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Função Jurisdicional do Estado, Notas de aula de Direito Processual Civil

O documento trata da função jurisdicional do Estado, que é a tarefa de garantir os direitos e liberdades fundamentais através do exercício da função jurisdicional. O texto aborda a separação de poderes, a organização judiciária, a composição não jurisdicional de conflitos e meios alternativos de resolução de litígios.

Tipologia: Notas de aula

2019

À venda por 10/11/2022

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Baixe Função Jurisdicional do Estado e outras Notas de aula em PDF para Direito Processual Civil, somente na Docsity! APONTAMENTOS 1. FUNÇÃO JURISDICIONAL 1.1 Notas introdutórias. Noção Ao Estado, por imposição constitucional, incumbe cumprir tarefas essenciais (art. 9º da CRP); como a tarefa de garantir os direitos e liberdades fundamentais (alínea b), através do exercício da função jurisdicional. O Estado reserva para si esta tarefa impondo um sistema de Justiça Pública. A prevalência da Justiça Pública sobre a Justiça Privada, assenta na constatação de que: (i) a força/poder não está necessariamente com quem tem razão; (ii) quando assim sucede, existe o risco de se cometerem excessos. Como decorre da Lei Fundamental, o cumprimento das diversas tarefas do Estado, não pode ficar a cargo de apenas um órgão de soberania. Assim resulta do princípio da separação e interdependência de poderes, inerente ao Estado de Direito (art. 2º CRP). A separação de poderes, manifesta-se, importa recordar: (i) No primado de competência legislativa da Assembleia da República - artigos 161.º, 164.º, 165.º e 169.º; (ii) Na exclusão de competência administrativa da mesma Assembleia; (iii) Na reserva de jurisdição dos tribunais (art. 202.º)” 1 Nesta unidade curricular vamos tratar matérias da maior importância referentes à função jurisdicional do Estado, intimamente ligada à tarefa essencial de garantir os direitos e liberdades fundamentais. A expressão “jurisdição” deriva das palavras “juris” e “dicere”. Ou seja, etimologicamente “jurisdição” significa “dizer o direito”. A função jurisdicional do Estado, traduz-se, fundamentalmente, no poder de aplicar o direito, de dizer o direito, de julgar ou, em síntese, de administrar a Justiça. 1 Assim Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, pág. 63 de soberania “colectivo ou múltiplo”. Cada tribunal constitui um órgão de soberania.5 O poder jurisdicional encontra-se separado dos demais poderes (legislativo, executivo) só podendo ser exercido pelos tribunais. Tribunais que – importa ter sempre presente – administram a justiça em “nome do povo” e, nessa medida, como sublinham os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, têm de agir representando e realizando os interesses de toda a comunidade 6 Por Organização Judiciária deverá assim entender-se o conjunto de órgãos aos quais compete administrar a Justiça, nos termos legalmente previstos, ou seja de exercer o poder jurisdicional de dizer e fazer e cumprir o Direito. O conjunto de normas jurídicas que regulam tais órgãos constitui o denominado Direito Judiciário, que integra: As normas que: - Determinam as categorias de tribunais existentes e o âmbito da competência de cada tribunal, considerando os diferentes critérios de repartição do poder jurisdicional. - Determinam o estatuto dos magistrados - Estabelecem o estatuto dos funcionários judiciais - Estabelecem uma parte importante do estatuto dos advogados e solicitadores - Fixam os princípios orientadores do exercício da função jurisdicional Cabe notar que para além dos tribunais que integram a organização judiciária do Estado, a Constituição admite, expressamente, a existência de tribunais arbitrais ( art. 209.º) que, não sendo órgãos estaduais exercem, igualmente, uma função jurisdicional. Ainda que se entenda (e bem) que os tribunais arbitrais não constituem verdadeiros órgãos de soberania, cabe reconhecer que os mesmos não podem deixar de ser qualificados como verdadeiros tribunais, bem que o “juiz-árbitro” desenvolve uma 5 Idem pág. 14 6 In Constituição 3ª ed. , pág 791. No mesmo sentido Jorge Miranda, Rui Medeiros in Constituição. Cit. pág. 14 função pela qual declara o direito, uma função jurisdicional. Como o Tribunal Constitucional já destacou não existe uma imposição constitucional no sentido de a jurisdictio dever ser necessariamente exercida pelos órgãos do Estado (Acórdão 52/92) O art. 202.º, atribui a exclusividade do exercício da função jurisdicional no âmbito dos órgãos de soberania aos tribunais, mas não exclui que outras entidades possam exercer uma função jurisdicional Aos tribunais enquanto órgãos de soberania pertence o monopólio do exercício do poder jurisdicional. Esta reserva de jurisdição, note-se, deve ser entendida como uma reserva estabelecida a favor dos juízes e não, igualmente, a outros agentes ainda que de intervenção essencial nos tribunais. 1.3 Composição não jurisdicional de conflitos e meios alternativos de resolução de litígios7 Importa agora ter presente o nº 4 da disposição constitucional que temos tido como pano de fundo. “ A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”. Atento o sentido atribuído à função jurisdicional, fácil é agora concluir que por “composição não jurisdicional” entendemos a resolução de conflitos fora do âmbito dos tribunais e sem o recurso a critérios de legalidade estrita. Enquanto a composição jurisdicional de direitos ou interesses conflituantes se caracteriza pela intervenção decisiva de um terceiro (heterocomposição) a quem são atribuídos poderes de autoridade, de imposição das soluções decorrentes do Direito, a composição não jurisdicional caracteriza-se, essencialmente, pela autocomposição. Como decorre do sentido literal da expressão, neste caso é às próprias partes que cabe 7 Sobre os meios de resolução alternativa de litígios importa ter presente o “ Curso de Resolução Alternativa de Litígios” e bibliografia recomendada, de Mariana França Gouveia, Almedina, 2012, 2 Ed. encontrar a solução do litígio, que não passa pela aplicação das soluções ou “receitas” configuras pelo legislador, pelo Direito. Importa não confundir a “composição não jurisdicional” com os designados “ meios alternativos de resolução de litígios”. A arbitragem é um importante meio alternativo de resolução de litígios, mas não deixa de ser uma forma de composição jurisdicional de conflitos.8 Na verdade se toda a composição não jurisdicional é um meio alternativo, nem todos os meios alternativos são “não jurisdicionais”. Os meios de resolução alternativa podem ser definidos como procedimentos complementares aos processos jurisdicionais que correm os seus termos nos tribunais integrados na Organização Judiciária do Estado em que as decisões a proferir se baseiam essencialmente em regras de legalidade estrita. Importa tomar nota que mesmo no âmbito dos processos jurisdicionais é possível (e quanto vezes desejável) o recurso a meios alternativos, designadamente à conciliação, bem que, as decisões a proferir podem assentar na equidade e não apenas em critérios de legalidade, como sucede nos processos de jurisdição voluntária. Partindo da definição mais comum dos “ meios de resolução alternativa de litígios” como “ conjunto de procedimentos de resolução de conflitos alternativos aos meios judiciais” Mariana França Gouveia, propõe que esta definição seja alargada “ a todos os meios de resolução de conflitos que sejam diferentes da decisão por julgamento em tribunal judicial”, de modo a abranger nestes meios a “conciliação judicial”, por constituir uma resposta alternativa “ ainda que em ambiente judicial”.9 Como meios alternativos de resolução de litígios, ou meios extrajudiciais, são normalmente apresentadas três formas de composição; (i) mediação, (ii) conciliação e (iii) arbitragem.10 8 Idem pág. 34. 9 Ob. cit. págs 15-16 10 A estes três meios, Maria na França Gouveia acrescenta a “ negociação” sustentando que deve ser autonomizada enquanto meio extrajudicial de resolução de conflitos sem intervenção de terceiro. Ob cit. pág. 19. A negociação é indiscutivelmente um importante via de resolução de litígios, mas entendemos que não se justifica a sua autonomização. Alternativa de Litígios do Ministério da Justiça. De acordo com o protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e diferentes entidades, que deu origem ao SML, podem ser objecto de mediação os litígios em que não estejam em causa direitos indisponíveis e que não resultem de acidente de trabalho. Também na área do Direito penal foi aprovada a mediação, pela Lei 21/2007, de 12 de Junho, aplicável a alguns crimes particulares ou semi-públicos, cuja pena não seja superior a 5 anos. Relativamente aos crimes semi-públicos existe limitação aos crimes contra as pessoas e contra o património. Questão importante que o desenvolvimento dos sistemas de mediação coloca é a que diz respeito aos efeitos da celebração pelas partes de uma convenção de mediação. Podendo as partes, no âmbito da sua autonomia privada, acordar o recurso à mediação importa ponderar quais as consequência do incumprimento. Com Mariana França Gouveia13 entendemos que as consequências do recurso a tribunal sem cumprimento da convenção de mediação, apenas se podem reconduzir à indemnização por eventuais danos. Ao contrário da preterição do tribunal arbitral que gera a falta de jurisdição do tribunal, o incumprimento da convenção de mediação, atento o direito positivo, “ apenas” pode ter consequência do foro obrigacional. Conforme estatui o nº 1 do artigo 249.º B do CPC, as partes podem requerer a homologação por um juiz do acordo decorrente da mediação. Desta homologação decorrerá a vantagem das partes ficarem munidas de um título executivo de natureza judicial (II) Conciliação A conciliação distingue-se da mediação na medida em que naquela intervém um terceiro (igualmente) imparcial, a quem cabe um papel mais activo. Ao conciliador cabe conduzir o processo, promovendo ou propondo as soluções a adoptar pelas partes para a resolução do litígio. 13 Ob, cit. págs 68-72 Na prática nem sempre será fácil distinguir a intervenção de um terceiro que se limita a mediar da intervenção de um terceiro que vai mais além propondo soluções, mas importa perceber as diferenças. A lei processual prevê a conciliação nos tribunais judiciais, como alternativa ao julgamento. Nos termos do artigo 509.º do CPC, no âmbito dos poderes de disposição das partes, em qualquer estado do processo, pode haver lugar a uma tentativa de conciliação. Conforme decorre do n.º 1, a tentativa pode ter lugar desde que as partes em conjunto o requeiram, ou sempre que o juiz a considere oportuna. A tentativa de conciliação ( n.º 3) “ … é presidida pelo juiz e terá em vista a solução de equidade mais adequada aos termos do litigio”. Na audiência final a tentativa de conciliação é mesmo configurada como uma diligência obrigatória. Com efeito, nos termos do art. 652.º, não havendo razões de adiamento, o juiz “ … procurará conciliar as partes, se a causa estiver no âmbito do seu poder de disposição.”. Diz-nos a experiência que a generalidades dos juízes não cumprem esta imposição legal. Com efeito, salvas raras exceções, os julgadores limitam-se a questionar os mandatários das partes sobre a possibilidade de um acordo. Compreendemos que assim suceda, por duas razões fundamentais. Por um lado, ao julgador não será fácil ter, antes da produção da prova, os elementos/informações que lhe permitam propor soluções equitativas, por outro, cabendo ao juiz o poder de decidir há o risco de a suas sugestões serem vistas, com ou sem razão, como pressão ou mesmo como o anúncio de uma pré-julgamento. No procedimento dos Julgados de Paz há igualmente lugar à tentativa de conciliação no início da audiência de julgamento ( art. 26.º n.º 1 da LJP). iii) Arbitragem Quanto à arbitragem, matéria a que adiante se desenvolverá a propósito da competência dos tribunais, importa agora sublinhar que a arbitragem voluntária é um meio privado de resolução de litígios caracterizado pelo facto de as partes poderem designar pessoas ( árbitros) que investem no poder de dirimir os seus conflitos, através da prolação de uma decisão vinculativa isto é de cumprimento obrigatório. Trata-se de um meio alternativo de resolução, na medida em que não ocorre nos tribunais que integram a orgânica judiciária, no entanto tem uma natureza jurisdicional,14 sempre que aos árbitros caiba decidir de acordo com o direito constituído. A arbitragem voluntária está hoje regulada na Lei 63/2011, de 11 de Dezembro ( LAV), que entrou em vigor em 14 de Março de 2012. A arbitragem institucionalizada encontra-se regulamentada no Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de Setembro, mantido em vigor pelo art.62 da LAV. 1.4 Princípios gerais da função jurisdicional e da organização dos tribunais. A Constituição, recorda-se, encontra-se sistematizada em 4 Partes: Na Parte I, encontramos os Direitos e Deveres Fundamentais; Na Parte II a Organização Económica; Na Parte III a Organização do Poder Político e na Parte IV as normas relativas à Garantia e Revisão da Constituição. No Título V da Parte III encontramos, nos artigos 202.º a 214.º, os preceitos que estabelecem os princípios gerais referentes à função jurisdicional e à organização dos Tribunais. 1.4.1 Quanto à Organização dos Tribunais: Categorias (de Tribunais) – artigo 209.º De existência obrigatória: a) Tribunal Constitucional 14 Mariana França Gouveia sublinha que a arbitragem sendo um meio de resolução alternativa tem uma natureza jurisdicional nos seus efeitos, na medida em que “ … a convenção arbitral gera um direito potestativo de constituição do tribunal arbitral e a consequente falta de jurisdição dos tribunais comuns, como também a decisão arbitral faz caso julgado e tem força executiva.”. Ob cit. pág 101 Esta independência só ocorre se no momento da decisão não interferirem sobre o julgador factores que não os judicialmente aptos a permitir uma solução legal e justa, se não intervierem factores externos à afirmação do Direito. Esta independência implica um conjunto de garantias e incompatibilidades que estão previstas no artigo 216.º da CRP. Importa considerar: - A inamovibilidade: Proibição de transferências, suspensões aposentações ou demissões fora dos casos expressamente previstos na lei (n.º art. 216.º) - As incompatibilidades. Enquanto se encontram no exercício das suas funções, os juízes não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada. Exceptuam-se funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, desde que não remuneradas e nos termos da lei. Vide, igualmente, artigos 6º e 13º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - Autonomia no exercício da jurisdição. Traduz-se na circunstância, muito importante, de a relação hierárquica existente não poder incidir sobre o acto de julgar (ii) Independência colectiva. Os juízes no seu conjunto, enquanto corporação, gozam de autonomia. Assim o impõe, desde logo, o n.º 1 do artigo 215.º da CRP “ Os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto.” (iii) Independência funcional. Os juízes no exercício da sua função, apenas devem obediência às diferentes fontes de direito Vide, a propósito, o art. 4º do EMJ. 1.4.2.2 Imparcialidade dos juízes A independência de cada juiz pressupõe a sua imparcialidade, a sua não submissão às partes aos interesses em litígio. Os juízes (sob pena de verdadeiramente o não serem) devem ser equidistantes relativamente às partes. Não podem ser parte nas questões que estão obrigados a decidir. Os juízes para além de, como é óbvio, não poderem ser sujeitos da relação processual, não podem ter determinadas ligações ou proximidade face às partes. É esta elementar exigência de imparcialidade que justifica: (i) O dever legal de os juízes se declararem impedidos de julgar nas situações expressamente indicadas na lei (vide artigos 122.º e segs do CPC, e art. 7º do EMJ) (ii) A faculdade de os juízes pedirem escusa ou dispensa, sempre que no seu entender, devidamente justificado, existam motivos susceptíveis de colocar em causa a sua imparcialidade. Arts 126.º e segs do CPC e art. 43.º do CPP (iii) O poder atribuído às partes de suscitarem incidentes de suspeição ( art. 127.º do CPC ) e recusa de Juiz ( art. 43.º CPP), ou de requerer a sua declaração de impedimento ( art. 123.º) No CPC regula-se um aspecto complementar da maior importância, que é, precisamente, a imparcialidade do juiz. Note-se, no entanto, que também é estabelecida a disciplina das garantias de imparcialidade dos magistrados do Ministério Público e dos funcionários judiciais. Com as referidas garantias de imparcialidade o que se procura é assegurar, relativamente ao juiz, a isenção e objectividade na condução do processo e na respectiva decisão. Pretende-se evitar que certas circunstâncias possam afectar num determinado caso aquela isenção e objectividade. As garantias de imparcialidade reúnem-se em duas espécies: Situações de impedimento e situações de suspeição. Impedimentos Tratam-se de situações que, de acordo com as regras da experiência, criam um elevado risco de parcialidade dos magistrados ou dos funcionários judiciais e, como tal, constituem os mesmos no dever de, por sua própria iniciativa, se absterem de intervir no processo. Há autores que consideram existir nestas situações uma presunção inilidível de parcialidade17. Cremos ser preferível acentuar a necessidade de se afastar o elevado risco de parcialidade, não é um dado adquirido que assim viesse necessariamente a ocorrer. No artigo 122.º, é feita uma enumeração taxativa dos casos de impedimento do juiz que importa ter em conta. São impedimentos objectivos, ou seja impedimentos que se fundam na relação entre o juiz e o objecto do processo, os previstos nas alíneas a), c), e) e h). São impedimentos subjectivos, ou seja impedimentos que se fundam nas relações do juiz com as partes ou mandatários, os referidos nas demais alíneas. Suspeições Correspondem a situações de menor gravidade ou risco que podem, em concreto, ser sentidas como sendo susceptíveis de colocar em causa a imparcialidade. A ocorrência de uma das referidas situações não obriga o juiz a abster-se de intervir na causa, como ocorre com os impedimentos, apenas lhe confere o direito de pedir dispensa dessa intervenção ( art. 126.º). É possível distinguir as situações, previstas no art. 127.º, que permitem quer ao juiz pedir, por sua própria iniciativa, a dispensa da sua intervenção, quer às partes opor a suspeição ao juiz; das situações, referidas na parte final do n.º 1 do art. 126.º, em que apenas o juiz pode tomar a iniciativa de pedir a dispensa da sua intervenção. Neste último caso (circunstâncias ponderosas) podem abranger-se situações que sejam uma extensão das causas tipificadas no art. 127. Será o caso da existência de uma inimizade grave ou de uma grande intimidade entre o juiz e o mandatário de uma das partes. 18 1.4.2.3 Irresponsabilidade dos juízes 17Assim, JOSÉ JOÁO BAPTISTA, Processo..., cit. Pág. 235. 18 Assim o salienta LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado pág 230. 217.º da CRP, por um órgão próprio, isto é pelo Conselho Superior da Magistratura. Quanto à matéria da responsabilidade pessoal dos juízes, vide Antunes Varela in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 130. Conferência proferida na Universidade Lusíada. 1.4.2.4 Obrigatoriedade de FUNDAMENTAÇÃO Artigo 205.º nº 1 da CRP “ As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Por decisão de mero expediente deve entender-se, nos termos do artigo 156.º n.º 4 do CPC, a decisão que não interfere no conflito de interesses em causa, destinando-se, apenas a assegurar o andamento regular do processo. Exemplo: Decisão que designa o dia de realização de uma diligência processual. O dever de fundamentação encontra-se em várias disposições da lei ordinária (art. 158º, 653.º 659.º, do CPC) que comina com a nulidade da decisão o seu incumprimento ( art. 668 CPC). O Professor J Gomes Canotilho sublinha, agrupando, três razões justificativas da obrigatoriedade de fundamentação: (i) Controlo da administração da justiça (ii) Exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes. (iii) Melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em juízo um recorte mais preciso rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas. À obrigatoriedade em causa está, igualmente, inerente a força persuasiva que as decisões devem ter. Aos juízes cabe desenvolver um esforço sério e rigoroso no sentido de demonstrarem o acerto e correcção das suas decisões. Uma decisão não fundamentada ou deficientemente fundamentada é, por natureza, uma decisão que convida à impugnação. As decisões judiciais não podem nem têm que ser Tratados sobre as matérias em causa, mas devem revelar com clareza o iter decisório.20 1.4.2.5 Obrigatoriedade das decisões. O caso julgado, seus limites. Eficácia e autoridade das decisões. As decisões dos tribunais, preceitua o n.º 2 do artigo 205.º da CRP, são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. Ou seja, todos devem respeitar a eficácia das decisões ( ainda que não estejam abrangidos por esses mesmos efeitos). 20 Com interesse pode ler-se o acórdão do STJ de 12.07.2007 , assim sumariado: “ I - A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 668.º, n.º 1, b), do CPC), só se verifica quando essa falta é absoluta, e não quando a fundamentação é apenas deficiente, medíocre ou não convincente.II - Não se verifica a mencionada nulidade, nem a ofensa do artigo 205.º da CRP, se os termos da decisão permitem às partes identificar as normas aplicadas e discutir, nomeadamente em sede de recurso, a bondade da decisão quanto à escolha das normas aplicáveis, à sua interpretação e ao sentido com que foram aplicadas – como sucede na sentença em que, para determinação do valor das retribuições devidas, se refere o “CCT aplicável”, identificado na petição inicial, cuja pertinência não foi impugnada. Relator Vasques Dinis in www.stj.pt Vide igualmente, a propósito de uma sentença criminal o recente acórdão do STJ de 3. 10.2007 assim sumariado: “ I- A fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. II- A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência…” Relator Henriques Gaspar. In www. stj. pt A obrigatoriedade e prevalência das decisões dos tribunais são inerentes ao princípio da independência. Se aos tribunais cabe o exercício do poder jurisdicional, todas as demais entidades estão necessariamente vinculadas às suas decisões. A possibilidade de qualquer entidade desrespeitar uma decisão, por não merecer a sua concordância, consubstanciaria, na prática, um desvio à exclusividade, inerente à independência. De pouco serviria apregoar a independência dos tribunais se as suas decisões não fossem vinculativas. Afirmar a obrigatoriedade das decisões não significa que as mesmas produzem erga omnes todos os seus efeitos A este propósito impõe-se ter presente o importante instituto do caso julgado e respectivos limites subjectivos21. O caso julgado pressupõe o trânsito em julgado e, como estatui o artigo 677.º do CPC, a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação. O caso julgado é pois uma realidade que decorre do trânsito em julgado. Mas o que é? A generalidade dos autores acentua que o caso julgado é um efeito da sentença, decorrente do trânsito em julgado. Não temos seguido tal entendimento, cremos que mais do que um efeito, o caso julgado é uma qualidade da sentença, que produz um efeito preclusivo.22 Importa distinguir: “Eficácia da sentença” da “eficácia do caso julgado”. Eficácia da sentença. 23 (i) Efeitos constitutivos. 21 A propósito, vide o nosso “ Limites Subjectivos do Caso Julgado e a Intervenção de Terceiros, Quid Iuris, 2010 22 Idem pág. 90 23 Idem pág. 74 A oponibilidade da sentença traduz uma qualidade da mesma, a suscptibilidade de a situação jurídica declarada prevalecer sobre outras situações. Existindo caso julgado ( o efeito preclusivo) opera a oponibilidade ( a prevalência). Autoridade da sentença É (também) uma qualidade da sentença que resulta do facto de ser um acto emanado de um órgão de soberania, que se traduz: Na obrigatoriedade da sua aceitação enquanto definição (acertamento) de uma situação jurídica vinculativa para os sujeitos abrangidos pela sua EFICÁCIA. Pois bem: Quando no artigo 205.º, n.º 2 da CRP, se estatui que as decisões são obrigatórias para todas as entidades, não se quer sublinhar que o caso julgado produz efeitos erga omnes, que o seu efeito preclusivo abrange todos as pessoas, que todos ficam impedidos de obter uma sentença que retire a eficácia de uma sentença anterior. Quanto a esta eficácia há que ter em conta o princípio da relatividade do caso julgado: A sentença só produz efeitos em relação às partes. O que decorre daquela disposição é que a autoridade da sentença é invocável erga omnes, que todos devem respeitar, acatar, as decisões dos tribunais enquanto definição de uma situação jurídica que produz os seus efeitos (constitutivos e declarativos) sobre determinadas pessoas. Voltando ao exemplo: “C” não poderá ignorar ou contestar que “A” foi reconhecido como proprietário face a “B”. “C” não fica impedido de obter uma sentença que o reconheça como proprietário. Opera a autoridade da sentença sem embargo de a mesma não constituir caso julgado face a C sem o mesmo lhe ser oponível. 1.4.2.6 Princípio da publicidade das audiências Art. 206.º: “ As audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento.” A administração da justiça deve ser efectuada em nome do povo, no interesse geral da colectividade e, como vimos, deve ser desenvolvida em condições de independência e imparcialidade. Se assim é, importa que as audiências realizadas em tribunal, sobretudo as audiências de julgamento sejam públicas, ou seja, susceptíveis de serem acompanhadas por todas as pessoas. É fundamental que os destinatários da administração acreditem e tenham confiança nos tribunais. Só assim se pode afastar o risco do recurso à Justiça Privada, à força de cada um. Este princípio assenta em duas razões fundamentais: (i) A necessária transparência da administração da justiça tendo em vista a confiança dos seus destinatários. (ii) Garantir a possibilidade de controlo de actos da maior relevância na administração da justiça. A publicidade das audiências não pode ser absoluta. O tribunal pode, fundadamente, restringir a publicidade das audiências como modo de salvaguardar a dignidade das pessoas e da moral pública, bem como para garantir o normal funcionamento os actos a praticar. O tribunal há-de necessariamente ponderar o conflito de interesses que nesta matéria se pode suscitar e decidir em conformidade.