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Guias e Dicas
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Julio Cesar, Notas de estudo de Farmácia

JÚLIO CÉSAR William Shakespeare

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 29/06/2011

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anderson-rafael-rentz-3 🇧🇷

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JÚLIO CÉSAR
William Shakespeare
ÍNDICE
ATO I
Cena I
Cena II
Cena III
ATO II
Cena I
Cena II
Cena III
Cena IV
ATO III
Júlio César
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JÚLIO CÉSAR

William Shakespeare

ÍNDICE

ATO I

Cena I

Cena II

Cena III

ATO II

Cena I

Cena II

Cena III

Cena IV

ATO III

Cena I

Cena II

Cena III

ATO IV

Cena I

Cena II

Cena III

ATO V

Cena I

Cena II

Cena III

Cena IV

Cena V

Personagens

JÚLIO CÉSAR,

OTÁVIO CÉSÀR, Triúnviro depois da morte de Júlio César, MARCO ANTÔNIO, Triúnviro depois da morte de Júlio César, M. EMÍLIO LÉPIDO,Triúnviro depois da morte de Júlio César, CICERO,Senador, PÚBLIO, Senador, POPÍLIO LENA, Senador, MARCO BRUTO, Conspirador contra Júlio César, CÁSSIO,Conspirador contra Júlio César, CASCA,Conspirador contra Júlio César, TREBÔNIO, Conspirador contra Júlio César, LIGÁRIO, Conspirador contra Júlio César, DÉCIO BRUTO, Conspirador contra Júlio César, METELO CÍMBER, Conspirador contra Júlio César,

gente fina que ande sobre couro de boi, que não pise em trabalho feito por estas mãos.

FLÁVIO - Mas por que hoje saíste da oficina? Por que andas pelas ruas com estes homens?

SEGUNDO CIDADÃO - Para falar franco, senhor, é para que eles gastem os sapatos e eu venha a obter mais trabalho. Mas a verdade, senhor, é que fizemos feriado para ver César e nos regozijarmos com o seu triunfo.

MÀRULO - Por que regozijar? Qual foi a grande conquista que ele fez? Que tributários o acompanham a Roma, para as rodas enfeitar-lhe do carro com seus liames do cativeiro? Não passais de troncos e de pedras; sois piores do que as coisas insensíveis. Corações duros, todos! Romanos cruéis, já não vos lembra o nome de Pompeu? Quantas vezes não trepastes pelos muros e ameias e nas torres ficastes e janelas e até mesmo no alto das chaminés, com vossos filhos nos braços e, pacientes, esperastes o dia todo, só para poderdes ver o grande Pompeu, quando passasse pelas ruas de Roma? E quando o carro dele víeis, embora só de longe, vivas não dáveis, com ardor tamanho que no seu leito o Tibre estremecia ao estrondo que os ecos espalhavam por suas margens côncavas? E ora vestis vossas melhores roupas e inventais um feriado? Espalhais flores à passagem de quem marcha em triunfo no sangue de Pompeu? Fora daqui! Recolhei-vos a casa, ajoelhai-vos e aos deuses suplicai que a peste afastem que tanta ingratidão torna iminente.

FLÁVIO - Ide, bons cidadãos; por esta falta reuni os coitados como vós, e às margens do Tibre os conduzi, para chorar-lhe no leito, até que as ondas mais humildes os mais altos barrancos beijar possam. (Saem os cidadãos.) Vede se não se derreteu o baixo metal de que são feitos. Retiraram-se com a língua atada pela própria culpa. Tomai a direção do Capitólio, que eu sigo por aqui. Despojai todas as estátuas que achardes enfeitadas.

MARULO - Poderemos fazê-lo? Deveis estar lembado de que o dia hoje é das Lupercais.

FLÁVIO - Ora! Que importa? Não deixeis que os troféus de César pendam de estátua alguma. Vou correr as ruas e espalhar o povinho. A mesma coisa fareis vós, onde os virdes aos magotes. Essas penas nascentes, arrancadas à asa de César, vão cercear-lhe o vôo, só o deixando elevar-se a um plano médio. Caso contrário, pairaria longe da mirada dos homens, conservando-nos atados ao temor servil e baixo. (Saem.)

Cena II

O mesmo. Uma praça pública. Entram, em procissão com música César, Antônio preparando para a corrida, Calpúrnia, Pórcia, Décio, Cícero, Bruto, Cássio e Casca, seguidos de grande multidão, na qual se acha um adivinho.

CÉSAR - Calpúrnia!

CASCA - Olá! Silêncio! César fala! ( Pára a música.)

CÉSAR - Calpúrnia!

CALPÚRNIA - Aqui, senhor!

CÉSAR - Fica no ponto por onde Antônio há de passar correndo. Antônio!

ANTÓNIO - César, meu senhor!

CÉSAR - Antônio, não vos esqueça, quando aqui passardes, de tocar em Calpúrnia. Já diziam nossos maiores que a mulher estéril, de sua maldição se via livre, quando tocada neste santo curso.

ANTÔNIO - Não hei de me esquecer. Sempre que César diz: Faze isto! já está feito.

CÉSAR - Começai, sem que rito algum se omita. (Música.)

ADIVINHO - César!

CÉSAR - Eh! Quem me chama?

CASCA - Silêncio, novamente! Pare tudo! (Pára a música.)

CÉSAR - Quem dentre a multidão disse meu nome? Ouvi uma voz, mais alta do que a música, bradar por César. Fala; César se acha disposto para ouvir-te.

ADIVINHO - Tem cuidado com os idos de março!

CÉSAR - Que homem é esse?

BRUTO - Um adivinho; manda acautelardes-vos com os idos de março.

CÉSAR - Pois trazei-mo; quero ver-lhe as feições.

CÁSSIO - Amigo, avança; sai do meio da turba; vem ver César.

CÉSAR - Que me dizes agora? Outra vez fala.

Adivinho - É dos idos de março. Tem cuidado!

CÉSAR - É um sonhador. Deixemo-lo. Sigamos! (Fanfarra. Saem todos, menos Bruto e Cássio.)

CÁSSIO - Não ides ver a ordem da corrida?

BRUTO - Não.

CÁSSIO - Ide, peço-vos.

BRUTO - Não sou jovial; careço desse espírito vivaz que há em Antônio. Mas não quero servir-vos de empecilho nesse ponto. Vou deixar-vos.

CÁSSIO - Bruto, há algum tempo vos observo e noto que no olhar já não tendes a brandura, aquelas mostras de amizade que antes eu costumava achar. Usais de modos por demais esquisitos, muito duros com respeito a um amigo que vos ama.

BRUTO - Meu caro Cássio, não vos iludais; se o olhar tenho velado, é apenas contra mim mesmo que dirijo meu desgosto. Paixões de diferente natureza me afligem de algum tempo, pensamentos que

criatura que precisa curvar-se, quando César com enfado lhe faz um gesto vago. Na Espanha apanhou febre; e, quando o acesso lhe vinha, notei bem como tremia. Sim, esse deus tremia; seus covardes lábios ficaram pálidos, e os mesmos olhos que ao mundo todo inspiram medo o brilho a perder vieram. Muitas vezes o ouvi gemer. Sim, essa mesma língua que os romanos deixava estupefactos, levando-os a guardar os seus discursos, ah! gritava tal qual donzela doente: "Água, Titínio! Dá-me um pouco de água!" Muito me espanta, ó deuses! ver que um homem de uma constituição assim tão fraca tenha passado à frente neste mundo majestoso e, sozinho, obtido a palma. (Fanfarras e aclamações)

BRUTO - Aclamações de novo. Esses aplausos devem significar que novas honras vão sendo acumuladas sobre César.

CÁSSIO - Ele cavalga, amigo, o mundo estreito como um outro Colosso, enquanto os homens pequeninos lhe andamos por debaixo das pernas gigantescas e espreitamos por toda parte, a fim de ver se túmulos desonrados achamos. Há momentos em que os homens são donos de seus fados. Não é dos astros, caro Bruto, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos. Bruto e César! Que pode haver nessa palavra "César", para soar melhor que vosso nome? Escrevei-os a par; tão belo é o vosso como o dele, não menos. Pronunciai-os: tanto um como outro assenta bem na boca. Pesai-os; quilibram-se. Valei-vos deles para esconjuros; é certeza que "Bruto" fará vir qualquer espírito com a mesma rapidez que o fará "César". Em nome, pois, dos deuses em conjunto, dizei-me de que pratos nosso César se alimentou para ficar tão grande? Tempo, estás conspurcado! Já perdeste, Roma a semente de teu sangue nobre! Que idade, das inúmeras passadas desde o grande dilúvio, ficou célebre por um homem somente? Quem já disse, ao referir-se a Roma, que seus murros uma pessoa, apenas, abarcavam? Roma aí está, sendo realmente grande, se dentro dela só houver um homem. Oh! Ambos nós de nossos pais ouvimos que outro Bruto já houve, que aceitara com igual disposição em Roma a corte postar o diabo ou um rei.

BRUTO - Que me tendes amor, não ponho dúvida; o que esperais de mim, quase o adivinho; o que sobre isso penso e de nossa época, mais tarde vos direi. Mas por enquanto, se como amigo franco falar posso, desejaria que não insistísseis comigo. Vou pensar no que dissestes; com paciência ouvirei o que ainda tendes a me dizer, e ocasião propícia hei de encontrar para trocarmos nossas impressões sobre assunto de tal monta. Até então ruminai, prezado amigo, nestas palavras: Bruto preferira ser um aldeão a se contar no número dos filhos da alta Roma sob as duras condições que estes tempos nos ameaçam.

CÁSSIO - Alegro-me, por ver que minhas fracas palavras conseguiram tantas chispas fazer saltar de Bruto.

BRUTO - Terminaram os jogos; não demora, César volta.

CÁSSIO - Quando por nós passarem, puxai casca pela manga, que em seu falar azedo nos contará o que houve de importante. (Entra César com seu séqaito.)

BRUTO - Farei dessa maneira. Porém Cássio, observai como brilha no semblante de César o sinal de grande cólera, e como os outros todos têm o aspecto de criados repreendidos. Muito pálida está Calpúrnia, e lança olhares Cícero de furão, tão ardentes como quando no Capitólio o vemos, ao sentir-se contraditado pelos senadores.

CÁSSIO - Casca nos contará o que há de novo.

CÉSAR - Antônio!

ANTÓNIO - César!

CÉSAR - Ao meu lado só quero gente gorda, pessoas de cabelos luzidios, que durmam toda a noite. Àquele Cássio é seco por demais; inculca fome, pensa muito. É indivíduo perigoso.

ANTÔNIO - Não tenhas medo dele; não é homem perigoso, senão romano nobre e bem intencionado.

CÉSAR - Desejara que não fosse tão magro. Pouco importa! Não o temo. Contudo, se meu nome comportasse algum medo, não conheço ninguém a que evitar eu procurasse como esse magro Cássio, que lê muito. É um grande observador e possui vista que devassa as razões dos nosso atos; não aprecia o teatro, como o fazes, Antônio, nem se apraz em ouvir música. Raramente sorri, e de tal modo sempre o faz, que parece estar zombando de si mesmo, por ter-se comovido a ponto de sorrir por qualquer coisa. Indivíduos assim nunca se sentem bem ao lado de alguém maior do que eles, sendo por isso muito perigosos. Digo-te antes o que é para temer-se, Não o que temo, pois sou sempre César. Põe-te à minha direita, pois não ouço bem deste ouvido, e dize-me o que pensas a seu respeito, usando de franqueza. (Clarins. Sai César com seu séqüito; Casca fica para trás.)

CASCA - Puxastes o meu manto; tendes algo para falar comigo?

BRUTO - Tenho, Casca. Contai-me o que passou, para que César ficasse de ar severo.

CASCA - Ora, estivestes junto dele, pois não?

BRUTO - Se tal se houvesse dado, por que eu teria feito a Casca semelhante pergunta?

CASCA - Ora, ofereceram-lhe uma coroa, e no ato de lha ofertarem ele a repeliu com o dorso da mão, deste jeito. Então o povo prorrompeu em aclamações.

BRUTO - E qual foi a causa da segunda gritaria?

CASCA - Ora, a mesma coisa.

CÁSSIO - Houve três aclamações. A última, por que foi?

CASCA - Ora, a mesma coisa.

BRUTO - Ofereceram-lhe três vezes a coroa?

CASCA - Sim, por minha fé, e ele a repeliu três vezes, cada uma com gesto mais brando; e de cada vez que a afastou de si, os meus honestos vizinhos prorrompiam em aclamações.

CÁSSIO - Quem lhe ofereceu a coroa?

CASCA - Antônio.

BRUTo - Amável Casca, conta-nos como isso se passou.

CASCA - Posso deixar-me enforcar tão bem como dizer a maneira por que isso se deu. Pura palhaçada; não prestei a menor atenção. Vi Marco Antônio oferecer-lhe uma coroa, não uma coroa de verdade, mas uma espécie de diadema. E, como já disse, ele a afastou de si uma vez; mas no meu modo de ver, apesar de tudo ele desejaria ficar com ela. Depois Antônio lha ofereceu de novo, tendo-a ele recusado mais uma

CÁSSIO - Muito bem; então espero-vos.

CASCA - Podeis esperar. Passai bem. (Sai.)

BRUTO - Como ficou grosseiro este sujeito! No tempo de colégio era mui vivo.

CÁSSIO - Apesar de assumir essa aparência, ainda não mudou, quando se trata de executar algo de ousado ou nobre. Nele a rudeza é apenas o tempero de espírito sadio, que o apetiteaos homens abre, porque facilmente digerir possam todos seus discursos. BRUTO - É isso mesmo. Por ora, vou deixar-vos. Vou procurar-vos amanhã, no caso de quererdes falar-me, ou, se o quiserdes, vinde até aqui, que por vós espero.

CÁSSIO- Prefiro ir. Até lá, pensai no mundo. (Sai Bruto.)

Muito bem Bruto; és nobre. No entretanto, percebo que o ouro honrado de que és feito pode ser alterado. Desse modo, seria conveniente que os espíritos nobres só convivessem com seus pares; pois quem será tão firme que não possa ser reduzido? César me tem ódio, mas ama a Bruto. Se ora eu fosse Bruto, sendo ele Cássio, César não viria condescender comigo. Vou jogar-lhe na janela, hoje à noite, alguns bilhetes de letra diferente, para que ele pense que são diversos os autores que acordam no exalar o alto conceito que dele Roma faz. De modo vago, mencionada será a ambição de César. Que César se acautele depois disso, pois vai conosco ter muito serviço. (Sai.)

Cena III

O mesmo. Uma rua. Trovões e relâmpagos. Por lados diferentes entram Casca, de espada em punho, e Cícero.

CÍCERO - Boa Noite, Casca. Acompanhastes César? Por que estais alterado e assim sem fôlego?

CASCA - Não ficais comovido, quando tremem os pilares da terra, como coisa sem resistência? Ó Cícero! Já tenho presenciado borrascas em que os ventos ralhadores fendiam os nodosos carvalhos, e já vi o oceano altivo, cheio de espuma e raiva, intumescer-se como se desejasse ir até às nuvens ameaçadoras. Mas até hoje à noite, até agora, jamais atravessei borrasca que chovesse apenas fogo. Ou há guerra civil no firmamento, ou este mundo, insolente em demasia com relação aos deuses, os incita a enviar-nos destruição.

CÍCERO - Já presenciastes nada mais espantoso?

CASCA - Um vil escravo - conhecei-lo de vista - levantou a mão esquerda que queimava e ardia tal como vinte tochas. No entretanto, a mão, sem perceber o ardor do figo, permanecia intacta. Além de tudo

  • desde esse instante não guardei a espada - encontrei um leão no Capitólio que em mim o olhar fixou e, sem tocar-me, prosseguiu, a rosnar, o seu caminho. Uma centena de mulheres pálidas num grupo se apinhavam mais adiante, transtornadas de medo, e que juravam ter visto homens de fogo pelas ruas. E ontem de dia o pássaro da noite desceu até ao mercado, enchendo os ares de pios e gemidos. Sempre que esses prodígios a tal ponto se congregam, não me venham dizer: "Têm suas causas, são fatos naturais!" pois estou certo de que são coisas de funesto agouro para a região desta arte assinalada.

CÍCERO - Nossa época é realmente muito estranha. Mas os homens os fatos interpretam conforme bem entendem, sem dar crédito aos fins dos próprios fatos. Virá César ao Capitólio?

CASCA - Vem, depois disse a Antônio que vos participasse isso amanhã.

CÍCERO - Então, boa noite, Casca; não devemos sair à rua com um tempo destes.

CASCA - Boa noite, Cícero. (Sai Cícero.) (Entra Cássio.)

CÁSSIO - Quem está ai?

CASCA - Um romano.

CÁSSIO -Se a voz é dele, é Casca.

CASCA - Ótimo ouvido, Cássio. Mas que noite!

CÁSSIO - Noite agradável para gente honesta.

CASCA - Quem ameaças do céu já viu desta arte?

CÁSSIO - Os que a terra conhecem por faltosa. Por minha parte, atravessei as ruas

expondo-me aos perigos desta noite, e assim, desabotoado, como vedes, o peito ofereci ao duro raio. E quando parecia que o relâmpago azul em cruz ao céu rasgava o peito, no alvo me punha de seu forte brilho.

CASCA - Por que tentais os céus dessa maneira?

Os mortais deveriam mostrar medo, quando os deuses potentes nos enviam sinais terríveis para aterrorar-nos.

CÁSSIO - Sois lerdo, Casca; ou careceis das vivas centelhas que devia haver no peito de todos os romanos, ou, se as tendes, não fazeis uso delas. Estais pálido, olhais estarrecido, revelando-vos cheio de medo e espanto ante o espetáculo da cólera dos céus pouco freqüentes. Mas se a escrutar as verdadeiras causas vos resolvêsseis desses fogos todos dos fantasmas errantes, desses pássaros e animais esquisitos; porque os velhos, os tolos e os meninos profetizam, porque essas coisas todas mudam tanto, suas leis, natureza, faculdades inatas em monstruosas aparências, veríeis que se o céu nelas infunde tal espírito é só para empregá-las como instrumento de terror e aviso para os homens de uma época monstruosa. No entanto, Casca, eu poderia um homem nomear-te igual a esta terrível noite, um homem que troveja e emite raios, abre sepulcros e espantoso ruge tal qual o leão do Capitólio, um homem que em si mesmo não é mais poderoso do que eu ou tu, mas que cresceu por modo miraculoso, como todas essas estranhas erupções.

CASCA - Falas de César, não é verdade, Cássio?

CÁSSIO - Pouco importa quem seja. São dotados os romanos de músculos e membros como nossos antepassados; mas, para desgraça de todos, morto está, bem morto, o espírito de nossos pais, passando a governar-nos a alma de nossas mães. Nossa paciência no sofrer, nosso jugo, é bem o indício de que

estátua do velho Bruto. Depois disso vinde à sala de Pompeu, onde estaremos. Décio Bruto e Trebônio já estão lá?

CINA - Salvo Metelo Címber, já estão todos. À vossa casa Címber foi buscar-vos. Vou logo distribuir estes bilhetes conforme me indicastes.

CÁSSIO - Isso feito, comparecei ao teatro de Pómpeu. (Sai Cina.)

Vinde, Casca. Eu e vós, antes da aurora veremos Bruto em casa. Já são nossas três partes dele, vindo a pertencer-nos o homem todo, ao primeiro assalto nosso.

CASCA - Oh! Lugar muito grande ele tem sempre no coração do povo. Tudo quanto de nossa parte parecera ofensa, sua reputação, com alquimia poderosa, em virtude transmudara e em mérito elevado.

CÁSSIO - Com justeza o indivíduo apreciastes e seus méritos, e como precisamos dele. Vamos; passa de meia-noite. Antes do dia teremos de acordá-lo e conquistá-lo. (Saem.)

ATO II

Cena I

Roma. No jardim de Bruto. Entra Bruto.

BRUTO - Olá, Lúcio! Eh! Pela altura dos astros não consigo saber quanto ainda falta para o dia. Lúcio! Não ouves? Lúcio! Quem me dera ter sono assim pesado. Lúcio! Acorda! Vamos, Lúcio, levanta-te! Não me ouves? (Entra Lúcio.)

LÚCIO - Chamaste-me, senhor?

BRUTO - Lúcio, põe uma vela no meu quarto; e, depois de acendê-la, vem chamar-me.

LÚCIO - Pois não, senhor. (Sai.)

BRUTO - Preciso é que ele morra. Eu, por meu lado, razão pessoal não tenho para odiá-lo, afora a do bem público. Deseja ser coroado. Até onde influirá isso em sua natureza, eis a questão. É o dia claro que as serpentes chama, aconselhando-nos a andar com jeito. Ele, coroado? Sim, mas é certeza com isso darmos-lhe um ferrão, que o deixa capaz de realizar o mal que entenda. A grandeza exorbita, quando aparta da consciência o poder. Para ser franco com relação a César, nunca soube que as paixões ou a razão nele tivessem qualquer preponderância. Mas é coisa sabida em demasia que a humildade para a ambição nascente é boa escada. Quem ascende por ela, olha-a de frente; mas, uma vez chegado bem no cimo, volta-lhe o dorso, e as nuvens, só, contempla, desprezando os degraus por que subira. César assim fará. Antes que o faça, será bom prevenir. E, como a luta não poderá alegar o que ele é agora, argumentemos que se a sua essência vier a ser aumentada, é bem possível que incorra em tais e tais extremidades. Consideremo-lo ovo de serpente que, chocado, por sua natureza, se tornará nocivo. Assim, matemo-lo, enquanto está na casca.

(Volta Lúcio.)

LÚCIO - Senhor, já está no quarto a vela acesa. Ao procurar, senhor, a pederneira na janela, encontrei este papel, selado como está. Tenho certeza de que lá não se achava, no momento em que fui para a cama.

BRUTO - Vai deitar-te novamente; ainda é noite. Mas, menino, não são os idos, amanhã, de março?

LÜCIO - Não sei senhor.

BRUTO - Vai ver no calendário e vem dizer-me

LÚCIO - Perfeitamente, senhor. (Sai.)

BRUTO - Os meteoros que zunem pelos ares clareiam tanto que é possível ler. (Abre a carta.)

"Bruto, dormes. Desperta e te contempla! Deverá Roma, etc. Fala, fere, conserta o que está torto! Bruto, dormes. Desperta!" Insinuações como esta me têm sido jogadas no caminho "Deverá Roma, etc." A mim compete acrescentar o resto: Deverá Roma ter pavor de um homem? Como? Roma? Tarquínio foi expulso de suas ruas por meus antepassados, ao ser nomeado rei. "Fala, fere, conserta o que está torto!" assim, me incitam a falar e a ferir? Ó Roma! Tenho contigo o juramento de, no caso de haver reparação, das mãos de Bruto satisfação completa receberes. (Volta Lúcio.)

Lúcio - Meu senhor, já expirou o décimo quarto dia do mês de março. (Batem.)

BRUTO - Bern. Bateram; vai ver quem é. (Sai Lúcio.)

Não durmo desde o instante em que me incitou Cássio contra César. Entre a realização de algum projeto pavoroso e a primeira idéia dele, o intervalo é um fantasma, um sonho horrível. O gênio e os mortais órgãos permanecem em conselho, ficando o estado do homem, como um pequeno reino, a sofrer todos os males inerentes às revoltas. (Volta Lúcio.)

LÚCIO - Senhor, vosso irmão Cássio é que está à porta; deseja conversar-vos.

BRUTO - Está só?

LÚCIO - Não, senhor; estão com ele outras pessoas.

BRUTO - Reconheceste alguém?

LÚCIO - Ninguém, senhor; o chapéu todos trazem bem puxado, e no manto escondido, quase, o rosto, razão de não poder reconhecê-los.

BRUTO - Então faze-os entrar. (Sai Lúcio.)

Façam juras os padres, os covardes e os astutos, e esses tipos sem fibra, e as almas tímidas que saúdam, de grado, as injustiças. Jure nas ruins causas essa gente que inspira desconfiança. Não manchemos, porém, a alta virtude desta empresa nem nosso irresistível ardimento, com admitir que exige nossa causa, nossa resolução, alguma jura. Porque todas as gotas, até à última, do sangue de um romano, e sangue nobre, ficariam passíveis da suspeita de bastardia, se ele a quebrar viesse a menor parte da palavra dada.

CÁSSIO - E Cícero? Convém sondá-lo, acaso? É quase certo que nos apoiara com bastante entusiasmo.

CASCA - É conveniente termo-lo ao nosso lado.

CINA - Oh! Seguremo-lo.

METELO - Precisamos ganhá-lo para a causa. Seus cabelos prateados nos granjeiam valiosas opiniões e vão trazer-nos vozes que recomendem nossos feitos. Dir-se-á que as mãos tivemos dirigidas por seu entendimento, não deixando seu venerando aspecto que se note quanto há de tumultuoso e irrefletido em nossa mocidade.

BRUTO - Oh! Não o nomeeis. Não lhe contemos nada, que ele nunca tomará parte em algo cuja idéia parta de outra pessoa.

CÁSSIO - Então deixemo-lo.

CASCA - Realmente, não convém.

DÉCIO - Além de César, ninguém mais cairá

? CÁSSIO - Mui bem pensado, Décio. No meu modo de ver todo esse assunto. Marco Antônio, tão amado de César, não devia sobreviver a César. Haveremos de encontrar nele um hábil intrigante. Sabeis que se ele lançar mão dos meios de que dispõe, nos irá dar trabalho. A fim de evitar isso, é conveniente que António e César caiam.

BRUTO - Sanguinária parecera essa empresa, Caio Cássio, se a cabeça cortássemos e os membros fizéssemos em postas, como a cólera assassina a que a inveja, depois, segue. Membro de César é Antônio, apenas. Caio, sejamos sacrificadores, não carniceiros. Todos nós estamos agora contra o espírito de César, e no espírito do homem não há sangue. Se o espírito de César atingíssemos, sem desmembrarmos César! Impossível, infelizmente. Assim, por causa dele, César tem de sangrar. Nobres amigos, cortemo-lo em pedaços como prato para os deuses, em vez de mutilá-lo como carcaça própria para cães. Que nossos corações procedam como certos amos astutos, que dão ordem aos servos para um ato de violência, fingindo censurá-los depois disso. Assim, parecerá, quanto fizermos, necessário, sem laivo algum de inveja, o que aos olhos do povo há de ensejar-nos sermos chamados purificadores, não assassinos. Quanto a Marco António, não penseis nele; só será possível que ele chegue aonde for a mão de César, quando a cabeça a César deceparmos.

CÁSSIO - Apesar disso, inspira-me receio; pois no amor arraigado que ele a César...

BRUTO - Ora, bondoso Cássio, deixai disso! Se ele ama a César, só contra ele pode refluir quanto faça: lastimar-se, morrer por César, e isso será muito, pois é dado aos prazeres e às loucuras, gostando de estar sempre acompanhado.

TREBÔNI0 - Não há de que temer; que fique vivo, para rir, em futuro, de tudo isto.

(Um relógio bate horas.)

BRUTO - Paz! Contemos as horas.

CÁSSIO -Três pancadas.

TREBÔNI0 - Já é hora de irmos.

CÁSSIO - Mas é duvidoso que César hoje saia; ultimamente tem-se mostrado mui supersticioso, ao invés do que era antes, no tocante aos sacrifícios, fantasia e sonhos. É bem possível que os prodígios claros desta noite, o terror inusitado e a palavra dos áugures o impeçam de ir hoje ao Capitólio.

DÉCIO - Deixai isso por minha conta. Caso ele resolva por esse modo, sei como dobrá-lo. Gosta de ouvir dizer que os unicórnios com árvores se pegam, com espelhos os ursos, os leões com fortes redes, os elefantes com profundas covas e os homens com lisonjas. Mas, se digo que ele detesta aduladores, dá-me razão, sem perceber quanto se deixa levar pela lisonja mais patente. Deixai-me trabalhar; saberei dirigir-lhe a fantasia, sendo certo levá-lo ao Capitólio.

CÁSSIO - Vamos todos buscá-lo à casa dele.

BRUTO - Às oito em ponto, não?

CINA - O mais tardar. É preciso que nisso ninguém falte.

METELO - Caio Ligário não suporta César, que censurou umas palavras suas em louvor de Pompeu. Estranho muito nenhum de vós ter-se lembrado dele.

BRUTO - Passai em casa dele, bom Metelo; dedica-me afeição, tendo-lhe eu dado motivo para tanto. Ele que venha falar-me, que hei de em pouco convencê-lo.

CÁSSIO - A manhã nos alcança. Amável Bruto, vamos partir. Amigos, dispersemo-nos, mas lembrai-vos de tudo o que dissestes e mostrai-vos romanos verdadeiros.

BRUTO - Cavalheiros, mostrai semblante alegre, sem revelar no olhar nossos protestos. Imitai nisso os nossos comediantes, com vivo espfrito e formal constância. E agora, adeus; bom dia para todos. (Saem todos, com exceção de Bruto.)

Pequeno! Lúcio! Adormeceu de novo? Ora, que mal há nisso? Goza o orvalho doce e grave do sono. Não te inquietam esses fantasmas e as visões que o zelo sempre ativo nos cérebros engendra. Por isso dormes tão profundamente. (Entra Pórcia.)

PÓRCIA - Querido esposo! Bruto!

BRUTO - Pórcia, que houve! Por que vos levantastes? É imprudência expor o corpo grácil aos rigores de uma manhã tão fria.

PÓRCIA - O mesmo eu digo com relação a vós. Por modo pouco delicado fugistes-me do leito, e ontem à noite, à ceia, bruscamente vos levantastes e, de mãos nas costas, vos pusestes a andar de um lado e do outro, a meditar e a suspirar frequente. E ao perguntar-vos o que acontecera, em mim fixastes um olhar severo. Insisti; a cabeça, então, coçando, no solo o pé batestes impaciente. Não desisti, contudo, sem resposta nenhuma obter, afora me acenardes com a mão, como a indicar que vos deixasse. Obedeci, de

BRUTO - Caio Ligário, de que falou Metelo! Fica à parte, menino. Então, Caio Ligário?

LIGÁRIO - De uma débil língua aceitai muito bom dia.

BRUTO - Oh! que tempo escolhestes, bravo Caio, para estar doente! Se estivésseis são!

LIGÁRIO - Estarei bom, se em mente tiver Bruto qualquer ação digna do nome da honra.

BRUTO - Tenho em mente essa ação, Caio Ligário, se ouvido são tiverdes para ouvi-la.

LIGÁRI0 - Oh! pelos deuses ante os quais se curvam os romanos, liberto-me da doença. Alma de Roma! Bravo filho, oriundo de rins honestos! Tal como exorcista, conjuraste-me o espírito dolente. Manda agora que eu corra, pois me sinto capaz de empreender coisas impossíveis e sair vencedor. Que há por fazer?

BRUTO - Algo capaz de deixar bom os doentes.

LIGÁRIO - E não teremos de deixar doente alguém que ainda está são?

BRUTO - Isso também. O que seja, meu Caio, hei de contar-te em caminho do ponto em que tivermos de executar o ato.

LIGÁRIO - Ide na frente que, com o peito inflamado, hei de seguir-vos, para realizar o que ainda ignoro. Basta ser Bruto o guia.

BRUTO - Então segui-me. (Saem.)

Cena II

O mesmo. Em casa de César. Trovões e relâmpagos. Entra César, em camisa de dormir.

CÉSAR - Não ficaram em paz o céu e a terra durante toda a noite. Em meio ao sono, por três vezes gritou Calpúrnia: "Acudam!" Estão matando César!" - Venha alguém! (Entra um criado.)

CRIADO - Senhor?

CÉSAR - Manda que os sacerdotes sacrifiquem e traze-me depressa um bom augúrio.

CRIADO - Pois não, senhor. (Entra Calpúrnia)

CALPÚRNIA - César, que pretendeis? Quereis sair? Não poreis hoje o pé fora de casa.

CÉSAR - César sairá. As coisas que me ameaçam, só me olham pelas costas; quando devem de César ver o rosto, já sumiram.

CALPÚRNIA - César, jamais dei crédito a prodígios, mas ora tenho medo. Aí dentro há alguém que a tudo que nós vimos e escutamos acrescenta visões apavorantes que aos guardas esta noite apareceram. Uma leoa na rua teve o parto; abriram-se sepulcros, expulsando seus mortos; pelas nuvens incendiados guerreiros digladiavam em fileiras e esquadrões ordenados, como em guerra, tendo sangue manchado o Capitólio. Agitava-se no ar a gritaria da batalha; cavalos relinchavam; gemiam moribundos, e os

fantasmas, dando gritos, as ruas percorriam. Ó César! essas coisas ultrapassam a comum experiência e me amedrontam.

CÉSAR - Podemos evitar o que por meta assentaram os deuses poderosos?

Apesar disso, César vai sair, pois essas predições se relacionam tanto ao mundo em geral como a ele apenas.

CALPÚRNIA - Quando morrem mendigos não se vêem surgir cometas, mas o céu se incumbe de iluminar a morte dos monarcas.

CÉSAR - Muito antes de morrer, morre o covarde; só uma vez o homem forte prova a morte. Das coisas raras de que tenho ciência, sempre me pareceu a mais estranha terem os homens medo, embora saibam que a morte, um fim a todos necessário, vem quando vem. (Volta o criado.)

Os áugures que dizem?

CRIADO - Que não deveis hoje sair de casa. Retirando da vítima as entranhas, verificaram que ao animal faltava o coração.

CÉSAR - Os deuses fazem isso para vergonha, só, da covardia. César fora animal sem coração, se hoje, de medo, não saísse à rua. Não; César vai sair. Sabe o perigo que mais do que ele é César perigoso. Somos dois leões, nascidos num só dia; mas o mais velho eu sou e o mais terrível. César sairá.

CALPÚRNIA - Ó meu senhor! Anula-se vossa sabedoria ante esse arrojo. Não saiais hoje. Declarai a todos que o que vos prende em casa é o meu receio, não o vosso. Mandaremos ao senado Marco António, incumbido de dizer-lhes que não vos sentis bem. Que assim, de joelho, eu consiga de vós alcançar isso.

CÉSAR - Marco António dirá que estou indisposto; para agradar-te ficarei em casa. (Entra Décio.)

Eis Décio Bruto; ele dará o recado.

DÉCIO - Salve, César! Bom dia, digno César. Só vim para levar-vos ao senado.

CÉSAR - Chegais na hora precisa, para aos dignos senadores levardes meus saudares e lhes comunicar que hoje não saio. Que não posso... seria uma mentira. Não me atrevo... pior. Dize-lhes, Décio, apenas que hoje não sairei de casa.

CALPÚRNIA - Podeis acrescentar que ele está doente.

CÉSAR - César pode mentir? Teria, acaso, tão longe o braço posto nas conquistas, para vir a ter medo de a verdade dizer a uns barbas-brancas? Décio, dize-lhes que César não sairá.

DÉCIO - Mui poderoso César, contai-me alguma causa, ao menos, porque de mim não riam ao falar-lhes.

CÉSAR - Minha vontade é a causa: não sairei. Como razão para o senado, basta. Mas, porque vos estimo, para vossa satisfação, vou ser-vos mais explícito. Minha esposa, Calpúrnia, é que me prende, não querendo que eu saia. Viu, em sonho, minha estátua, esta noite, como fonte que despejava sangue por cem bocas, na qual as mãos banhavam, sorridentes e robustos romanos. Ela toma semelhante visão como advertência de perigo iminente e mau agouro, tendo, de joelho, suplicado que hoje de casa eu não saísse.