Baixe Leituras de África e a formação do leitor literário e outras Slides em PDF para Literatura, somente na Docsity! UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas Programa de Mestrado Profissional em Letras SILVANA APARECIDA DA SILVA Leituras de África e a formação do leitor literário São Paulo 2015 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas Programa de Mestrado Profissional em Letras Leituras de África e a formação do leitor literário Silvana Aparecida da Silva Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Rede Nacional, para a obtenção do título de mestre em Letras, sob a orientação do Prof. Dr. José Nicolau GregorinFilho. São Paulo 2015 AGRADECIMENTOS A todos os professores, desde os meus primeiros anos de estudos, por toda paciência e vigor com que me ensinaram; ao meu orientador, José Nicolau Gregorin Filho, por toda a paciência, respeito e alegria com que nos recebeu, sempre. Em especial, às suas aulas regadas de leituras inspiradoras, que me fizeram entender que para falar de Literatura, é preciso ler Literatura para os alunos. Aos familiares e amigos que, ao longo desse processo, compreenderam minha ausência, e por suas palavras acolhedoras. Em especial, ao meu companheiro Felipe José Perego e a minha filha Ana Clara Silva Perego, por compartilharem comigo toda a angústia e ansiedade que foram geradas durante essa caminhada. Aos colegas do PROFLETRAS, por toda aprendizagem e pela superação das dificuldades que enfrentamos em conjunto. Em especial, as minhas amigas Anilda, Débora e Vânia, pelas conversas e contribuições que me fortaleceram, durante todo o tempo. A todos os meus alunos, minha fonte de inspiração, sempre. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior - CAPES, pela concessão da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa. Muito obrigada! RESUMO Este trabalho pretende discutir a importância da Literatura Juvenil Africana para o processo de formação do leitor literário, tendo em vista a prioridade dada pela educação brasileira à diversidade histórica e cultural que a constitui. A pesquisa, cujos objetivos são apresentar algumas reflexões acerca do ensino de leitura literária e contribuir para a aplicação da Lei 10.639/03, possui caráter empírico. Foram selecionadas duas obras —Ynari- a menina das cinco tranças e Uma escuridão bonita, ambas do escritor angolano Ondjaki — a fim de desenvolver um projeto de leitura com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental Il, numa escola do município de São Paulo. Essa seleção baseou-se na importância dada ao negro e na valorização de alguns dos aspectos centrais da cultura africana — o respeito pelo mais velho, o poder da palavra e importância da tradição oral. A leitura dessas obras buscou ressignificar o olhar das crianças e adolescentes sobre a história e cultura africana, marcadas pelo preconceito e estigmas seculares no Brasil. As reflexões histórico-teóricas sobre a formação do leitor literário pretendem contribuir com a metodologia adotada e oferecer para os docentes um material mais completo. Este trabalho está fundamentado numa perspectiva comparatista, pois estabelece relações entre Literatura Infantil/Juvenil e Sociedade. Palavras-chaves: Literatura Infantil/Juvenil, ensino, leitura, África, Lei 10.639/03. ABSTRACT This work aims to discuss the importance of African Youth Literature, to the process of training/formation of literary readers, considering the priority given by the Brazilian Education to the historical and cultural diversity that it is consisted in. The research, which objectives are to present some reflexions about the literary reading education and to contribute to the enforcement of law 10.639/03, has empirical character. Two works were selected — Ynari — a menina das cinco tranças and Uma escuridão bonita, both from the angolan writer Ondjaki — in order to develop a reading project with students from 9º” grade of elementary school Il in the city of São Paulo. This selection was based on the importance given to people of dark skin and appreciation of some of the central aspects of African culture — respect for the older, the power of words and the importance of oral tradition. The reading of these works sought to reffame the eyes/concept of children and adolescent about. African history and culture, marked by the prejudice/prejudgment and secular stigma in Brazil. The historical and theoretical consideration/reflections about the methodology adopted and offer the teachers a more complete material. This work based on a comparative perspective, due to it establishes relationships among Children/Youth Literature and society. Keywords: Children/Youth Literature, education, reading, Africa, Law 10.639/08. Considerações finais ................... rs iieeeeeerreeeeererereerereererereeeereerererena Referências bibliográficas ................... sr iseeereeeerreeeeeremeerererereerereerereres Anexos Lista de quadros Quadro 1- Literatura infanto-juvenil... 25 Tabela 01 — Cronograma das Tabela 02- As faces de Ynari Lista de tabelas atividades desenvolvidas ................ “Se tu és diferente de mim, não me diminuis, enriquece-me.” (Antoine Saint-Exupéry) Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões da vista. O telefone é extensão da voz. Temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa: O livro é uma extensão da memória e da imaginação. (Jorge Luiz Borges) 15 INTRODUÇÃO Apresentação A formação de leitores proficientes e críticos é uma das maiores preocupações da sociedade brasileira, atualmente. Os estudos e provas governamentais (Pisa, Saeb, Prova Brasil) apresentam altos índices de dificuldade de leitura e compreensão dos alunos avaliados. Com o intuito de solucionar esse problema, há um grande investimento na compra de livros e vários programas de incentivo à leitura. Apesar disso, pouco se investe na formação dos docentes para que possam utilizar esse material e viabilizar os projetos propostos, de forma adequada e qualitativa — a biblioteca, por exemplo, normalmente, é um dos ambientes mais inertes da escola pública. O maior desafio, pois, está nas mãos dos professores do ensino básico, esmagados diariamente por um sistema educacional cada vez mais sucateado. Diante desse contexto, é possível dizer que somente a literatura é capaz de aliviar, inspirar e fortalecer professores e alunos que estão sob essa engrenagem. Em razão disso, optamos por realizar um trabalho de formação de leitores literários que possa embasar teórica e metodologicamente professores e coordenadores, inspirando-os a colocarem a literatura infantil e juvenil num lugar de destaque, em seus planejamentos. As dificuldades da prática docente e o desejo de tornar a sala de leitura num espaço mais ativo e atrativo na escola determinaram e inspiraram o tema do nosso projeto. Problema: sobre a formação de leitores e as questões étnico-raciais Atualmente, vivemos numa sociedade marcada pelo preconceito étnico- racial e por desigualdades sociais. Nesse sentido, propomos algumas considerações acerca das contribuições que a Lei 10.639/03 — cujo teor diz 16 respeito à obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e africanas — pode trazer para o trabalho de formação de leitores. Os trabalhos de implementação dessa Lei ainda são muito tímidos, pois a maior parte dos professores, que está em sala de aula, atualmente, não se formou em cursos que compreendiam a temática africana como parte do seu currículo obrigatório. Como a Lei, por si só, não é capaz de suprir a sua demanda, é urgente a necessidade de produção de pesquisas e de materiais que possam auxiliar os docentes na criação de um currículo mais diverso. A literatura, por seu caráter libertador, pode contribuir para a construção de novas versões sobre a história e cultura do povo negro que não seja aquela construída, através dos séculos, por uma ideologia eurocêntrica, uma vez que negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. Em segundo lugar, a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, com a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. Tanto num nível quanto no outro ela tem muito a ver com a luta pelos direitos humanos. (Cândido, 1995, p. 256). Dessa forma, o trabalho com literatura africana não só é obrigatório, como também se constitui num direito da população brasileira de entender e se apropriar da história e cultura do seu povo. É preciso romper com a linha de ensino, cujos conteúdos são depreciativos e preconceituosos com relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental, se quisermos uma sociedade mais justa e igual. Entretanto, em nenhum momento, pretendemos negar a fruição da literatura, pois entendemos que ela é essencial na organização de um bom projeto de leitura. A literatura como um produto histórico e dialógico que reverbera pensamentos e relações humanas pode ser um caminho, pois,“em movimento de ajustes constantes, a literatura tanto gera comportamentos, sentimentos e atitudes, quanto, prevendo-os, dirige-os, reforça-os, matiza-os, atenua-os; pode revertê-los, alterá-los” (Lajolo, 2001, p. 26). A inserção de uma literatura que valorize a cultura negra e todos os outros povos que compõem o povo brasileiro, portanto, pode auxiliar na atenuação, reversão, alteração de preconceitos e discriminação baseados na cor da pele ou qualquer outra característica física desse povo. 19 No início do projeto, o 9º ano A era composto por trinta e sete alunos, e o 9º ano B, por 36 alunos. Por ser o 9º ano uma das fases de maior evasão escolar, pois muitos começam a trabalhar e abandonam os estudos, o número de alunos frequentes é bem menor. A maior parte deles lê fluentemente, entretanto, quando vão à sala de leitura, procuram sempre os mesmos tipos de livros: gibis e coleções, como o Diário de um banana e as séries Crepúsculo e Divergente. Não queremos discutir aqui a qualidade dessas obras, mas questionar o fato de eles pegarem sempre os mesmos títulos, num acervo composto por, aproximadamente, sete mil obras tombadas, até o ano de 2014º. Além disso, é muito comum que os alunos peguem livros de animais, especificamente os de macacos, e façam “piadas” e “brincadeiras” preconceituosas com os colegas negros. A partir desse contexto e da necessidade de se pensar e colocar em prática, efetivamente, um currículo que dê conta da diversidade cultural brasileira, optamos por organizar um projeto de Literatura Africana de Língua Portuguesa. 3. Estratégia de intervenção A aula de leitura deve, primordialmente, promover encontros entre alunos e textos literários — particularmente, quando se observa uma escola municipal de São Paulo, cujas salas de leitura estão repletas de obras literárias. Com a finalidade de tentar entender como tem ocorrido esses encontros, principalmente no que tange às obras de literatura africana, elaboramos um questionário (Anexo 1) que tentasse compreender: A) Sobre a Leitura 1. Qual a concepção de leitura dos alunos. 2. Qual a importância que eles atribuem à leitura em suas vidas. 3. Qual o suporte de leitura mais utilizado nas aulas. ? Esses dados foram retirados do livro tombo da sala de leitura da escola, disponível ao público. 20 B) Sobre a Literatura Africana e questões de raça, cultura e identidade 1. Qual o imaginário dos alunos sobre o perfil físico dos protagonistas das histórias. 2. A relação dos alunos com o acervo de Literatura Africana da escola. 3. Identificar se os livros de Literatura Africana estão sendo utilizados. 4. Qual o imaginário de África dos alunos. Em seguida, apresentamos a forma como esta dissertação foi organizada e a metodologia utilizada. Sobre a organização e metodologia da dissertação A organização desta dissertação partiu da análise dos resultados obtidos no questionário sobre as aulas de leitura na escola (ANEXO 1). Após a sua aplicação, analisamos e tabulamos os dados com o intuito de entender, de forma geral, qual a relação que os alunos do 9º ano mantêm com a leitura, no âmbito escolar, e que tipo de África está sendo apresentada para esses jovens. Traçamos, abaixo, o nosso percurso metodológico: 1. Organização de um breve histórico da Literatura Infantil; apresentação de algumas políticas nacionais e municipais que versam sobre a Leitura, em especial, a Lei 10.639/08. 2. Apresentação e desenvolvimento de um olhar sobre a formação de leitores, a partir das concepções de leitura expressas pelos alunos. 3. Apontamentos sobre a importância da literatura africana na formação de leitores; apresentação da fundamentação teórica para realização de um Projeto de Leitura literária; Análise das obras selecionadas. 4. Apresentação e análise dos resultados obtidos na aplicação do Projeto de Leitura realizado com os alunos. No primeiro capítulo, traçamos um breve histórico da Literatura Infantil, com a finalidade de compreender melhor a relação que se estabelece entre literatura e escola. Além disso, apresentamos algumas políticas nacionais e municipais que influenciam diretamente essa relação e sobre as quais o nosso trabalho discute. 2 Dedicamos uma atenção especial para a Lei 10.639/03 com o objetivo de organizar um Projeto de Leitura que revele faces da África, ainda pouco conhecidas pelos alunos. Para isso, foram utilizadas as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e referências teóricas, como Nelly Novaes Coelho, José Nicolau Gregorin Filho, José Castilho Marques Neto entre outras. O segundo capítulo apresenta quais as concepções de leitura são expressas pelos alunos do 9º que revelam, grosso modo, como se dá o processo de formação de leitores, no âmbito escolar. A partir desses olhares, apresentamos alguns elementos essenciais para organização de um projeto de leitura. Para tal, dispomos de alguns estudos de Regina Zilberman, Marisa Lajolo e Tânia Rôsing que tratam do ensino de literatura. No capítulo seguinte, a literatura africana é apontada como um direito do aluno, dentro do seu processo de formação de leitura. Apresentamos a fundamentação teórica do Projeto de Leitura proposto e realizamos uma breve análise das obras selecionadas. Ressaltamos referências teóricas, como Antônio Cândido, Carlos Serrano, Iris Maria da Costa Amâncio e Rildo Cosson. O capítulo quatro é composto pela análise dos resultados obtidos no desenvolvimento do Projeto de Leitura realizado com os alunos. Ao final, tecemos algumas considerações sobre o trabalho desenvolvido e apontamos alguns desafios que permanecem para o ensino de Literatura Infantil/Juvenil. 24 Somente no século XVII, com a Revolução Industrial, é que o livro de Literatura Infantil encontrou terreno fértil para sua consolidação definitiva. O crescimento político e financeiro das cidades e a ascensão da burguesia — que neste momento tenta se afirmar como uma classe social urbana, através do incentivo da consolidação de instituições como a escola e a família — estreitaram de vez os laços entre literatura e escola. Se antes a criança era vista apenas como um adulto em miniatura, nesse momento, a infância adquire um novo status social,propondo uma valorização dos laços de afetividade na família. Segundo Zilberman (1985, p.13), [..] a concepção de uma faixa etária diferenciada, com interesses próprios e necessitando de uma formação específica, só acontece em meio à Idade Moderna. Esta mudança se deveu a outro acontecimento da época: a emergência de uma nova noção de família, centrada não mais em amplas relações de parentesco, mas num núcleo unicelular, preocupado em manter sua privacidade e estimular o afeto entre seus membros. A partir desse momento, a criança passou a ser vista como um indivíduo que precisava de atenção e proteção especial, culminando no processo de idealização da infância e mais tarde, da juventude. Simultaneamente, a escola passou a ser vista como o espaço ideal de proteção e manutenção desse novo cenário social que se configurava. A alfabetização tanto cumpria um papel pedagógico, quanto impulsionava o mercado editorial, à medida que habilitava as crianças ao consumo das obras impressas que proliferaram no século XVIII, com o aperfeiçoamento da tipografia, determinando, portanto, uma relação de dependência mútua entre escola e literatura — dependência que segue até os dias atuais. Em resposta a esse mercado, começaram a surgir várias adaptações dos clássicos da literatura, como Cinderela, As mil e uma noites e Fábulas. Charles Perrault, por exemplo, editava as narrativas folclóricas contadas pelos camponeses, removendo passagens obscenas e violentas. No século XVIII, enquanto na Europa, a Literatura Infantil já se constituía como um gênero consolidado, no Brasil, isso só iria acontecer no final do século XIX, pois a circulação de livros no país ainda era muito precária. Afinal “no Brasil, como não poderia deixar de ser, a literatura infantil tem início com obras 25 pedagógicas e, sobretudo adaptadas de produções portuguesas, demonstrando a dependência típica das colônias” (Cunha,1999,p.23). Somente após a Proclamação da República, com seus princípios modernizadores, é que a Literatura dirigida ao público infantil começou a ganhar corpo. É neste momento que surgem as grandes campanhas de alfabetização, como parte do projeto de nacionalismo. Contudo, apenas “com o surgimento de Monteiro Lobato na cena literária para crianças e sua proposta inovadora, a criança passa a ter voz, ainda que uma voz vinda da boca de uma boneca de pano, Emília”. (Gregorin, 2009, p.28). Como podemos visualizar no quadro a seguir, as obras de Monteiro Lobato constituíram um marco para a Literatura Infantil Brasileira: Quadro 1- Literatura infanto-juvenil PRECURSORES (Brasil-Colônia até a década de 1920) - a literatura reflete todas as principais tendências da Europa; - literatura de cunho humanista dramático; - literatura como instrumento pedagógico (também reflexo de padrões europeus); - fábulas, contos de fada maravilhosos, novelas de aventura e de cavalaria; - nacionalismo com ênfase na vida rural; - culto da inteligência; - moralismo e religiosidade. EXEMPLARIDADE EDOUTRINAÇÃO PÓS-LOBATO (meados de 1980 a meados da década de 1990). - influências da abertura política na concepção de educação; - literatura inquieta e questionadora; - questões cotidianas e mais realistas; - apelo à curiosidade do leitor; - dialogismo está mais presente nos textos para crianças e jovens; - computador passa a tomar seu lugar nas casas e no cotidiano das pessoas; - apelo à visualidade. EXPERIMENTALISMO MONTEIRO LOBATO (década de 1920 a meados da década de 1980) - Era Getuliana e esforço para a reconstrução; - expansão da literatura em quadrinho; -tradição em conflito com o Modernismo; - antagonismo entre Realismo e Fantasia; - formação do Teatro Infantil (1950); - expansão dos meios de comunicação de massa (1960); - LDB (Lei n. 4.024, de 20/12/1961); - Ato Institucional n.5; - abertura do governo Figueiredo. RELATIVISMODE VALORES CONTEMPORÂNEO (meados de 1990 até a atualidade) - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei n. 9.394, de 20/12/1996); - Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs); - temas transversais são inseridos nas propostas curriculares; - movimentos sociais e de minorias como reação a esteriótipos preconceituosos e negativos; - Lei n.11645/2008; - tecnologia e múltiplas linguagens; - hipertextualidade. . MORAL RELATIVA E DIÁLOGOS COM O LEITOR Fonte: Gregorin Filho (2009, p. 37). Depois de Monteiro Lobato, a Literatura Infantil Brasileira passou por várias transformações e, como a nossa sociedade, ela vive em constantes mudanças 26 até os dias de hoje. Segundo Gregorin (2009), atualmente, há uma produção literária/artística para as crianças que não nasce apenas da necessidade de se transformar em mero recurso pedagógico, mas cujas principais funções são o lúdico, o catártico e o libertador. Entender a história da Literatura Infantil/Juvenil é crucial para assimilar a relação de dependência que se estabelece entre literatura e escola. Essa relação além de ser afetada, continuamente, pela ideia de infância que foi construída ao longo da história, proporcionou várias estratificações, dentro desse universo mercadológico literário, que normalmente “desvirtua” as práticas de leitura na escola. Se a imagem da criança é contraditória, é precisamente porque o adulto e a sociedade nela projetam, ao mesmo tempo, suas aspirações e repulsas. A imagem da criança é, assim, o reflexo do que o adulto e a sociedade pensam de si mesmos. Mas este reflexo não é ilusão; tende, ao contrário, a tornar-se realidade. Com efeito, a representação da criança assim elaborada transforma-se, pouco a pouco, em realidade da criança. Esta dirige certas exigências ao adulto e à sociedade, em função de suas necessidades essenciais. (Zilberman, 1985, p. 18). Nesse contexto, como educadores, não é possível ser ingênuo ao permitir que passe despercebido o fato de a Literatura Infantil/Juvenil constituir-se num dos instrumentos de “imposição” do que se deve ser criança ou adolescente, na atualidade. É preciso estar atento a sua história e às forças ideológicas que atuam sobre ela, para que possamos utilizá-la de forma crítica e responsável, na sala de aula. 1.2 Políticas nacionais de leitura A relação mencionada entre literatura e escola é controlada pelo Estado, por meio de políticas educacionais que orientam o ensino. Formar leitores tem sido um dos maiores desafios do Brasil, nas últimas décadas, pois o país ainda se encontra entre as oito nações com maior taxa de analfabetismo do mundo, segundo o relatório divulgado pela Unesco, em janeiro de 2014. * ONU. UNESCO. (Org.). Ensinar e aprender: Alcançar a qualidade para todos. 2014. Disponível em: <http:/AWwww.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA /FIELD/Brasilia/pdf/EFAreport pt 2014 | ppt-presentation.pdf> 29 Nacional do Livro e Leitura, o PNLL, que uniu o Ministério da Cultura e da Educação na luta pela leitura no país, por meio de um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas em desenvolvimento. Apesar dos esforços, os desafios com relação à leitura permaneceram. Algumas causas para tamanha falta de sucesso na formação de leitores, no país, podem ser apontadas. Marques Neto (2009), por exemplo, na condição de Secretário Executivo do PNLL, revelou algumas tarefas que ainda deveriam ser consolidadas pelo plano: regulamentação da Lei do Livro; reorganização de seu papel no setor educacional; necessidade de um novo órgão nacional que cuidasse, exclusivamente, da política nacional para a leitura e elevação legal do PNLL para uma situação institucional estável. Além disso, no relatório divulgado pela Unesco, também há um mapeamento dos principais desafios da educação brasileira, no que se refere à leitura. O problema do analfabetismo, no país, está relacionado, segundo esse relatório, com a má qualidade da educação, com a falta de atrativos nas aulas e de formação adequada aos professores. A organização também apontou a falta de investimentos na área da educação, pois, no Brasil, o gasto anual por aluno da educação básica é de cerca de cinco mil reais, enquanto em países ricos, esse valor é três vezes maior. Os desafios em relação à leitura, portanto, são enormes. Segundo Zilberman (2008, p. 22), entretanto, para chegar à realização desse objetivo, a literatura desempenha papel fundamental, e talvez até o lidere, como aconteceu nos seus inícios, quando a poesia da epopeia formava os cidadãos da polis grega. Talvez até tenha condições de desencadeá-lo, fazendo-o sem comprometer, nem desmentir sua identidade ou alterar sua função. Quando entendida sobre todos os seus aspectos, a Literatura, seja ela infantil ou adulta, pode ser algo poderoso nas mãos de professores que queiram transformar e ampliar o olhar de seus alunos sobre a sociedade em que vive. 1.3 Políticas municipais de leitura 30 No município de São Paulo, há vários projetos de incentivo à leitura, coordenados, principalmente, pelas Secretarias da Educação e da Cultura, por meio de escolas, parques e bibliotecas. Entretanto, deter-nos-emos nas políticas de leitura da Secretaria de Educação. Além do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), também há, na cidade, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) que promove a distribuição de obras de literatura, de referência, de pesquisa e de outros materiais referentes ao currículo, ambos coordenados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Todavia, sabe-se que a maioria das bibliotecas e salas de leitura das escolas encontram-se abandonadas ou tornaram-se depósitos dos mais diversos materiais. Em razão disso, o então prefeito José Serra introduziu algumas alterações no artigo 3º do Decreto nº 45.654, em 27 de dezembro de 2004: Art. 3º. As Salas de Leitura são espaços onde os alunos devem aprender comportamentos de leitor, por meio de atividades de leitura de diversos gêneros textuais em suas diferentes funções. Parágrafo único. Caberá ao Professor Orientador de Sala de Leitura a organização permanente do acervo, o tombamento e empréstimo de livros, a orientação à pesquisa bibliográfica, a leitura de diversos gêneros, a roda de apreciação literária e a organização de acervo de sala de aula em articulação com o professor regente de classe.(NR) Art. 2º. O “caput” do artigo 7º do Decreto nº 45.654, de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 7º. O Secretário Municipal de Educação designará Professor Titular efetivo ou Professor estável de Ensino Fundamental |, de Ensino Fundamental Il ou de Ensino Médio, eleito pelo Conselho de Escola para mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, a fim de exercer a função de Professor Orientador de Sala de Leitura - POSL nas EMEFs, EMEEs e EMEFMS que possuam Salas de Leitura”. Através desse decreto, criou-se a disciplina Leitura — que antes estava inserida em Língua Portuguesa (LP). Ela passou a ser ministrada por um professor específico, o POSL (Professor Orientador de Sala de Leitura), designado pelo Conselho de Escola. Com essa mudança, os alunos passaram a ter uma aula de Leitura por semana, além das cinco de LP. 5 SÃO PAULO (Município). Decreto nº 46213, de 15 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a criação e organização de Salas de Leitura, Espaços de Leitura e Núcleos de Leitura na Rede Municipal de Ensino. Disponível em: <http:/AuwwS prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios juridicos/ cadlem/integra.asp?alt=16082005D%20462130000> 31 Tais mudanças refletiram diretamente nos hábitos de leitura de professores e alunos das escolas municipais de São Paulo, pois as bibliotecas tornaram-se ambientes ativos e bem frequentados. Até mesmo a sua denominação mudou, pois receberam o título de Sala de Leitura. Atualmente, há 730 salas de leitura? na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, frequentadas por alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Apesar de os alunos terem apenas uma aula de leitura por semana, a criação do cargo de um professor orientador de sala de leitura (POSL) permitiu uma melhor circulação dos livros existentes nas escolas e garantiu o contato dos alunos, tão habituados a livros didáticos, com um maior número de obras literárias. Muitas escolas ainda não possuem uma sala de leitura bem equipada estruturalmente, mas os livros, os principais responsáveis, estão ali, e a aula acontece, pois é parte obrigatória do currículo. Os professores orientadores de sala de leitura receberam formação contínua. A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), no período de 2010, 2011 e 2012, por exemplo, realizou a formação Leitura ao Pé da Letra. A proposta envolveu, aproximadamente, setecentos profissionais”, entre POSLs e bibliotecários. A meta principal foi constituir, em cada unidade educacional, Clubes de Leitura que envolvessem toda a equipe: alunos, professores, funcionários, familiares e comunidade. A formação culminou na publicação do livro Leitura ao pé da letra - Caderno Orientador para ambientes de leitura. Em 2013, com o objetivo de formar mediadores de leitura e articular ações socioeducativas, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo lançou o programa “Quem lê sabe por quê”. A proposta do programa era criar núcleos em todos os CEUs (Centros Educacionais Unificados), visando à formação de profissionais dos próprios CEUs, das unidades escolares da Rede Municipal de Ensino e ainda de jovens da comunidade para atuarem como mediadores de leitura. $Dado retirado do site da prefeitura. Disponível em: http://portalsme. prefeitura.sp.gov.br/anonimosistema/detalhe.aspx ?List=Lists/Home&IDMateria=1497 São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Leitura ao pé da letra: caderno orientador para ambientes de leitura. Secretaria Municipal de Educação. — São Paulo : SME / DOT, 2012. 34 estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. $ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras”. Na LDB e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), já havia a preocupação com questões que envolviam a pluralidade cultural e étnica do povo brasileiro. As discussões geradas a partir dessa problemática culminaram no lançamento dos “Temas Transversais” que tratam de questões, como Ética, Pluralidade Cultural, Trabalho, Consumo, Meio Ambiente etc. Mas, diante de uma história fortemente marcada pela desigualdade social e a marginalização dos povos indígenas e africanos, era preciso um documento que deixasse claro a importância de essas histórias serem contadas sob um viés que não fosse somente o eurocêntrico. Nesse sentido, nota-se a relevância da promulgação das Leis 10.639/03 e 11.645/08. Amâncio (2008) indaga, por exemplo, porque o analfabetismo, atraso escolar e reprodução são ocorrências predominantes em relação aos estudantes negros brasileiros, num sistema educacional orientado por uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que apresenta, como princípios básicos, os conceitos de igualdade, liberdade e diversidade"? Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: | - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Il - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, O pensamento, a arte e o saber; HI - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância. A partir dessa reflexão, é possível perceber o abismo que há entre o que diz a LDB e o que ocorre no cotidiano escolar brasileiro, justificando, dessa forma, 2 BRASIL. Ministério da Educação. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educação. Brasília, DF, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/ leis//9394.htm Acesso em: 20 de jul. de 2014. 35 a necessidade das alterações sofridas pela LDB com a promulgação das leis acima. Segundo Amâncio (2008, p.34-5), [...] para além do monologismo assumido pelo texto quando dissociado das bases ideológicas fundamentais de seu contexto socioeconômico, não basta constar na Lei que rege a educação nacional a importância dos povos que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. Ao contrário, diante dos processos seculares de exclusão sociorracial no Brasil — principalmente a da pessoa negra —, urge que a escola assuma o papel de revisora — não mais mantenedora — da série histórica que explica o fato de o segundo maior país negro do mundo ainda preservar práticas racistas no cotidiano de suas relações sociais. As modificações, portanto, possibilitam a desconstrução de um modelo educacional fundado em práticas eurocêntricas, excludentes e violentas, que tem demonstrado ser insuficiente para o sistema educacional brasileiro. Uma das principais mudanças ocorridas na escola, a partir da promulgação dessa lei, foi na distribuição de livros, sobretudo de Literatura Infantil e Juvenil — o mercado respondeu prontamente a essa nova demanda editorial. Até o ano de 2003, por exemplo, não havia nenhum registro de livro infantil africano, afro- brasileiro ou que tivesse como protagonista um negro, no livro tombo da EMEF Mário Lago. Em contrapartida, nos anos seguintes, chegaram dezenas de livros com essa temática na escola. De um lado, há a preocupação de alguns autores em tratar da temática africana, mas de outro, também há o interesse econômico do mercado editorial. Sendo assim, os educadores devem estar atentos na seleção de livros afro- brasileiros e de literatura africana, para não escolherem obras que reforcem ainda mais alguns estereótipos relacionados ao povo e à história do negro. Na Literatura Infantil, há um cruzamento entre o universo adulto e o infantil, ao passo que esse texto é produzido com a finalidade de fazer crer ser infantil, quando, na verdade, continua tratando de temas para adultos, isto é, há uma manutenção do pensamento dominante (Gregorin, 2009). Logo, se vivemos numa sociedade preconceituosa, isso se reflete no texto literário para adultos e consequentemente, o mesmo ocorre na obra infantil. A utilização da literatura africana nas aulas de leitura, reforçada pela Lei 10.639/03, pode trazer uma grande contribuição para o processo de ressignificação da história e cultura africana no ensino. Se uma grande parte dos 36 alunos não se sente representada pela literatura canônica, é possível que se sintam muito mais pela africana ou indígena. Para Zilberman (2008), a literatura precisa descobrir, considerando as novas circunstâncias, em que consiste a sua natureza educativa que não pode ser a que desempenhou na Antiguidade ou na ascensão da burguesia. Ela precisa atender às demandas da sociedade atual que passa por um processo de valorização de sua ancestralidade africana e indígena. 39 Por meio da literatura, portanto, é possível experimentar histórias e sensações que, na vida real, seriam impossíveis de acontecer. Alguns personagens da literatura nos marcam de tal forma que, às vezes, até parecem velhos conhecidos nossos — sem contar o sentimento de vazio que nos invade ao terminarmos um bom livro. Além disso, o mundo maravilhoso continua sendo um dos elementos mais importantes na literatura infantil, pois ela tem uma linguagem metafórica que se comunica facilmente com o pensamento mágico, natural às crianças (Santana, 2007). Todorov (2014, p. 23), ao tratar do amor que sente pela literatura, diz o seguinte: hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorreria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio ser o único a vê-la assim. A escola precisa explorar todas essas possibilidades que a literatura oferece para O leitor: encontros com o outro e consigo mesmo, mas também alguns desencontros que podem transformar o nosso modo de ver, sentir e pensar o mundo. Há dois ângulos de leitura: o individual — o leitor não esquece suas próprias dimensões, mas expande as fronteiras do conhecido — e o social, no qual o leitor tende a socializar a experiência e comparar as conclusões com as de outros leitores (Zilberman, 2008). As aulas de leitura, portanto, devem ser organizadas visando contemplar esses dois ângulos: a leitura individual e um momento para compartilhar as reflexões e sensações que os textos suscitaram. 2.2 Desencantos “Leitura pra mim é quando a gente reconhece o que estamos escrevendo e quando a gente sabe reconhecer as letras.” (aluna do 9º ano, 14 anos) “Ler um livro, jornal ou qualquer coisa que tenha palavras formando uma frase ou texto.” (aluno do 9º ano, 14 anos) 40 As definições de leitura, apresentadas por esses alunos, estão bem distantes daquelas apresentadas no capítulo anterior. Enquanto estas destacam o seu poder de encantamento e ensinamento, aquelas frisam o aspecto decodificador da leitura. Nas duas últimas definições, há uma espécie de desencantamento por parte dos alunos, como se a leitura consistisse apenas num exercício mecânico, e o texto fosse um amontoado de palavras. Tal pensamento revela uma concepção tradicional de leitura adotada pela escola há muito tempo. A análise do questionário revelou, por exemplo, que os tipos de textos mais lidos na escola são os informativos e científicos. Desse modo, percebemos que a literatura ainda ocupa um espaço pequeno dentre as leituras realizadas nas aulas e “o texto, em sala de aula, é geralmente objeto de técnicas e análise remotamente inspiradas em teorias literárias de extração universitária” (Lajolo, 2001, p. 15). É comum que os professores digam que os seus alunos não gostam de ler. Entretanto, os jovens, atualmente, passam a maior parte do seu tempo lendo ou escrevendo mensagens nas redes sociais. A questão, então, não é se eles gostam de ler, mas sim, o que eles gostam de ler. Lajolo (2001, p. 13) é certeira quando diz que os alunos não gostam de ler, provavelmente, por causa dos “rituais de iniciação propostos aos neófitos”, isto é, há um desencontro de expectativas no trabalho com a literatura em sala de aula, principalmente, quando o docente só propõe trabalhos de esquartejamento do texto literário, retirando tudo o que poderia de haver de encantador na obra. Tal concepção sobre o ensino de leitura não valoriza os aspectos estéticos da obra literária e pouco atrai os jovens. Silva (apud Zilberman, 2008, p. 55) afirma que: A imbricação literatura-educação [...] permite afirmar que, em termos sociais amplo, o sujeito necessariamente se educa ao fruir ou experienciar textos literários diversos. Entretanto, o mesmo não pode ser dito da relação literária-pedagogia, pois mem todo ensino — principalmente o de cunho formal, escolarizado — facilita a fruição, pelo aluno-leitor, de aspectos educativos que podem emanar ou resultar da leitura de textos literários. Ao didatizar as produções literárias e sua leitura, de acordo com determinados princípios pedagógicos (aliás, também políticos), a escola dificulta, impossibilita ou até mesmo destrói o potencial educativo inerente à leitura da literatura. (grifos do autor) 41 No espaço escolar, os momentos de leitura para fruição são mínimos, pois, normalmente, se lê para responder um questionário de interpretação, produzir um resumo, realizar uma prova ou seminário etc. Dessa forma, fica claro o processo de desencantamento pelo qual a literatura passa, sob o olhar de alguns alunos e revela um dos grandes desafios para a formação de leitores. Não há como evitar que a literatura, qualquer literatura, não só a literatura infantil e juvenil, ao se tornar 'saber escolar”, se escolarize, e não se pode atribuir, em tese, [...] conotação pejorativa a essa escolarização, inevitável e necessária; não se pode criticá-la, ou negá-la, porque isso significaria negar a própria escola [...]. O que se pode criticar, o que se deve negar não é a escolarização da literatura, mas a inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura, que se traduz em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o. (Soares, 1999, p.21). Sendo assim, ao elaborar um projeto de leitura, o professor precisa estar atento a todas essas questões para não criar um abismo intransponível entre os alunos e a literatura. A obra literária não pode ser escolhida apenas pelo seu enredo, mas deve-se analisar a qualidade do texto e das ilustrações que apresenta ao jovem. 2.3 Formando leitores 2.3.1 O texto verbal Diante desses processos de encantamento e desencantamento pelos quais passam o olhar do jovem sobre a leitura, é preciso pensar sobre os caminhos que o professor pode trilhar para formar leitores de literatura. Gregorin (2009) afirma que há quatro principais linhas teóricas na pesquisa e no ensino da Literatura Infantil para a orientação do trabalho em sala de aula: a da crítica literária, a linguística, a histórico-social, a semiótica, a didático- pedagógica, a psicanalítica e a comparatista. Para a produção do nosso projeto literário, escolhemos a última linha, pois ela integra os valores linguístico e dos alunos para o fato de que nem sempre o ilustrador conta a história ipsis litteris que o autor, pois as imagens podem não ser fiéis à narrativa e sugerirem outras possibilidades de interpretação. Gregorin (2009, p.54-5) aponta para algumas funções! da ilustração: a) Pontual: a ilustração tem como objetivo destacar aspectos do texto ou assinalar seu início e fim; b) Descritiva: o texto visual cumpre um papel semelhante ao da função descritiva da linguagem, isto é, permite, por meio de uma intersemiose, descrever objetos, cenários, personagens etc. [...]; c) Narrativa: a ilustração tem a função de narrar, por meio de uma outra linguagem, uma ação, cena ou um outro fato mostrado pela linguagem verbal [...]; d) Simbólica: aquela ilustração que representa uma ideia chamando atenção para o caráter metafórico da história ou é a própria metáfora do texto verbal. [...]; e) Dialógica: está presente nas ilustrações que promovem o diálogo com emoções, por meio da postura, gestos e expressões de personagens e outros elementos estruturais da narrativa . [...]; f) Estética: o texto visual é construído de tal modo que a atenção do leitor se volta para a maneira como a ilustração foi realizada, os materiais e as técnicas nela utilizados [...]; 9) Lúdica: está presente no que foi representado e na própria maneira de representar, a ilustração mesma pode se transformar ou ser um jogo pra o leitor/receptor do texto 'º. A análise dessas funções possibilita que o professor inicie um diálogo com o aluno sobre as relações que se estabelecem entre as múltiplas linguagens que compõem o livro infantil e juvenil. A imagem visual não se limita à capacidade de visão, mas está ligada à forma com que nos relacionamos com os outros sentidos, agregando-lhes significados, sem os quais a nossa compreensão do mundo fica limitada ou prejudicada (Costa apud Zilberman & Rósing, 2009). Além disso, [..] a leitura de imagens é uma relação intersubjetiva entre um autor e um observador mediado pelo texto visual e pela cultura, que fornece a ambos os recursos linguísticos para essa comunicação. A interpretação das imagens não é, portanto, um processo de decodificação lógica, mas de busca por correspondências e significados. (Costa apud Zilberman & Rósing, 2009, p.89). * Funções adaptadas por Gregorin, a partir da classificação proposta por Luís Camargo em Ilustração do Livro Infantil (São Paulo: Lê, 1995). O autor apresenta ainda as funções tradutora e imersiva, entretanto optamos por não colocá-las, pois não serão utilizadas na realização do nosso projeto literário. 45 Apesar de vivermos num mundo cada vez mais visual, a educação tem dado pouca atenção a esse sentido no processo educacional. Os principais recursos para o ensino ainda são: salas de aula com cadeiras enfileiradas, lousa, giz e livros didáticos. Ainda há poucos recursos que possam explorar o sentido da visão. Entretanto, os livros de literatura infantil e juvenil podem se constituir em ricos instrumentos para um ensino que também privilegie a linguagem visual, não de forma ingênua, como acontece muitas vezes, mas de forma a entender que a leitura da imagem complementa/integra a leitura verbal de uma obra. No próximo capítulo, discorreremos sobre a importância que a Literatura Africana de Língua Portuguesa pode ter no processo de formação de leitores, discutido até o momento. 46 - Diga, Vovô Dembo, me diga qual é a cor da África? - A África, meu pequeno Chaka? A África é preta como a minha pele, é vermelha como a terra, é branca como a luz do meio-dia, é azul como a sombra da noite, é amarela como o grande rio, é verde como a filha da palmeira. A África, meu pequeno Chaka, tem todas as cores da vida. (SELLIER, 2006, p.9) 49 [..] as imagens de África que povoam o imaginário ocidental estão muitas vezes reduplicando essa representação de inferioridade como a proposta exploratória e exótica da famosa National Geographic [...] Atualmente as imagens de miséria, fome, doenças e constantes guerras estão presentes não só em noticiários e programas de reportagem, como também em filmes, tais quais O jardineiro fiel, Hotel Huanda e Diamante de Sangue. (Wernek, 2010, p. 88) O cotidiano dos alunos está repleto dessas imagens de África. Não é necessário, portanto, que elas sejam reforçadas ainda mais. Não se trata de apagar os problemas e contradições, mas de não usá-los para justificar os elementos de sua cultura e história que foram solapados pelos europeus durante séculos (Leite, 2008). Trata-se de apresentar várias versões de uma África diversa, como afirma a escritora Chimamanda Adichie'* : [..] histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tomar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida. [...] Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso. [grifo nosso] À luz dessas reflexões, o nosso projeto de leitura foi concebido, isto é, buscando apresentar para os alunos obras africanas que dialogam com tantas outras. Freire (2005) afirma que a literatura é um instrumento pedagógico de fruição, mas que a escolha do livro não é ingênua e sim, política — em especial, quando falamos de uma Literatura Infantil Africana de Língua Portuguesa que praticamente não existia nas escolas até a promulgação da Lei 10.6396/03. A nossa escolha, portanto, é política e ideológica, uma vez que, pois acreditamos que é papel do professor apresentar para os seus alunos a maior variedade possível de textos literários, modificando a ordem etnocêntrica instaurada há séculos neste país. 3.2 Fundamentação teórica 16 CHIMAMANDA, Adichie. O perigo da história única. Produção de Ted, 2012. (19 min.), Youtube, son., color. Legendado. Disponível em: <hitps://www.youtube.com/waich? v=EC-bh1YARsc>. Acesso em: 08 de ago. de 2014. 50 Para organizar e propor um projeto de leitura, é primordial definir quem serão os leitores e depois tentar entender como eles se comportam, durante o processo de leitura. Coelho (2010) propõe algumas categorias de leitores que consideraram a inter-relação entre a idade cronológica, o nível de amadurecimento biopsíquico- afetivo-intelectual e o grau de conhecimento do mecanismo da leitura: 1. O pré-leitor. categoria que abrange a primeira e a segunda infância, na qual o indivíduo inicia o processo de reconhecimento da realidade que o rodeia, através dos valores vitais e sensoriais. Como ele ainda não consegue decodificar o código linguístico, há um predomínio absoluto da imagem. 2. O leitor iniciante: nesta fase, a criança inicia o processo de reconhecimento dos signos do alfabeto aproximando-se da linguagem verbal, através da socialização e racionalização da realidade. 3. O leitor em processo: momento em que a criança já domina com certa facilidade o mecanismo de leitura, por meio do seu pensamento lógico que permite operações mentais cada vez mais complexas. 4. O leitor fluente: nesta fase, os mecanismos de leitura e compreensão são consolidados, uma vez que o pensamento hipotético dedutivo do indivíduo está se desenvolvendo. 5. O leitor crítico: neste momento, a criança domina plenamente a leitura e escrita e possui uma capacidade cada vez maior de reflexão sobre aquilo que foi lido. Após a definição e compreensão de quem serão os leitores participantes do projeto literário, é preciso organizá-lo, levando em conta o tempo, o espaço e os materiais disponíveis. Para a elaboração do projeto de leitura, adotamos a sequência básica de Letramento Literário na Escola, proposta por Cosson (2014): motivação, introdução, leitura e interpretação. A atividade de motivação dever ser organizada de forma que o aluno crie um vínculo com o texto que será lido. O professor deve elaborar situações que impulsionem “naturalmente” os leitores à obra. 51 Após a motivação, deve ser feita uma introdução para que os alunos se aproximem um pouco mais do texto; uma vez que a contextualização é fundamental, seja para a construção de uma realidade praticamente desconhecida, seja para a reconstrução da visão estereotipada. Nesse momento, o docente precisa ter claros os objetivos da leitura, pois são eles que definirão o que é importante ser apresentado ou discutido com os alunos antes da leitura ser realizada: a vida do autor, a sua obra, o contexto histórico etc. A leitura é o momento crucial da Sequência Didática (SD) e é a que deve ocupar o maior tempo das aulas. Ainda que fundamentais, os dois primeiros momentos (motivação e introdução), devem ser destinados um tempo curto, pois o objetivo é apresentar alguns elementos que preparem os alunos para a leitura. O professor deve organizar como será feita a leitura: pelo professor em voz alta, pelo aluno em voz alta ou silenciosamente, em jogral etc. Cosson (2014) divide a interpretação em dois momentos: o interior e o exterior. O primeiro seria a apreensão global da leitura através da decifração do código, portanto possui caráter individual. O momento externo “seria a concretização, a materialização da interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade” (Cosson, 2014, p. 65) que deve ser compartilhado durante a aula de leitura. Esse compartilhamento possibilita a ampliação do primeiro momento, dos sentidos construídos individualmente. Em seguida, apresentamos uma análise das obras de Ondjaki que foram selecionadas para o projeto de leitura. 3.3 Obras selecionadas para o Projeto de Leitura 3.3.1 África: Uma escuridão bonita "O escuro às vezes não é falta de luz mas a presença de um sonho" (velho muito velho que inventa as palavras) (Onojaki, 2013, p.8) Uma escuridão bonita revela o caráter universal da literatura, pois conta a estória de dois jovens que aproveitam a falta de luz, em seu bairro, para trocarem s4 3.3.2 África através dos sentidos: Ynari - a menina das cinco tranças Em Ynari — a menina das cinco tranças (2010), as palavras constituem-se na força vital do universo, à medida que são criadas ou destruídas em busca da paz e harmonia das cinco aldeias citadas na história. Conforme Serrano (2010, p.146), “[...] nas sociedades africanas somente a palavra exata, na sua forma ritual, cumpre a função integradora e dinâmica que lhe seria pertinente”. Nesta obra, a palavra “permuta” que cumprirá o papel de restabelecer a ordem. Ynari é uma menina que vive numa aldeia com sua família, adora contemplar a natureza e tem um encanto especial pelas palavras. Num certo dia, ela conhece um homem muito pequenino que se torna um grande amigo seu. Através dele, a menina aprende novas palavras e significados novos para palavras antigas, percebendo a importância que a linguagem tem na vida do ser humano: - Sempre gostei muito das palavras, mesmo daquelas que ainda não conheço, sabes? Existem palavras que estão no nosso coração e que ainda não estiveram na nossa boca... Nunca sentiste isso? — finalmente perguntou Ynari, depois de tantas e tantas palavras ditas. (Ondiaki, 2010, p. 13). Além disso, o encontro com o pequeno homem orientará Ynari a descobrir o segredo que envolve as suas cinco tranças, que nunca se desfazem, e a levar paz aos cinco povos que estão em guerra pelo fato de cada um deles não possuir alguns dos cinco sentidos: olfato, paladar, visão, audição e fala. Será por intermédio do corte de cada uma das tranças da menina, que as aldeias descobrirão os sentidos que lhes faltam. A menina também conhece o velho muito velho que inventa as palavras e a velha muito velha que destrói as palavras. A partir de seus ensinamentos, ela começa a questionar a existência de algumas palavras e os seus significados, demonstrando o caráter metalinguístico do texto de Ondijaki, pois Como num jogo de ideias e descobertas de significados, o recurso metalinguístico prepara o leitor para o mundo ficcional. No mundo da palavra, a reflexão sobre a origem e o emprego dos vocábulos possibilita uma constante interação com o leitor. Desse modo, a criança e o jovem possuem papel ativo que condiciona um contínuo preenchimento de lacunas que aparecerão dentro do texto. Nesse processo, toda a estória 55 gira em tomo de valores relativos e infinitos da palavra. Utilizando-se quase sempre de diálogos diretos, a estória de Ynari ensina que a língua é um instrumento vivo, que se transforma e renasce a cada dia. (Rolon, 2011, p.138). Sendo assim, a leitura desse livro desperta no leitor reflexões sobre a linguagem, que fazem com que ele participe ativamente do processo de significação da estória. Nessa obra, o autor valoriza as características físicas do negro por meio da descrição da figura da menina “[...] eram cinco tranças lindas, negras, compridas. A menina tinha olhos enormes que brilhavam muito e lábios carnudos muito bonitos” (Ondjaki, 2010, p. 8). Tal valorização contribui na elaboração de um imaginário mais positivo com relação ao tipo físico do negro, tão discriminado, no Brasil. Além disso, o autor coloca em destaque algumas das principais características da cultura africana: o respeito aos mais velhos que representam a memória e sabedoria de um povo, através do velho e da velha muito velha; a oralidade como força vital, uma vez que “nas tradições africanas, a palavra falada, além de seu valor moral fundamental, possui caráter sagrado, que a associa com uma origem divina e com as forças ocultas nela depositadas” (Serrano, 2010, p.146). Em Ynari — a menina das cinco tranças, além de a palavra ser o fio condutor de toda a história e os personagens “brincarem” com ela o tempo inteiro, as cores e formas das ilustrações do livro são muito fortes e contribuem para o leitor mergulhar no universo encantado de Ynari. Segundo Gregorin (2011, p. 75), o professor deve estar atento para a “especificidade do leitor do livro que ele está oferecendo, um adolescente, e para a percepção de que a manifestação textual integral é resultado de duas semióticas (visual e verbal)”. O trabalho a ser desenvolvido com esse livro levará em conta, portanto, a leitura verbal e visual da obra, tendo em vista suas funções — as que predominam, nesse caso, são duas: descritiva e estética. As ilustrações de Ynari foram feitas pela recifense Joana Lira. No final do livro, há um depoimento em que ela diz que, para a produção dessa obra, ela largou o computador e fez tudo à mão, por meio de colagens, textura e pintura. Ao 56 destacar a função estética das ilustrações, o leitor volta-se continuamente para a forma como tudo foi produzido. Em alguns momentos, parece que o desenho foi feito na própria página em que se lê ou que é possível tocar os recortes feitos pela ilustradora. A maior parte das ilustrações de Lira são descritivas e simbólicas. Na imagem abaixo, apresentamos um exemplo de ilustração que descreve o cenário, a personagem e outros elementos presentes na estória: Figura 02- Página 07 de Ynari - a menina das cinco tranças. (Arquivo pessoal) O momento em que a menina entra em contato com o universo mágico dos velhos é representado de forma profundamente simbólica: 59 Capítulo IV O projeto de leitura 4.1 Resultados obtidos na aplicação do questionário A organização de um projeto de leitura literária deve promover encontros entre alunos e textos literários, partindo sempre de questões apresentadas pelos próprios indivíduos participantes do projeto. Sendo assim, optamos por organizar um questionário (Anexo |) inicial que retratasse como esses encontros têm ocorrido, na EMEF Mário Lago, principalmente no que tange às obras de literatura africana. Ele foi aplicado na primeira e segunda semana de agosto de 2014, com os alunos do 9%ano A e B, da escola. No total, havia setenta e três alunos matriculados, entretanto, somente sessenta e oito alunos responderam às perguntas, pelo fato de três terem sido transferidos e dois não comparecerem às aulas. Os resultados obtidos revelaram questões importantes para a elaboração do nosso projeto literário, que serão apresentadas, a seguir. 4.1.1 Sobre leitura Na primeira pergunta, cinquenta e cinco alunos responderam que gostavam de ler e treze disseram que não gostavam. Entretanto, na questão seguinte, vinte e oito alunos atribuíram uma importância pouca ou regular para a leitura em suas vidas; vinte e sete alunos disseram que ela era significativa e apenas treze responderam que ela era muito significativa. Para uma melhor visualização e análise dos dados, organizamos os gráficos, a seguir: Gráfico 1 — Dados relativos à primeira pergunta do questionário sobre o ensino de leitura literária na escola. Questão 01. Você gosta de ler? =Sim = Não Gráfico 2 — Dados relativos à segunda pergunta do questionário sobre o ensino de leitura literária na escola. Questão 02. Que valor você atribui à importância da leitura em sua vida? 5,9% 19,1% 35,3% 39,7% = Pouco mRegular = Significativo = Muito significativo Apesar de 80% dos alunos terem dito que gostavam de ler, cerca de 40% deles atribuíram pouca ou regular importância à leitura, em suas vidas. A quarta pergunta indagava sobre qual seria o suporte mais utilizado para leitura de textos literários na escola. Os resultados obtidos foram: 61 Gráfico 3 — Dados relativos à terceira pergunta do questionário sobre o ensino de leitura literária na escola. Questão 03. Na escola, qual o suporte que você mais utiliza para a leitura de textos literários? 40,0% 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% 5,0% E 0,0% Livros de literatura Livro didático Computador Cópias de texto infantil e juvenil Conforme o gráfico 3, cerca de 38% dos discentes disseram que o suporte mais utilizado para a leitura é o livro de Literatura Infantil e Juvenil; em segundo lugar, veio o livro didático (36%); em terceiro, o computador (16%); e em último, as cópias de texto (9%). Sabemos que o livro didático ocupa espaço fundamental no processo de escolarização dos indivíduos, uma vez que se encontram espalhados no ambiente escolar e, na maioria das vezes, constituem-se no único material acessível. Apesar de a EMEF Mário Lago possuir um acervo de mais de sete mil livros” tombados, até o ano de 2014 — na sua maioria, livros de literatura infantil e juvenil —, observa-se uma utilização insipiente deste acervo tão rico. Sabe-se que, quando o texto sai do seu suporte discursivo original e vai para o livro didático, a obra tende a se esvaziar. Por isso, quando há livros de literatura infantil e juvenil disponíveis, deve-se privilegiar a sua utilização. A pergunta seguinte do questionário era aberta e interpelava aos alunos sobre o que era a leitura para eles. Para mensurar as respostas, denominamos três concepções gerais de leitura que tentasse abarcar, grosso modo, o que os alunos escreveram: a ideia de leitura como um processo mecânico; um ato mais ligado à imaginação e fantasia; a leitura como um meio para se conseguir ou ser * Dados retirados do livro tombo da EMEF Mário Lago, disponível para consulta do público. alunos foram alta, magra e loira. Quando havia a indicação de uma personagem morena, ela era descrita com olhos verdes ou azuis. Tais respostas, somente confirmaram o estereótipo de beleza da nossa sociedade ocidental que se reflete no imaginário dos alunos. Gráfico 5 — Dados relativos à quinta pergunta do questionário sobre o ensino de leitura literária na escola. Questão 05.Imagine que você é um(a) escritor(a) e pretende escrever um livro sobre uma moça muito bonita que viverá uma série de aventuras. Como seria essa moça fisicamente? 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% [| 0,0% mm Loira Morena Negra Não indicou cor A seguir, apresentamos um exemplo que representa uma boa parte das respostas dos alunos: Figura 10 - Foto da resposta de um aluno ao questionário sobre o ensino de leitura na escola e escrever um livro sobre uma moça muito bonita que fisicamente? ss Asvomio LIS saR a 2.5 Imagine que você é um(a) escritor(a) e pres “Munhe Abe omoim do tm de = De modo geral, os resultados obtidos, nesta parte do questionário, indicaram que os alunos gostam de ler; atribuem uma importância relativa à leitura; os livros de literatura infantil e juvenil não são muito utilizados, nas atividades de leitura; a leitura, muitas vezes, ainda é vista apenas como um ato mecânico ou um meio para se conseguir algo; o estereótipo da mulher branca, magra e alta é presente no imaginário dos alunos. 65 Tais resultados auxiliaram na organização de um projeto que utilizasse o livro de Literatura Infantil/Juvenil como seu principal suporte, buscando desenvolver nos alunos um hábito de leitura que não estivesse ligado diretamente à atribuição de notas. 4.1.2 Sobre Literatura Infantil/Juvenil Africana Na segunda parte do questionário, elaboramos questões que tentassem indicar a relação dos alunos com o acervo de Literatura Infantil/Juvenil Africana da escola; identificar se esses livros estão sendo utilizados pelos professores; e perceber qual o imaginário de África dos alunos. Para analisar melhor as respostas, quantificamos o acervo de literatura africana e afro-brasileira ''da escola. Até o mês de agosto de 2014, havia sessenta e cinco títulos desse gênero, na escola, sendo que eles ficam numa prateleira específica da sala de leitura. Em alguns casos, há mais de um exemplar. Os resultados apontaram que os discentes não conhecem muito bem o acervo, como é possível ver abaixo: Gráfico 6 — Dados relativos à sexta pergunta do questionário sobre o ensino de leitura literária na escola. Questão 06. Na sua escola, há em média quantos livros de literatura infantil/ juvenil africana? 50,0% 45,0% 40,0% 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% E som | 0,0% mm at6 30 mais de 30 Até 10 Até 5 Não há ** Como ainda não houve um trabalho de distinção entre livro afro-brasileiro e africano, optamos por categorizar todos como africanos, para que os alunos pudessem responder o questionário. 66 Devido à promulgação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura africana, chegaram muitos livros com essa temática nas escolas, em sua maioria de literatura. Entretanto, eles são mal explorados, seja pela falta de conhecimento da sua existência, seja pela falta de preparo em lidar com a temática. No gráfico seguinte, é possível perceber isso de forma mais clara: Gráfico 7 — Dados relativos à sétima pergunta do questionário sobre o ensino de leitura literária na escola. Questão 07. No último ano, quantos livros de literatura africana você leu na escola, através da orientação de algum professor, em média? 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% e E 0,0% Nenhum Até 5 Mais de 5 A última questão pedia ao aluno que escrevesse duas palavras que, normalmente, surgem em sua mente, quando ouvem algo sobre o continente africano. Das cento e trinta e seis palavras citadas, apenas quinze estavam ligadas a algum aspecto positivo, enquanto foram utilizados cento e cinco termos ligados, principalmente, à ideia de pobreza (18), sofrimento (10), sede (11) e doenças (9), entre outras do mesmo campo semântico. Observa-se, então, que o imaginário de África presente na escola é o de um lugar permeado de aspectos negativos que desvalorizam e/ou ignoram a história e cultura do povo africano. A partir dessas observações, tentamos organizar um projeto que tivesse como protagonistas dois livros de Literatura Africana de Língua Portuguesa, que apresentassem uma África diferente daquela que os alunos estão acostumados a ver nos livros didáticos, televisão e internet. 69 A atividade de motivação tem como principal objetivo criar um vínculo entre o aluno e a leitura. Nesse caso, ela foi composta de duas etapas: a) Exposição de um mapa do continente africano, localizando Angola, país natal do escritor Ondijaki, como forma de contextualizar a produção da obra; b) Leitura de um texto sobre a história de Angola, retirado da Revista Raça”, que não se iniciasse com o período de colonização deste país, mas sim, com a existência de alguns reinos. Ao final da exposição do mapa e leitura do texto, os alunos demonstraram - se surpresos e entusiasmados com o fato de esse país ter sido governado por uma mulher, a Rainha Ginga, durante décadas e possuir uma história marcada pela resistência aos colonizadores. Nesse sentido, os discentes puderam se aproximar um pouco mais de algumas das questões históricas que permeiam as obras de Ondijaki. 4.3.1.2 Introdução A atividade de Introdução tem o objetivo de aproximar o leitor do livro. Para isso, exibimos um trecho da entrevista do escritor Ondjaki ao programa Jogo de Ideias?, disponível no site de compartilhamento Youtube. Dessa forma, os alunos poderiam conhecer um pouco mais sobre o escritor e se aproximar de sua obra. Através desse vídeo, eles descobriram que o português é a língua oficial de Angola e estabeleceram algumas relações entre esse país e o Brasil. 4.3.1.3 Leitura O livro Ynari —- a menina das cinco tranças possui quarenta e quatro páginas, portanto, não poderia ser lido, numa única aula. Dividimos, então, a leitura em duas partes: a primeira foi realizada pelo professor em voz alta, na sala de leitura da EMEF Mário Lago; a segunda foi feita pelos próprios alunos, sentados em roda, na sala de dança. A pausa da leitura ocorreu na página vinte e cinco, pois o desenlace do enredo se dá a partir da página seguinte. *º O texto encontra-se no Projeto Leituras de África (Anexo II). Entrevista ao jornalista Claudiney Ferreira, no programa Jogo de Ideias, gravado durante a 6º edição do Fórum das Letras de Ouro Preto, em novembro de 2010. Disponível em: https://Awww.youtube.com/watch?v=PkiQ ghMTvw. Acesso em: 04 de ago. de 2014. 70 Na primeira parte do livro, Ynari conhece o homem pequeno, com quem conversa sobre o significado das palavras, a velha muito velha que destrói palavras e o velho muito velho que inventa palavras. Após a leitura dessa primeira parte, iniciamos uma conversa com os alunos a partir das seguintes questões: 1) Quais palavras vocês mais gostam? Por quê? 2) Se vocês tivessem o poder de destruir palavras, quais destruiriam? 3) Quais outros personagens de estórias conhecidas possuíam a força concentrada em seus cabelos? 4) O autor utiliza muitas palavras no diminutivo e repete várias vezes algumas palavras ou sentenças. Qual efeito isso causa no texto? As perguntas foram realizadas de forma oral, para que os alunos pudessem compartilhar as suas impressões sobre a obra, com os colegas e o professor. Na aula seguinte, a leitura foi realizada pelos próprios alunos, pois eles já haviam se aproximado da linguagem do texto, anteriormente. Além disso, os alunos do 9º ano, participantes do projeto, gostavam de ler em voz alta. Nessa parte da história, lida pelos alunos, Ynari descobre o segredo das suas cinco tranças e consegue, por meio delas, fazer com que a paz volte a reinar entre as cinco aldeias que estão em guerra, porque cada uma delas não possuía algo: o olfato, o paladar, a visão, a audição e a fala. Nesse sentido, fizemos as seguintes perguntas aos alunos: 1) Por que o velho e a velha eram tão respeitados na aldeia? E como são tratados os idosos, na nossa sociedade? 2) Na aldeia de Ynari, a palavra vale muito e tem poder sobre a vida das pessoas. Na nossa sociedade, qual o significado que ela tem? 3) Segundo a ilustradora, ela realizou todo trabalho com as mãos, através de colagens, texturas e pinturas. Qual efeito isso causou durante a leitura da obra? 4) Ynari descobriu que as palavras podem ter significados positivos ou negativos, de acordo com o seu contexto, como, por exemplo, a palavra explosão, que se for utilizada em situações de guerra, é negativa, mas se A for uma explosão de cores ou de alegria, pode ser positiva. Agora, tentem lembrar de palavras com as quais pode ocorrer o mesmo. De modo geral, os alunos, de ambas turmas, participaram de forma satisfatória da leitura e discussão de Ynari —- a menina das cinco tranças. Ressalta-se ainda que o contato físico com o livro contribuiu para uma melhor análise da obra, pois os discentes puderam fazer comentários se referindo diretamente a alguns parágrafos e ilustrações. 4.3.1.4 Interpretação Segundo Cosson (2006), a interpretação ocorre em duas etapas: na primeira, existe a decodificação do texto e, na segunda, ela acontece através de atribuições de sentidos, por parte do leitor, que devem ser compartilhados com o grupo. Nesse sentido, a interpretação ocorreu durante as rodas de conversa, das aulas anteriores. Entretanto, para finalizar a interpretação da obra, criamos um jogo que fizesse com que os alunos refletissem e registrassem algumas questões relevantes sobre o livro de Ondjaki. O nome do jogo criado é As faces de Ynari. Para jogar, os alunos foram divididos em grupos de até seis pessoas e receberam um dado cujas faces eram compostas por ilustrações?! dos personagens principais da história (Ynari, homem muito pequeno, velha muito velha, velho muito velho) e as palavras tempo e espaço. A seguir, apresentamos uma foto dos dados: Figura 11 — Foto dos dados do jogo As faces de Ynari. 21 As ilustrações foram realizadas por alguns alunos que possuem habilidade em desenho. 74 Grupo 1 - Angola através da visão — Realizou a pesquisa. Grupo 2 - Angola através da audição — Não realizou a pesquisa. Grupo 3 - Angola através do paladar — Não realizou a pesquisa. Grupo 4 - Angola através das palavras — Não realizou a pesquisa Grupo 5 - Angola através da visão — Realizou a pesquisa Grupo 6 - Angola através da audição — Realizou a pesquisa Grupo 7 - Angola através do paladar — Realizou a pesquisa. Grupo 8 - Angola através das palavras - Realizou a pesquisa. 9º ano B Grupo 1 - Angola através da visão — Realizou a pesquisa. Grupo 2 - Angola através da audição — Realizou a pesquisa. Grupo 3 - Angola através do paladar — Realizou a pesquisa. Grupo 4 - Angola através das palavras - Não realizou a pesquisa Grupo 5 - Angola através da visão — Não realizou a pesquisa Grupo 6 - Angola através da audição — Realizou a pesquisa Grupo 7 - Angola através do paladar — Realizou a pesquisa. Grupo 8 - Angola através das palavras - Realizou a pesquisa. Verifica-se, portanto, que 75% dos grupos do 9º ano B realizaram a pesquisa, enquanto somente 63% dos grupos do 9º ano A fizeram a atividade. Entretanto, o principal objetivo dessa atividade era o de ampliar o repertório dos alunos sobre alguns aspectos culturais de Angola, que ocorreu de forma satisfatória. 4.3.1.6 Avaliação A avaliação das atividades ocorreu, ao final de cada uma delas, de modo informal, pois o nosso objetivo não era o de atribuir notas para os alunos e sim, estimular o hábito e gosto pela leitura. Entretanto, para fechar a Parte | do Projeto Leituras de África, pedimos que os alunos pensassem sobre a obra lida e todas as outras atividades realizadas e, 75 em seguida, dissessem algumas palavras que eles gostariam, assim como os personagens da história, de “destruir” ou “criar” para definir o continente africano, especialmente Angola. O resultado dessa atividade foi bastante satisfatório, pois notou-se uma mudança no olhar dos alunos sobre a história e cultura do povo africano. 4.3.2 Parte Il —- Angola, uma escuridão bonita: leitura de Uma escuridão bonita 4.3.2.1 Motivação A narrativa de Uma escuridão bonita inicia-se com a falta de luz no bairro, dos jovens protagonistas da história. A motivação foi composta apenas de uma conversa sobre a falta de luz no bairro dos alunos e o que eles costumam fazer, quando isso ocorre. O objetivo dessa atividade era o de despertar, nos alunos, uma certa curiosidade sobre a obra. 4.3.2.2 Introdução Enquanto em Ynari — a menina das cinco tranças, nota-se a tradição, em Uma escuridão bonita, verifica-se a presença de uma Angola mais moderna apresentada por meio da descrição de um espaço periférico da cidade. Nesse sentido, na introdução, propusemos uma atividade de apresentação de alguns espaços físicos de Angola, com o intuito de estabelecer relações entre esse país e o Brasil. A atividade também possibilitou uma melhor contextualização da obra de Ondiaki. A seguir, apresentamos as fotos? de Angola exibidas para os alunos: 23 LUANDA. Angola. Governo (Org.). Banco de Imagens de Luanda. 2011. Disponível em: <http:/Ayww .luanda.gov.ao/Bancolmagens.aspx? Prov=46>. Acesso em: 12 ago. 2014. 76 Figura 13- Fotos de Angola A "wW Inicialmente, não dissemos às turmas que as fotos eram de Angola, para lhes causar certa curiosidade. Após a apresentação, a maior parte dos alunos disse que as imagens eram de vários lugares distintos. Os mais citados foram Califórnia, Hollywood, Austrália, Brasil e México. Em seguida, revelou-se que as fotos eram de Angola, e os discentes mostraram-se surpresos, pois sabe-se que há uma grande difusão de imagens negativas e/ou exóticas do continente africano. Então, realizamos uma discussão, Figura 16- Foto de uma aluna do 9ºA, de um desenho feito por ela. para Figura 17- Foto de uma aluna do 9ºA “Era um beijo num baile solto de línguas, coqueiros que dançavam no vai-e- Do Reu RAR a RA RG salgado, sem nenhumas palavras de explicação.” (Ondjaki, 2013, p-102) 79 so 4.3.2.5 Avaliação O processo de avaliação do Projeto foi contínuo, pois buscamos, durante a realização de todas as etapas, analisar e orientar a participação dos alunos. Entretanto, não houve atribuição de notas para as atividades desenvolvidas, pois um dos nosso principais objetivos foi o de apresentar, a alunos e professores, um projeto de leitura que demonstrasse que a literatura não transmite nada. Cria. Dá existência plena ao que sem ela, ficaria no caos do inomeado e, consequentemente, do não existente para cada um. E, o que é fundamental, ao mesmo tempo que cria, aponta para o provisório da criação. (Lajolo, 1982, p.43). Afinal os alunos são consumidos, cotidianamente, por um ensino de literatura puramente didatizado, que normalmente só serve de desculpa para se chegar a conteúdos gramaticais, por exemplo. Além disso, sabe-se que as escolas, sobretudo as públicas, estão mergulhadas em problemas de origem econômica, social e política. Sendo assim, se a literatura não pode resolvê-los de forma direta, pelo menos, A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação de mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. A literatura tem um papel vital a cumprir; mas por isso é preciso toma-la no sentido amplo e intenso que prevaleceu na Europa até fins do século XIX e que hoje é marginalizado, quando triunfa uma concepção absurdamente reduzida do literário. O leitor comum, que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida, tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o desespero. Se esse leitor não tivesse razão, a leitura estaria condenada a desaparecer num curto prazo. (Todorov, 2009, p.76-7). Fundamentado nessas questões apontadas por Todorov é que organizamos o Projeto Literário Leituras de África, cujo objetivo era gerar motivos de aprendizagem, em que o conhecimento deixasse de ser meramente conteúdo 81 escolar, para tornar-se conteúdo vivido pelo aluno, através da atribuição de sentidos promovida pela leitura das obras de Ondijaki. 84 Nesse sentido, apresentamos uma avaliação da execução do projeto: a obtenção de vinte títulos de cada obra mostrou-se crucial para a realização da leitura, exploração e manuseio do livro; os alunos expressaram bastante interesse por tudo o que foi “descoberto” sobre Angola, pois ainda estão impregnados por um imaginário negativo do continente africano; a organização do projeto movimentou outros saberes (História, Arte e Geografia) que poderiam ter sido melhor explorados, se o projeto tivesse sido executado em conjunto, com os professores dessas disciplinas, mas a falta de tempo, na escola, para a organização de projetos interdisciplinares evitou que isso ocorresse; a exposição das pesquisas e fotos dos alunos do 9º ano possibilitou o contato da comunidade escolar com as atividades desenvolvidas; eleger o 9º ano para participar do projeto impossibilitou um melhor acompanhamento dos resultados obtidos e uma possível recuperação das leituras, através de outras intervenções; o desenvolvimento do projeto incentivou a elaboração de outros projetos que tratassem da temática africana, além de ter promovido várias discussões sobre a questão do preconceito racial, entre os docentes. Sabemos que apenas esse projeto não fará com que não ocorra mais manifestações de preconceito entre os alunos, pois, como já dissemos, são muitas as forças que atuam sobre a nossa forma de pensar, ser e agir, entretanto acreditamos que trabalhos como este é capaz, sim, de fazer com que as crianças e os jovens olhem para os povos africanos de forma diferente do que estão acostumados. Além disso, é necessário plantar esse tipo de discussão, principalmente, entre os professores, pois pelo fato de acharmos que não temos a capacidade de lidar muito bem com a questão do preconceito, muitas vezes nos silenciamos. Enquanto educadores, não podemos permitir que a dignidade de nossos alunos sejam solapadas sob nenhuma circunstância. Para impedir que isso ocorra, intervir apenas, pontualmente, não é suficiente. Precisamos mostrar aos alunos que apesar das diferenças culturais, religiosas e/ou históricas, todo povo tem o seu valor e merece o nosso respeito. Sendo assim, acreditamos que o Projeto Literário Leituras de África cumpriu com o seu objetivo de colocar em destaque a literatura africana de Língua Portuguesa, possibilitando ao aluno uma reflexão sobre a sua vida e o contexto em que está inserido, a partir da discussão e da problematização de 85 temas que lhes dizem respeito, no caso, a questão de cultura e identidade do povo africano. Afinal, olhar para o outro, sempre faz com que se descubra mais sobre si próprio. Ondjaki (2013, p.11) finalza Uma escuridão bonita com a seguinte passagem: “— Porquê inventas estórias? — ela perguntou./ - Para a nossa escuridão ficar mais bonita”. Então finalizamos este trabalho com a certeza de que entrar em contato com a literatura de outros povos também é uma forma de tornar a nossa “escuridão” humana mais bonita, uma vez que, sempre aprendemos algo novo, ao nos aproximarmos do outro. 86 Referências bibliográficas ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. 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ANEXO II — Projeto Literário Leituras de África Projeto Literário Leituras de África Autora: Silvana Aparecida da Silva Orientação: José Nicolau Gregorin Filho Modalidade: Anos finais do Ensino Fundamental 11 Componente curricular: Literatura e Pluralidade Cultural 95 96 Apresentação Formar leitores sempre foi um dos maiores desafios da educação, sobretudo, dos professores de Língua Portuguesa. Nesse sentido, é preciso que o docente esteja atento ao significado de se formar leitores, na atualidade, pois os alunos estão, cada vez mais, expostos a todo tipo de informação e conteúdo sobre as obras literárias e, portanto, não se sentem mais satisfeitos com leituras que não levem em consideração questões externas ao texto. Sendo assim, formar leitores literários significa aprofundar-se nas questões linguísticas, estéticas, históricas e culturais, contidas no texto. Em razão disso, optamos por realizar um projeto de formação de leitores literários que possa embasar teórica e metodologicamente professores, inspirando-os a colocar a literatura infantil e juvenil num lugar de destaque, em seus planejamentos. Pensamos na organização de um projeto que possibilitasse ao aluno refletir sobre sua vida e o contexto em que se insere, a partir da discussão e da problematização de temas que lhe dizem respeito, no caso, a questão de cultura e identidade do povo africano. Nesse sentido, o Projeto Leituras de África está apoiado sobre a Lei 10.639/03 que versa sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África. Visto que vivemos numa sociedade marcada por desigualdade sociais e étnico-raciais, a literatura, como um produto histórico e dialógico, no qual ecoam pensamentos e relações humanas, pode contribuir para a construção de novas versões sobre a história e cultura do povo negro que não seja aquela construída através dos séculos por uma ideologia eurocêntrica. Lajolo (2001, p.26) afirma que “em movimento de ajustes constantes, a literatura tanto gera comportamentos, sentimentos e atitudes, quanto, prevendo-os, dirige-os, reforça- os, matiza-os, atenua-os; pode revertê-los, alterá-los”. Sendo assim, a inserção de uma literatura que valorize a cultura e cultura africana pode auxiliar na atenuação, reversão, alteração de preconceitos e discriminação baseados na cor da pele ou qualquer outra característica física desse povo. Nesse sentido, apresentamos um projeto de leitura de duas obras de