Baixe A Importância da Medicina Baseada em Evidências (MBE) na Tomada de Decisões Clínicas e outras Notas de estudo em PDF para Medicina, somente na Docsity! Urologia Fundamental CAPÍTULO 48 Otávio Clark Luciana Clark Medicina Baseada em Evidências 416 UROLOGIA FUNDAMENTAL INTRODUÇÃO: EM BUSCA DO INALCANÇÁVEL Nosso processo de decisão A pergunta que mais aflige todos os médicos é: “Essa conduta trará mais benefícios que malefícios para meu paciente?”. O tempo todo o médico toma decisões que podem ser cruciais à evolução de seu paciente. Essas de- cisões deveriam sempre ter como base a ciência médica, frequentemente não é o que ocorre. No afã de responder suas dúvidas, muitas vezes o profissional utiliza informações coletadas de terceiros, como a opinião de algum especialista famoso. Procura ainda fontes inadequadas, como artigo de revisão escrito por alguém de uma grande instituição, um livro ou algumas vezes o material promocional do fabricante de um produto médico. Todas essas fontes, como veremos adiante, são opinativas e com enorme potencial de viés. Na medicina, existe uma longa lista de intervenções que nunca se mostraram efetivas e que, no entanto, foram ado- tadas como rotina na prática clínica. O contrário também é verdadeiro: intervenções comprovadamente benéficas que não foram adotadas e permanecem no esquecimento. A seguir, descrevemos dois casos clássicos. Desde 1973, o conhecimento científico acumulado por meio de estudos clínicos randomizados, já permi- tia saber com segurança que a estreptoquinase salvava vidas de pacientes com infarto agudo do miocárdio. Entretanto, somente na década de 1990, quase 20 anos depois, esse tratamento passou a ser utilizado no cotidiano médico. O contrário aconteceu com dopamina para tra- tamento de choque. Estudos comprovam que não há diferenças na sobrevida ou na evolução entre usar placebo ou dopamina nessa situação clínica, essa ainda largamente utilizada. Outro estudo avaliou se havia correlação entre as recomendações dos grandes especialistas na área de cardiologia, expressa na forma de artigos de revisão, de capítulos de livro e de conferências, com as evidências científicas disponíveis. Infelizmente, verificou-se que essa correlação não existia. Em alguns casos, os espe- cialistas recomendavam que se utilizassem intervenções que não funcionavam ou eram prejudiciais; em outros, deixavam de recomendar intervenções que realmente funcionavam. Por que isso ocorre? Infelizmente, porque ainda não há correlação direta entre conhecimento científico e opiniões dos grandes especialistas, que são “formadores de opinião” para outros médicos. Durante a graduação médica não há estímulo à formação do pensamento crítico, nem ao conheci- mento da metodologia científica. Aulas de metodo- logia, epidemiologia e de estatística geralmente são odiadas pelos alunos e consideradas como de menor importância para a formação do médico; comporta- mento frequentemente estimulado por professores de matérias clínicas. No entanto, são justamente essas disciplinas que formam a base do pensamento crítico necessário para separar publicações de boa qualidade daquelas ruins. ENFIM, O QUE É MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS (MBE)? A definição mais utilizada e citada em inúmeros artigos científicos é que a MBE é “o uso consciente, explícito e judicioso da melhor evidência clínica disponível ao tomar decisões sobre o tratamento de um paciente”. Por definição, é a integração da melhor evidência científica com a experiência clínica e os desejos indivi- duais do paciente. Vamos dissecar cada parte da tríade: Evidências: são as pesquisas clinicamente relevantes, especialmente aquelas centradas em pacientes e que prezam pela acurácia de testes diagnósticos, pelo poder de marcadores prognósticos e pela eficácia e segurança de procedimentos terapêuticos e preventivos. Experiência clínica: é a capacidade de colocar em prática habilidades clínica e experiências anteriores para identificar rapidamente o estado de saúde de cada paciente, seu diagnóstico, seus riscos individuais e os benefícios de intervenções potenciais. Desejos do paciente: incluem nosso entendimento e nosso reconhecimento da individualidade de cada ser humano, com preferências e expectativas únicas que ele traz à consulta médica e que devem ser integradas e respeitadas numa decisão clínica. Ser bom profissional implica utilizar tanto a expe- riência pessoal quanto a melhor evidências científica disponível. Lembre-se: nenhuma delas so zi nha é suficiente. 419 Medicina Baseada em Evidências COMO ELABORAR UMA PERGUNTA CLÍNICA ADEQUADA? Elaboração da pergunta científica é crucial para sucesso de todo o processo. Para elaborá-la correta- mente, utilizamos a técnica chamada PICO, acrônimo que descreve os quatro componentes fundamentais da pergunta clínica, a saber: Paciente: é preciso definir adequadamente o pa- ciente ou a situação clínica de interesse. Isso orientará a busca por informações. Quanto mais informações incluirmos sobre o paciente, isto é, quanto mais pre- cisa a descrição, mais direcionada se torna a pergunta. Intervenção: a qual o paciente se submeterá; deve ser sempre colocada de forma explícita. Intervenção pode ser um medicamento, um procedimento, um material cirúrgico, um exame diagnóstico etc. Comparação: em medicina, qualquer intervenção deve ser avaliada em termos comparativos. Não há nada absoluto, não há tratamentos ou exames bons ou ruins, mas tratamentos e exames melhores, piores ou iguais a outros. Portanto, é extremamente importante definir adequadamente contra qual comparação nossa intervenção deve mostrar-se melhor. Outcome (desfecho clínico): que desfecho clínico é importante para nosso cenário clínico? Na elaboração da pergunta é preciso definir qual é o resultado de interesse. Sobrevida, qualidade de vida e cura são os principais e são chamados de desfechos orientados ao paciente. Outros desfechos, como melhora da pressão arterial, diminuição do volume tumoral, controle do PSA, controle do valor de colesterol etc; são chamados desfechos intermediários e nem sempre têm relação com desfechos clínicos principais. Em outras palavras: nem sempre a melhora de um desses parâmetros se traduzirá em benefício ao paciente. Exemplos de perguntas clínicas adequadas e inadequadas: Qual o melhor tratamento para melanoma me- tastático? Essa pergunta é inadequada porque parte de uma visão absoluta e não relativa. Não define adequadamente o paciente, nem compara duas ou mais alternativas de tratamento. Adição de interferon e de interleucina ao tratamento com dacarbazina aumenta a sobrevida de pacientes com melanoma me- tastático? Os quatro componentes da pergunta estão presentes na pergunta. Pacientes: aqueles com melanoma metastático; Intervenção: tratamento com interferon, interleu- cina e dacarbazina; Comparado com: dacarbazina apenas; Resultado (outcome): medido como aumento de sobrevida. O teste ELISA é útil no rastreamento da AIDS? A pergunta é inadequada, pois não define nem pacientes nem comparadores. O teste ELISA tem melhor valor preditivo po- sitivo que o Wetern-Blot para rastreamento populacional da AIDS? A pergunta tem os quatro elementos básicos: Pacientes: população geral; Intervenção: ELISA; Comparador: Western-Blot; Outcome: valor preditivo (ou seja, proporção de pacientes com resultado positivo que desenvolverão AIDS). Depois de elaborada a pergunta é preciso classificá- la. As perguntas que mais fazemos podem ser colocadas em quatro categorias básicas, que são: Diagnóstico: nessa classe estão as perguntas que buscam saber se um teste diagnóstico aumenta a chance de determinado paciente ter ou não uma patologia previamente escolhida. Etiologia: aqui estão as perguntas direcionadas para saber a causa de uma doença ou estado clínico. Prognóstico: nessa categoria estão as perguntas so- bre a evolução de uma doença ou de um estado clínico. Tratamento: são as mais utilizadas no dia a dia e questionam se determinada intervenção é superior a outra. !"!#$%&#'&"(&#!#)*!''+,)!-./#0!'#1&"2%34!'5 É extremamente importante classificar a pergunta, pois o melhor desenho metodológico do estudo que a responderá varia conforme essa classificação. 420 UROLOGIA FUNDAMENTAL LEITURA RECOMENDADA 1. Guyatt G, Rennie D. User’s Guide to the Medical Literatu- re - a Manual for Evidence-Based Clinical Practice. 1 ed. Chicago-IL: AMA Press; 2002. 2. Antman EM, Lau J, Kupelnick B, Mosteller F, Chalmers TC. A comparison of results of meta-analyses of randomized control trials and recommendations of clinical experts. Tre- atments for myocardial infarction. JAMA. 1992;268(2):240-8. 3. Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA, Haynes RB, Richardson WS. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ. 1996;312(7023):71-2. 4. Haynes RB, Sackett DL, Gray JM, Cook DJ, Guyatt GH. Transferring evidence from research into practice: 1. The role of clinical care research evidence in clinical decisions. ACP J Club. 1996;125(3):A14-6. 5. Guyatt GH, Haynes B, Jaeschke RZ. EBM: Principles of Applying Users’ Guides to Patient Care 2000 [cited 2008 09/março/2008]. Available from: http://www.cche.net/ usersguides/applying.asp. 6. Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. JAMA. 1992;268(17):2420-5. 7. Greenhalgh T. How to read a paper. Papers that tell you what things cost (economic analyses). BMJ. 1997;315(7108):596-9. 8. Glasziou P, Haynes B. The paths from research to improved health. Evid Based Med. 2005;10:4-7. 9. Altman DG. The scandal of poor medical research. BMJ. 1994;308(6924):283-4. 10. Sackett DL, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes BR. Evidence-based medicine. How to practice and teach EBM. New York: Churchill Livingstone Inc; 1997. P I C O Paciente ou problema Intervenção Comparação Outcomes (desfechos) Comece com seu paciente. Pergun- te: “Como eu descreveria um grupo de pacientes similar ao meu?”. Equilibre precisão com brevidade. Pergunte: Qual a prin- cipal intervenção estou considerando?. Seja es- pecífico. Pergunte: Qual a principal al- ternativa para comparar com a intervenção?. Novamente, seja específico. Pergunte: “O que eu gostaria de verificar?” ou “O que essa exposição pode realmente causar? Novamente, seja específico. Em pacientes com cardiopatia isquêmica... “... o tratamento com angioplastia associado a stents revestidos com medicamentos...” “... quando comparado à an- gioplastia associada a stents convencionais...” ... diminui a mortalidade por infarto do miocárdio? Exercício: Elabore perguntas clínicas de acordo com o método PICO. Veja o exemplo: