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Jane Austen - Persuasão, Notas de estudo de Psicologia

Jane Austen

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 25/03/2012

iana-meireles-6
iana-meireles-6 🇧🇷

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PERSUASÃO
JANE AUSTEN
Título original: Persuasion
Tradução de Isabel Sequeira
Tradução portuguesa (C) de P. E. A.
Direitos reservados por
Publicações Europa-América, Lda.
Editor: Francisco Lyon de Castro
PUBLICAçõES EUROPA-AMéRICA, LDA.
Apartado 8 2726 MEM MARTINS CODEX
PORTUGAL
VOLUME I
Um
Sir Walter Elliot, do Solar de Kellynch, em
Somersetshire,
era um homem que, para se distrair, nunca pegava num livro,
com excepção dos Anais dos Baronetes; encontrava ele
ocupação
para as horas de ócio e consolação para as horas tristes;
sentia ele estimulados o respeito e a admiração, ao contemplar
o pouco que restava dos primeiros títulos nobiliárquicos; aí,
quaisquer sensações desagradáveis provocadas por assuntos de
natureza doméstica transformavam-se naturalmente em pena
e desdém. Quando acabava de folhear a quase interminável lista
de pares criados no último século - e aí, se todas as outras
páginasnão surtissem efeito, ele lia a sua própria história com um
interesse que nunca esmorecia-chegava à página em que o seu
volume favorito era sempre aberto:
®ELLIOT DO SOLAR DE KELLYNCh.
®Walter Elliot, nascido em 1 de Março de 1760, casado
em 15 de Julho de 1784, com Elizabeth, filha de James
Stevenson, de South Park, condado de Gloucester;
desta senhora (falecida em 1800) nasceram Elizabeth,
nascida a 1 de Junho de 1785; Anne, nascida a 9 de Agosto
de 1787; um filho nado-morto a 5 de Novembro de 1789;
Mary, nascida a 2 de Novembro de 1791.¯
Fora exactamente assim que o parágrafo saíra originalmente
da impressão; mas Sir Walter tinha-o beneficiado,
acrescentando
estas palavras, na informação sobre si próprio e a sua
família:
depois da data de nascimento de Mary - ®casada, em 16
de Dezembro de 1810, com Charles, filho e herdeiro de Charles
Musgrove, Esq. de Uppercross, condado de Somerset¯ - e
introduzindo, com maior exactidão, o dia do mês em que perdera a
mulher.
Depois, seguia-se a história da ascensão da antiga e respeitável
família, nos termos habituais; como viera para Cheshire, como era mencionada em
Dugdale - ocupando o cargo de xerife, representando a vila em três sessões
parlamentares sucessivas; manifestações de lealdade, o título de baronete, no
primeiro ano do reinado de Charles II, e todas as Marys e Elizabeths com
quem se tinham casado; formando, ao todo, duas belas páginass
duodecimal e concluindo com as armas e a divisa: ®Residência
principal, Kellynch Hall, no condado de Somerset¯, e de novo a
letra de Sir Walter no fim:
®Presumível herdeiro, William Walter Elliot, Esq., bisneto
do segundo Sir Walter.¯
A vaidade era o princípio e o fim do carácter de Sir Walter:
vaidade pela sua pessoa e posição. Ele tinha sido extraordinariamente
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PERSUASÃO

JANE AUSTEN

Título original: Persuasion Tradução de Isabel Sequeira Tradução portuguesa (C) de P. E. A. Direitos reservados por Publicações Europa-América, Lda. Editor: Francisco Lyon de Castro PUBLICAçõES EUROPA-AMéRICA, LDA. Apartado 8 2726 MEM MARTINS CODEX PORTUGAL VOLUME I Um Sir Walter Elliot, do Solar de Kellynch, em Somersetshire, era um homem que, para se distrair, nunca pegava num livro, com excepção dos Anais dos Baronetes; aí encontrava ele ocupação para as horas de ócio e consolação para as horas tristes; aí sentia ele estimulados o respeito e a admiração, ao contemplar o pouco que restava dos primeiros títulos nobiliárquicos; aí, quaisquer sensações desagradáveis provocadas por assuntos de natureza doméstica transformavam-se naturalmente em pena e desdém. Quando acabava de folhear a quase interminável lista

de pares criados no último século - e aí, se todas as outras

páginasnão surtissem efeito, ele lia a sua própria história com um interesse que nunca esmorecia-chegava à página em que o seu volume favorito era sempre aberto: ®ELLIOT DO SOLAR DE KELLYNCh. ®Walter Elliot, nascido em 1 de Março de 1760, casado em 15 de Julho de 1784, com Elizabeth, filha de James Stevenson, de South Park, condado de Gloucester; desta senhora (falecida em 1800) nasceram Elizabeth, nascida a 1 de Junho de 1785; Anne, nascida a 9 de Agosto de 1787; um filho nado-morto a 5 de Novembro de 1789; Mary, nascida a 2 de Novembro de 1791.¯ Fora exactamente assim que o parágrafo saíra originalmente da impressão; mas Sir Walter tinha-o beneficiado, acrescentando estas palavras, na informação sobre si próprio e a sua família: depois da data de nascimento de Mary - ®casada, em 16 de Dezembro de 1810, com Charles, filho e herdeiro de Charles Musgrove, Esq. de Uppercross, condado de Somerset¯ - e introduzindo, com maior exactidão, o dia do mês em que perdera a mulher. Depois, seguia-se a história da ascensão da antiga e respeitável família, nos termos habituais; como viera para Cheshire, como era mencionada em Dugdale - ocupando o cargo de xerife, representando a vila em três sessões parlamentares sucessivas; manifestações de lealdade, o título de baronete, no primeiro ano do reinado de Charles II, e todas as Marys e Elizabeths com quem se tinham casado; formando, ao todo, duas belas páginass duodecimal e concluindo com as armas e a divisa: ®Residência principal, Kellynch Hall, no condado de Somerset¯, e de novo a letra de Sir Walter no fim: ®Presumível herdeiro, William Walter Elliot, Esq., bisneto do segundo Sir Walter.¯ A vaidade era o princípio e o fim do carácter de Sir Walter: vaidade pela sua pessoa e posição. Ele tinha sido extraordinariamente

belo na sua juventude; e, aos 55 anos, ainda era um homem muito atraente. Poucas mulheres se preocupavam mais com o seu aspecto do que ele; nem o criado pessoal de um lorde que tivesse acabado de receber este título se sentiria tão satisfeito com o seu lugar na sociedade. Ele considerava a bênção da beleza inferior apenasà bênção de ser baronete; e Sir Walter Elliot, que possuía ambos os dons, era o objecto constante do seu mais caloroso respeito e admiração. Ele sentia gratidão pela sua elegância e posição social, pois certamente lhes devia o facto de ter arranjado uma mulher de carácter muito superior ao que o seu próprio carácter merecia. Lady Elliot tinha sido uma excelente mulher, sensata e dócil, cujo discernimento e conduta, se lhe for perdoada a paixoneta juvenil que fez dela Lady Elliot, nunca, depois disso, mereceram a menor censura. Durante dezassete anos, ela minimizara, escondera ou desculpara os defeitos dele e promovera a sua verdadeira respeitabilidade; e, embora ela própria não fosse a pessoa mais feliz do mundo, acabou por encontrar, nas suas obrigações, nos seus amigos e nas filhas, satisfação suficiente para que tivesse apego à vida e não se sentisse indiferente quando chegou a hora de os deixar. Três raparigas, as duas mais velhas com 16 e 14 anos, constituíam uma herança terrível para qualquer mãe deixar; ou, por outra, para confiar à autoridade e orientação de um pai presunçoso e tolo. Ela tinha, porém, uma amiga muito íntima, uma mulher sensata e digna que ela tinha convencido, com a sua grande amizade, a vir viver perto dela, na aldeia de Kellynch; e Lady Elliot confiava sobretudo na sua generosidade e nos seus bons conselhos para ajudar a manter os bons princípios e ensinamentos que ela transmitira empenhadamente às filhas. Esta amiga e Sir Walter não se casaram, ao contrário do que as suas relações poderiam levar a supor. Passados treze anos sobre a morte de Lady Elliot, ainda eram vizinhos e amigos íntimos; e ele continuava viúvo, e ela, vviúva. O facto de Lady Russell, uma mulher com maturidade de idade e de carácter e com uma situação económica extremamente boa, não pensar num segundo casamento, não necessita de qualquer justificação perante o público, o qual tende a ficar, absurdamente, mais descontente quando uma mulher volta a casar-se do que quando ela não se casa; mas o facto de Sir Walter continuar viúvo exige uma explicação. Faça-se saber, pois, que Sir Walter, como um bom pai (tendo sofrido uma ou duas desilusões com pretendentes muito pouco razoáveis), orgulhava-se de continuar solteiro por causa da sua querida filha. Por uma filha, a mais velha, ele teria desistido de qualquer coisa, o que não se sentira muito tentado a fazer. Elizabeth tinha, aos 16 anos, sucedido À mãe em direitos e importância, em tudo que era possível, e, sendo muito bonita e muito parecida com o pai, exercera sempre grande influência sobre ele; davam-se muito bem. As outras duas filhas tinham menor importância. Mary adquirira alguma notoriedade artificial ao tornar-se Sr.a Charles Musgrove; mas Anne, com uma elegância de espírito e doçura de carácter que lhe teriam granjeado a admiração de pessoas de discernimento,

empurrado para longe, desviando os olhos. Além disso, ela sofrera uma desilusão que aquele livro, especialmente a história da sua família, lhe fazia sempre recordar. O presumível herdeiro, o mesmo William Walter Elliot, Esq., cujos direitos tinham sido tão generosamente apoiados pelo pai, tinha-a desiludido. Desde menina, desde que soubera que, se não tivesse irmãos, ele seria o futuro baronete, que ela tencionava casar-se com ele; e o pai sempre quisera que ela o fizesse. Eles não o tinham conhecido em pequeno, mas, pouco depois da morte de Lady Elliot, Sir Walter esforçara-se por se aproximar dele e, embora os seus esforços não tivessem sido recebidos com calor, ele insistira em fazê-los, atribuindo a falta de entusiasmo à timidez da juventude; e, numa das viagens de Primavera a Londres, quando Elizabeth acabara de desabrochar, o Sr. Elliot fora-lhe forçosamente apresentado. Ele era, nessa altura, muito jovem e iniciara recentemente os seus estudos de Direito. Elizabeth achara-o extremamente simpático, e todos os planos a favor dele tinham sido reforçados. Ele fora convidado a ir ao Solar de Kellynch; falaram nele e esperaram-no o resto do ano, mas ele nunca apareceu. Na Primavera seguinte, encontraram-no de novo na cidade, acharam-no igualmente simpático, e foi mais uma vez encorajado, convidado e esperado e, novamente não apareceu; as notícias seguintes foram que ele se tinha casado. Em vez de agir de acordo com a linha traçada para o herdeiro da casa de Elliot, ele comprara a independência unindo-se a uma mulherárica, de nascimento inferior. Sir Walter ficara ofendido. Como chefe da família, ele achava que deveria ter sido consultado, especialmente depois de o ter acompanhado em público:

  • Porque nós devemos ter sido vistos juntos - comentou ele -, uma vez no Tattersal e duas vezes no trio da Casa dos Comuns
  • O seu desagrado foi manifestado, mas, aparentemente, pouca importância lhe foi atribuída. O Sr. Elliot não tentou apresentar quaisquer desculpas nem mostrou qualquer interesse em ser notado pela família; do mesmo modo, Sir Walter considerou que ele não merecia fazer parte dela; todas as relações entre eles tinham cessado. Ao fim de vários anos, esta embaraçosa história do Sr. Elliot ainda provocava raiva em Elizabeth, que tinha gostado do homem por ele próprio e ainda mais por ser o herdeiro do pai, cujo forte orgulho familiar via somente nele um partido adequado para a filha mais velha de Sir Walter Elliot. Não havia, de A a X, um baronete que os seus sentimentos reconhecessem tão

facilmente como seu igual. No entanto, ele tinha agido tão miseravelmente que, embora usasse actualmente (no Verão de 1814) uma fita de luto pela mulher, ela não punha a hipótese de ele merecer que voltasse a pensar nele. A vergonha do seu primeiro casamento talvez pudesse ser ultrapassada, pois não havia motivo para supor que o mesmo tivesse sido perpetuado através de quaisquer filhos, se ele não tivesse feito pior; mas ele fizera pior, conforme tinham sido informados pela habitual intromissão de amigos amáveis, e falara muito desrespeitosamente de todos eles, e com muito desdém do próprio sangue que lhe corria nas veias e do título que futuramente seria seu. Isto não podia ser perdoado. Estes eram os sentimentos e as sensações de Elizabeth Elliot; estas eram as preocupações que a incomodavam, a agitação que perturbava a monotonia, a elegância, a prosperidade e o vazio da cena da sua vida - estes eram os sentimentos que conferiam interesse a uma longa e rotineira residência numa pequena localidade, preenchendo o vazio que não podia ser ocupado comhábitos de serviço no estrangeiro nem com talentos ou feitos levados a cabo no país. Mas, agora, outra ocupação ou preocupação da mente começava a ser adicionada a estas. O pai estava a ficar aflito com falta de dinheiro. Ela sabia que, quando ele agora pegava no registo de baronetes, era para afastar do pensamento as pesadas contas dos comerciantes e as desagradáveis insinuações do Dr. Shepherd, seu procurador. O património Kellynch era bom, mas não igualava a concepção que Sir Walter fazia da magnificência exigida ao seu dono. Enquanto Lady Elliot fora viva, tinha havido método, moderação e economia, o que mantivera os gastos dentro dos seus rendimentos, mas, juntamente com ela, tinham morrido também todos esses bons princípios e, desde então, ele excedia-os constantemente. Não lhe tinha sido possível gastar menos; ele não tinha feito nada a não ser o que Sir Walter Elliot era obrigado a fazer; mas, embora não tivesse qualquer culpa, ele não só estava a endividar-se terrivelmente como ouvia esse facto referido com tanta frequência que se tornara inútil escondê-lo, mesmo parcialmente, da filha. Chegara a fazer algumas alusões a esse facto na Primavera anterior, na cidade; até tinha dito:

  • Será possível economizar? Ocorre-te algum artigo em que possamos poupar? E Elizabeth, justiça lhe seja feita, tinha, no primeiro ardor de alarme feminino, começado a pensar seriamente no que poderia ser feito e propusera duas linhas de economia: cortar pois algumas acções de caridade desnecessárias e não remodelar a sala de visitas; a essas medidas ela acrescentou mais tarde a feliz ideia

racional e coerente - tinha, porém, preconceitos no que dizia respeito à linhagem; atribuía grande valor à posição social e à importância, o que a tornava um pouco cega em relação aos defeitos dos que as possuíam. Ela própria, vviúva de um simples cavaleiro, atribuía à dignidade de baronete tudo o que ela merecia, e Sir Walter, além dos seus direitos como velho conhecido, como vizinho atencioso, senhorio amável, marido da sua querida amiga, o pai de Anne e das suas irmãs, era, no seu entendimento e devido às suas dificuldades actuais, merecedor de bastante simpatia e consideração, simplesmente devido ao facto de ser Sir Walter. Tinham de economizar; disso não havia qualquer dúvida. Mas ela queria muito que isso acontecesse com o mínimo de sofrimento para ele e para Elizabeth. Fez planos de economia, fez cálculos exactos e fez o que ninguém mais pensara fazer: consultou Anne, que nunca era considerada pelos outros como tendo um interesse no caso. Consultou-a e foi, até certo ponto, influenciada por ela ao traçar o esquema de poupança que foi, por fim, submetido a Sir Walter. Todas as correcções de Anne se situavam do lado da honestidade, em oposição À importância. Ela queria medidas mais vigorosas, uma reforma mais completa, um pagamento da dívida mais rápido, um maior tom de indiferença por tudo o que não fosse justiça e igualdade.

  • Se conseguirmos convencer o teu pai a fazer tudo isto
  • disse Lady Russell, passando os olhos pela folha de papel -, muito poderá ser feito. Se adoptar estas normas, dentro de sete anos estará livre de dívidas; e espero que possamos convencê-lo, a ele e a Elizabeth, de que Kellynch possui uma respeitabilidade própria que não será afectada por estas reduções; e que, por ele agir como um homem de princípios, a verdadeira dignidade de Sir Walter Elliot não ficará absolutamente nada diminuída aos olhos das pessoas sensatas. O que ele estará a fazer, de facto, se não o que muitas das nossas famílias jáfizeram... ou deveriam ter feito? O seu caso não é único; e é a singularidade que constitui a pior parte do nosso sofrimento, tal como sucede com a nossa conduta. Tenho grande esperança de que consigamos fazê-lo. Temos de ser severas e firmes... pois, afinal de contas, quem contrai dívidas tem de as pagar; e, embora os sentimentos de um cavalheiro e chefe de família como o teu pai mereçam o maior respeito, mais respeito merece ainda o bom nome de um homem honesto. Este era o princípio que Anne queria que o pai seguisse e que os amigos lhe aconselhassem. Ela considerava uma obrigação essencial pagar as dívidas aos credores com a maior rapidez

que as economias globais conseguissem levar a cabo, e achava que nenhum outro comportamento seria digno. Ela queria que isso fosse recomendado e considerado um dever. Ela atribuía grande valor à influência de Lady Russell e, quanto ao elevado grau de sacrifício que a sua própria consciência exigia, sabia que talvez fosse tão difícil convencê-los a efectuar uma reforma completa como meia reforma. O que ela conhecia do pai e de Elizabeth levavam-na a pensar que o sacrifício de um par de cavalos seria tão doloroso como o de dois, e assim por diante, ao longo de toda a lista das suaves reduções de Lady Russell. Pouco importa qual teria sido a reacção às exigências mais rígidas de Anne. As de Lady Russell não tiveram qualquer êxito

  • eram impossíveis, insuportáveis. ®Quê? Retirar todos os confortos da vida? Viagens, Londres, criados, cavalos, mesa... reduções e restrições em tudo. Deixar de viver sem sequer o decoro de um criado pessoal! Não, ele preferia abandonar imediatamente o Solar de Kellynch a permanecer em condições tão vergonhosas."
  • Abandonar Kellynch Hall. O Dr. Shepherd pegou-lhe imediatamente na palavra. Ele tinha um grande interesse na realidade das economias de Sir Walter e estava perfeitamente convencido de que estas não poderiam ser feitas sem uma mudança de residÊncia. Uma vez que a ideia tivera início exactamente no local que devia ditar o comportamento, ele não sentia qualquer escrúpulo, disse, em confessar que a sua opinião era exactamente essa. Não lhe parecia que Sir Walter pudesse alterar materialmente o seu estilo de vida numa casa em que tinha de manter um tal carácter de hospitalidade e dignidade tradicionais. Em qualquer outro local, Sir Walter poderia pensar e proceder como quisesse; e, qualquer que fosse o modo como ele dirigisse a sua casa, seria considerado um padrão de estilo de vida. Sir Walter iria abandonar Kellynch Hall; e, depois de mais alguns dias de dúvida e indecisão, a questão do local para onde ele iria ficou decidida, e o primeiro esboço desta importante alteração foi traçado. Havia três alternativas, Londres, Bath, ou outra casa no campo. Todos os desejos de Anne eram em favor desta última. A sua ambição era uma casa pequena na mesma região, onde ainda pudessem contar com a companhia de Lady Russell, estar perto de Mary e ter, por vezes, o prazer de ver o relvado e os bosques de Kellynch. Mas a sorte habitual de Anne estava atenta e destinara-lhe algo muito diferente dos seus desejos. Ela não gostava de Bath e achava que Bath não lhe fazia bemá- e iria viver em Bath.

facto de ele ter essa intenção; e ele só a alugaria se tal lhe fosse espontaneamente solicitado por um candidato excepcional, estipulando ele as condições, e como grande favor. Como surgem depressa razões para concordarmos com aquilo que nos agrada! Lady Russell tinha outra excelente razão para se sentir extremamente satisfeita por Sir Walter e a sua família irem sair da região. Elizabeth iniciara recentemente uma grande amizade que ela desejava ver interrompida. Era com uma filha do Dr. Shepherd que tinha regressado para casa do pai após um casamento infeliz, sobrecarregada com dois filhos. Era uma mulher jovem e inteligente, que compreendia a arte de agradar; a arte de agradar, pelo menos, no Solar de Kellynch; e que se insinuara tão bem junto da Menina Elliot, que jálá estivera hospedada mais de uma vez, apesar de todos os conselhos de Lady Russell, que considerava aquela amizade bastante despropositada. Na realidade, Lady Russell tinha muito pouca influência junto de Elizabeth, e parecia gostar dela, mais por querer do que por ela o merecer. Nunca recebera dela mais do que uma atenção superficial, nada para além de formalidades condescendentes, nunca tinha conseguido convencê-la a mudar de ideias. Sensível à injustiça e ao egoísmo dos preparativos que deixavam Anne de fora, ela tinha tentado, repetidas vezes, que Anne fosse incluída na visita a Londres, e, em muitas outras ocasiões, tentara dar a Elizabeth o benefício do seu melhor discernimento e experiência

  • mas sempre em vão. Elizabeth fazia como queria - e nunca se opusera tão decididamente a Lady Russell como na escolha da Sr.a Clay, afastando-se da companhia de uma irmã tão boa e manifestando afecto e confiança por uma mulher que deveria ser apenas objecto de delicadeza distante. Sob o ponto de vista da posição social, a Sr.a Clay era, na opinião de Lady Russell, muito inferior, e, quanto ao carácter, ela considerava-a uma companhia muito perigosa; e uma mudança que deixasse a Sr.a Clay para trás e colocasse ao alcance da Menina Elliot uma variedade de companhias mais adequadas constituía, portanto, um objectivo primordial. @Três
  • Peço autorização para observar, Sir Walterá- disse o Dr. Shepherd uma manhã no Solar de Kellynch, pousando o jornal -, que a conjuntura actual nos é muito favorável. A paz fará desembarcar os nossos oficiais da Marinha, ricos. Vão todos querer casa. Não podia haver melhor altura, Sir Walter, para escolher inquilinos, inquilinos muito responsáveis. Fizeram-se muitas fortunas respeitáveis durante a guerra. Se um almirante rico nos aparecesse, Sir Walter...
  • Ele seria um homem de sorte, Shepherdá- respondeu Sir Walterá-, É tudo o que eu tenho a dizer. Para ele, o Solar de Kellynch seria um prémio, o maior prémio de todos, por mais

prémios que ele tivesse recebido antes, hem, Shepherd. O Dr. Shepherdáriu-se do dito espirituoso, como sabia que devia fazer, depois acrescentou: -Atrevo-me a afirmar, Sir Walter, que, em questões de negócios, é bom lidar com os cavalheiros da Marinha. Sei alguma coisa sobre os seus métodos de tratar de negócios, e devo dizer que eles têm ideias muito liberais e são uns óptimos inquilinos. Assim, Sir Walter, o que eu gostaria de sugerir é que, em consequência da propagação de quaisquer rumores sobre as suas intenções... e devemos considerar isso uma possibilidade, pois sabemos como é difícil manter as acções e os desígnios de uma parte do mundo secretos da observação e da curiosidade da outra... a nobreza tem os seus inconvenientes; eu, John Shepherd, posso esconder todas questões de família porque ninguém vai achar que vale a pena perder tempo a observar-me. Mashá olhares fixos em Sir Walter Elliot a que talvez seja muito difícil escapar; e, assim, atrevo-me a dizer que não ficaria muito surpreendido se, mesmo com toda a nossa cautela, qualquer rumor sobre a verdade viesse a transpirar. Nesta suposição, como eu ia dizer, uma vez que haver , sem dúvida, pretendentes, eu penso que qualquer dos comandantes da Marinha abastados merecerá ser considerado; e peço autorização para acrescentar que, em qualquer altura, eu estaria aqui dentro de duas horas, para lhe poupar o trabalho de responder. Sir Walter limitou-se a acenar com a cabeça em sinal de concordância. Mas, pouco depois, levantando-se e começando a andar de um lado para o outro da sala, comentou, num tom sarcástico:

  • Suponho que muito poucos cavalheiros da Marinha não se sentiriam surpreendidos ao encontrarem-se numa casa desta natureza.
  • Sem dúvida, olhariam em volta e dariam graças à sua sorte
  • disse a Sr.a Clay, pois a Sr.a Clay estava presente; o pai tinha-a trazido consigo, uma vez que nada fazia tão bem à saúde da Sr.a Clay como um passeio até Kellynchá-, mas concordo absolutamente com o meu pai e também acho que um oficial de Marinha seria um óptimo inquilino. Eu já conheci muitos; e, além da sua liberalidade, eles são muito arrumados e cuidadosos! Estes seus valiosos quadros, Sir Walter, se decidisse deixá-los cá, estariam perfeitamente seguros. Tudo o que está dentro e à volta da casa seria extremamente bem cuidado! Os jardins e os bosques seriam tão bem tratados como são agora. Não tenha receio, Menina Elliot, de que o seu belo jardim seja negligenciado.
  • Quanto a isso - retorquiu friamente Sir Walterá-, supondo que me deixo convencer a alugar a minha casa, certamente ainda não tomei uma decisão sobre os privilégios que o aluguer acarretará. Não estou particularmente interessado em

a Lorde St. Ives, e a um certo almirante Baldwin, um personagem com o aspecto mais deplorável que se pode imaginar, com o rosto da cor do mogno, extremamente áspero e encarquilhado, todo ele cheio de sulcos e rugas, nove cabelos grisalhos num lado e apenas um pouco de pó no topo. ®Por amor de Deus, quem é aqueleávelho?¯, perguntei eu a um amigo que estava próximo... Sir Basil Morele... ®Velho!", exclamou Sir Basil, ®É o almirante Baldwin. Que idade pensas que ele tem?" ®Sessenta¯, disse eu, ®ou talvez sessenta e dois.¯ ®Quarenta¯, respondeu Sir Basil, ®quarenta, não mais.¯ Imaginem o meu espanto; não esquecerei facilmente o almirante Baldwin. Nunca vi um exemplo tão terrível do que uma vida passada no mar pode provocar; e, até certo ponto, passa-se o mesmo com todos eles; andam de um lado para o outro, expostos a todos os climas, a todas as intempéries, até se tornarem desagradáveis à vista. • uma pena que não apanhem uma pancada na cabeça antes de atingirem a idade do almirante Baldwin.

  • Sir Walterá- exclamou a Sr.a Clay -, isso é ser muito severo. Tenha um pouco de misericórdia pelos pobres homens. NÆo nascemos todos para ser belos. • certo que o mar não contribui para a beleza; os marinheiros envelhecem prematuramente. Tenho-o observado; eles perdem muito cedo o ar de juventude. Mas não acontece o mesmo em muitas outras profissões, talvez com a maior parte delas? Os soldados no serviço activo não têm melhor sorte; e mesmo nas profissões mais calmas há um esforço mental, se não físico, que raramente deixa o aspecto do homem sujeito apenas ao efeito natural do tempo. O advogado trabalha arduamente e preocupa-se; o médico tem de estar a pé a qualquer hora e tem de andar debaixo de todas as intempéries; e até o sacerdote - ela fez uma pausa por um momento para reflectir sobre o que poderia afectar o sacerdote -, e até o sacerdote, sabe, tem de entrar em quartos infectados e expor a sua saúde e o seu aspecto a todos os danos de um ambiente contaminado. De facto, há muito que estou convencida de que, embora todas as profissões sejam necessárias e honrosas, só os que não são obrigados a exercer nenhuma profissão, os que podem ter uma vida regular, no campo, escolhendo os seus próprios horários, fazendo o que querem e vivendo dos seus rendimentos, sem o tormento de tentarem conseguir mais, só eles conservam a bênção da saúde e do bom aspecto durante o máximo de tempo possível; não conheço nenhuma outra categoria de homens que não perca qualquer coisa da sua beleza quando deixam de ser jovens. Parecia que o Dr. Shepherd, na sua ansiedade de assegurar que Sir Walter aceitasse um oficial da Marinha como inquilino, tinha tido o dom da previsão; pois o primeiro pretendente à casa foi o almirante Croft, que ele conheceu pouco depois, ao assistir a uma sessão do Tribunal em Taunton; na realidade, ele

recebera uma informação sobre o almirante Croft de um correspondente de Londres. Segundo o relatório que se apressou a ir fazer a Kellynch, o almirante Croft era oriundo de Somersetshire e, tendo adquirido uma bela fortuna, desejava instalar-se na sua região: ele tinha vindo a Taunton ver alguns dos locais anunciados nos arredores, os quais, contudo, não lhe tinham agradado; ao ouvir acidentalmente - (era tal como ele dissera, comentou o Dr. Shepherd, os negócios de Sir Walter não podiam ser mantidos secretos)-, ao ouvir acidentalmente falar na possibilidade de o Solar de Kellynch vir a ser alugado e ao saber da sua (do Dr. Shepherd) ligação com o proprietário, apresentara-se a ele para fazer algumas perguntas práticas e tinha, durante uma longa conversa, expressado uma inclinação pelo local, tanto quanto pode sentir um homem que o conhecesse apenas pela descrição; e dera, na descrição pormenorizada de si próprio, todas as provas de viráser um bom inquilino, muito responsável.

  • E quem é o almirante Croft? - foi a pergunta fria e desconfiada de Sir Walter. O Dr. Shepherd respondeu que era de uma família nobre e mencionou uma localidade; e Anne, após a pequena pausa que se seguiu, acrescentou:
  • Ele é contra-almirante. Esteve na batalha de Trafalgar e, desde então, tem estado nas Índias Ocidentais; foi destacado para lá, creio, há vários anos.
  • Então, suponho - comentou Sir Walterá- que o rosto dele é tão avermelhado como os canhões e as capas das librés dos meus criados. O Dr. Shepherd apressou-se a assegurar-lhe que o almirante Croft era um homem bem-parecido, robusto e alegre, um pouco estragado pelo tempo, é certo, mas não muito; e um perfeito cavalheiro em todas as suas ideias e comportamentos - não deveria levantar o menor problema quanto às condições -, só queria uma casa confortável, e o mais depressa possível sabia que teria de pagar pelo conforto -, sabia a quanto podia ascender a renda de uma casa mobilada - não teria ficado surpreendido se Sr. Walter tivesse pedido mais -, tinha feito perguntas sobre os terrenos - certamente gostaria de caçar neles, mas não fazia grande questão -, disse que por vezes pegava numa espingarda, mas nunca matava - um verdadeiro cavalheiro. O Dr. Shepherd foi muito eloquente sobre o assunto, referindo toda a situação da família do almirante, o que o tornava particularmente atraente como inquilino. Era um homem casado e sem filhos; exactamente como seria desejá vel. Uma casa nunca era bem cuidada, observou o Dr. Shepherd, sem uma senhora; ele não sabia se a mobília não correria o mesmo perigo quando não existia uma senhora, como quando havia muitas crianças. Uma senhora, sem filhos, era a melhor forma de conservar o mobiliário em bom estado. Também tinha visto a Sr.a Croft, estava ela em Taunton com o almirante e mantivera-se presente durante quase todo o tempo em que tinham

considerasse extremamente afortunados por terem sido autorizados a alugá-la por uma renda elevadíssima, deixou-se convencer e permitiu que o Dr. Shepherd avançasse com o acordo, tendo-o autorizado a encontrar-se com o almirante Croft, que ainda estava em Taunton, e a marcar um dia para ele ver a casa. Sir Walter não era muito sensato, mas tinha a experiência do mundo suficiente para saber que não seria fácil encontrar um inquilino menos exigente, em todos os aspectos essenciais, do que o almirante Croft prometia ser. Até aí ele compreendia; e a posição do almirante, que era suficientemente elevada, mas não demasiado, servia de um pouco mais de consolação para a sua vaidade. ®Aluguei a minha casa ao almirante Croft¯ soaria extremamente bem; muito melhor do que um simples Sr.; um Sr. (excepto, talvez, uma meia dúzia no país) precisa sempre de uma explicação. Um almirante falava da sua própria importância e, ao mesmo tempo, não poderia fazer que um baronete parecesse insignificante a seu lado. Em todas as negociações e conversas, Sir Walter Elliot tinha de ter sempre a primazia. Nada podia ser feito sem a opinião de Elizabeth; mas ela estava com cada vez mais vontade de mudar de casa e ficou satisfeita por o assunto se poder resolver rapidamente graças a um inquilino que aparecera de repente; não pronunciou uma só palavra que suspendesse a decisão. O Dr. Shepherd recebeu plenos poderes para agir; e, assim que o assunto chegou ao fim, Anne, que fora a ouvinte mais atenta, saiu da sala para procurar o alívio do ar fresco para as suas faces coradas; e, enquanto passeava ao longo do seu bosque predilecto, disse, com um suave suspiro:

  • Daqui a alguns meses, ele talvez ande a passear por aqui. @Quatro Não era o Sr. Wentworth, o antigo cura de Monkford como as aparências poderiam levar a supor, mas sim um capitão Frederick Wentworth, seu irmão, que, tendo sido promovido a comandante em sequência de uma batalha ao largo de São Domingos e não tendo sido imediatamente destacado, viera para Somersetshire no Verão de 1806; e, como já não tinha os pais vivos hospedara-se, durante meio ano, em Monkford. Ele era, nessa altura, um jovem esplêndido, muito inteligente, activo e brilhante; e Anne era uma rapariga extremamente bonita, meiga, modesta e com bom gosto e bons sentimentos. Metade da atracção sentida por cada uma das partes teria bastado, pois ele não tinha nada que fazer e ela não tinha praticamente ninguém para amar, mas a confluˆncia de tão abundantes qualidades não podia falhar. Foram-se conhecendo gradualmente e, depois de se conhecerem, apaixonaram-se rápida e profundamente. Seria difícil dizer quem vira a maior perfeição no outro, ou qual deles se sentira mais feliz, se ela a receber as suas declarações e propostas, se ele ao vê-las serem aceites.

Seguiu-se um curto período de extasiante felicidade um período mesmo muito curto. Os problemas não tardaram em surgir. Sir Walter, ao ser-lhe feito o pedido, sem, na realidade negar a sua autorização nem dizer que nunca seria possível dá-la, manifestou o seu desacordo através de um enorme espanto, uma enorme frieza, um enorme silêncio e uma resolução declarada de não fazer nada pela filha. Ele achava que era uma união muito degradante; e Lady Russell, embora com um orgulho mais comedido e desculpável, considerava-a extremamente infeliz. Anne Elliot, com todas as vantagens que a classe, a beleza e a inteligência lhe conferiam, desperdiçar a vida aos 19 anos; envolver-se aos 19 anos num noivado com um jovem que não tinha algo a recomendá-lo a não ser ele próprio, e sem esperança de alguma vez serárico; pelo contrário, correndo o risco de uma profissão incerta, e sem ligações que garantissem a sua promoção naquela profisão, seria, de facto, um desperd¡cio em que lhe era doloroso pensar! Anne Elliot, tão jovem, conhecida de tão pouca gente, arrebatada por um desconhecido sem ligações nem fortuna; ou, melhor, mergulhada num estado da mais penosa e preocupante dependência que lhe destruiria a juventude! Isso não iria acontecer, se ela conseguisse evitá-lo, atrav‚s de uma interferência sincera de amizade e dos conselhos de alguém que tinha quase um amor e direitos de mãe. O capitão Wentworth não possuía fortuna. Tinha tido sorte na sua profissão, mas gastara com prodigalidade o que ganhara facilmente, não guardara nada. Mas estava confiante de que em breve seria rico - cheio de vida e de entusiasmo, ele sabia que em breve teria um barco e que em breve seria colocado num posto que o conduziria a tudo o que desejava. Sempre tivera sorte e sabia que continuaria a ter. Tal confiança, poderosa no seu entusiasmo e encantadora pelo modo como era expressa, deveria ter sido suficiente para Anne; mas Lady Russell via a situação de um modo diferente. O temperamento optimista dele e a sua ousadia de espírito funcionavam de um modo muito diferente nela. Ela via-os como uma intensificação do mal. Só tornavam o carácter dele ainda mais perigoso. Ele era brilhante, obstinado. Lady Russell gostava pouco de ditos espirituosos e, para ela, tudo o que se aproximasse da imprudˆncia era um horror. Ela censurava a união sob todos os pontos de vista. Estes sentimentos produziram uma oposição que Anne não conseguiu combater. Jovem e meiga como era, talvez lhe fosse possível suportar a má vontade do pai, talvez conseguisse mesmo passar sem uma palavra ou olhar amável por parte da irmã - mas Lady Russell, que ela sempre tinha amado e em quem sempre confiara, não podia, com opiniões tão firmes e modos tão suaves, aconselhá-la repetidamente em vão. Ela foi levada a acreditar que o noivado era um erro - imprudente, inadequado,

comportamento de Anne, pois o assunto nunca era referido - mas Anne, aos 27 anos, pensava de um modo muito diferente de como fora levada pensar aos 19. Não culpava Lady Russell, não se culpava a si própria por ter seguido os seus conselhos; mas achava que, se uma jovem, em circunstâncias semelhantes, lhe viesse pedir conselhos, estes não lhe provocariam tamanho sofrimento imediato, com vista a um futuro feliz incerto. Estava convencida de que, embora tivesse sofrido todos os inconvenientes da censura em casa e toda a ansiedade própria da carreira dele, todos os prováveis receios, demoras e desilusões, teria sido mais feliz se tivesse mantido o noivado do que fora, sacrificando-o; e isto, acreditava ela, mesmo que eles tivessem sofrido a quantidade habitual, mais do que a quantidade habitual de preocupações e ansiedades, e sem ter em conta o resultado real do caso dele, o qual, afinal, acabara em prosperidade, mais cedo do que seria razoável esperar. As suas entusiásticas expectativas, toda a sua confiança tinham sido justificadas. O seu talento e entusiasmo pareceram prever e abrir o caminho da prosperidade. Ele tinha, pouco depois do fim do noivado, sido colocado; e tudo o que ele lhe dissera que iria suceder aconteceu. Ele tinha-se distinguido e fora promovido - e agora, devido a aprisionamentos sucessivos, já devia ter uma bela fortuna. Ela só podia basear-se em registos da Marinha e nos jornais, mas não duvidava de que ele fosse rico

  • e, quanto à sua constância, ela não tinha motivos para supor que ele se tivesse casado. Como Anne Elliot podia ter sido eloquente - como, pelo menos, os seus desejos eram eloquentes a favor de uma ligação afectuosa precoce e uma alegre confiança no futuro, em oposição Àquela cautela demasiado ansiosa que parece insultar o esforço e não confiar na Providência! Ela fora forçada a ser prudente na juventude e, à medida que envelhecia, ia aprendendo o que era o romance - a sequência natural de um início nada natural. Com todas estas circunstâncias, recordações e sentimentos, ela não conseguia ouvir dizer que era provável que a irmã do comandante Wentworth viesse viver em Kellynch sem que a dor antiga se reavivasse; e foram necessários muitos passeios e muitos suspiros para acalmar a agitação provocada pela ideia. Ela disse muitas vezes a si própria que era uma loucura, antes de ter conseguido dominar os nervos o suficiente para conseguir ouvir calmamente a contínua discussão sobre os Croft e os seus negócios. Foi auxiliada, porém, pela completa indiferença e aparente desinteresse das únicas três pessoas do seu círculo de amigos que conheciam o segredo do passado, que quase pareciam negar qualquer recordação do episódio. Ela reconhecia a superioridade dos motivos de Lady Russell em relação aos do pai

e de Elizabeth; respeitava os seus sentimentos e a sua serenidade

  • mas, qualquer que fosse a sua origem, o ambiente geral de esquecimento era muito importante; e, no caso de o almirante Croft alugar realmente o Solar de Kellynch, ela regozijava-se com a convicção, por que sempre se sentira grata, de que o passado só era conhecido dessas três pessoas das suas relações, que ela sabia que nunca diriam uma palavra, e com a suposição de que, entre as dele, só o irmão com quem ele morava soubera alguma coisa sobre o seu curto noivado. Aquele irmão há muito tinha saído da região - e, sendo um homem sensato e, além disso, solteiro na altura, ela estava segura de que ele não tinha contado a ninguém. A irmã, a Sr.a Croft, estivera fora de Inglaterra, a acompanhar o marido num posto no estrangeiro, e sua própria irmã Mary, estava no colégio quando tudo acontecera, e o orgulho de uns e a delicadeza de outros nunca tinham permitido que ela viesse a saber alguma coisa depois. Com estes apoios, ela esperava que as relações entre ela e os Croft, que certamente iriam ter lugar, uma vez que Lady Russell ainda vivia em Kellynch e Mary estava apenas a três milhas de distância, não acarretassem quaisquer embaraços. @Cinco Na manhã marcada para a visita do almirante e da Sr.a Croft ao Solar de Kellynch, Anne achou muito natural dar o seu passeio diário até À casa de Lady Russell e manter-se longe até a visita ser dada por terminada; depois, achou muito natural ter pena de ter perdido a oportunidade de os conhecer. O encontro das duas partes interessadas foi altamente satisfatório, e o assunto ficou imediatamente decidido. Ambas as senhoras estavam, à partida, interessadas num acordo, e só viram boas maneiras uma na outra; e, quanto aos cavalheiros houve uma tão grande cordialidade, uma generosidade tão confiante por parte do almirante, que Sir Walter não pôde deixar de se sentir influenciado; além disso, a garantia do Dr. Shepherd de que fora informado por terceiros de que o almirante era um modelo da boa educação tinha-o lisonjeado e suscitado nele o seu melhor e mais bem educado comportamento. A casa, os terrenos e a mobília foram aprovados, os Croft foram aprovados, condições, prazos, tudo e toda a gente, estavam correctos; e os empregados do Dr. Shepherd começaram a trabalhar, sem lhes ter sido dada a indicação preliminar de que era possível que tivessem de alterar qualquer cláusula da escritura. Sir Walter, sem hesitação, disse que o almirante era o marinheiro mais bem-parecido que já conhecera e chegou mesmo a afirmar que, se ele tivesse sido penteado pelo seu próprio criado, não teria vergonha de ser visto com ele em qualquer lugar; e o almirante, com amável cordialidade, comentou para a mulher, ao regressarem pelo parque:
  • Sempre achei que iríamos chegar a acordo, minha querida, apesar do que nos disseram em Taunton. O baronete nunca irá descobrir a pólvora, mas não parece ser má pessoa. - Elogios recíprocos, que poderiam ser considerados equivalentes. Os Croft deveriam tomar posse do Solar de Kellynch no dia de São Miguel, e, uma vez que Sir Walter pretendia mudar-se para Bath durante o mês anterior, não havia tempo a perder para