - 2. Normas, regras e a liberdade - 3. O controle, o amar e o ser amado - 4. A mescla total: o eterno retorno
    • CONTEMPORÂNEA CAPÍTULO 3 - FIGURA E FUNDO: PICASSO E A SOCIEDADE - 1. Características narcísicas da sociedade contemporânea - 2. Picasso e a estética contemporânea
  • FINALIZANDO - 1. Últimas pinceladas
  • REFERÊNCIAS
  • ANEXO 1: CRONONOLOGIA - BIOGRAFIA DE PABLO PICASSO
  • Figura 1 Exemplos de pinturas de Louis Wain Lista de Figuras
  • Figura 2 Bisão na Caverna de Lascaux (15.000 A.C.)
  • Figura 3 Ouvindo Qin -
  • Figura 4 Ritmo de outono nº 30 -
  • Figura 5 Auto retrato com paleta -
  • Figura 6 Nu com chapéu turco -
  • Figura 7 A primeira comunhão -
  • Figura 8 As duas irmãs -
  • Figura 9 A vida -
  • Figura 10 Les Demoiselles d’Avignon -
  • Figura 11 Máscara Africana de Picasso
  • Figura 12 Retrato de Ambroise Vollard -
  • Figura 13 O guitarrista
  • Figura 14 A penteadeira -
  • Figura 15 O acordeonista -
  • Figura 16 Mulheres correndo na praia -
  • Figura 17 Camponeses Dormindo
  • Figura 18 Mãe e filho - 1921/1922
  • Figura 19 Abdução (Nessus e Deianeira) -
  • Figura 20 Paulo vestido de arlequim -
  • Figura 21 Minotauro com uma taça na mão e mulher jovem
  • Figura 22 Escena Báquica com Minotauro -
  • Figura 23 Minotauro atacando uma amazona -
  • Figura 24 Minotauro vencido -
  • Figura 25 Minotauro moribundo -
  • Figura 26 Minotauro cego guiado por uma menina a noite -
  • Figura 27 Banhista sentada -
  • Figura 28 Mulher com flor -
  • Figura 29 Banhista com bola na praia -
  • Figura 30 Banhistas com barco de brincar -
  • Figura 31 Marie Thérèse com face de frente e de perfil - 1931.....................................
  • Figura 32 Mulher lendo -
  • Figura 33 Almoço na relva (Manet) -
  • Figura 34 Almoço na relva -
  • Figura 35 Almoço na relva -
  • Figura 36 Almoço na relva -
  • Figura 37 As meninas (Velázquez) -
  • Figura 38 As meninas -
  • Figura 39 Infanta Margarita Maria -
  • Figura 40 Infanta Margarita Maria -
  • Figura 41 O pintor e seu modelo -
  • Figura 42 O pintor e seu modelo -
  • Figura 43 Rembrant e o amor -
  • Figura 44 Raphael e Fornarina (Ingres) -
  • Figura 45 Raphael e Fornarina -
  • Figura 46 Raphael e Fornarina -
  • Figura 47 Raphael e Fornarina -
  • Figura 48 O abraço -
  • Figura 49 Sem título -
  • Figura 50 Sem título -
  • Figura 51 Sem título -

VIII A pintura é mais forte do que eu, ela me faz fazer o que ela quer. (Picasso) Quando era criança minha mãe dizia: “Se fores soldado, hás de chegar a General. Se fores frade, acabarás Papa”. Mas eu quis ser pintor e tornei-me Picasso! (Picasso)

2 revigorado para avançar em sua jornada. Nesse contexto, a aventura que agora realizo não surge do mero acaso e, como toda aventura, é o resultado de uma história prévia. Após a realização de meu Mestrado em Psicologia, no campo referente a processos de aprendizagem na área de avaliação psicológica a partir da teoria comportamental, uma constatação se impôs diante de mim: o conhecimento que ali foi produzido gerou poucos frutos em comparação ao que poderia ter gerado. Essa constatação, ocorrida depois de 10 anos de exercício profissional (inclusive com a prática da docência), foi obtida depois de uma profunda reflexão sobre “o que havia dado errado”, afinal todo o trabalho foi realizado com o máximo rigor exigido pela ciência dentro da perspectiva comportamental e os resultados obtidos correspondiam ao que se esperava. A pergunta que por anos me fiz foi: se todos os procedimentos necessários para se produzir um conhecimento válido foram seguidos com rigor, por que então não me sentia realizado? Por que não dei continuidade aos estudos que foram iniciados? A conclusão a que cheguei foi que o tipo de controle realizado (advindo principalmente da metodologia imposta, do referencial teórico e da natureza do objeto de estudo), levou a reflexões com o máximo de assepsia para evitar “contaminações” indesejáveis que pudessem perturbar a certeza que deveria ser obtida no final da pesquisa. No fim, as reflexões realizadas tiveram tanta assepsia que se tornaram estéreis. Assim sendo, depois de 10 anos de reflexões sobre a produção de conhecimento, em especial, a produção de conhecimento que havia realizado na academia voltada para uma lógica da razão e da ciência tradicional, conseguia apenas recordar de um antigo Provérbio Zen: “Água pura demais não dá peixes”. Ao constatar isso, uma única certeza se apresentava diante mim: podia não saber ao certo o que faria no doutorado, mas certamente, não faria o mesmo que no mestrado. Assim, aquele jovem psicólogo que buscava encontrar a “verdade” por meio de um único tipo de conhecimento, constatou que a ciência isolada da arte, da filosofia, da religião e da vivência

3 prática, pouco tinha a oferecer para a elevação do espírito humano e, de certo modo, o conhecimento produzido dessa maneira constituía-se em um conhecimento próximo do estéril, pelo menos para mim, visto que dava poucos frutos. Percebi que minha busca principal era pela vida, por algo que transbordasse para além da simples racionalização sobre um tema específico. Sendo assim, logo constatei que para o doutorado não desejava encontrar um objeto de estudo dentro de um universo asséptico onde o sujeito estivesse separado do objeto e se constituísse como mero observador, tão pouco, que o conhecimento viesse apenas por um viés racional/lógico/intelectual. Assim, percebi que meu objeto de estudo poderia ser um antigo objeto de desejo, que era o de aproximar a arte e a ciência. Do mesmo modo, já que estava dando vazão aos meus desejos, percebi que o referencial teórico que necessitava não poderia ser um referencial que me sapara-se de meu objeto de desejo, me colocando no lugar de uma consciência que observa e que busca produzir uma “verdade” sobre o objeto. Ao invés disso precisava de uma teoria que permitisse me aproximar do objeto, me colocando em um envolvimento pessoal com este visando a produção de um discurso dessa relação, sendo assim, considerei que o referencial teórico mais adequado para essa atividade era a psicanálise. Quando percebi que a relação entre a ciência e a arte era o “lugar” onde com mais facilidade poderia realizar meus anseios, decidi me dedicar não ao estudo intelectual isolado (pois isso invariavelmente me levaria a exercícios de racionalização que poderiam fazer com que a essência da arte me escapasse entre os dedos), mas sim a contemplação, ao saborear de obras de arte. Aqui uso o termo saborear como metáfora, me apoiando no fato de que tanto as palavras “saber” e “sabor” derivam da mesma raiz latina “sapere” e assim, tentar expressar meu entendemimento de que é possível produzir também um saber pela fruição estética, pois “saborear” uma obra de arte transcende ao simples “ver”.

5 o qual valeria a pena realizar um investimento e decidi me dedicar ao seu estudo. Com alguma surpresa notei que em relação as obras de Picasso, identificava em mim a mesma necessidade que Freud sentiu diante do Moisés de Michelangelo: A meu ver, o que nos prende tão poderosamente só pode ser a intenção do artista, até onde ele conseguiu expressá-la em sua obra e fazer-nos compreendê-la. Entendo que isso não pode ser simplesmente uma questão de compreensão intelectual ; o que ele visa é despertar em nós a mesma atitude emocional, a mesma constelação mental que nele produziu o ímpeto de criar. Mas por que a intenção do artista não poderia ser comunicada e compreendida em palavras , como qualquer outro fato da vida mental? Talvez, no que concerne às grandes obras de arte, isso nunca seja possível sem a aplicação da psicanálise. (...) Para descobrir sua intenção, contudo, tenho primeiro de descobrir o significado e o conteúdo do que se acha representado em sua obra; devo, em outras palavras, ser capaz de interpretá-la. É possível, portanto, que uma obra de arte desse tipo necessite de interpretação e que somente depois de tê-la interpretado poderei vir a saber por que fui tão fortemente afetado. (Freud, 1914 a/1996, p. 142-143). Mas de imediato uma questão se colocava: O fato de me interessar pelas obras desse artista em particular poderia ser explicado pela minha própria história pessoal, porém porque toda uma sociedade, toda uma cultura se interessou se impactou com obras com essas características? O alto grau de erotização das pinturas poderia até ser algo que justificasse o elevado interesse da sociedade pelas obras de Picasso, mas seria só isso? O simples fato de fazer obras erotizadas não tornaria Picasso assim tão diferente de outros pintores, nem o transformaria em um ícone destacado da arte. Outros pintores talvez tenham feito obras mais

6 eróticas que as dele e nem por isso causaram tanto impacto na humanidade. Assim, notei que nas pinturas de Picasso, deveria existir um “algo a mais”, algo que o fez ser considerado um divisor de águas, um fundamento para a estética contemporânea. Mas o que seria? Dedicando-me a estudar as pinturas identifiquei algo marcante nas obras de Picasso que parece não ser tão presente nas obras de outros pintores, a saber, o alto grau de mutabilidade de estilos artísticos ocorrida ao longo de sua vida. Se entendermos uma manifestação artística, grosso modo, como as projeções dos desejos ou conflitos internos de seu autor, é natural que o padrão estético de um pintor vá se alterando com o tempo, pois os desejos mudam ao longo dos anos. As modificações psíquicas advindas da mudança de idade, de traumas sofridos, ou mesmo de processos de autoconhecimento podem fazer com que um pintor vá alterando sua forma de produção como, por exemplo, as alterações que podem ser vistas no padrão de pintura de Louis Wain^1 a seguir: Figura 1 Exemplos de pinturas de Louis Wain (^1) Louis Wain foi um artista inglês que viveu no início do Século XX, que se dedicava a pintura de gatos e sofria de esquizofrenia. Com o passar dos anos, a medida que sua doença foi se agravando suas pinturas sofreram alterações gradativas até se tornarem completamente abstratas.

8 sobre o tema. Sendo assim, a partir desse ponto o “eu” cedeu lugar ao “nós” na construção de um entendimento sobre o fenômeno que me propunha a investigar.

2. Delineando contornos, percursos e direções

2.1. O brincar e a arte: reflexos em Picasso

Em “ Escritores Criativos e Devaneio ” Freud (1908/1996) faz uma alusão entre a escrita criativa (que podemos estender também à atividade artística criativa) e a fantasia, sendo está relacionada ao ato de brincar da criança. Será que deveríamos procurar já na infância os primeiros traços de atividade imaginativa? A ocupação favorita e mais intensa da criança é o brinquedo ou os jogos. Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade. (...) A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real. (Freud, 1908/1996, p.79). Tomando isso como referência, entendemos que as brincadeiras infantis podem ser vistas, de modo geral, como defesas contra realidades com as quais o ego rudimentar da criança não consegue lidar totalmente. Entretanto, dependendo do contexto em que a criança esteja inserida as brincadeiras podem apresentar características tanto patológicas quanto saudáveis. A brincadeira pode ser, tanto uma tentativa estereotipada da criança elaborar conflitos psíquicos advindos de uma experiência traumática, quanto uma forma fluída de canalizar as pulsões que não encontram meios de serem satisfeitas na realidade.

9 Nesta perspectiva, do mesmo modo que o brincar a arte, de modo geral, também pode ser dividida em, pelo menos, dois grandes grupos. Um em que o artista busca por meio da projeção defender-se ou tentar elaborar os conflitos internos infantis que possua e que foram revividos por algum evento atual (esse grupo foi amplamente estudado por Freud, por exemplo, na Gradiva de Jensen, no Moisés de Michelangelo, em Leonardo e uma Lembrança de sua Infância, em Hamlet, Édipo, etc.). E outro, no qual a arte seja uma tentativa de controle da realidade, na qual por meio da criação de uma fantasia, o artista busca criar uma realidade diferente onde possa realizar seus desejos, de modo semelhante ao que acontece no processo do sonho. Acreditamos que a arte de Picasso seja um exemplo desse segundo tipo e, embora na Psicanálise haja poucas referências que permitam essa compreensão sobre a criação artística nas artes plásticas, a mesma fornece elementos suficientes para desenvolver tal linha de pensamento. Ainda em “ Escritores Criativos e Devaneio ” Freud argumenta que quando a criança cresce e para de brincar ela substitui o ato de vivenciar a fantasia pelo puro devaneio e que isto seria a base para o surgimento do escritor criativo. Tomando essa premissa como verdadeira, observamos que no tocante as artes plásticas (no caso, à pintura), ocorre algo ligeiramente diferente, mais próximo do que Freud (1906/1996) irá apresentar em “ Personagens Psicopáticos no Palco ”. O pintor (em especial um pintor que não esteja preso há um conflito neurótico), diferentemente do escritor não se defende de uma realidade pelo devaneio e, ao invés disso, nunca deixa de brincar. O pintar é uma atividade extremamente lúdica. Os pinceis, as telas, as tintas, os cheiros, as cores, as texturas, o sujar com a tinta as mãos, o corpo, a roupa, o chão, tudo remete a um universo lúdico da infância, a um estado anterior ao devaneio do escritor identificado por Freud que, embora também possa apresentar elementos lúdicos, se