Baixe Pesquisa Arquitetura e Urbanismo e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Arquitetura Contemporânea, somente na Docsity! Série - PPGARQ FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação UNESP - Universidade Estadual Paulista - Campus de Bauru Maria Solange Gurgel de Castro Fontes Obede Borges Faria Rosio Fernández Baca Salcedo Organizadores: PPGARO Prograria de Pde-graduação em Arquitetura & Urbanismo vol. 1 á Pesquisa —= em arquitetura E g fundamentação | CULTURA ACADÊMICA p Editora Pesquisa em arquitetura e urbanismo: Fundamentação teórica e métodos Maria Solange Gurgel de Castro Fontes Obede Borges Faria Rosio Fernández Baca Salcedo (organizadores) CULTURA ACADÊMICA q Editora Bauru-SP 2016 O 2015, Cultura Acadêmica Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 - São Paulo - SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax.: (0xx11) 3242-7172 Divisão Técnica de Biblioteca e Documentação - UNESP/Bauru 301.1 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação PB99 teórica e métodos / Maria Solange Gurgel de Castro Fontes, Obede Borges Faria e Rosío Fernández Baca Salcedo (organizadores). - São Paulo : Cultura Acadêmica, 2016 204 p. : il. — (PPGARQ ; v. 1) ISBN 978-85-7983-722-7 Inclui bibliografia 1. Arquitetura. 2. Urbanismo. 3. Patrimônio cultural. I. Fontes, Maria Solange Gurgel de Castro. II. Faria, Obede Borges. III. Salcedo, Rosío Fernández Baca. IV. Título Ficha catalográfica elaborada por: Maristela Brichi Cintra CRB/8 5046 Diagramação e capas: Obede Borges Faria Ilustração das capas: Solstício de verão na Praça Ruy Barbosa, Bauru - SP, 2014 (desenho elaborado por Eduardo da Silva Pinto, para o capítulo de Marta A. B. Romero) Sumário Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI Magda Saura Carulla Josep Muntafiola Thornberg Sergi Méndez Rodríguez Júlia Beltran Borràs O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin Claudio Silveira Amaral Dionisio Vitorino Barbosa Junior Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas Paula Valéria Coiado Chamma Rosio Fernández Baca Salcedo O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação dos Técnicos e Conselheiros do CONDEPHAAT (1969 — 1982) Ewerton Henrique de Moraes Eduardo Romero de Oliveira Três obras modernistas em Marília Nilson Ghirardello Alfredo Zaia Nogueira Ramos As ciências naturais e a arte dos jardins no Brasil (século XIX) Marta Enokibara Vi idade dos rios urbanos Norma Regina Truppel Constantino Mariana Rossi Ensaios exploratórios sobre o ambiente acústico de cânions urbanos Léa Cristina Lucas de Souza Marcia Thais Suriano André Bressa Donato Mendonça Envelhecimento e percepção térmica Fabiana Padilha Montanheiro João Roberto Gomes de Faria Fatores que podem afetar a escolha de rotas seguras no trajeto por caminhada entre o ponto de ônibus e a escola Bruna de Brito Prado Renata Cardoso Magagnin Qualificação bioclimática do espaço público: Metodologia e diretrizes Marta Adriana Bustos Romero Obs.: A autoria das ilustrações sem créditos é dos autores dos respectivos textos nas quais estão inseridas. 13 31 47 69 87 107 121 137 153 165 187 Prefácio Esse livro, o primeiro de uma série denominada "PPGARQ", que recebe o titulo de "Pesquisa em arquitetura e urbanismo: Fundamentação teórica e métodos", pretende abarcar as linhas de pesquisa do jovem Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ), credenciado pela CAPES no ano de 2013. O Programa, oferecido pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), UNESP, campus de Bauru, que conta desde o ano de 1985, com um dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo mais concorridos do país, tem por objetivo principal a capacitação para a pesquisa e o ensino de nível superior, sendo o primeiro mestrado acadêmico na área de Arquitetura e Urbanismo da UNESP e o terceiro entre as universidades publicas do Estado de São Paulo. Desde seu início o jovem programa encontra-se bastante ativo na organização de eventos, encontros e congressos, tendo patrocinado em 2014 o XIl Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio aArquitetônico e Edificado, promovido pelo CICOP, Centro Internacional para a Conservação do Patrimônio. Outro dado relevante é o geográfico, pois, situa- se em uma unidade da UNESP no centro do estado, imerso em uma das maiores redes de cidades do Brasil, que geram o PIB mais alto do país. Dessa forma, guardando a principal característica da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", a UNESP, com campus em 22 cidades do interior, o Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ), toma como diferencial a exploração de temas ligados ao interior em especial sobre o Oeste Paulista e suas relações com outros contextos, nacionais e internacionais, campo de ação rico e vasto onde ha tudo a se estudar e fazer. Esse aspecto pode ser observado em muitos dos trabalhos desse livro, que possuem como estudo de caso, cidades do interior de São Paulo. A coletânea de artigos aqui apresentados, produto de pesquisa de professores do Programa e seus orientados, além de pesquisadores convidados, revelam claramente as duas linhas do Programa: Planejamento e Avaliação do Ambiente Construído e Teoria, História e Projeto. Os temas abordados nesse livro, dessa forma, tratam de áreas como: Fundamentação Teórica, Teoria de Projeto, Patrimônio Cultural, História da Arquitetura, Conforto Ambiental e Mobilidade urbana. A Fundamentação Teórica conta com especial contribuição dos Professores Magda Saura Carulla, Josep Muntafiola Thonberg, Sergi Méndez Rodríguez e Júlia Beltran Borrãs, da Universidad Politécnica de Catalufia, com o artigo denominado: "Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI", que toma como base uma carta escrita pelo conhecido arquiteto catalão Josep Lluís Sert, grande estudioso de Gaudi, no período em que dirigia a Escola de Arquitetura de Harvard. A partir dessa missiva busca metodologias mais eficientes no campo da arquitetura e urbanismo amparadas nas idéias dialógicas de Mijaíl Bajtín, nome habitualmente transliterado para o inglês como Mikhail Bakthin. O trabalho se encerra com exemplos bastante interessantes das metodologias apontadas. A presença nesse livro de um trabalho do Professor Muntafiola, diretor da Escola de Arquitetura de Barcelona entre 1980 e 1984, membro da Real Academia de Belas Artes de San Jordi, e com vasta obra publicada em diversas línguas, tratando, em especial, sobre a gênese do lugar, é um fato por si muito relevante e consagra as parcerias entre o PPGARQ da UNESP com a UPC. Na área de Teoria de Projeto encontramos dois artigos, os de Claudio Amaral junto com Dioniso Vitorino Barbosa Junior e de Paula Valéria Coiado Chamma conjuntamente com Rosio Fernandez Baca Salcedo. O primeiro é denominado "O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin", que aborda a relação entre o republicano Rui Barbosa, bastante influenciado pelo estudioso da arte inglês John Ruskin, em sua concepção de política de ensino do desenho, considerada para ambos uma questão epistemológica. No artigo os autores lançam uma questão bastante relevante para os leitores: se o desenho, visto sob a ótica da teoria do conhecimento, ainda é valido para a analise da arquitetura contemporânea. O segundo trabalho chama-se "O ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas", faz uma ponte com o artigo dos colegas catalães abordando a teoria de Mikhail Bakthin, a dialogia de Muntafíola e a hermenêutica de Ricoeur. Parte do principio que o ensino das disciplinas de técnicas retrospectivas chegou tarde as escolas brasileiras e com baixa carga horária, acarretando prejuízos para a pratica projetual, sendo que o ensino dialógico, proposto por Muntafíola poderia contribuir para os projetos arquitetônicos em áreas históricas. Versando sobre Patrimônio Cultural, contamos com o trabalho de Ewerton Henrique de Moraes e Eduardo Romero de Oliveira, chamado "O patrimônio ferroviário no estado de São Paulo: a interpretação dos técnicos e conselheiros do CONDEPHAAT (1969-1982)", onde busca encontrar os argumentos que justificam os tombamentos ferroviários efetuados pelo órgão de preservação oficial do estado de São Paulo no período, sendo que praticamente todos focam apenas a estação, sua edificação habitualmente mais visível e ornamentada, vista de forma nostálgica, sem se dar conta da importância do conjunto de bens que representam todo patrimônio industrial presente nesse meio de transporte nas cidades. A respeito da história da arquitetura e do paisagismo encontramos o artigo do autor desse prefácio, juntamente com Alfredo Zaia Nogueira Ramos, denominado "Três obras modernistas em Marília" que busca estudar, sob o ponto de vista histórico-arquitetonico, projetos modernistas em uma jovem cidade do oeste paulista, Marília. Fundada em 1920, a cidade possui um rico patrimônio arquitetônico art déco e moderno a se pesquisar e explorar. No trabalho são apresentadas obras de quatro grandes mestres arquitetos: o edifício do SENAC, construído no final dos anos 1950, por Oswaldo Correia Gonçalves; o prédio da prefeitura, dos anos 1960, de Miguel Badra e Ginez Velanga e o conjunto CECAP, edificado nos anos 1970 por Vilanova Artigas. O trabalho possui o grande mérito de trazer a luz obras de valor e pouco conhecidas nacionalmente, que colaboram para introduzir, ou introduzem, a linguagem modernista em uma importante cidade do interior paulista. O trabalho "As ciências naturais e a arte dos jardins no Brasil (século XIX)", de Marta Enokibara, aborda a relação próxima entre as ciências naturais e a arte dos jardins, a partir dos meados século XIX, no país. Nesse momento a flora local começa a ser estudada tanto pela Imperial Comissão Cientifica e também pelos naturalistas-viajantes, ao mesmo tempo que a chegada do francês Auguste Glaziou colabora para transformar o incipiente paisagismo local ao aceitar espécies nativas em seus projetos, vistas até então como sem valor ornamental. dade dos rios urbanos", de Norma Regina Truppel Constantino e Mariana Rossi trata da relação entre os cursos d'água e a cidade, tomando como base alguns núcleos urbanos do oeste paulista. No trabalho as autoras mostram a importância da visibilidade dos córregos e riachos e da aproximação dos moradores das cidades com os mesmos, o que pode vir a estimular demandas por intervenções mais corretas em áreas de fundo de vale, respeitando-se o desenho da paisagem fluvial, os recursos naturais, a legislação ambiental e assim contribuindo para a valorização do significado de lugar. Versando sobre Conforto Ambiental três importantes trabalhos. O de Léa Cristina Lucas de Souza, Marcia Thais Suriano e André Bressa Donato Mendonça, chamado "Ensaios exploratórios sobre o ambiente acústico de cânions urbanos", os autores, a partir de amostras de áreas urbanas verificaram tempos de reverberação e níveis de pressão sonora nos chamados cânions urbanos, protótipo geométrico resultado das variadas edificações em nossas cidades, indicando que os sons de baixa frequência podem apresentar tempo de reverberação mais elevado dependendo da Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI Magda Saura Carulla Josep Muntafiola Thornberg Sergi Méndez Rodríguez Júlia Beltran Borrãàs RESUMO: A partir de una carta escrita por el arquitecto catalán Josep Luís Sert, entonces Director de la Escuela de Arquitectura de la Universidad de Harvard en 1960, nuestro artículo definirá las metodologias más eficientes e innovadoras en el campo de la arquitectura y el urbanismo. Estas metodologias se apoyan en unos planteamientos teóricos reactivados en los últimos afios gracias a la difusión de las ideas dialógicas de Mijaíl Bajtín, así como de los nuevos avances en campos como las ciencias cognitivas. Estas ideas de Mijaíl Bajtin permiten precisar la importancia de metodologias para investigar en masters y programas de doctorado. Por un lado cada metodologia nos aproxima a la experiencia real del uso de edificios y ciudades de un modo especifico. Por otro lado no permite que una sola forma de análisis pretenda ser la única posible. El artículo acabará con la breve presentación de algunos casos de estudio a partir de la metodologias seleccionadas. Palavras-chave: cronotopo, sintaxis espacial “pattern”, Architecture and Planning: Research Methodologies on the XXI century ABSTRACT: Starting with a letter wrote by the Catalan architect J.LI. Sert to professor Muntafiola, when Sert was Dean of the School of Architecture in Harvard, this article will describe the best methodological tools in order to do research on architecture and planning today. These tools will have, in Mikhail Bakhtin, the best theoretical framework as well as in the advances in cognitive sciences. The dialogical ideas Bakhtin, applied to architecture and planning allows understanding the specific way each methodology links building and cities to social use and social meaning, and, simultaneously, they refuse any possibility of an unique methodology in architectural and urban design research. This article will include some study cases of each methodology in order to show the practical value of each approach. Keywords: chronotopo, pattern, space syntax 14 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos 1 INTRODUCCIÓN: LAS BASES DISCIPLINARES DEL CONOCIMIENTO ARQUITECTÓNICO Y URBANÍSTICO La carta escrita por Josep Lluis Sert (apéndice 1), arquitecto catalán que tuvo que exiliarse en los Estados Unidos por la represión del régimen de Franco, y Ilegó a ser director de la Escuela de Arquitectura de la Universidad de Harvard, tras Walter Gropius, es un esquema muy claro de cuáles son las bases disciplinarias del conocimiento de los arquitectos y urbanistas. He aquí una traducción al castellano, de dicha carta: 2 Una escuela de arquitectura y urbanismo, ambas (disciplinas) inseparables por naturaleza, es un centro de experimentación e investigación que debe cambiar anticipando los cambios sociales, económicos, ideológicos y tecnológicos de los tiempos que estamos viviendo. Los cursos, programas y experimentos se concentrarán en tres grupos principales: a) Conocimiento del hombre y los elementos naturales, (reacciones físicas y psíquicas) - desde la antropologia a la sociologia urbana. b) Conocimiento del mundo visual - concepción, percepción de los espacios, volúmenes, elementos de comunicación y lazos, (interrelaciones) - espacios funcionales y su contenido emotivo. Elementos tridimensionales y movimientos reemplazando palabras. Establecimiento de vocabularios visuales. c) Conocimiento de los medios de realización - tecnologia arquitectónica y tecnologia urbana, apreciación de materiales y su comportamiento, estructuras, sistemas de control climatológico, sistemas de servicios y canalizaciones, interrelación de sistemas, economia, financiación, y legislación que hagan posibles y realizables los conceptos, ideas y proyectos que tendrán como base principal la creación de un mundo de espacios, volúmenes, formas y comunicaciones que responda a los derechos humanos que todos luchamos por establecer. METODOLOGÍAS: LA INNOVACIÓN DEL SIGLO XXI De una forma muy resumida, las figuras 1 y 2 esquematizan los distintos aspectos de la investigación en arquitectura y urbanismo. Por otro lado, el excelente artículo de Jeremy Till sobre la investigación en arquitectura y urbanismo, publicado hace pocos afios, con inteligencia describe como superar los malentendidos que persisten en la profesión sobre la responsabilidad de investigar desde los conocimientos propios de los arquitectos defendidos en la carta de Josep Luís Sert antes citada. Lasprácticas del disefo arquitectónico 1 7 Investigación en Investigación la Educación enta Gestión X a a 8 e Investigación 5 ; Invastigacidn investgacion | soprelasCiencias | Investgscin | | Mesigecina Ambiental Emográfica Sociales Tecnológica Tao Lastamas teóricas de la Arquitectura y ai Libanismo Figura 1. Las 7 ramas temáticas de investigación en Arquitectura y Urbanismo. Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI 15 M.S. Carulla; J. M. Thornberg; S. M. Rodríguez; J. B. Borras 5 PROYECTO Figura 2. Las 3 ramas teóricas de investigación en Arquitectura y Urbanismo. Desde este punto de vista, las metodologias que se abren camino son las siguientes: a) Lasintaxis espacial, defendida por el arquitecto inglés Bill Hiller en los últimos cincuenta afios. b) La semiología de la arquitectura, desarrollada por el arquitecto francés Alan Renier. c) Los “Patterns Socio físicos”, de Christopher Alexander y sus desarrollos posteriores. d) Las estructuras socio físicas, cronotópicas en base etnológica, y su valor epistemológico y hermenéutico, en base al ciclo descrito por Paul Ricoeur entre proyectar, construir y habitar, entendidos como un proceso paralelo al de imaginar un texto escrito y leer el texto del lenguaje verbal escrito. 2.1 Lasintaxis espa: La investigación sobre la sintaxis espacial nace alrededor de los afios 70 y principios de los 80. Y experimenta un gran empuje exponencial gracias a los avances tecnológicos de finales de siglo. Esta herramienta puede considerarse una intersección entre diferentes campos de conocimiento: las matemáticas, la informática, las ciencias sociales, la arquitectura y el urbanismo. Este hecho la dota de una gran complejidad, proporcional a su gran potencial en el campo del análisis del disefio, desde un punto imposible hasta entonces: su impacto social. La teoría que sostiene Bill Hillier desde sus inicios es que la propia forma, por sus características geométricas, ofrece una configuración capaz de permitir o evitar la existencia de determinados comportamientos sociales. Esta teoría se conoce como la teoría configurativa de la arquitectura. Así, sin llegar a un determinismo en el comportamiento, gracias a la sintaxis, se puede llegar a conocer qué tipo de espacio se está disefiando. De una manera muy concreta y breve, y con el ánimo de motivar al lector a introducirse en este mundo sintáctico, esta herramienta nos informa de varios parámetros que acaban definiendo cualidades de los espacios: la accesibilidad, la inteligibilidad, el nivel de elección y la inteligibilidad. Los descubrimientos que está permitiendo esta herramienta en la arquitectura y el urbanismo son notables, ya que, se están detectando diferentes asociaciones entre la configuración de los espacios y patrones de comportamiento social. A lo largo de muchos estudios, se está comprobando que existe una sintaxis relacionada con el incivismo en las ciudades, así como una sintaxis relacionada con la centralidad urbana. Pero lo más interesante, sin duda, son los estudios 18 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos - | Representando las intenciones de los otros. Por ejemplo, entendiendo los objetivos que hay detrás de cada comportamiento de las personas. - | Representando las creencias y el conocimiento de los otros. Por ejemplo, entendiendo que otras personas no saben ni creen las mismas cosas que tú, y al revés. En cualquier caso, y para concluir este breve punto, la aproximación socio-física a la arquitectura no es ninguna novedad teórica ni práctica, puesto que ya fue planteada por Vitrubio en relación a los elementos esenciales de la arquitectura: Venustas, Firmitas, Utilitas. Ya planteaba, entonces, que la forma arquitectónica tenía una calidad estética (belleza), una calidad técnica (estabilidad) y una calidad funcional (uso). Estas teorías no hacen más que una realidad que debe ser asumida: la arquitectura como un producto cultural (Muntafiola J., 2006). 3 APLICACIONES METODOLÓGICAS Y SUS CARACTERÍSTICAS A continuación, se muestran varios ejemplos sobre cada una de las metodologias expuestas anteriormente. En primer lugar, el resultado de la colaboración entre Norman Foster y Bill Hillier, en la Trafalgar en Londres, con la “sintaxis espacial” como herramienta de diagnosis y propuesta. En segundo lugar, las tesis sobre semiología de la arquitectura de la Escuela Arquitectura de Túnez. Tercero, dos ejemplos sobre “patterns”. Y en cuarto lugar, en relación a las estructuras cronotópicas y dialógicas, algunos trabajos de base etnometodológica, fundamentados en la observación. 3.1 Trafalgar Square: una solución sintáctica del espacio Un ejemplo de gran impacto internacional de la metodologia de la sintaxis espacial se encuentra enel proyecto realizado por el despacho de Norman Foster & Partners para la Trafalgar Square de Londres (1996-2003), con la asesoría del equipo de Space Syntax. Como se ha comprobado con su materialización, el proyecto, ubicado en una de las áreas de más significado histórico y simbólico de Londres, era la oportunidad de transformar positivamente la calidad de la red de espacios públicos de la ciudad. Algo, que no hubiera sido posible gracias a la planificación aprobada en 1996, que planteaba una solución habitable, pero quedaba muy lejos de eliminar la mala calidad ambiental, las condiciones de inseguridad y el control del espacio público por el tránsito motorizado. La contribución de la sintaxis espacial en este proyecto se puede estructurar en dos periodos: estudio y propuestas. Por una parte, dada la naturaleza de esta propia metodologia y su estrecha relación y complementariedad con el estudio del comportamiento de las personas en el contexto de estudio real, en el primer periodo se analizaron los “patterns” de actividad peatonal. Aquí se detectaron dos hechos concretos. El primero, que los londinenses evitaban el paso por el espacio central de Trafalgar Square. Y el segundo, que los turistas no realizaban el recorrido entre Trafalgar Square y la Parliament Square. Una vez obtenidos estos dos datos fundamentales, se llevó a cabo una observación exhaustiva de los valores de movilidad peatonal de el área correspondiente. Y por otra parte, se propusieron las ideas estructurales para el disefio de las soluciones. La primera de ellas consistía en re-disefiar una escalera de mayores dimensiones que las que ya existian en los laterales. Con esta nueva escalera, ubicada en el centro de la plaza, se permitían circulaciones peatonales que anteriormente imposibilitaba el largo muro. La segunda idea consistía en la peatonalización selectiva de algunas de las áreas que anteriormente eran territorio del vehículo motorizado, como por ejemplo, el espacio inmediato a la fachada de acceso principal al edificio de la National Gallery. Y la tercera idea, finalmente, pasaba por re-conectar la Parliament Square con la amplia área de Trafalgar Square, situada a unos 10 minutos caminando, con el objetivo de configurar un recorrido que pase a formar parte tanto de la cotidianidad de los Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI 19 M.S. Carulla; J. M. Thornberg; S. M. Rodríguez; J. B. Borras londinenses, como un recorrido atractivo para visitantes y turistas, ya que, ahora, este trayecto no es muy usual en ninguno de estos colectivos. El resultado de la intervención fue excelente (figura 4). Se puede comprobar observando los cambios notables que se producen en la sintaxis del espacio, de la situación anterior al proyecto (figura 5) y posterior (figura 6). Si en 1996 los recorridos más accesibles eran externos a la plaza, en todo su alrededor, y la circulación por su interior era algo poco habitual, la intervención hace que la plaza se convierta en un polo de atracción de personas y que estos recorridos sean espacios de paseo Ilenos de vitalidad. Gracias a pequefios cambios en la sintaxis del espacio, es decir, en su propia configuración, se consiguió una gran transformación con muy pocos elementos, con muy poco presupuesto. Por ejemplo, se consiguió multiplicar por 13 los niveles de movilidad peatonal anteriores al proyecto. Y quizá lo más importante, se creó un espacio que desde entonces es compartido por londinenses y turistas, dotándolo así de heterogeneidad, y generador de identidad. Figura 5. Sintaxis espacial anterior a la Figura 6. Sintaxis espacial de la intervención configuración posterior a la intervención Fuente figuras 4, 5 y 6: Space Syntax. Trafalgar Square: Pedestrian Activity Analysis, Spatial Accessibility Analysis and edestrian Activity Forecasting. Documento disponible on-line: http://www.spacesyntax.com/project/trafalgar-square/ 20 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos 3.2 Aproximación a la poética y a la semiótica arquitectónica. Una de las tesis que ofrece una aplicación de la poética como método analítico, de disefio y de investigación en la arquitectura es la elaborada recientemente por Bchir Elaouani (2011). Esta tesis doctoral presenta, en una primera instancia los niveles en los que se encuentra presente la poética en los edificios. En primer lugar, establece un primer nivel superficial, en el que toma valor la forma arquitectónica, pero no solamente por el valor estricto de su configuración, sino del “retorno”, es decir, de la interpretación que realiza el usuario. En este nivel apunta un conjunto de herramientas de disefio: ritmo, antítesis, figuras de repetición, hipérbole, disonancia, etc. Herramientas, como esta última, la disonancia, utilizada frecuentemente por maestros como Miguel Ángel o Le Corbusier, en las entradas de los edificios, con el objetivo de generar una sensación de ambigúedad, empleando una discontinuidad con el uso de diferentes escalas, por ejemplo. Establece también un segundo nivel intermedio, que corresponde a las estrategias de composición con las que los arquitectos transformar los edificios. En este caso, las estrategias, como en cualquier obra de arquitectura tradicional, en cualquier parte del mundo, obedecen a criterios culturales, como demuestra esta tesis. Así, apunta las siguientes estrategias, como propias de la arquitectura vernácula de Túnez: estrategia de adición, introversión, del itinerario, del vacío central, del ritual e itinerario y de la rehabilitación de la tipologia histórica. Y finalmente, establece un tercer nivel profundo, relacionado con la retórica del contenido, donde toman importancia el gusto del cliente, el significado de la composición y las referencias ideológicas que utiliza el arquitecto para “conectar” y “convencer” al cliente. Además, esta tesis es el claro ejemplo de una aplicación en la arquitectura de la teoría de la poética de Paul Ricoeur, donde hace referencia a las etapas de la creación literaria. A través de algunos ejemplos, se expone cada una de las relaciones que aparecen en las obras en las tres etapas de: prefiguración, configuración y refiguración (figura 7). Por otra parte, y desde la semiótica de la arquitectura, Regaya (2011) realiza un análisis exhaustivo de las relaciones que se establecen en el espacio doméstico de las viviendas tradicionales tunecinos entre la configuración de los espacios, su significado cultural y el uso cotidiano. Asumiendo los recorridos y relaciones, en el interior de las viviendas, y los objetos, que aparecen colocados en cada uno de los espacios, ambos como información cultural, ya que son el resultado entre la interacción socio-física entre personas y entorno, esta aproximación los descubre y utiliza como testimonios que des-codifican el significado cultural del espacio (figura 8). Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI 23 M.S. Carulla; J. M. Thornberg; S. M. Rodríguez; J. B. Borras Por otra parte, un ejemplo más actual, de cómo los patrones pueden Ilegar a emplearse como una herramienta para la investigación lo pone de manifiesto una aproximación a las características que se encuentran en los lugares que resultan agradables para caminar, la Ilamada “walkability” (Van Bellen, 2010). Potrones paro una ciudad o una comunidad (1 94) Estructuros fundamento es que dejfimer lo ciudad! tdentificoción socio-física de los comunidades Molhos de uso: tronsporte de personas py mercaderias, educación, comercio, etr. Principios de control de da neturaleza del entorno focal, Factores para (o generación de núcleos habitmbies: viviendo, trabajo pocio. Factores para io creoción de lugores paro ta fomílio, los grupos de trabojo y de reunidn. Potrones poro grupos de edifícios o edificios individuales (95 = 204) Batrones pora trazor lo configurarián general de un grope de edificios Emplazomiento dei edificio Formas, funciones y movimiento en los espacios interiores y exteriores de las edificios: viviendas, affcinas, talleres y edificios públicos Relaciór de do fachada con el ambiente exterior Cormeterísticas de lo jordinerio Potranes pero fa construccián de edifícios [205 - 253] Una filasafia para una estructura sacial-funcional Estructura vertical y horizonte! del edificio Lo relación entre las aberturas p estructura Sofución de detaites interiores p exteriores Ornamentoción Figura 9. Resumen del “Lenguaje de patrones” 3.4 Bibliografia y metodologia sobre las estructuras cronotópicas y dialógicas. En cuanto a este apartado, existen algunas metodologias que pueden servir como ejemplo para establecer una aproximación al disefio arquitectónico y urbano desde la estructura cronotópica del lugar y desde la dialogía. Una característica que comparten todas la metodologias es el interés y el estudio por la relación interactiva, ya sea entre sujetos, como entre sujetos y objetos. Es decir, ya sea por el análisis de las relaciones humanas que se producen en los espacios de estudio, o por la relación que las personas establecen con ese determinado entorno. Este conjunto de metodologias pueden agruparse en 2 grandes grupos. Por un lado, el que trata de obtener información mediante la observación, y por el otro, el que obtiene la información a través de la formulación de preguntas. Respecto al primer grupo, introducimos algunos ejemplos. El primero de ellos corresponde a la tesis que Ileva por título: “Interacción dialéctica: Individuo-Entorno Construido”, elaborada por R. Pérez Picazo (2002). Esta tesis aborda el uso del espacio público urbano desde una perspectiva científica, desde parámetros energéticos. Es decir, establece una asociación entre la calidad del espacio público y la energia que en él se consuma por las personas que lo utilizan, recorren, pasean, etc. El método que propone consiste en capturar los diferentes tipos de comportamientos que se producen en estos espacios, mediante la observación, y trasladar toda la información capturada a una base cartográfica del lugar. De una manera muy resumida, la metodologia plantea una clasificación en función de la energia que emplean las personas para realizar los distintos comportamientos. 24 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos De este modo, distingue dos principales categorías que implican consumos energéticos muy diferentes. Por un lado, los desplazamientos, de cualquier tipo y velocidad, que, aunque se realicen a muy poco velocidad precisan de un consumo de energía por la persona. Y por otro lado, la ocupación estática del espacio público, que precisa de un consumo nulo de energia, ya que no conlleva apenas movimiento. Esta pequefia diferencia ya supone una gran distinción cualitativa para el espacio público. Como han demostrado arquitectos como Jan Gehl (2013), en muchas de sus intervenciones, a mayor calidad del espacio público, mayor es el número de personas que desean permanecer en él. Seguidamente, la distinción se establece entre los diferentes tipos de ocupación dinámica del espacio, en función del carácter, y por tanto, de la energia que precisan. En esta clasificación distingue entre trayectorias funcionales y residuales. Las funcionales son aquellas que tienen como objetivo cumplir una distancia, ir de un lugar a otro, sin detenerse. Este tipo de trayectorias acostumbran a realizarse a una velocidad media o alta, pero en cualquier caso, son recorridos que no aportan presencia al espacio público. Y por otro lado, las trayectorias residuales son aquellas que, en mayor o menor medida, aunque el objetivo sigue siendo el mismo, el recorrido no responde a la funcionalidad, sino la contemplación, el gozo, incluso el reposo intermitente. En este tipo de recorridos, por tanto, se detectan paradas espontaneas, disminuciones de velocidad repentinas, deambulaciones, etc. Si las funcionales acostumbran a ser realizadas por las personas propias del lugar, cuando van de un lugar a otro sin poderse detener, de casa al trabajo, haciendo recados, etc. las residuales, son la típicas que realizan personas en su tiempo libre, cuando pasean sin un rumbo claro, o cuando se están realizando compras, e incluso por turistas que se detienen asombrados cuando algo les llama la atención. Las disminuciones de velocidad muchas veces son causadas por estímulos del entorno, como la iluminación, los escaparates, el mobiliario, la propia gente, etc. Al percibirlos, de manera casi inconsciente, las personas que se encuentran disfrutando de un espacio en su tiempo libre, reducen su velocidad, y por tanto, su consumo de energía, consiguiendo que el espacio público cambie así de carácter y, en consecuencia, de calidad. La clasificación por velocidades propuesta sería la siguiente: muy rápida (mayor de 1,50 m/s) y rápida (entre 1,15 y 1,50 m/s) que indicarían que la trayectoria es funcional; media (entre 0,80 y 1,15 m/s) y lenta (entre 0,20 y 0,80 m/s) que indicarían que la trayectoria es funcional-residual; y muy lenta (menor de 0,20 m/s) que indicarían que la trayectoria es residual. A modo de breve conclusión, el tipo de ocupación, el tipo de trayectorias que suceden, y por tanto, la cantidad de energia que las personas consumen en el uso de un espacio público determinado es, en términos matemáticos, inversamente proporcional a la calidad del espacio público en sí. Así, a menor energia, es decir, más gente sentada charlando, tumbada en la hierba, tomando algo en las terrazas, de pie esperando a alguien; mayor calidad del espacio público. Y por el contrario, cuanto más energia consumida, es decir, más gente consumiendo su energia con trayectos rápidos, fugaces, anónimos, etc. menor es la calidad del espacio. En el aspecto metodológico, esta aproximación se encuentra en interdependencia con los avances tecnológicos. Tal como explica Picazo (2002), gracias al desarrollo que experimentó el campo de registro audiovisual, le fue posible poner en práctica algo que hasta entonces era imposible, analizar una situación espacio-tiempo las veces necesarias para extraer información valiosa e interesante. En la actualidad, más de una década más tarde, los avances ya son exponenciales. Ahora, ya no solamente se puede efectuar el registro audiovisual sino también se puede trasladar la información de los recorridos en el espacios, es decir, transcribir de manera automática la geometria de las trayectorias en un soporte digital. Algo similar a lo que permiten los Sistemas de Infomración Geográfica, también muy de actualidad. Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI 25 M.S. Carulla; J. M. Thornberg; S. M. Rodríguez; J. B. Borras El segundo ejemplo nace en el campo de la Psicología Ambiental y consiste en la creación de una herramienta capaz de gestionar la calidad de los espacios públicos, a través de la observación, y desde el punto de vista de la interacción socio-física (Pérez Tejera, Valera Pertegas, & Anguera Argilaga, 2011). A continuación, se plantea el conjunto de variables que este sistema tiene en cuenta (tabla 1). Tabla 1. EXOdES: un instrumento de examen observacional de espacios públicos Pérez Tejera, Valera Pertegas, Anguera Argilaga, 2011) 1 [lada es Estar o conversar tenelqueseotserva |1| 2 | IZal3 fque sa datactan Activiciad intelectual el espacio público) 3 [i3ada ra Passar po Deporte: futbol Deporte: baloncosto Deporte: skate Deporte: bicicleta Teabajar: limpieza Trabajar seguridad Ausencia usos prob. Pedir caridad Consumo aleohal Consumo cannabis Tráfico de drogas 31 | Venta ilegal: latas 32 | Venta ilegal; ropa 33 | Menta ilegal; dvd 4 | Prostituciô 1 | Ausencia vehiculo 1 | Bicicleta 12 [2 | Skate 3 | Patinas ai | Persona sata 4 | Coche de hebé 2 | Grupo de personas O | ausencia perros pr 5 [i [ Hombre as [A [2 perro [que interdienen en el 2 | Mujer 2 | 2 perros espacio) 1 infantes 3 |>2perros E 2 lóvenes 3 | adultos a | Ancianos 1 | Zpersonas 2 [3aspersanas 7 [7a [6a 10 personas 4 [510 personas 1 | Grupomino 8/2 | Sélohombres 3 | Sólo mujeres 12 | infantes 12 | lóvenes 43 | adultos 14 | ancianos 21 | Infantessjórenes 22 | Infanteseadultos 23 | Infantessancianos 9 [24 | lsvenestadultos 25 | lóvenestancianos 26 | Adultostancianos 27 | infsjóv tado, 28 | Infitióvtane. 29 | inftadu.tanc. 210 | Jéwtadu tone. 221 | infjóv-tadutanc. 28 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos Proj Masaciamart ent am Architect Fm & 3% et, 308% mes Bub- Contractor User 18% cnntractor Eca Cltent Figura 11. Patrones de interacción en una reunión del proceso de disefio 4 CONCLUSIONES Obsérvese que las cuatro metodologias convergen en una finalidad común: encontrar lineamientos que permitan investigar el comportamiento de la famosa “triada” de Vitrubio entre belleza (venustas), seguridad constructiva (firmitas) y uso social (utilitas). En el siglo XXI, con el dominio del disefio por ordenador y la digitalización de los conocimientos globales y locales, dichos lineamientos son esenciales y la imaginación de los arquitectos y urbanistas ha de ayudarse con estas herramientas. Si no existiesen profundos malentendidos teóricos y prácticos, dichos lineamientos transformarían rápidamente la práctica de la proyectación y de la planificación de edificios y ciudades. Tal como anunciaba Jeremy Till (2012), estos malentendidos pueden superarse, y así entender en profundidad lo que Mumford decía en 1933 a Schumager, arquitecto municipal de Hamburgo: El orden geométrico ... difícilmente puede ser sobrevalorado, no es solamente una transformación de la materia, de las instituciones y de las ideas fundamentales de la ciencias y de las artes, es una transformación del hombre en sí mismo, del carácter de su reconstrucción interior, del cuerpo, de los instintos, y no es solamente la transformación de su existencia presente, sino de sus “standards” hacia el futuro ... (Traducción al castellano de Josep Muntafiola desde el inglés de Lewis Mumford en sus memorias en 1979). Desgraciadamente la carta no fue copiada y Schumager fue sustituido por un miembro fiel a Hitler. 5 REFERENCIAS ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A Pattern Language: Towns. Building. Construction. Tradução de J. G. Beramendi. New York: Oxford University Press, v. 2, 1977. BAKHTIN, M. The Dialogical Imagination by M.M. Bakhtin. Tradução de Caryl Emerson e Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981. BCHIR ELAOUANI, E. Elements d'approche d'une poétique de architecture: Application à "habitat individuel à Tunis. In: MUNTAÃIOLA, J. Architecture and Virtuality. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, v. 21-22, 2011. p. 93-114. Arquitectura y Urbanismo: Métodos de Investigación en el Siglo XXI 29 M.S. Carulla; J. M. Thornberg; S. M. Rodríguez; J. B. Borras FOLEY, J.; MACMILLAN, S. Patterns of interaction in construction team meetings. CoDesign, v. 1, n. 1, p. 19- 37, March 2005. GEHL, J.; SVARRE, B. How to study public life. Washington DC: Island Press, 2013. GARDENFORS, P. Evolutionary and developmental aspects of intersubjectivity. Consciousness transitions: phylogenetic, ontogenetic and physiological aspects, p. 281-305, 2007. HILLIER, B. et al. Natural movement-or, configuration and attraction in urban pedestrian movement. Environ Plann B, v. 20, n. 1, p. 29-66, 1993. HUTCHINS, E. The Distributed Cognition Perspective on Human Interaction. In: ENFIELD, N. J.; LEVINSON, S. C. Roots of Human Sociality: Culture, Cognition and Interaction. [S.1.): Bloomsbury Academic, 2006. p. 375- 398. MILLÁN-GÓMEZ, A. et al. Turning barriers into alleyways: Unsolved transitions from Old Barcelona to the Post- Cerda city. 9th International Space Syntax Symposium. [S.l.]: Sejong University Press. 2013. MUNTANYOLA, D. How Multimodality Shapes Creative Choice in Dance. Revista Internacional de Sociologia, v. 72, n. 3, p. 563-582, 2014. MUNTAÃOLA, J. (Ed.). Arquitectura y Dialogía. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Iniciativa Digital Politécnica, v. 13, 2006. MUNTAÃIOLA, J. Child's Conceptionof Places tolivein. In: EDRA4: Fourth International EDRA Conference. Stroudsber: Dowden, Hutchinson & Ross, v. 1, 1973. p. 178-190. http://www.edra.org/sites/default/files/publications/EDRAO4-Thornberg-178-190 1.pdf. MUNTAÃIOLA, J. Towards and Epistemological Analysis of Architectural Design as a Place-Making Activity. In: BROADVENT, G.; LLORENS, T.; BUNT, R. Behavior and Meaning in the Built Environment. London: Wiley and Sons, 1980. MUNTAÃOLA, J. Topogénesis. Fundamentos de una Nueva Arquitectura. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, v. 18, 2009. ISBN ISBN: 8483013800. MUNTAÃIOLA, J.; MUNTANYOLA, D. La arquitectura desde lo salvaje. In: Arquitectura e Investigacion. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, v. 24, 2012. p. 35-38. ISBN ISBN: 978-84-7653-948-4. MUNTAÃIOLA, J.; SAURA, M. Bakhtin, Architectonics and Architecture. The XIV Bakhtin Conference. Bologna: [s.n.). 2011. p. 55-56. http://Awww.bakhtinconference2011.it/Def Prog.pdf. PÉREZ PICAZO, R. Interacción dialéctica: Individuo-Entorno Construído. Universitat Politécnica de Catalunya. Barcelona. 2002. PÉREZ TEJERA, F.; VALERA PERTEGAS, S.; ANGUERA ARGILAGA, M. T. Un nuevo instrumento para la identifi cación de patrones de ocupación espacial. Psicothema, v. 23, n. 4, p. 858-863, 2011. REGAYA, |. Elements d'approche d'une poétique de I'architecture: Application à I'habitat individuel à Tunis. In: MUNTAÃOLA, J. Architecture and Virtuality. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, v. 21-22, 2011. RICOEUR, P. Arquitectura y Narratividad. In: Arquitectura y Hermenéutica. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, v. 4, 2003. p. 9-30. TILL, J. EQué es investigar en arquitectura? Investigar en arquitectura: tres mitos y un modelo. In: Arquitectura e Investigación. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, v. 24, 2012. p. 13-20. VAN BELLEN, S. City Pedestrianized: Creating urban environments for people to walk - Pattern Catalogue. Delft University of Technology. Delft. 2010. ZÁRATE, M. Urbanismo Ambiental Alternativo. Arquitectonics: Mind, Land & Society. Barcelona: Iniciativa Digital Politécnica, v. 28, 2015. 30 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos AUTORES Magda Saura Carulla. Profesora Coordinadora. Graduada en Arquitectura por la Universidad de California en Berkeley (BA1974 and PhD1988), y doctora en Historia de la Arquitectura por la Universidad Autónoma de Barcelona. Premio FAD (Mención Especial, 1994). Autora del proyecto del Plan especial de protección del frente marítimo de Empúries(Saura &Muntafiola, Asociados, 1990-92). Autora de libros y artículos sobre la evaluación del impacto ambiental. Ver publicaciones en la web: www.arquitectonics.com Josep Muntafiola. Profesor Senior,UniversitatPolitécnica de Catalunya. Director de la Escuela de Arquitectura de Barcelona(1980-1984). Director del Departamento de Proyectos Arquitectónicos (1986- 1992 y 1999-2010).Doctor Honoris Causa. UniversidadeLusíada (Lisboa, Junio 2005).Miembro Titular de la Real Academia de Bellas Artes de Sant Jordi.Ver publicaciones en la web: www.arquitectonics.com Sergi Méndez Rodríguez. Arquitecto por la ETSAV,UPC (2011). Máster en Teoría y Práctica del Proyecto Arquitectónico (2012). Estudiante de doctorado en el Departamento de Proyectos Arquitectónicos (Beca FI- AGAUR-2013). Colaboración en docencia en el Aula de Proyectos de Fin de Carrera (2015) y en el Máster MUTPPA (Beca FI-AAD-2013) Júlia BeltranBorrãs. Personal Docente Investigador en formación. Arquitecta por la ETSAB (2011). Máster en Teoría y Práctica del Proyecto de Arquitectura (2013). Estudiante de doctorado del Departamento de Proyectos de la Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona APÉNDICE 1 Combridas 6 de Juny de 1987 Sr. Jozep Muntafiolas Denvolgut company; Mercês do In vostra del 20 de Maig- He estãt masa enfeinat aquostas darra- ras Betwansa per poguer eseriure, perdonsu el retria, Hemetra separodament cstolegs À mltre informecio sobre Ja adunted Sehool of Design" à copio duna conferencia, malgrat quiaquesta no es material recent. Una escola diarquitectura à urbanisns aubodues son per natura inseparables, es un centre d'experimentacio i recerca que te de canbinr nnticipant els combis socials, oconasica, ideologics i tecnologica dele teups qu'estem mivint. j Ela cursos, programes 1 oxperiments ca concentrarau eu tros grups princípala. a) Consixenent de Lthome à ela elementa muturnlafrenceions fisiques 1 pay- auigues E desde 1'anffipologia a la sociologia urbana, b) Coneixement del mon visuol 4 ' concepoio, percepcio dels espuis, volume, elementa de comunicacio à lligama, (interrolaciona) + Gapais funciomals à el neu contingut emotiu. Elements tridimencionals 1 movimenta reomplo- gant parmnles. Establiment de lacnbuloria visunlos e) Concixement dels mitjnna de renlitancio - tecnologia arquitectonica à tecnologia urbana, apreciacio de nateriala à el seu comporLament, estruc- turos, sistemas de control climatologic, sistemas de serveis i conalitancions, interrelacio de distemas, cconouin, Financinció, à lezislacio que facin po aibles 1 renlitenblea ela conceptes idens à projectos que tindran com a base principal le creacio d'un mon d'espois, voluns, formos i counnicacions que respongui ale drete humans que tets Lluitem per catabliro O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin 33 C.S. Amaral; S. V. Barbosa Junior Foi no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro (LAO) que Rui Barbosa proferiu a palestra 'O Desenho e a Arte Industrial”, ocasião quando explicitou sua proposta para a industrialização do país. Foi também no LAO, uma instituição de ensino com aulas noturnas gratuitas e voltada à população de trabalhadores, independentemente de credos religiosos, cor, idade ou sexo, que a pedagogia intuitiva foi utilizada pela primeira vez — e talvez a única. O ensino do LAO teria por mérito formar uma mão de obra qualificada em estética, destinada a um mercado de trabalho livre, em substituição à mão de obra escrava. Em outras palavras, Rui Barbosa propunha um ensino voltado à moderna sociedade industrial. Este artigo, portanto, tem como objetivo estabelecer uma relação entre a proposta de industrialização de Rui Barbosa e a proposta de industrialização de John Ruskin, uma vez que ambas têm em comum a promoção do desenho como base de fecundação. 2 — OSÉCULOXIX A definição deste século impõe-se sobre a base histórica do Iluminismo, movimento filosófico desenvolvido na França, Alemanha e Inglaterra do século XVIII. A partir dos fundamentos iluministas, o Século XIX caracteriza-se por reconhecer o poder da Razão enquanto fonte única de entendimento, explicação e organização do mundo. [..] Procedente diretamente do racionalismo do século XVII, tem o clímax alcançado pela Ciência da Natureza (o Iluminismo vê no conhecimento da Natureza e no seu domínio eficiente a tarefa fundamental do homem). Conhecido também como Ilustração, não nega a história como um fato real, porém, a considera de um ponto de vista crítico e julga que o passado não é uma forma necessária na evolução da humanidade. [...] Na esfera da ciência e filosofia, pelo conhecimento da Natureza como meio de chegar ao seu domínio; na esfera moral e religiosa, pelo esclarescimento [...] das origens dos dogmas e das leis, como meio de chegar a uma religião natural igual em todos os homens, e um deísmo que não nega a Deus, que o relega à função de criador e primeiro motor de existência. (PEQUENO DICIONÁRIO DE FILOSOFIA, 1977; p. 191) Dessas considerações, o que interessa a este ensaio são duas certezas — indubitáveis — proclamadas pelos pensadores do Iluminismo: (i) A Natureza como origem de tudo e como única fonte de conhecimentos. (ii) A necessidade de conhecer as leis da Natureza para dominá-la. Tais convicções colocam o homem frente à Natureza e esta, como modelo de leis que a explicam. Tais leis, transplantadas para o contexto das relações sociais, conseguem se instituir como instrumento de conhecimento da realidade e, nela, do homem. Para o Século XIX, a Natureza, entregue a suas próprias leis, transforma-se em modelo epistemológico de análise e conhecimento. Conforme o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-), a Revolução Francesa foi a responsável pela difusão das ideias do Iluminismo mundo afora. Para Hobsbawm, os anos entre 1789 e 1848 trouxeram a maior transformação na história da humanidade, a que chamou de “dupla revolução”. A Revolução Industrial modificou aspectos da produção material, tecnológica, política, e ideológica de todos os países. Ela alterou a vida do mundo, ao constituir uma nova divisão internacional do trabalho, uma nova divisão social do trabalho e uma nova divisão do trabalho em 1 si. * “Havia uma ordem no universo, mas já não era a ordem do passado. Havia somente um Deus, cujo nome era vapor e que falava com a voz de Malthus, McCulloch e de qualquer um que usasse maquinas.” (HOBSBAWN, 2014, p. 294) 34 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos A Revolução Industrial transformou o sistema de produção material da sociedade, enquanto a Revolução Francesa tratou de difundir as novas ideias, características do Iluminismo.? Esse contágio de ideias revolucionárias invadiu a atmosfera econômica e social de todos os países, exigindo de seus governos adequarem-se aos valores do Iluminismo. Mesmo que isso fosse apenas uma farsa, como foi o caso do Brasil? Foi nesse contexto de revoluções que se deu a independência do Brasil de Portugal. Aquela época, Portugal já era administrado por uma concepção de lógica burocrática, própria de um Estado Moderno. Quando a Família Real portuguesa chegou ao Brasil, trouxe uma concepção de ordem administrativa baseada na racionalidade de uma burocracia. Para o cientista político e historiador brasileiro Murilo de Carvalho (1939-), essa burocracia era constituída por uma elite política, com base em uma homogeneidade ideológica. Diferentemente da homogeneidade de origem classista, essa tinha por eixo os estudos. Para participar, ou seja, para ser um funcionário público, era preciso ter formação universitária. Foi assim que a Universidade de Coimbra se especializou em formar burocratas para o Estado português. Com a Independência do Brasil, a instituição de faculdades de Direito em Pernambuco e em São Paulo substitui a ida dos filhos da elite brasileira a Coimbra. Essa burocracia estruturou-se em uma divisão de trabalho na forma de um organograma e de um fluxograma. Interna ao organograma definia-se uma hierarquia de comando na qual alguns pensam e decidem e os demais executam. Associada a essa burocracia, havia uma instância de representação composta pela Câmara de Deputados, Senado, um Conselho de Estado e o Poder Moderador. Dessa forma, apresentava-se uma concepção de Estado Moderno, ou seja, um Império Parlamentar. Entretanto, na medida em que o Poder Moderador (o Imperador) era, em última instância, quem decidia, a própria estrutura parlamentar tornava-se uma farsa: ao Imperador reservava-se o direito de destituir de poderes os integrantes da estrutura representativa.” 2 “É significativo que os dois principais centros dessa ideologia fossem também os da dupla revolução, a França e a Inglaterra; embora de fato as ideias iluministas ganhassem uma voz corrente internacional ampla em suas formulações francesas, um individualismo secular, racionalista e progressista dominava o pensamento “esclarecido”. Libertar o individuo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo: do tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da superstição das Igrejas (distintas da religião “racional ou “natural, da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e a fraternidade de todos os homens era seu slogan. No devido tempo se tornaria um slogan da Revolução Francesa também.” (HOBSBAWN, 2014, p. 48) 3 ul A revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação na América Latina. Os três grandes libertadores da América espanhola, Simon Bolívar, San Martin e Bernardo O Higgins, estabeleceram a independência respectivamente da “Grande Colômbia” (que incluía as atuais repúblicas da Colômbia, da Venezuela e do Equador), da Argentina (exceto as áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do rio da Prata, onde os gaúchos da Banda Oriental — hoje Uruguai - lutaram contra argentinos e brasileiros) e do Chile. Por volta de 1922 a América espanhola estava livre. Enquanto isso, Iturbide, o general espanhol enviado para lutar contra as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México, tomou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da revolução Espanhola e, em 1821, estabeleceu a independência mexicana. Em 1822, o Brasil separou-se pacificamente de Portugal sob o comando do regente deixado pela Família Real portuguesa em seu retorno à Europa após o exilio napoleônico.” (HOBSBAWN, 2014; p. 181) * “O monarca constitucional, além de ser o chefe do Poder Executivo, tem ademais o caráter augusto de defensor da Nação: ele é sua primeira autoridade vigilante, guarda dos nossos direitos e da Constituição. Eis, pois, a orientação que os conservadores brasileiros seguiriam no período: conciliar o governo forte com as fórmulas constitucionais e representativas, garantir sob as formas oligárquicas uma essência monárquica. Embora o art. Il da Carta Imperial declarasse que tanto o príncipe quanto a assembleia eram representantes da soberania nacional, o art. 98 proclamava a primazia do primeiro como o primeiro representante da Nação, por ela encarregado de velar incessantemente pelo O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin 35 C.S. Amaral; S. V. Barbosa Junior O Brasil alcançou sua independência, implantou um Estado Moderno, integrou uma nova posição na divisão internacional do trabalho. Porém, o país manteve a antiga divisão social do trabalho colonial, com base na agro exportação e sustentada na mão de obra escrava. Sabe-se que a Inglaterra pressionou o Império Brasileiro para que extinguisse a escravidão no país, decisão protelada ao máximo porque a agro exportação com base no trabalho escravo representava a garantia de maior receita para o Estado. Foi neste ambiente iluminista e de revoluções que viveram Rui Barbosa e John Ruskin. Seus projetos intelectuais procuraram responder a questões de seu tempo. Lourenço Filho atesta que Rui Barbosa foi um dos primeiros — senão o primeiro — a tentar disciplinar as questões gerais da educação nacional em seu sentido teórico-prático. Para tanto, Rui Barbosa pesquisou vários autores, sendo muito grande o número de citações nos pareceres de suas Reformas do Ensino.[...] Vejamos as referências bibliográficas presentes nos pareceres. Quantas e quais são elas? [...] Desde que se somem, obtém-se o total de 524. No primeiro parecer, referente ao Ensino Secundário e Superior, são 154. Remetem a 73 obras. No segundo, mais extenso, excedem milhar e meio, por sua vez, mencionando 451 publicações diferentes. Entendam-se, obras ou conjuntos delas, muitos dos quais em diversos volumes. Deles, o total ascende a quase 600, o que vale dizer que Rui se serviu de uma considerável livraria para a elaboração destes trabalhos. (LOURENÇO FILHO, 2001, p. 103) É praticamente impossível abordar todos os autores citados por Rui Barbosa. Entretanto, John Ruskin merece a nossa especial atenção frente a importância que teve no projeto de Rui Barbosa. 3 JOHN RUSKIN A principal preocupação de Ruskin encontra-se em uma concepção de lógica e de razão na sustentação da abordagem de assuntos como arquitetura, pintura, política econômica, religião e outros (AMARAL, 2011). Diferentemente da opinião de vários historiadores da arquitetura moderna, que analisaram a obra ruskiniana sobre arquitetura de forma isolada, desvinculada dos demais assuntos, aqui as ideias e opiniões de Ruskin serão compreendidas sob a visão da estrutura lógica e da razão com que ele desenvolveu seus textos. O objetivo de Ruskin não seria constituir uma teoria da Natureza, da pintura, da política econômica, ou mesmo da arquitetura, e sim utilizar a mesma lógica de composição na abordagem de todos esses assuntos. O inglês John Ruskin foi um crítico de arte que viveu no século XIX, na Inglaterra vitoriana. Considerado o defensor do estilo gótico revival, mais precisamente o neogótico veneziano, viu-se obrigado, no prefácio da edição de 1849 de “As Sete Lâmpadas da Arquitetura”, e depois, em novo prefácio à edição de 1855, a desmentir tal preferência.” Suas palavras não pretendiam divulgar um novo estilo e sim uma nova forma de raciocínio, justamente contrária a qualquer estilo. Segundo Elizabeth K. Helsinger (HELSINGER, 1982), George L. Hersey (HERSEY, 1982) e John Dixon Hunt (HUNT, 1982), a forma de condução do raciocínio de Ruskin pode ser qualificada como um “pensamento visual, espacial”. Essa expressão de uma lógica visual é considerada por esses críticos equilíbrio dos poderes políticos. [...] Ou seja, embora ambos fossem delegados da nação, a representação exercida pelo imperador era anterior e superior àquela exercida pela assembleia”. (LYNCH, 2014, p. 50) É “In 1849 Ruskin argued, in the Seven Lamps for the rejection of styles and the pursuit of styles: “We wantno new style in architecture. [...] But we want some styles”. Once a singlestyle had become universally accepted, its adaptation would eventually produce a new style suitable to a new world. Unfortunately, however, Ruskin recommended not one style but a choice of four: Prisanromanesque, as in the Baptistry and Cathedral at Pisa, Early Gothic of the western Italian republics, as at Sta. Croce, Florence; Venetian Gothic — Sta. Maria dellÓrto, for example -, and early English decorated, as the north transept at Lincoln. (Crook, 1982, p. 69) 38 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos entanto, existiria um sentido mais importante que os demais: o sentido do olhar. Seria através da visão que se estabeleceria o primeiro contato com o mundo externo a nós, e foi assim como o método científico se impôs, iniciando com a observação da Natureza para dela extrair verdades ou leis. Nessa perspectiva, o ensino teria por objetivo ensinar a ver. Porém, seria incorreto dizer que a visão é o sentido mais importante, porquanto a mesma pedagogia mistura-o em uma condição sinestésica:'” na medida em que a mente se associa ao corpo, ou seja, a todos seus sentidos, observar é ver, e ver, ao se associar à mente, é pensar. O pensar, para os intelectuais do século XIX, obedecia ao método indutivo-dedutivo. O pensar conforme o método científico opera segundo uma lógica para se chegar a uma síntese, ou seja, a uma razão, e, portanto, a uma universalidade. Sendo a observação o primeiro momento da experiência científica e também do ensino racional, a linguagem apropriada para ensinar a ver seria o desenho. O desenho como resultado de uma operação sinestésica a ser executada pela mão, mente e olho. Para Rui Barbosa, o desenho é a disciplina mais importante do método intuitivo, pelo que dizia: “Antes de aprender a ler ou a escrever, o aluno deverá aprender a desenhar”. Na progressão natural, portanto, o desenho há de preceder a escrita. Dominada pelo gênio da curiosidade, a criança não o é menos pelo gênio da imitação. Todos os meninos desenham, por um natural pendor dos mais enérgicos instintos dessa idade. Modelar formas, e debuxar imagens: eis a primeira e mais geral expressão da capacidade criadora nas gerações nascentes. Cabe, pois, ao desenho, no programa escolar, precedência à escrita, cujo ensino facilita, e prepara racionalmente, naturalmente à leitura e a escrita. (BARBOSA, 1946, p. 64) O desenho passou a ser uma das grandes preocupações da pedagogia do século XIX. Pois, se desenhar é pensar, a função primordial da educação é ensinar a pensar. Nesse sentido, a palestra intitulada “O Desenho e a Arte Industrial”, pronunciada por Rui Barbosa no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro em 1882, é emblemática. Desse discurso surgiu a proposta de industrialização da nação. O ensino do desenho intuitivo seria voltado à formação de operários para substituir a mão de obra escrava no mercado de trabalho: “O desenho seria a escrita da indústria” (BARBOSA, 1942, 1946, 1947, p.115). “O desenho, senhores, unicamente, essa modesta e amável disciplina, pacificadora, comunicativa e afetuosa entre todas: o desenho professado às crianças e aos adultos, desde o Kindergarten até à universidade, como base obrigatória na educação de todas as camadas sociais” (BARBOSA, 1949, p. 240). 1º «simultaneamente com a ginástica, que deve acompanhar, desde a escola primária, a educação em todo o seu curso, impõe-se à escola a necessidade de educar as faculdades de observação que raiam no espirito da criança com o primeiro despontar da inteligência. O menino é a curiosidade em pessoa. Pode-se definir a infância uma humanidade sem experiência, ávida de conhecer, e instruir-se... Observando imediatamente as coisas, exercitando-se em ver, em discernir as formas, em avaliar a relatividade, o timbre, a direção, a procedência, em apreciar pelo tato as superfícies, em diferenciar as sensações do paladar e do olfato, é que se ascenderá, se apurará, se ativará na infância o instinto da observação, origem de toda a atividade intelectual e alimento de todo o amor do estudo no homem. É pelos sentidos que o menino tem a primeira noção metódico, esse emprego constitui o primeiro modo de exploração científica: a observação.” (BARBOSA 1946, p. 63) * “arnold Guyot, na sua série de atlas escolares, subordinou o seu método de ensino a um princípio constante e sistemático. Distingue ele, na evolução intelectual e, portanto, no estudo de todas as ciências de observação, três estados que se sucedem numa ordem inevitável: o estado perceptivo, o analítico, o sintético... O cultivo das ciências da natureza, encetado logo aos primeiros passos da educação elementar, implantou solidamente no espirito do aluno o gosto pelos fatos, o sentimento das relações de causalidade, a intuição da lei, que reúne e explica os fenômenos da criação.” (BARBOSA, 1946, p. 360) O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin 39 C.S. Amaral; S. V. Barbosa Junior Tem-se aqui uma visão crítica de Rui Barbosa em relação à Revolução Industrial: o operário que se pretende formar pensa e não apenas obedece; o ensino forma, não informa, educa homens e não pessoas dóceis (BARBOSA, 1946, p. 113). Trata-se de formar pessoas autônomas e não autômatos, como eram os operários dos países industrializados. O primeiro escrito pedagógico [de Rui Barbosa] dado a público foi um discurso pronunciado no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, em novembro de 1882, e logo a seguir impresso. Consiste em ensaio sobre a importância do desenho no campo do artesanato e da produção industrial, bem como da influência geral do ensino artístico na formação do homem. Tem a feição de um prólogo, ou de adendo a mais largo estudo, que parece estar subentendido, embora Rui não lhe faça qualquer referência expressa. A que mais largo estado teria a intenção de reportar-se? Seria ao da tradução e adaptação do guia didático Lições de coisas, de Calkins, que no ano anterior havia preparado, mas se conservava inédito? Seria o parecer sobre Ensino Secundário, entregue em abril de 1882 à Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados, ou, enfim, ao parecer sobre Ensino Primário, nessa comissão apresentado duas semanas antes de proferido o discurso? De modo geral, a todos esses escritos, mas, em especial a este último, seu mais completo e extenso trabalho pedagógico, e no qual, nada menos que um décimo de todo o espaço se consagra à pedagogia do desenho e à influência educativa e social dessa disciplina. (LOURENÇO FILHO, 2001, p. 90) Rui Barbosa acompanhou as críticas feitas à péssima qualidade dos produtos industriais, como também a solução dada pelos governos dos países industrializados quanto a investir no ensino do desenho. Provavelmente, foi por intermédio das críticas à Exposição Mundial de 1851 em Londres que Rui Barbosa conheceu as ideias de John Ruskin sobre a indústria e o ensino do desenho. Araújo Porto Alegre considerava lastimável a presença do Brasil na Exposição de 1851, e Rui Barbosa mostrava que a própria participação inglesa fora desastrosa, seus comentários foram certamente inspirados em John Ruskin cuja obra The Stones of Venice cita no mencionado discurso. Foi Ruskin quem chamou a atenção para a feiúra dos objetos produzidos na Inglaterra vitoriana, para a superioridade da produção artesanal, bem como para a sua visão da arte como necessidade social, que nenhuma nação poderia desprezar sem colocar em perigo sua existência intelectual. (GAMA, 1987, p. 144) Em sua proposta de “Reforma do Ensino Primário”, Rui Barbosa citou Ruskin para falar da relação Educação/Natureza, relação esta em sintonia com a metodologia das ciências que entendia a Natureza possuidora de uma lógica capaz de ser apreendida pelos sentidos do corpo para ser reproduzida nas relações sociais e produtivas da sociedade." O operário que se pretendia formar pelo ensino do desenho sob a influência da pedagogia intuitiva não era o trabalhador passivo e treinado para obedecer, e sim o operário que pensa e toma decisões. Nesse aspecto, Rui Barbosa se identificou com as ideias de John Ruskin. !2 «até bem recentemente, toda a energia da educação convergia, de todos os modos possíveis, para extinguir o amor da natureza. Toda a instrução que entre nós se tinha e havia por essencial, era puramente verbal, completando-se pelo conhecimento de ciências abstratas; ao passo que qualquer pendor manifestado pelas crianças para objetos puramente naturais sofria violenta repressão, ora era escrupulosamente circunscrito às horas de recreio, tornando-se assim impossível ao menino estudar afetuosamente sem quebra dos seus deveres à obra divina; pelo que o amor da natureza viera a constituir peculiarmente a característica dos vadios e ociosos. Por honra sua, a pátria de Ruskin não tardou em escutar a voz dos altos espíritos que a chamavam a reconciliar a educação com a natureza, e a Inglaterra emprega hoje heroicos esforços para levar amplamente a efeito essa transformação, a mais profunda, a mais pacífica e a mais benfazeja de todas as revoluções sociais; a renovação da cultura popular pela arte e pela ciência inauguradas no ensino desde a escola.” (BARBOSA, 1946, p. 254) 40 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos Ruskin foi reconhecidamente um dos críticos mais ferozes à Exposição de Londres de 1851: “Faltava arte aos produtos industriais”, dizia ele. No entanto, sua concepção de arte nunca se restringiu à melhoria da qualidade do desenho do produto. A estética ruskiniana deriva de sua concepção de lógica natural, em que o belo é o resultado de uma relação estabelecida, acorde a uma política da ajuda mutua. Um tipo de relacionamento que Ruskin acreditou representar a lógica da Natureza. O belo, no produto industrial, derivaria da ética do trabalho com base na cooperação, mediante a política da ajuda mútua. A crítica ruskiniana à exposição londrina teve por retaguarda sua concepção de estética. Ruskin criticou a organização do trabalho fabril porque dividia a produção em etapas especializadas, fazendo do trabalho um procedimento repetitivo, mecânico e alienante. Para Ruskin, essa seria a tônica do que chamou “produto sem estética”. Entretanto, a crítica ruskiniana não exige simplesmente um desenho bem feito e sim outro tipo de relacionamento na divisão do trabalho fabril, o mesmo tipo de relação que imaginou existir na Natureza. Para tanto, ele exigia, também, uma Educação que levasse em conta o desenvolvimento do homem como ser pensante e não como ser alienado, o que o levou a propor o trabalho feito de forma cooperativa, um trabalho feito com prazer, no qual o homem está envolvido por inteiro (mente e corpo). A escola/fábrica/comércio seria uma “cooperativa”, na qual os proprietários seriam também os operários, administradores e vendedores de seu produto. Os lucros, como os prejuízos, seriam socializados entre todos os participantes do processo. Eliminavam-se os “fantasmas” — quando um obtém os créditos pelo trabalho do outro -, assim como a intermediação entre a produção e o consumo — com a venda do produto no próprio local da produção. Para Ruskin, ensinar a desenhar é ensinar a ver, e ensinar a ver é ensinar a ler a lógica da Natureza. Nesse sentido, o ensino do desenho ruskiniano parte da observação da Natureza e da busca por uma lógica natural, resultando em uma livre associação entre elementos díspares extraída da imaginação do artista. Foi pela referência à pintura de Joseph Turner (1775-1851)? que Ruskin explicou essa sua teoria, mais precisamente pelos últimos trabalhos do paisagista inglês — parecidos a borrões coloridos sem um assunto identificável —, mais bem um todo pictórico composto por formas e cores-luzes que se entrelaçam, como propõe a teoria ruskiniana da política da ajuda mutua. Contrário ao ensino do desenho geométrico, feito com régua e compasso, o desenho ruskiniano é uma interpretação da lógica natural pela mão livre do artista. Rui Barbosa também se posicionou contra o ensino do desenho geométrico, dispensando as regras da composição neoclássica. Nesse sentido, citou a técnica do processo “estigmográfico” utilizada por Friedrich Froebel: Muito cedo se compreendeu nesse país [Austria] a esterilidade do ensino do desenho a régua e compasso. As tentativas para emancipar desse processo esterilizador a educação da mocidade principiam no começo deste século [1803], mas aparece em 1846 o processo estigmográfico, aliás, já muito antes consideravelmente utilizado por Froebel, entre os jogos infantis, do Kindergarten, recebeu do Dr. Hillard, em Viena, a sistematização, que hoje é dele a base mais racional de todo o ensino do desenho... Todos em suma, hoje em dia, reconhecem que é necessário assentar um plano Bj, M. W. Turner conta-se entre aqueles artistas contemplados com um longo período de atividade. Trabalhou infatigavelmente durante mais de sessenta anos: o seu espólio abrange mais de 19.000 desenhos e esboços a cores e o leque da sua produção é amplo. Só a custo conseguimos identificar as páginas que saíram da mão do jovem Turner por volta de 1790 — os últimos anos do Rococó -, como o trabalho do artista que cultivou a livre urdidura de cores encontrada nos seus quadros da década de 40 do século XIX. Só nos últimos trabalhos achou um estilo próprio, uma visão da natureza até aí impossível. Ainda hoje, as suas derradeiras obras podem desencadear no observador uma sensação de quem contempla o mundo pela primeira vez - um mundo de cor e luz.” (BOCKEMUHL, 2000, p. 6) O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin 43 C.S. Amaral; S. V. Barbosa Junior como na República, foi a principal responsável pela tensão política que marginalizou o projeto barbosiano. Embora a reforma da instrução proposta por Rui houvesse causado forte impacto na sociedade e grande impressão no Imperador D. Pedro Il, pela erudição, pelas opiniões defendidas e pelas justificativas apresentadas, houve ceticismo quanto à praticidade de se pôr em uso um sistema considerado moderno, grandioso, mas voltado para o estrangeiro, irrealista e inadaptável para o país. Numa compensação, que talvez não viesse ao encontro dos seus desejos, por indicação de Lafayette, recebe do imperador o título de Conselheiro, em reconhecimento à sua luta em favor da instrução pública. (Magalhães, 2003, p. 34) Já o projeto de Ruskin foi marginalizado em razão de sua proposta de capitalismo humanizado, de combate à exploração da força de trabalho. O inglês também viu suas pretensões serem preteridas pela incompreensão dos historiadores da Arquitetura Moderna, que o qualificam de *neogótico e adverso à indústria”. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurou-se mostrar que os pareceres pela reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior consistiram na proposta de industrialização de Rui Barbosa, e seu epicentro, na crença de que a Educação teria o poder de alterar valores culturais arraigados na tradição de desprezo ao trabalho manual e supremacia ao trabalho intelectual. Acreditava-se que o ensino do desenho seria a disciplina principal a atender às expectativas de uma pedagogia intuitiva, que tivesse em conta os sentidos do corpo humano. Rui Barbosa entendia, também, a inter-relação entre mente, olho e mão na ação sinestésica para a produção de tal reciprocidade: ver é pensar, sendo o desenho a expressão da mão que pensa. Um desenho entendido como fonte de ideias e de conhecimentos da Natureza, em uma perspectiva capaz de caminhar desde a experiência real empírica à realidade em seu aspecto abstrato, simultaneamente, como instrumento atuante na capacidade de observação e criação, pela construção de um homem autônomo. Por meio do desenho, essa autonomia, paulatinamente, induziria o homem ao conhecimento das leis da razão encontráveis na Natureza, difundida socialmente como agente de integração do homem à sua lógica. No plano da História, esse processo materializava-se no progresso da Ciência — da tecnologia e da própria ideologia da Revolução Industrial —, pensada como a única capaz de afrontar os desafios da evolução da humanidade. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, C. S. John Ruskin e o ensino do desenho no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2011. ANSCHUTZ, R. P. The Phisosophy of John Stuart Mill. Oxford: Oxford Clarrendow Prees, 1969. ARANHA, M. L.; MARTINS, M. H. P. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1990. ARCE, A. Friedrich Frobel, O pedagogo dos Jardins de Infância. Petrópoles: Vozes, 2002. BARBOSA, R. Reforma do Ensino Primário. Obras Completas de Rui Barbosa, v. X, t. |, Il, Ill e IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946. — Jições de Coisas. Obras Completas de Rui Barbosa, v. XIII 1886, t. |. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1950. 44 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos — O Desenho e a Arte Industrial. Rio de Janeiro: Rodrigues & Cia, 1949. — Reforma do Ensino Secundário e Superior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, t. |, 1941. BARROS, P. O Liceu de Artes e Ofícios e seu fundador. Rio de Janeiro: Liceu de Artes e Ofícios, 1956. BESSE, G.; CAVEING, M. Princípio Fundamentais de Filosofia. São Paulo: Hemus, 1970. BAUSBAUM, L. História sincera da República. São Paulo: edt. Alfa Omega, 1976. BAZIN, G. História da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, s/d. BIELINSKI, A. C. Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro — dos pressupostos aos reflexos de sua criação — de 1856 a 1900. Rio de Janeiro: dissertação de mestrado apresentado em História e Crítica da Arte na Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003. BOCKKEMUHL, M. Turner, the world of Light and Color. Koln: Taschen, 2000. BRADLEY, J. L. Ruskin, the critical heritage. Londres: Routledge & Henley, 1984.p. 14, 17, 113,272 CALKINS, N. Lições de Coisas. Tradução de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1950. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Reforma do ensino secundário e superior: parecer e projeto relativo ao Decreto nº 7.247. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882. Reforma do ensino primário e de várias instituições complementares de instrução pública: parecer e projeto. Sessão de 12 de setembro de 1882. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1883. CARVALHO, M. J. A Construção da Ordem, a elite política Imperial. Brasília: Universidade de Brasília, 1980. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1997. CLARK, K. Ruskin today. Londres: John Murray, 1964. K. Ruskin and his circle. Londres: Shenval Press, 1964. COSTA, V. E. Da Monarquia à República, momentos decisivos. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. CROOK, 1982. In: HUNT, J. The Ruskin Polygon. Manchester: University Press, 1982, p. 69. DIDEROT, D. Pensamientos sueltos sobre la pintura. Madrid: Editorial Tecnos, 1988. DURANT, W. Os Grandes Filósofos. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. EVANS, J. The lamp of beauty. Londres: Phaidon Press, 1959. FOLSCHEID, D.; WUNENBURGER J. J. Metodologia Filosófica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. FROEBEL, F. A. A Educação do Homem. Passo Fundo: editora Universitária, 2001. GAMA, R.A Tecnologia e o Trabalho na História. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987. GOMES, N. Um revolucionador de ideias, Rui Barbosa. Rio de Janeiro: CHD editora, 2003. GORDON, S. John Ruskin and the Victorian Eye. Nova York: Harry Abrams, 1993. O desenho como epistemologia: Rui Barbosa e John Ruskin 45 C.S. Amaral; S. V. Barbosa Junior GRENZ, S. J. Pós-Modernismo, um guia para entender a Filosofia de nosso tempo. São Paulo: Vida Nova, 2008. HASLAM, R. Looking, drawing and learning with John Ruskin at the Working Men's College. Oxford: Art & Design Education, 1988.v. 7,n.1,p.75 HELSINGER, E. Ruskin and the art of the beholder. Massachusetts: Harvard University Press, 1982. HERSLEY, G. Ruskin as an optical thinker. In HUNT, J., The Ruskin Polygon. Manchester: University Press, 1982. HOBSBAWN, E. A Era das Revoluções, 1789 — 1848. São Paulo: Paz e Terra, 2014. HUXLEY, T. H. Man's Place in Nature. Michigan: The University of Michigan Press, 1961. LYNCH, €. E. C. Da monarquia à oligarquia. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2014. LOURENÇO FILHO, M. B. A Pedagogia de Rui Barbosa. Brasília: Inep/MEC, 2001. MAGALHÃES, R. A.; SENNA, M. Rui Barbosa em Perspectiva. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2007. MAGNÓLIA, C.S. Posfácio. In: DIDEROT, D. Da interpretação da Natureza. São Paulo: Iluminuras, 1989. MILL, J. S. Sistema de Lógica Dedutiva e Indutiva, exposição dos princípios da prova e dos métodos de investigação científica. São Paulo: Abril Cultural, Os Pensadores, 1974. PEQUENO DICIONÁRIO DE FILOSOFIA. São Paulo: Hemos, 1977. p. 191. PENNY, N. Ruskin's drawing. Oxford: The University of Oxford, Ashmolean Museum, 1988. PESTALOZZI, J. H. El Método. Madrid: Ediciones de laLectura, Ciencia y Educacion, 19-. p. 9 PIMENTA, P. A linguagem das formas: ensaio sobre o estatuo do belo na filosofia de Shaftesbury. Tese — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002 QUILL, S. Ruskin's Venice, the stones revisited. Londres: Ashgate, 2000. RAGO L. M.; MOREIRA, E. O que é o Taylorismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.14 ROCHA, L. S. A Democracia em Rui Barbosa, o Projeto Político Liberal-Racional. Rio de Janeiro: Liber Uris, 1995. RUSKIN, J., The Seven Lamps of Architecture. Londres: J. M. Dent & Sons, 1921. The Stones of Venice. Londres: George, Allen &Unwin, 1925, vol. 1, 2,3. Sesame and Lilies; The Two Paths; The King of the Garden. Londres: J. M. Dent & Sons, 1944. Modern Painters. Londres: Smith, Elder & Co., 1948, vol. 1. Modern Painters. Londres: Smith, Elder & Co., 1856, vol. 2. Modern Painters. Londres: Smith, Elder & Co., 1856, vol. 3. Modern Painters. Londres: Smith, Elder & Co., 1856, vol. 4. 48 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos 1 INTRODUÇÃO O abandono, a descaracterização, a degradação do patrimônio arquitetônico e urbano, além das intervenções errôneas arquitetônicas realizadas em áreas históricas podem levar a perda da identidade, da autenticidade e da função social do patrimônio. Assim, é relevante a formação do arquiteto, especialmente no ensino de projetos arquitetônicos no contexto histórico. O ensino sobre o patrimônio nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo teve início a partir da Portaria 1770 do Ministério da Educação e Cultura (MEC) no ano de 1994, marco regulatório de inclusão da disciplina Técnicas Retrospectivas ou Patrimônio Cultural, única exigida na formação em patrimônio, sem definição de parâmetros mínimos de carga horária. Essa disciplina, atualmente, faz parte dos conhecimentos profissionais! que juntamente com as disciplinas de fundamentação e o trabalho final de graduação completam a formação do arquiteto (RESOLUÇÃO nº2, de 17 de junho de 2010) Embora generalista, a formação do arquiteto requer um alto grau de qualificação e um aprofundamento teórico e filosófico sobre patrimônio, necessário para concepção de projetos em áreas históricas. Há proximidade do ensino de projetos com o trabalho formal do arquiteto, mas o mercado de trabalho, com suas variabilidades, não pode ser o único norteador do ensino. O projeto arquitetônico é uma manifestação cultural e artística que deve atender a sociedade diante das demandas resultantes do crescimento das cidades e da necessidade de espaços dignos para se viver. Dentre os métodos projetuais que se apóiam em conhecimentos filosóficos estão os propostos por Malard et al (2002) e Ghizzi (2013). Os estudos de Malard et al (2002) descrevem o uso de uma metodologia interpretativa complementar à uma avaliação pós ocupacional, baseada na fenomenologia de Martin Heidegger. Já Ghizzi (2013) descreveu o método de arquitetura em diagrama, analisando o processo projetivo a partir do raciocínio dedutivo-diagramático, tendo como base filosófica Charles Peirce. Tanto Malard et al (2002) como Ghizzi (2013) abordaram a arquitetura no contexto da sua materialidade, ou seja, como objeto construído e funcional. No entanto, Muntafiola (2000) propõe um método de arquitetura dialógica baseado na fundamentação teórica e filosófica (Aristóteles, Heidegger, Derrida, Bakthin, Ricoeur), em importantes arquitetos (Robert Venturi, Álvaro Siza, Alvar Aalto) e em pensadores de outras áreas da ciência. A arquitetura dialógica proposta por Muntafiola desperta uma conscientização histórica e cultural nos estudantes, conduzindo-os à interpretação do lugar como força mentora projetual em áreas históricas. Seu método surge como uma nova forma de interpretar arquitetura, não apenas moderada na análise da sua forma, função, escala, implantação, vistas, acessibilidade, limites, técnicas e de seus materiais, mas a partir da historicidade e da cultura dos lugares arquitetônicos. Também, nessa abordagem teórica e filosófica da dialogia, Soler (2006) aborda o ensino da arquitetura como poética. Neste contexto, é relevante o embasamento teórico e filosófico para a formação do arquiteto, além de prepará-lo para atuar com as legislações e com a lógica do mercado de trabalho. Assim, o presente capítulo teve como objetivo propor o método de ensino dialógico em áreas históricas. ? Os conhecimentos profissionais são aqueles relacionados aos projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo, teoria e história da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, tecnologia da construção, topografia, informática aplicada, conforto ambiental, sistemas estruturais e das técnicas retrospectivas. (Art.6º, da Resolução nº 2, de 17 de junho de 2010, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais) Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas 49 P.V.C. Chamma; R. F. B. Salcedo 2 PEDAGOGIA NO ENSINO DE PROJETOS DE ARQUITETURA Os gregos foram os primeiros a refletirem sistematicamente sobe o processo educacional, criando o termo Pedagogia, que etimologicamente significava “paidos”=criança e “agogôs”=condutor, guia (COTIM e PARISI, 1984, p. 100). Segundo Nérice (1983, p. 23) educação é o processo que visa levar o indivíduo, concomitantemente, a explicitar as suas virtualidades e a se encontrar com a realidade, para na mesma atuar de maneira consciente, eficiente e responsável, a fim de serem atendidas as necessidades e aspirações pessoais e individuais. Necessidade, aqui entendida como os aspectos fundamentais de sobrevivência e anseios do propósito de melhoria ou de satisfação individual e da sociedade. Entre as finalidades da educação apontadas por Nérice (1983, p. 23) está a preparação do educando para a estética, ou seja, sensibilizá-lo para que o belo predomine nos fenômenos que ele possa criar; prepará-lo para o convívio social e prepará-lo para a pesquisa, pois se essa estiver presente na sua educação, situações desconhecidas e inéditas serão superadas. A formação em Arquitetura e Urbanismo baseia-se em conhecimentos de diversas áreas da Ciência, buscando aproximar arte e técnica. Assim, nessa busca dos princípios artísticos depara-se com um grande obstáculo que é a ideologia da genialidade, que tem prejudicado em muito a evolução do ensino e da pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, especialmente no aprendizado teórico. O pensamento racional das Ciências contraria a ideologia do gênio. Em relação ao aprendizado prático da área de arquitetura e urbanismo, as dificuldades estão nas incoerências entre o universo escolar e a realidade do mercado. Há de se considerar a dificuldade em se observar os fenômenos da área, ou seja, acompanhar o processo de criação projetual materializada em obra construída. A formação em Arquitetura e Urbanismo é pautada na análise crítica da sociedade e do seu ambiente construído. Os arquitetos brasileiros formados no século XX, especialmente a partir da década de 60, vivenciaram a ruptura dos modelos arquitetônicos tradicionais. E novamente a formação do arquiteto brasileiro está trilhando um caminho sem precedentes por consequência das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais. Os avanços tecnológicos, as novas formas de habitar e de vivenciar os espaços urbanos e suas potencialidades para o futuro estão "redesenhando" a formação do arquiteto. Para os professores das escolas de arquitetura não há como ensinar da mesma forma que se aprendeu. Não há como manter nas instituições de ensino a postura docente revestida de poder e uma formação pautada nos exemplos do apogeu da arquitetura modernista brasileira, o modelo do professor que atuava nos grandes escritórios e que dedicava parte do seu tempo à academia e cuja “genialidade” encantava ou intimidava seus alunos. Os vínculos entre arquiteto-educador e arquiteto-aprendiz são fundamentais para o fortalecimento do próprio ensino, estabelecendo-se uma relação de respeito e admiração e não de medo e distanciamento. O caminho possível está na ação e reflexão, que segundo Freire (1988, p. 77) são solidárias, em uma interação radical que, se sacrificada, ainda que em parte, uma delas se ressente, imediatamente a outra. A essência da educação como prática de liberdade é a dialogicidade, pois “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1988, p. 78). A Arquitetura é reconhecidamente um ato criativo, feito por e para pessoas que são adeptas às inovações e ao bem social. As interações humanas não podem repetir os mesmos métodos e técnicas de ensino, sem que haja um processo reflexivo de sua ação pedagógica. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um 50 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes. Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem a buscar a verdade, mas a impor a sua. Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens (FREIRE, 1988, p. 79). O caminho da reflexão na ação é a base do pensamento de Schôn (2000, p. 25) que reconhece no ensino do processo dos cursos de Arquitetura e Urbanismo o método de reflexão na ação, uma vez que no ateliê de projetos deve haver a liberdade para aprender através do fazer, em um ambiente de risco relativamente baixo, com acesso a instrutores que iniciem os estudantes na tradição da vocação e os ajudem através da fala correta, a ver por si próprios e à sua própria maneira o que eles mais precisam ver. Na aprendizagem, a participação ativa entre seus atores promove o aprendizado e a dialógica, descrita por Schôn (2000, p. 94) como a escada da reflexão: o processo de projeto, que ocupa a base, assume no segundo degrau a forma de descrição, através da qual o estudante reflete sobre a própria aprendizagem. No terceiro degrau, o professor reflete a partir da reflexão do estudante. E, num quarto degrau, ambos refletem sobre o diálogo que mantiveram. Assim, enquanto o estudante é impulsionado a refletir sobre a ação, o professor é motivado a não apontar soluções para possíveis erros simplesmente, mas estimular a continuidade desta reflexão. A dialogicidade é reafirmada por Schôn (2000, p. 94) como o momento em que dizer/ouvir, demonstrar/imitar leva a reflexão, preenchendo espaços inerentes em cada subprocesso conectados de forma que uma intervenção ou resposta pode desencadear ou construir outras. 3 DIALOGIA E ARQUITETURA Segundo Muntafiola (2000, p.70) a noção de dialogia vem do grego dia-logos, razão ou palavra que atravessa (que vai de dentro para fora e de fora para dentro). Inspirado por Soler (2006) buscou-se no texto literário de Leonardo Boff (1997) introduzir o conceito dialogia. Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo em que habita. (BOFF, 1997, p. 9.) O texto de Boff (1997, p. 9) nos faz perceber que o sentido de lugar é complexo e que ao propor uma obra de arquitetura estamos estabelecendo uma relação dialógica entre a história do lugar, das pessoas que nele vivem e com a nossa própria história. A relação entre o projeto, sua leitura (texto) e o seu contexto é entendida como dialogia. Para Paul Ricoeur (2003) e Muntafiola (2002, 2006) a arquitetura pode ser lida e interpretada como um texto, inserida em um contexto. A dialogia deve ser entendida como uma interação, o que não significa a concordância permanente, pois toda comunicação causa tensão, gerando um processo de ação-reação. A teoria Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas 53 P.V.C. Chamma; R. F. B. Salcedo Tabela 1. Cronótopo: Narratividade x Arquitetura com base em Ricoeur (2003) Narratividade Arquitetura (prática projetual profissional) Prefiguração Tempo mental: momento da narrativa | Tempo mental: momento em que a histórica, relato empregado na vida | arquitetura existe apenas como projeto. cotidiana, antes da adoção de uma forma literária. Configuração | Tempo cósmico: fatos narrados por | Tempo cósmico: materialização do projeto meio da escrita, imersa na técnica | arquitetônico no espaço, ou seja, o ato de narrativa, tempo relatado, assim o ato | construir, de configurar uma obra no espaço e de narrar sai da vida cotidiana para | no tempo. emergir na literatura. Refiguração Tempo histórico: é a leitura ou releitura, | Tempo histórico: é a compreensão do espaço é a compreensão do relato. materializado, é a leitura ou releitura espacial. Na obra construída é a leitura e releitura de vida a partir de nossa maneira de habitar. Tabela 2. Cronótopo: prática pedagógica projetual x prática projetual profissional, com base em Ricoeur (2003) Prática pedagógica projetual Prática projetual profissional Prefiguração Tempo mental: momento de criação do | Tempo mental: momento em que a projeto ainda não desenhado, ideia | arquitetura existe apenas como projeto. projetual que está na mente do estudante Configuração | Tempo cósmico: projeto materializado | Tempo cósmico: materialização do projeto como desenho, construção da ideia arquitetônico no espaço, ou seja, o ato de construir, de configurar o espaço no tempo. Refiguração Tempo histórico: é a leitura ou releitura | Tempo histórico: é a compreensão do espaço do espaço no desenho. materializado, é a leitura ou releitura espacial. A arquitetura, segundo Ricoeur (2003 p. 11), é para o espaço uma operação configuradora, um paralelo entre o ato de construir e o ato de narrar. [..] el acto de “configuracion” se divide en tres etapas: por una parte, la puesta-en- intriga, que he definido como la “síntesis de lo heterogéneo”, por otra parte, la inteligibilidad- el intento de esclarecer lo inextricable - y finalmente, la confrontación de vários relatos, colocados ao lado de otros, frente o detrás de ellos, es decir, la intertextualidad (RICOEUR, 2003, p. 20). Analogicamente, em arquitetura a síntese do heterogêneo é a capacidade do arquiteto em trabalhar com as contradições, com as variáveis projetuis. A inteligibilidade é a compreensão do lugar, sua identidade e seus contextos. Já a intertextualidade em arquitetura é a intenção do arquiteto e o respeito dado à ambiência de edifícios já existentes (entorno) ao se contextualizar com o novo edifício (ou uma nova proposta em um edifício existente). Ao inscrever um novo edifício no espaço construído se estabelece a relação entre inovação e tradição. Portanto, a dialogia de um projeto de arquitetura em contexto histórico pode ser considerada configurativa, pois é a materialização da ideia do aluno, o projeto aponta a sua intenção. A análise refigurativa pode ser entendida como a avaliação do próprio aluno, do professor e de todos que realizam a leitura do projeto, também entendida como a retórica do projeto. 54 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos O ensino de projeto dialógico é apenas prefigurativo, visto que está configurado apenas na mente do arquiteto, no mundo das ideias. Para se tornar desenho (materialidade), a ideia tem que se transformar em representação gráfica. Segundo Ferreira (2004, p. 17) "o desenho comunica primeiro aos olhos; é uma linguagem diferente da falada ou escrita". O desenho, como meio de comunicação, precisa de uma transição temporal para se materializar. Precisa que o desenhista tenha domínio das normas técnicas de representação gráfica para que possa ser compreendido. Ferreira (2004, p. 17) afirma que "o projeto de um edifício ou o planejamento de uma cidade não são apenas pensamentos, representam uma percepção da realidade e do mundo em seu contexto histórico, social, econômico e cultural". O valor prefigurativo está na ideia do arquiteto em intervir no tempo e no espaço, deixando sua marca inovadora na história. A história de um lugar e o projeto (que está na dimensão virtual) não tem a mesma temporalidade, toda nova intervenção no espaço é uma transformação e para ser poética tem que surpreender. “Sin embargo la historia de un lugar y el proyecto que lo toma como sitio, no tienen la misma temporalidad” (MUNTAROLA, 2000, p. 12). Para Ferreira (2004, p. 17) a imaginação dá ao desenho um caráter construtivo, não só do significado que se quer construir através dele, mas também da linguagem usada para a comunicação. A importância da prefiguração em projetos está na consciência de que cada projeto se fundamenta em algo, não nasce do nada. Não há como fazer projeto sem interação social, cultural e histórica. A inovação não consiste apenas em criar algo novo, mas em criar algo a partir da tradição; o novo, considerando o velho; o futuro a partir do passado e do presente afinal “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Muntafiola (2007, p. 13), na prefiguração utiliza o termo representação híbrida, que é a linguagem anterior que segue, não para ser substituída pelo novo, mas iluminado pelo novo (projeto poético entendido como um raio de luz). As teorias sobre a construção dos lugares são analisadas por Muntafiola (2000, p. 15), do ponto de vista arquitetônico em três dimensões: estética, ética e ciência. Tratando-se do ensino de projeto em áreas históricas é importante que os alunos tenham os conhecimentos fundamentais sobre patrimônio. 3.1 Conhecimento científico O ensino de projeto em áreas históricas é pautado em diferentes áreas do conhecimento: história, patrimônio arquitetônico e urbano, teorias da restauração, reabilitação, meios de expressão e representação de arquitetura, entre outros. Além disso, é importante conhecer a morfologia urbana e edilícia (tipologias, estilos), questões culturais, sociais e físico-geográficas do lugar, objeto de estudo do projeto. É necessário saber transitar na interdisciplinaridade, pois para a compreensão e interpretação do lugar é necessário a dialogicidade. Para un espacio dialógico y un arquitecto dialógico, en cambio, la organización del territorio y de las ciudades es el resultado de un diálogo y de la actitud del arquitecto hacia la situación históricosocial. Un diálogo tiene un comienzo y un fin, y corresponde a los objetivos de encontrar soluciones para algo, con el fin de clarificar o iluminar algo, comunicar algo. Es un contrato. En un diálogo positivo, la construcción y la comunicación están íntimamente unidas en el mismo proceso, y una arquitectura dialógica emerge a través del diálogo específico que es construido y comunicado por el propio espacio. Esta naturaliza “dialógica” de la cultura está de hecho presente en todos los campos científicos (MUNTAROLA, 2000, p. 138). Para projetar no construído, ou seja, para desenvolver projetos de intervenção em áreas históricas o arquiteto requer o conhecimento sobre: preservação, patrimônio histórico, arquitetônico e urbano; centros históricos, cidades históricas e sítios históricos; história da arquitetura e do Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas 55 P.V.C. Chamma; R. F. B. Salcedo urbanismo; teorias da restauração e reabilitação, além dos conhecimentos da área de tecnologia, representação gráfica, legislação, conforto ambiental, acessibilidade, sustentabilidade, materiais, sistemas construtivos, sistemas prediais, etc. Choay (2006, p. 11) afirma que a expressão patrimônio histórico “designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum.” A noção de “bem" aparece na Carta de Burra (CONSELHO INTERNACIONAL DE MONUMENTOS E SÍTIOS, 1980 apud IPHAN, 1995, p. 283-287) que define que “a preservação será a manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada”. O ensino de projetos em áreas históricas requer especial atenção em relação ao patrimônio histórico representado pelas edificações e pelo espaço urbano, conforme se constata na obra de Gustavo Giovanonni, que viveu entre 1873 a 1947 e foi o maior defensor do patrimônio urbano. Segundo Choay (2006, p. 194) Giovanonni atribui simultaneamente um valor de uso e um valor museal aos conjuntos urbanos antigos, integrando-os numa concepção geral da organização do território. Depois de Giovanonni, surge a ideia do contexto, pois o patrimônio histórico não está isolado, ou seja, “o patrimônio urbano se consolida não como objeto autônomo e uma disciplina própria, mas como elemento e parte de uma doutrina original da urbanização” (CHOAY, 2006, p. 195). Segundo a Carta de Restauro de 1972, para efeito de identificar os centros históricos: levam-se em consideração não apenas os antigos centros urbanos, assim como tradicionalmente entendidos, como também, de um modo geral, todos os assentamentos humanos cujas estruturas unitárias ou fragmentárias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, hajam se constituído no passado ou, entre muitos, os que eventualmente tenham adquirido um valor especial como testemunho histórico ou características urbanísticas ou arquitetônicas. Sua natureza histórica se refere ao interesse que tais assentamentos apresentarem como testemunhos de civilizações do passado e como documentos de cultura urbana, inclusive independentemente de seu intrínseco valor artístico ou formal, ou de seu aspecto peculiar enquanto ambiente, que podem enriquecer e ressaltar posteriormente seu valor, já que não só a arquitetura, mas também a estrutura urbanística, têm por si mesmas um significado e um valor (GOVERNO DA ITÁLIA, 1972 apud IPHAN, 1995, p. 212). Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. Esse sítio histórico urbano deve ser entendido em seu sentido operacional de área crítica, e não por oposição a espaços não-históricos da cidade, já que toda a cidade é um organismo histórico. O sítio histórico urbano (SHU) é parte integrante de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo dinâmico de transformação, devendo os novos espaços urbanos ser entendido na sua dimensão de testemunhos ambientais em formação. É importante ressaltar os conceitos definidos pelo IPHAN, mediante a Portaria nº 299, de 6 de julho 2004, em seu artigo 8º, 8 1º: a) cidade histórica: o sítio urbano que compreende a área-sede do município; b) centro histórico: o sítio urbano localizado em área central da área-sede do município, seja em termos geográficos, seja em termos funcionais e históricos; c) conjunto histórico: o sítio urbano que se configura em fragmento do tecido urbano da área-sede do município ou de qualquer um dos seus distritos ou, ainda, sítio urbano que contenha monumentos tombados isoladamente (IPHAN, 2004, p. 329). Salcedo (2013, p. 26), avaliando as contribuições dos teóricos do restauro identificou conceitos que nortearam as intervenções de restauro arquitetônico na Europa (séculos XIX e XX), sendo que antes do século XVIII as reformas dos edifícios eram adaptações às necessidades e somente no 58 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos estruturas espaciais e na ambiência dos conjuntos históricos. Para isso, uma análise do contexto urbano deveria preceder de qualquer construção nova, não só para definir o caráter geral do conjunto, como para analisar suas dominantes: harmonia das alturas, cores, materiais e formas; elementos constitutivos e do agenciamento das fachadas e dos telhados, relações dos volumes e dos espaços, assim como suas proporções médias e a implantação dos edifícios. Uma atenção especial deveria ser prestada à dimensão dos lotes, pois qualquer modificação poderia resultar em um efeito de massa, prejudicial à harmonia do conjunto (UNESCO, 1976 apud IPHAM, 2004). Portanto, os projetos para as construções novas em áreas históricas “deveriam ser integradas a paisagem edilícia do contexto, respeitando suas características” (SALCEDO, 2009, p. 78). A Carta de Burra (1980 apud IPHAN, 1995) que contextualiza a necessidade da manutenção e da preocupação com a futura utilização da obra; a Carta de Petrópolis (1987) que identifica o sítio histórico urbano como espelho que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações e é parte integrante de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída; a Carta de Brasília (1995 apud IPHAN, 2004) que enaltece a necessidade de discutir a questão da autenticidade diante da realidade regional, em respeito à identidade. O arquiteto, desde o principio das teorias de restauro sempre teve papel atuante, sendo o criador de edificações que se perpetuaram na História ou como defensor do patrimônio arquitetônico de obras relevantes para a sociedade. 3.2 Comportamento ético Segundo Muntafiola (2000, p. 69) as leis urbanísticas são as expressões das medidas éticas e políticas do lugar. Pela dimensão topogênica a ética está na relação entre projeto e história, na ação como um plano e na ação como traço. La medida ético-política de la arquitectura tiene la misma estatura que “la ley” en general. Como en el campo de la justicia, las medidas ético-políticas del lugar habitado parten de una “sabiduría” que “prevee” el mejor lugar posible, o, al menos, uno de los mejores lugares posibles. De la misma manera que una ley delimita un comportamiento social y cultural (más o menos relacionado con un pasado) la topogénesis ético-política ha de tener una capacidad de evaluar hasta qué punto unas medidas, funciones y formas espaciales podrán permanecer, sobrevivir o deberán cambiar (MUNTARIOLA, 2000, p. 65). Para o entendimento da ética na arquitetura dialógica é preciso respeitar as diferenças, de lugares, de pessoas, de culturas e de valores. Só há ética em projetos que padronizam os espaços considerando as diferenças e as semelhanças, o “eu” e o “outro”. Os lugares idênticos, daqueles que podem ser construídos em qualquer parte do planeta, tornam-se insignificantes (sem significado) e, portanto, monológicos. A ética deve ser tratada no ensino de projetos de arquitetura, demonstrando aos futuros arquitetos que embora haja o caráter artístico da arquitetura, a postura de criador não deve ser aquela que tudo pode na sua obra artística, mas tem que considerar que sua criação está à serviço de outro indivíduo, ou seja, para quem está sendo criada essa obra. O arquiteto deve interpretar os desejos, necessidades e aspirações do seu cliente e traduzi-los em espaço. No projeto, o arquiteto tem liberdade (livre arbítrio) para priorizar determinadas categorias (estéticas, culturais, históricas, sociais, normas técnicas, técnicas construtivas, viabilidade financeira, etc) em detrimento de outras, demonstrando seu comportamento ético diante de uma hierarquia de valores. Os estudos do comportamento social realizados por Piaget, conforme citado por Muntafiola (2000, p. 71) demonstram que a sociedade monológica produz sujeitos autoritários, ao contrário Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas 59 P.V.C. Chamma; R. F. B. Salcedo da dialogia que favorece as interações sociais, onde as diferenças não são problemas, mas significam a possibilidade de troca de experiências. A formação em arquitetura, principalmente no ensino de projetos é um exercício crítico constante, entre escolhas, juízos e valores. O comportamento ético docente imprimirá marcas profundas nos futuros arquitetos, positivamente ou não. Segundo Soler (2006, p. 7), o professor poeta precisa estar atento na sua poesia. As injustiças sociais, violência, o desrespeito ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, os interesses que não sejam da coletividade não podem fazer parte do poema arquitetônico. A responsabilidade ética no exercício da atividade do arquiteto-educador se faz presente na maneira como contribui para a formação do arquiteto-aprendiz. A integridade ética docente também é evidenciada e observada pelos aprendizes. Freire (2015) ao falar de ética aponta a responsabilidade docente frente à formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e aprender com o diferente. [...] embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É nesse sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é a ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado (FREIRE, 2015, p. 25) 3.3 Estética: o texto (projeto arquitetônico) A noção de estética, sob a ótica dialógica, apoia-se na poética e na retórica. A dialogia se desenvolve na relação espaço-temporal. O lugar, em constante transformação, se estrutura em poéticas e retóricas em função da cultura e da história. A compreensão estética na arquitetura dialógica é complexa. Soler (2006, p. 15) sustenta a definição de arquitetura em arte, projeto e construção. Para ele a arte se dá pelo projeto, o sentido de projeto remete a temporalidade, em lançar uma ideia para frente. A ideia requer invenção, ou seja, a ação de descobrir com esforço o estudo de algo novo e desconhecido. Se por um lado há a racionalidade da construção, por outro há a subjetividade do projeto. O projeto de arquitetura é um processo criativo que ao ser materializado em um desenho comunica a criação do arquiteto. É inerente ao arquiteto, o prazer em ver uma criação materializada em desenho e posteriormente em uma bem sucedida obra construída. Há como compreender o desejo do estudante de arquitetura em ver sua ideia transformada em um projeto, defendendo-a arduamente. Embora o arquiteto-aprendiz tenha no arquiteto-educador uma referência, há o receio de ter projetado algo feio, errado, que não seja funcional. Mas, ainda pior é quando o arquiteto-aprendiz projeta seguindo o que o professor quer, em função da dificuldade e consternação. Na avaliação, o estudante, ao ver seu professor corrigir sua criação incorpora uma postura defensiva. Assim, o referencial proposto pela Topogênesis de Muntafiola (2000) pode oferecer um parâmetro para a reflexão estética. A partir da análise dos eixos ético, estético e científico surge a poética do espaço. O espaço que abriga usos distintos é ético. Quando afeta o imaginário e surpreende é estético. Quando é lógico e racional demonstra a cientificidade pela sua racionalidade. A qualidade de um projeto está na dialogia desses três eixos, ao mesmo tempo, ainda que um eixo fale mais alto que outro, mas que todos possam ser ouvidos. Há de se considerar as leis (lógica exterior) que regem o uso desses espaços e o juízo de valor de cada um, expressando sua ética, pois há de se ter regras para conviver. A poética arquitetônica não gera apenas um espaço, mas transforma-o, tornando-o significativo (signos). Assim, a questão que se coloca é como ter uma pedagogia dialógica para que o arquiteto seja capaz de propor uma arquitetura dialógica? 60 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos Na dialogia, entendida por Freire (2015) os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela e assim o conceito de ética e estética se fundem: O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de rebeldia legítima, tanto para o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios éticos de nossa existência (FREIRE, 2015, p. 59) Para Muntafiola (2007, p. iv) as dimensões cronotópicas coincidente com as três profissões capazes de resolver as questões espaço-tempo com saber aristotélico. O arquiteto, a partir do cronótopo topogênico (tempo cósmico), o educador, por meio do cronótopo psicogenético (tempo mental) e o legislador, com o cronótopo histórico-social (tempo histórico-social), pois essas são profissões capazes de mudar o futuro. Portanto, se os projetos em áreas históricas precisam ser mais dialógicos é necessário olhar para a fase anterior, ou seja, para o ensino de projetos de arquitetura e seus atores. A poética de Aristóteles inspira Soler (2006, p. 7) ao afirmar que o professor é um poeta. O processo de aprendizagem projetual ocorre quando o ato criativo no projeto (texto) do aluno-aprendiz possui um contexto arquitetônico, demonstrando a sua interpretação e consciência histórica. Nesse processo o professor é co-autor. A través de ese acto creativo, el professor consigue que ese alumno, al que hemos definido en principio como espectador, alcance un nuevo papel. El de poeta él tambien. A partir de ese momento el processo se invierte, el espectador sube al escenario y toma la dirección de la representación, a partir de ese momento es capaz de escribir sus próprios poemas, es ya un poeta. Con ello se cierra el ciclo (SOLER, 2006, p. 132) 4 — O MÉTODO DIALÓGICO O método tem por objetivo propor um projeto dialógico em áreas históricas através de uma abordagem teórica e filosófica baseada na topogênesis de Muntafíola, na narratividade de Ricoeur e na dialogia de Bakthin, nas teorias de restauro e nas cartas patrimoniais. Segundo Salcedo et al (2015, p. 234) esse método compreende o “contexto” do centro histórico ou centros urbanos consolidados e o “texto” ou arquitetura. É composto pelas seguintes etapas: 12 etapa-Abordagem teórica e filosófica (conteúdo programático) a) A área histórica entendida como centro urbano consolidado, cidade histórica ou o sítio é o lugar onde teve início a formação urbana, sua morfologia está constituída pelas arquiteturas e espaços livres, expressão das manifestações sociais, culturais, econômicas, políticas e tecnológicas de uma determinada sociedade num período histórico (SALCEDO, 2007). Portanto, é importante diferenciar áreas históricas e suas escalas urbanas (cidade histórica, centro histórico, conjunto histórico, sítio urbano histórico). b)O lugar é o espaço vivenciado, é o espaço das memórias e identidades sociais. Segundo Krotz (1994 p. 10) os contatos culturais nunca se dão no espaço vazio, ou seja, não podem ser isolados a partir da dinâmica da história universal dos povos que compreendem. Na visão de Tuan (1983, p. 6) o que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. Nesse raciocínio, vale dizer que ao arquiteto cabe projetar uma casa, mas quem a transforma em lar é quem faz uso dela. Ao arquiteto cumpre a função de intervir para melhoria das cidades, mas seu nexo vem de quem nela vive e convive. Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas 63 P.V.C. Chamma; R. F. B. Salcedo Contexto Tríplice Natureza Dialógica | utero | = Texto (projeto Figura 3. Texto e Contexto no projeto arquitetônico Conforme já exposto, o projeto de áreas históricas na academia estabelece uma relação cronotópica divergente da prática projetual. A ideia que está na mente do estudante (prefiguração) torna-se materialidade no projeto (configuração) que pode ser lido (refiguração) pelo próprio estudante, seus mestres e toda comunidade acadêmica. No projeto dialógico acadêmico (o texto) se constrói sobre o contexto e a avaliação do projeto se dá pela leitura, da interpretação do desenho, carregado de significados. Cada nova leitura do contexto, uma nova configuração projetual se apresenta, demonstrando a tríplice natureza dialógica, ou seja, a relação estabelecida pelo estudante com a ciência, com a estética e com a ética. No desenvolvimento do projeto acadêmico em áreas históricas os meios de expressão e representação vão se apresentando da forma que melhor contam a história do lugar, sendo que as descrições verbais, gráficas e simbólicas contribuem para que se defina a identidade social. Os desenhos de livre expressão, os diagramas, desenhos de estudo projetual, desenhos técnicos, desenhos tridimensionais, maquetes físicas são as expressões dos desejos e aspirações dos usuários e representam o novo lugar, proposto por arquiteto-aprendizes e arquitetos educadores, em uma dodiscência? que buscam um saber fazer arquitetura à luz do conhecimento científico, ético e estético. Na prática de projetos, há a obra construída, em que texto (concepção do projeto até o uso social da obra) e o contexto estão em constante mutação. Para elaboração de projetos em áreas históricas o método dialógico mostra-se viável, pois o processo de projeto não tem uma sequência linear, estando mais próxima se uma espiral crescente, tal qual a sequência de Fibobacci” (Figura 4). 2 Termo definido por Paulo Freie para descrever a um processo de aprendizado docente-discente, em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. (Freire, P, Pedagogia da Autonomia, p.30) 3 A sequência de Fibonacci está presente na natureza, como marca registrada de beleza e criatividade. Está nas galáxias (distância entre estrelas) e no ser humano (mãos, rosto e corpo), na flora (girassol, abacaxi, alcachofra) e na fauna (camaleão, concha do caramujo, elefante), nas manifestações da natureza (furacões), nas obras de arquitetura (Parthenon), pintura (Monalisa). Trata-se de uma sequência matemática de números inteiros, começando por O e 1, na qual, cada número subsequente corresponde a soma dos dois anteriores. 64 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos O passado nas obras construídas (patrimônio) permite o entendimento do que somos, pois os acontecimentos do passado nos definem na atualidade. Nenhum ser social consciente deseja passar pela vida sem contribuir positivamente para a evolução da sociedade. A resolução projetual não pode restringir-se ao limite temporal humano e assim o processo dialógico não pode ter um começo e um fim. reconfiguração reprefiguração , Ni ! a [o / 42 : 4D) configuração A prefiguração e : GS y refiguração | Professor O Aluno- Materialização ( : Aluno-Processo mental refiguração Figura 4. Projeto arquitetônico dialógico 5 CONCLUSÕES Há uma relação intrínseca entre o desenvolvimento urbano e a descaracterização socioespacial e territorial. Muitas áreas centrais urbanas estão tornando-se cada vez mais decadentes e a formação do arquiteto em relação ao patrimônio arquitetônico e urbano é uma necessidade urgente. Na escola ou na vida o arquiteto tem um compromisso ético, estético e científico com a qualidade social do espaço. Ao se envolver cada vez mais com a cultura e a história de uma sociedade aproxima-se também da boa arquitetura. A busca por um método de ensino de projetos na área patrimonial, mediante a arquitetura dialógica pretende preencher uma lacuna nas referências pedagógicas da área de arquitetura, propondo para as gerações futuras de arquitetos uma nova prática de projetos em áreas históricas. O método dialógico no ensino de projeto arquitetônico em áreas históricas consiste na consolidação da arquitetura dialógica no campo projetivo arquitetônico, considerando a tríplice natureza dialógica (ciência, estética e ética) e fazendo uma analogia da arquitetura e da narratividade permitindo um avanço na interpretação sociofísico do lugar, nas dimensões espaço- tempo: prefiguração ou ideias do aluno sobre o projeto, configuração ou materialização das ideias (o-projeto) e refiguração ou leitura do projeto pelo aluno, o professor e comunidade acadêmica. Ensino dialógico do projeto arquitetônico em áreas históricas 65 P.V.C. Chamma; R. F. B. Salcedo O lugar é o espaço vivenciado, é o espaço das memórias e identidades sociais e o arquiteto como “construtor de lugares” não pode propor intervenções patrimoniais ingênuas ou insensatas, pouco comprometidas com o contexto. O professor, como “poeta” é responsável pela fundamentação teórica, filosófica e metrodológica do arquiteto-aprendiz e torná-lo capaz se escrever, a partir de seus projetos, seus próprios poemas. 6 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Emsantina Galvão G. Pereira revisão da tradução Marina Appenzellerl. São Paulo: Martins Fontes, 1997.— (Coleção Ensino Superior) BOITO, C. Os restauradores. Tradução de Paulo Mugayar Kúhl, Beatriz Mugayar Kúhl. Cotia: Ateliê Editorial, Coleção Artes & Ofícios, 2008. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kúhl. São Paulo: Ateliê Editorial, Coleção Artes & Ofícios, 2013. BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. CARDOSO, B. B. As habilidades criativas e o processo de ensino-aprendizagem: o exemplo do ateliê de projeto em Arquitetura e Urbanismo. Conversas Interdisciplinares, v. 01, p. 01, 2013. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUITETURA MODERNA. Carta de Atenas de 1931. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (BRASIL). Cartas Patrimon Rio de Janeiro: IPHAN, 1995. 14-79p. CONSELHO INTERNACIONAL DE MONUMENTOS E SÍTIOS- ICOMOS. Carta de Burra de 1980. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (BRASIL). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995, 281-287p. COTIM, Gilberto; PARISI, Mário. Fundamentos da Educação. Saraiva: São Paulo, 1984. 73 ed. FERREIRA, Bráulio Vinícius. O ensino do Desenho Técnico no Curso de Arquitetura e Urbanismo: limites e possibilidades. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.3 edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 51. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2015. GHIZZI, Eluiza Bortolotto. Arquitetura em Diagramas: Uma Análise da Presença do Raciocínio Dedutivo Diagramático no Processo Projetivo em Arquitetura. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia. Centro de Estudos do Pragmatismo — Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia — Pontíficia Universidade Católica de São Paulo. v. 3. n. 2, p. 109 — 124. jul. dez. 2006. Disponível em. Acesso em 10 ago. 2013. GOVERNO DA ITÁLIA. Carta de Restauro de 1972. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (BRASIL). Cartas Patrimoni Rio de Janeiro: IPHAN, 1995, 193-216p. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (BRASIL). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995, 343p. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (BRASIL). Cartas Patrimoniais. 3º ed. rev. aum. — Rio de Janeiro: IPHAN, 2004, 408p. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (BRASIL). IPHAN, 2004. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria n 299 de 6 de Julho de 2004.pdf. Acesso em: em 20 ago 2015. KROTZ, E.: Alteridad y pregunta antropológica. In: Alteridades Nº 8. Págs. 5-11. 1994. 68 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação dos Técnicos e Conselheiros do CONDEPHAAT (1969 — 1982) Ewerton Henrique de Moraes Eduardo Romero de Oliveira RESUMO: Os tombamentos de bens ferroviários no Estado de São Paulo tiveram início com a abertura do processo da Estação Ferroviária de Bananal ao final da década de 1960. Entre 1969 e 1984, recorte deste estudo, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAA) reconheceu 10 (dez) bens de origem ferroviária. Estas proteções, em sua maioria, compreendem apenas o edifício de embarque e desembarque de passageiros. O elevado número de estações reconhecidas no Estado é apontado como uma tendência nostálgica e tratamento unitário das partes (RODRIGUES, 1994). Para a autora, não há dúvidas que são elementos relevantes na composição das memórias, contudo, pouco esclarecedores da importância tecnológica e econômica das ferrovias. A partir destas considerações nos interessa saber: quais argumentos justificaram as proteções de bens ferroviários no período? Palavras-chave: CONDEPHAAT, patrimônio ferroviário memória, The Railway Heritage in São Paulo (1969 - 1982) ABSTRACT: The preservation of railway heritage in the State of São Paulo started at the end of 1960s with the beginning of the process of Bananal Rail Station. Between 1969 and 1984, part of this study, the Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), defense council of heritage, recognized 10 (ten) railway heritages. Most of these protections consists only the departure and arrival buildings for passengers. The high number of recognized stations in the State is pointed as a nostalgic tendency and unitary treatment of the parts (RODRIGUES, 1994). For the authoress, there is no doubt that are relevant elements in memory compositions, however, little illustrative for technologic and economic importance of the railways. From these considerations, is our interest: what argument justified the protections of railway heritages in the period? Keywords: railway heritage CONDEPHAAT; memory, 70 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos 1 INTRODUÇÃO O Conselho de Defesa do Patrimônio Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) do Estado de São Paulo reconheceu entre 1968 e os dias atuais um total de trinte e um bens de origem ferroviária (Figura 1). Os remanescentes protegidos são em sua maioria estações de passageiros, sendo exceções apenas o Acervo da Estrada de Ferro Perus Pirapora, o Complexo Ferroviário de Paranapiacaba e a Rotunda de Cruzeiro. Conforme Rodrigues (2010), o elevado número de estações reconhecidas revela uma tendência pela imagem nostálgica do passado e do tratamento unitário de partes. Para a autora, não há dúvidas que as estações são relevantes para a composição de memórias individuais e coletivas, contudo, são pouco esclarecedoras da importância econômica e tecnológica do sistema ferroviário. * Bane Feroniario CONDEPHAST 6 Dera Tarmbados nm Estado de São Paula (Municipios) Bras Minas Gerais rum Mato Grosso do Sal Bens Ftermesinos TÍTULO DA PESQUISA e O Ens Fanovlde ias nos Tormsamantoa do E Estac de São Pub [1064 - ta) E: PESQUISA E ORGANIZAÇÃO Emáriom Hiniqua da Moraas Fmmenmento FAPESPICADES REFERÊNCIAS a faungrafia » Estatitica (GE1 de Enfesa do Patimário Hetárica. ESCALA DE ESTUDO ep ” Estadual Sistema de Coonderados: GUS SIRGAS 2000 ExnPa gas ti dr Unidades: Mogiuo Ed a a Ra Santa Canarins f ulimeios Dm to E xo am E MAPA 1. BENS FERROVIÁRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO CONDEPHAAT Figura 1. Bens Ferroviários no Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2014) No mesmo sentido, Ana Luiza Martins (MARTINS, 2011), Diretora na Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH/CONDEPHAAT), afirma que na década de 1980 a visão era arquitetônica e restrita ao edifício de passageiros. Ainda conforme Martins (2011), “não se entendia, não se percebia, não se sabia que na verdade era um patrimônio industrial e que aquilo era parte de um complexo”. As afirmações de Martins (2011) e Rodrigues (2010) auxiliam na compreensão da grande diferença numérica e contextualizam nosso problema de pesquisa. Alguns questionamentos podem ser propostos a partir do apresentado. Reconhecer apenas estações seria um reflexo do conceito, uma orientação ou mesmo política específica de preservação do patrimônio? Estabelecido o recorte entre 1968 e 1980, temos por objetivo identificar a noção de patrimônio ferroviário que orientou este tipo de tombamento, bem como possíveis variações no período. O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação ... 73 E. H. de Moraes; E. R. de Oliveira Conforme Kiúhl (1998), o patrimônio ferroviário é um importante testemunho do esforço do transporte do café, produto responsável pela geração de riquezas que impulsionaram o Estado. Focada em questões específicas de conservação e restauro, trata da preservação da arquitetura do ferro, onde avança também ao patrimônio ferroviário. Para a autora, a preservação da arquitetura do ferro, quando ligada à ferrovia, é indissociável deste patrimônio ferroviário e do patrimônio industrial, este apresentado como um elemento maior e que abarca também o primeiro. Estando em acordo com esta relação entre os conceitos, o desenvolvimento desta reflexão teórica passará necessariamente pela definição de patrimônio industrial. O entendimento de patrimônio industrial provém de um contexto de transformações, sendo um conceito decorrente da própria ampliação da noção de bem cultural (RODRIGUES, 2010; KÚHL, 1998). Casanelles i Rahóla (2007) afirma que a introdução de novos valores e a incorporação da arqueologia, proporcionou uma abrangência maior aos tipos de bens a serem valorados. Para o autor, superando a lógica de patrimônio anterior, o século XX forneceu importantes elementos para a compreensão do patrimônio industrial: o valor do objeto como testemunho de uma época e o valor do bem como documento. A importância deste tipo de patrimônio foi consolidada na Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial (TICCIH, 2003), resultado da Assembléia Geral do The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH) em 2003. A carta afirma que os edifícios, estruturas, processos e utensílios, bem como as localidades e paisagens, além das manifestações tangíveis e intangíveis relacionadas às atividades industriais, são de importância fundamental. Apoiados nestas considerações definiram da seguinte forma: O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolvem atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação (TICCIH, 2003). Em outras palavras, o patrimônio industrial compreende as estruturas geradas pelo desenvolvimento histórico das atividades produtivas e extrativas do homem. Interpretado em um contexto territorial torna-se testemunho do cotidiano, da memória do trabalho e do lugar (ALVAREZ-ARECES, 2008). Retomando a questão dos bens ferroviários, estes elementos estão abarcados no conceito através do interesse pelos meios de transporte. Esta preocupação aparece em Casanelles i Rahóla (2007) ao abordar os interesses do patrimônio industrial, para o autor os meios de transportes para pessoas ou mercadorias, bem como sua infraestrutura são partes do item comunicações. Em nível europeu, o patrimônio ferroviário é tema da Carta de Riga, aprovada pela European Federation of Museum & Tourist Rail (FEDECRAIL) em 2005. Este documento trata sobre a conservação, restauro e utilização de equipamentos históricos ferroviários (“[...] to preserve and operate historic railway equipament”), conforme artigo 1 da Carta. Tais orientações são adotadas como código de conduta por organizações e ferrovias históricas em vinte quatro países (FEDECRAIL, 2015). Conforme consta no Artigo 2, a salvaguarda pode ser justificada pelo significativo valor tecnológico, história dos meios de transporte ou meio de perpetuar conhecimentos tradicionais, neste caso, avançando aos aspectos imateriais relacionados aos objetos (FEDECRAIL, 2005). Além dos objetos históricos, afirmam que o patrimônio ferroviário refere-se a “[...] historic or preserved railways, museum railways and tramways, working railway and tram museums and tourist railways, and may extend to heritage trains operating on the 74 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos national network and other railways” [Definitions, FEDECRAIL, 2005].? Distante do entendimento proposto pelo patrimônio industrial, a definição esta restrita ao material rodante ou infraestrutura necessária à operação, assim como os objetos históricos e seus significados tecnológicos e história dos meios de transportes. Mesmo a relevância dos aspectos imateriais, presentes nos dois textos, na Carta de Riga é valorada em contexto limitado, apenas enquanto associada ao objeto histórico e necessário à operação de trem histórico. No contexto brasileiro, atualmente, o termo patrimônio ferroviário aparece também na legislação. O principal exemplo é a Lei 11.483 que atribui ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) responsabilidades especificas para preservação da memória ferroviária (BRASIL, 2014). Conforme definição do IPHAN (BRASIL, 2014), o universo que compreende o Patrimônio Cultural Ferroviário engloba bens imóveis, bens móveis e acervos documentais, além do patrimônio imaterial, representado pelos costumes, tradições e outras influências. Estabelecendo um paralelo com as teorias anteriormente apresentadas, o exemplo brasileiro permite uma interpretação mais ampla das relações dos bens ferroviários com o patrimônio industrial. Conforme abordado, em um primeiro momento, a ferrovia aparece como um item — meio de transporte — em um sistema maior e complexo, conjunto que em sua totalidade formam o patrimônio industrial (TICCIH, 2003). Por outro lado, deve ser considerado o fato de que nem sempre a ferrovia era parte da empresa, sendo a própria companhia ferroviária também uma indústria. Desta forma, trata-se de um sistema independente e com a mesma complexidade que o anterior, podendo ser dotado de espaços de moradia, religiosos, etc. No Brasil, a Vila Ferroviária de Paranapiacaba (Figuras 3 e 4) é um exemplo relevante desta complexidade. As moradias foram construídas a partir de 1867 pela São Paulo Railway Company (SPR) para abrigar seus funcionários. O espaço abriga ainda outras estruturas relacionadas à operação ferroviária. Figura 4. Maquete da Vila de Paranapiacaba (Acervo do Museu Castelo - PMSA). Foto cedida por Ana Brugnera (2012) Figura 3. Área do Museu Ferrovi Paranapiacaba (2012) No texto de Jimenez Vega e Polo Muriel (2007), a complexidade é argumento para posicionar a ferrovia como uma peça-chave do patrimônio industrial. Sem desconsiderar os aspectos imateriais, para os autores, a ferrovia é um sistema complexo dotado de estruturas edificadas como estações, obras anexas, moradias, entre outros, sendo o trem um importante elemento para que a revolução industrial fosse possível. Apresentadas as considerações e adotada a interpretação da ferrovia como um sistema industrial complexo — dotado de outros subsistemas e relações especificas — os autores propõe que o 2 O termo inglês tramways corresponde a bondes ou bondes elétricos em português do Brasil. O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação ... 75 E. H. de Moraes; E. R. de Oliveira conceito de patrimônio industrial seja aplicado integralmente ao patrimônio ferroviário. Ou seja, respeitada a indissociabilidade entre eles, a definição proposta pelo TICCIH (2003) satisfaz o conceito, sendo a denominação ferroviário um direcionamento relacionado ao contexto de origem dos objetos. Sugerem também que sejam considerados os valores propostos pela Carta de Riga (FEDECRAIL, 2005): o significado para a história dos meios de transporte e tecnologia. Assim sendo, concluiu-se que o patrimônio ferroviário engloba um conjunto de bens (móveis, imóveis), acervos documentais, além das manifestações culturais a ele relacionadas. Quanto aos valores, ainda que sejam relevantes e consideráveis a história dos transportes e tecnologia, em primeiro plano deve estar um contexto amplo. A análise e valoração devem ser capazes de identificar o bem em sua relevância dentro dos diferentes sistemas — seja o socioeconômico, urbano-territorial, ferroviário -, considerando as transformações na paisagem e lugar. 3 A PROTEÇÃO ESTADUAL AOS BENS FERROVIÁRIOS 3.1 Ointeresse pela preservação de objetos ferroviários O interesse pela preservação de objetos ferroviários não é uma exclusividade do período investigado. No Estado de São Paulo, ainda na primeira metade do século XX, o álbum comemorativo da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CP) (PEREZ, 1918) menciona uma locomotiva a vapor como digna de conservação (figura 5). Diferente de outros interesses de guarda manifestados no mesmo período, * a menção relaciona o objeto a uma memória, no caso, a “lembrança dos serviços prestados e seu papel na história da companhia”, conforme legenda na imagem. MACHINA N, | - BITOLA DE Im GU - do primeiro grupo adquirido pela Companhia —— o = a Locomotiva que bem merece ser conservada em logar apropriado, como lembrança dos serviços prestados e do papel que representa na historia da fundação da Compenhia. Figura 5. Locomotiva nº1 da Companhia Paulista 3 Mencionamos como exemplo o anteprojeto para criação do Serviço de Patrimônio Artístico Nacional (SPAN), elaborado por Mário de Andrade na década de 1930. Nas discussões presentes identificamos o interesse por um Museu de Artes Aplicadas e Técnica Industrial, onde há uma menção a locomotiva. Citada juntamente com outros objetos, o interesse de guarda estava no registro do progresso e execução das grandes indústrias, a exemplo do que já era feito no Museu Técnico de Munique e Museu de Ciência e Indústria de Chicago (CAVALCANTI, 2000). 78 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos correspondem a estações de passageiros. Ainda que outras características foram consideradas no período, a arquitetura aparece no centro da discussão e orienta o debate sobre a importância dos bens ferroviários. A própria indicação dos Conselheiros responsáveis por estes processos são, em nosso entendimento, indicadores de que para o CONDEPHAAT a avaliação das estações ferroviárias eram uma competência da Arquitetura. Em quatro dos processos o conselheiro é arquiteto e representante de instituições especificas da área: Murillo Marx do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB); Benedito Lima de Toledo, Nestor Goulart Reis Filho e Eduardo Corona, estes, em períodos distintos, representantes do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. Outros dois arquitetos, Luis Saia e Antonio Luis Dias de Andrade também aparecem como conselheiros relatores em épocas diferentes, ambos representantes do atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Entre as estações, apenas Campinas (SÃO PAULO, 1978a) e Guaratinguetá (SÃO PAULO, 1982) não tiveram como conselheiro um arquiteto de formação, sendo responsáveis Ulpiano Bezerra de Menezes e Mário Savelli, respectivamente. Distante das justificativas atribuídas para as estações, o Horto e Museu Edmundo Navarro de Andrade (SÃO PAULO, 1974a) teve o geógrafo Aziz Ab'Saber como relator. Se entendemos que a formação pode indicar a interpretação do Conselho para a questão, por outro lado, não padroniza os argumentos e justificativas, havendo inclusive alterações nestas nas interpretações. A própria leitura da arquitetura passa por modificações nestes processos e será o primeiro aspecto abordado. A Resolução de Tombamento da Estação de Bananal (SÃO PAULO, 1969) não expõe os motivos da decisão, situação similar aos bens com processos abertos até 1976. Contudo, os aspectos arquitetônicos foram destaque para sua proteção. O edifício é apontado pelo conselheiro Luis Saia (SÃO PAULO, 1969) como um exemplar da arquitetura do ferro. Para o técnico Carlos Lemos (SÃO PAULO, 1969), a estação é um documento para a história da Arquitetura, um exemplo de construção pré-fabricada, ainda segundo ele, uma técnica possivelmente relacionada ao Palácio de Cristal de Londres. Os pareceres permitem identificar que as referências arquitetônicas estão além das edificações ferroviárias e pouco se interessam pelo uso. O reconhecimento do bem enquanto um edifício ferroviário apareceu pela primeira vez em 1982, na Resolução da Estação de Cachoeira Paulista: “Fica tombado como edifício ferroviário de valor ambiental e histórico, testemunho da ocupação e desenvolvimento da região paulista do Vale do Paraíba” (SÃO PAULO, 1977, p.32). Contudo, as justificativas indicam que não se trata de um bem de relevância arquitetônica, sendo reconhecido por seu valor ambiental e histórico. Acreditamos que estas definições possam ser indicadores de um aumento gradual da relevância do bem enquanto testemunho da história das cidades e da própria ferrovia, demonstrando romper os limites da história da arquitetura. No mesmo ano, a proteção da Estação de Guaratinguetá demonstra o reconhecimento de uma Arquitetura específica, denominada no texto como Arquitetura Ferroviária Inglesa: "Fica tombado como monumento de interesse histórico-arquitetônico a ESTAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO DE GUARATINGUETÁ - exemplar proeminente da arquitetura ferroviária inglesa do inicio do século, no Vale do Paraíba e fator de dinamização no desenvolvimento da economia cafeeira daquela região (SÃO PAULO, 1982a, p. 76). Mais do que uma menção ao uso, entendemos como o reconhecimento de um gênero arquitetônico. Para além de nossa questão atual, acreditamos que este reconhecimento da existência de uma arquitetura especifica ferroviária possa, possivelmente, ter auxiliado no posterior reconhecimento de um patrimônio ferroviário pelo CONDEPHAAT, conceito posterior e presente em processos do órgão após os anos 2000. Outro aspecto, o fato de ser um bem ferroviário parece não ser relevante nas proteções efetivadas antes de 1980, casos da Estação de Bananal (SÃO PAULO, 1969) e o Museu e Horto O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação ... 79 E. H. de Moraes; E. R. de Oliveira Florestal de Rio Claro (SÃO PAULO, 1974a). Como visto anteriormente, a interpretação para o Horto estava distante das estações, sendo um bem protegido, sobretudo, por seu caráter ambiental, entendido como relevante para a história técnica, científica e cultural. É ainda hoje o único bem ferroviário registrado no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Sobre a Estação de Bananal, os materiais e técnicas construtivas são argumentos para posicionar o bem como um edifício excepcional. Distinto dos bens anteriores, as ferrovias figuram nas justificativas de todos os tombamentos concluídos em 1982. Ano de conclusão dos processos das seguintes estações: Luz; Cachoeira Paulista; Campinas; Brás, Barracão; e, Guaratinguetá. Em todos os argumentos, as estradas de ferro aparecem relacionadas a cultura cafeeira, o desenvolvimento local e ou a ocupação do Estado. Esta relação aparece consolida nas Resoluções de Tombamento, com exceção da Estação Luz que não apresenta as justificativas. Além da Estação de Guaratinguetá, Resolução apresentada nos parágrafos anteriores, ilustramos esta afirmação com a Estação de Cachoeira Paulista: “Fica tombado como edifício ferroviário de valor ambiental e histórico, testemunho da ocupação e desenvolvimento da região paulista do Vale do Paraíba” (SÃO PAULO, 1977, p.32). Desta forma, foram tombados no ano de 1982 um total de 6 (seis) bens de origem ferroviária, sendo este o maior número em um mesmo ano em nosso recorte e o segundo maior na história do CONDEPHAAT, estando atrás apenas do tombamento de estações remanescentes da São Paulo Railway realizado em 2011. O grande número de bens protegidos pode, ainda, ser um indicar da consolidação de um entendimento ou interpretação sobre os bens ferroviários naquele período. A relação entre as ferrovias e as justificativas pode não estar apenas no passado. A situação de reorganização do sistema ferroviário (ANDREAZZA, 1974) parece ser interpretada pelo CONDEPHAAT como decadência e risco para a integridade física dos bens. Esta associação aparece, por exemplo, no processo da Estação de Santa Rita do Passa Quatro, quando apontam: "[...] construção que pelas suas características e a iminência de sua demolição, diante da supressão do ramal ferroviário a que vinha servindo, deve ser preservada" (SÃO PAULO 1974b, p.02, grifo nosso). Por informação, esta interpretação não está restrita ao Conselho, aparece também nos argumentos do solicitante do tombamento da Estação Ferroviária de Cachoeira Paulista, em 1977 (SÃO PAULO, 1977). De outra forma, a operação ferroviária aparece na Estação de Barracão (SÃO PAULO, 1980b), em Ribeirão Preto. Na ocasião, solicitante e técnico mencionam os problemas causados pelas manobras ferroviárias realizadas nos trilhos da estação. O recorte estudado é um período intenso de discussões sobre os métodos de avaliação e a representatividade dos bens ferroviários. A necessidade de levantamentos aparece em diferentes momentos e processos; não sendo, contudo, uma demanda exclusiva para este tipo de bens (RODRIGUES, 1994). Especificamente sobre as ferrovias, Carlos Lemos destaca esta necessidade pela primeira vez no processo da Estação de Santa Rita do Passa Quatro, recomendando em seu parecer que este estudo preceda a decisão de tombamento (SÃO PAULO, 1974b). No mesmo processo Lemos apresenta críticas ao tombamento isolado dos edifícios das estações e diz que "[...] se percebe que uma estação sozinha, já sem os seus trilhos e comboios, não exprime nada a não ser se possua condições excepcionais de interesse arquitetônico, como é o caso, por exemplo, da estação de Mayrinque, projeto de Dubugras." (SÃO PAULO, 1974b, p. 20). Efetivada em 1981, a decisão de proteção parece considerar as críticas. Além do edifício de passageiros, a Resolução de Tombamento inclui o antigo pátio de manobras da estação (SÃO PAULO, 1974b). Este posicionamento nos remete aos aspectos materiais da interpretação, cabe * Foram tombados os seguintes bens: Estação Ferroviária de Jundiaí (60142/09); Conjunto da Estação Ferroviária de Franco da Rocha (60305/09); Conjunto da Estação Ferroviária de Rio Grande da Serra (60309/09); Conjunto da Estação Ferroviária de Jaraguá (60308/09); Conjunto da Estação Ferroviária de Caieiras (60306/09); Conjunto da Estação Ferroviária de Ribeirão Pires (60313/09); Conjunto Ferroviário de Perus (60307/09) (SÃO PAULO, 2013) 80 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos tratar os objetos abrangidos pela interpretação. Como visto, na prática, o prédio da estação foi o objeto em destaque das proteções, em poucos casos acompanhados de outros bens imóveis e até aquela momento, nenhum bem móvel. Por outro lado, a interpretação parece não estar restrita à estação, mas também capaz de abranger outros elementos, objetos capazes de representar o esforço do escoamento do café (SÃO PAULO, 1978a). Este entendimento, presente também nos processos concluídos em 1982, começa a ganhar forma nas considerações de Carlos Lemos durante os estudos da Estação de Santa Rita do Passa Quatro (SÃO PAULO, 1974b). Defendendo a necessidade de um levantamento para lastrear a decisão de tombamento, o técnico faz reflexões sobre o espaço dos bens ferroviários no CONDEPHAAT: Se uma das normas for o tombamento de bens culturais alusivos aos vários ciclos econômicos - em relação ao café, por exemplo, deveremos tombar tudo aquilo que a ele tenha ligação e ai estaria justificada a inclusão das estradas de ferro que levavam ouro verde à Santos. (SÃO PAULO, 1974b). Durante o processo da Estação de Campinas, reforçando a necessidade de critérios, o mesmo técnico reforça a relevância das ferrovias em sua relação com a cultura do café. [..] ainda repetimos achamos justo um critério de tombamento que venha arrolar também outras estações e outras obras ferroviárias, tanto armazéns como pontes ou viadutos, que, em conjunto, representem todo o esforço de escoamento do café até o porto de Santos. (SÃO PAULO, 1978a, p.50). Esta interpretação baseada em uma relação entre as ferrovias, o café e o Porto de Santos aparece também em outros pareceres. Como exemplo mencionamos a instrução técnica de Heloisa Silva para a Estação Brás: A partir do desenvolvimento da lavoura cafeeira e da necessidade premente de seu escoamento para as zonas portuárias que ocorreu a implantação de um sistema ferroviário que permitia tal escoamento ao mesmo tempo que servia de investimento ao capital inglês, na época, em pleno voo sobre a América Latina. (SÃO PAULO, 1978b, p.36). A partir dos exemplos, notamos que o entendimento proposto por Carlos Lemos não está limitado as suas considerações, mas é capaz de avançar para outros processos e encontrar correspondências nas interpretações de outros técnicos. Por informação, Lemos esteve presente em 7 dos 9 bens tratados neste capítulo (tabela 1), sendo parecerista técnico em todos os processos de bens ferroviários abertos entre 1969 e 1978. Para nós, esta continuidade pode ter favorecido para que as considerações feitas em um bem pudessem auxiliar na análise dos processos seguintes. O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação ... 83 E. H. de Moraes; E. R. de Oliveira Por informação, o caso da EFPP, em função de sua abrangência, pode aparentar uma interpretação da ferrovia enquanto sistema. Contudo, acreditamos que não seja o caso. O conjunto de objetos protegidos pode estar relacionado com os interesses do solicitante, a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), para operação de um trem com finalidade turística. Esta hipótese está em fase de análise e integra as discussões de outros trabalhos em andamento. Por fim, o entendimento de patrimônio ferroviário aplicado pelo CONDEPHAAT no período estava relacionado à estação de passageiros. Apesar de distante temporalmente, acreditamos que essa noção não está completamente superada, afirmação baseada nos recentes tombamentos das estações remanescentes da SPR em São Paulo. Ou seja, ainda que os bens sejam denominados como conjuntos ferroviários, na prática as proteções seguem concentradas no mesmo objeto. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ÁLVAREZ-ARECES, M. A. Patrimonio industrial: un futuro para el pasado desde la visión europea. Apuntes: Revista de estudios sobre patrimonio cultural, Bogotá, Colombia, v. 21, n. 1, p.6- 25, 2008 ANDREAZZA, M. D. Perspectivas para os transportes. Rio de Janeiro: S.-G.M.T. 1974. ASSOCIAÇÃO DOS ENGENHEIROS DA ESTRADA DE FERRO SANTOS A JUNDIAÍ (São Paulo). Home Disponível em: <http://aeefsj.com.br/>. Acesso em: 31 jul. 2015. BALLART, J. Patrimonio histórico y arqueológico: valor y uso. Barcelona: Ariel, 1997. BRASIL. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Patrimônio Ferroviário. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/127>. Acesso em: 31 jul. 2015. BRASIL. Decreto-lei nº 25 de 30 de Novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/decreto-lei/del0025.htm. Consultado em: 01. Abr. 2012 BRASIL. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Processo de tombamento 506-T-54. Trecho ferroviário Mauá — Fragoso, da antiga E.F. Petrópolis no recôncavo da Baia de Guanabara. Rio de Janeiro, 1954. CASANELLES | RAHÓLA, E. Nuevo Concepto de Patrimonio Industrial, Evolución de su Valoración, Significado Y Rentabilidad en el Contexto Internacional. Bienes Culturales: Revista del Instituto del Patrimonio Histórico Espafiol. El Plan de Patrimonio Industrial. nº7. 2007. CAVALCANTI, L. (org). Modernistas na repartição. 2º Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Minc — IPHAN, 2000. EUROPEAN FEDERATION OF MUSEUM & TOURIST RAILWAYS (FEDECRAIL). The Riga Charter. Disponível em: http://www.fedecrail.org/. Acessado em: 14 mai. 2014 EUROPEAN FEDERATION OF MUSEUM & TOURIST RAILWAYS (FEDECRAIL). The Riga Charter. Disponível em: http://www.fedecrail.org/. Acessado em: 14 mai. 2014 FERRARI, Mónica. El sistema ferroviario en el noroeste argentino. Arquitectura e instalaciones complementarias. APUNTES, Bogotá, Colombia, vol 24, nº 1, Enero -Junio 2011. FONSECA, M.C.L. O patrimônio em processo: trajetória de política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Minc — IPHAN, 1997. JUSBRASIL. Ato Administrativo Discricionári Disponível em: <http:/Awww jusbrasil.com.br/topicos/290249/ato-administrativo-discricionario>. Acesso em: 10 jan. 2015 84 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos KÚHL, B. M. Arquitetura de ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo reflexões sobre a sua preservação. São Paulo: Ateliê editorial/FAPESP, 1998. MARTINS, A. L. Entrevista. Depoimento oral feito a Ewerton Henrique de Moraes. 2011 MIRANDA, M. P. S.. Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. MORAES, J.E.C.D. Porque Preservar o Patrimônio Histórico Ferroviário. In: REVISTA FERROVIA. São Paulo: Associação dos Engenheiros da E. F. Santos a Jundiaí, v. 72, maio 1980. Bimestral. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista do Programa de Estudos Pós- Graduados em História e do Departamento de História. São Paulo, n. 10, dez, 1993. OLIVEIRA, E. R. O Centenário da Ferrovia Brasileira (1954): Ensaio sobre a elaboração da memória ferroviária no Brasil. Espaço e Geografia, v. 16, p. 675-717, 2013. OLIVEIRA, E. R. Patrimônio Ferroviário do Estado de São Paulo: As condições de preservação e uso dos bens culturais. Projeto História (PUCSP), v. 40, p. 179-203, 2010. PÉREZ, Filemón. Álbum Ilustrado da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. São Paulo, s. e., 1918. PRATA, J. M. Patrimônio Cultural e Cidade: práticas de preservação em São Paulo. 2009. f. Tese (Doutorado) — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2009. RABELLO, S. O Estado na Preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. REVISTA FERROVIA. São Paulo: Associação dos Engenheiros da E. F. Santos a Jundiaí, v. 84, maio 1982. Bimestral. RODRIGUES, M. Patrimônio Industrial, entre o fetiche e a memória. Revista Eletrônica de Arquitetura e Urbanismo. Universidade São Judas Tadeu. nº3. 2010. RODRIGUES, M. Alegorias do passado: a instituição do patrimônio em São Paulo 1969 -1987. Tese (Doutorado). Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, 1994. SÃO PAULO (Estado). CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURISTÍSTICO (CONDEPHAAT). Lista de Bens Tombados por Município. 2014. Disponível em: http:/Avww.cultura.sp.gov.br/StaticFiles/SEC/Condephaat/Bens%20Tombados/at%C3%AI%20dez.14 ALFA B%C3%B9TICA.pdf Consultado em: 31 jul. 2015. SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Secretaria da Cultura.Sobre a UPPH e o Condephaat. Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.3ece191cdbb97673b47b557e2308ca0/?vgnexto id=84fc343c80f37210VgnVCM1000002e03c80aRCRD&vgnextchannel=84fc343c80f372 10VgnVCM1000002e 03c80aRCRD>. Acesso em: 08 jan. 2015. SÃO PAULO (Estado). Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Secretaria da Cultura. Lista de Bens Tombados por Município. Disponível em: http:/Avww.cultura.sp.gov.br/SEC/Condephaat/Bens%20Tombados/lista set.13 BensTombOrdMunic%Cc3 %ADpios, Site.pdf. Acesso em: 08 jan. 2015. SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 2209/82. Estudo de Tombamento da Estação de Ferro de Guaratinguetá. 1982. O Patrimônio Ferroviário no Estado de São Paulo: a Interpretação ... 85 E. H. de Moraes; E. R. de Oliveira SÃO PAULO (Estado). CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURISTÍSTICO (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 21273/80. Solicita o tombamento da Estrada de Ferro Perus-Pirapora-Cajamar. 1980 SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 21364/80. Estudo de Tombamento do Prédio da Estação Barracão da FEPASA - Ipiranga - RIBEIRÃO PRETO. 1980b. SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 20682/78. Estudo de tombamento da Estação Ferroviária de Campinas pertencente à FEPASA. 1978. SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 20699/78. Estudo de tombamento da Velha Estação do Brás, hoje pertencente a REFESA. 1978b. SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 20316/77. Solicita tombamento do Edifício da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, de CACHOEIRA PAULISTA. 1977 SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 20097/76. Estação da Luz. 1976 SÃO PAULO (Estado). Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 00428/74. Solicita tombamento do Horto Florestal e do Museu Edmundo Navarro de Andrade - RIO CLARO. 1974 SÃO PAULO (Estado). CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURISTÍSTICO (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 00467/1974. Edifício da Estação de Ferro Santa Rita do Passa Quatro. 1974. SÃO PAULO (Estado). CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURISTÍSTICO (CONDEPHAAT). Processo de tombamento 15465/69. Propõe tombamento da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, situada em Bananal, ramal de Barra Mansa. 1969. SÃO PAULO (Estado). SECRETARIA DE CULTURA. Decreto Estadual no 13.426/79, de 16/março/1979, que disciplina o processo de tombamento. THE INTENATIONAL COMMITTE FOR THE CONSERVATION OF INDUSTRIAL HERITAGE (TICCIH). Carta de Nizhny Tagil sobre o patrimônio industrial. Disponível: www .patrimonioindustrial.org.br/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=8. Acesso em: 13. Mai. 2014 VEGA M. J.;POLO MURIEL,F. In: POLO MURIEL, F. Jornadas de História Ferroviária: 150 afios del ferrocarril en Albacete (1855 — 2005). Albacete(Espafia), 2007. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento da pesquisa. Reconhecimentos também ao Centro de Documentação do CONDEPHAAT pela autorização para consulta dos processos de tombamento. AUTORES Ewerton Henrique de Moraes: Mestrando em Arquitetura e Urbanismo e Bacharel em Turismo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Possui experiência profissional como monitor cultural ferroviário 88 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos 1 INTRODUÇÃO Como parte do processo de consolidação e desenvolvimento do estudo da arquitetura modernista no interior de São Paulo, foi proposta uma análise de três edificações de referência na cidade de Marília, com o intuito de se entender suas contextualizações históricas, implantação urbana e modificações ao longo do uso. Entre a foz do rio do Peixe e do rio Aguapeí, na Alta Paulista, o município se estabeleceu somente no final da segunda década do século XX e acompanhou uma das últimas áreas de expansão cafeeira do Estado de São Paulo. Essa cultura, apesar de tardia, permitiu sua fundação e o florescimento de outros plantios até o surgimento da atividade industrial, durante o século XX, que complementou e impulsionou seu desenvolvimento. O período escolhido neste trabalho, das décadas de 1940 a 1970, ilustra o forte crescimento econômico do município, mas principalmente a vinda da arquitetura moderna ao oeste paulista, que fisicamente demonstra este desenvolvimento, trazendo coerência ao discurso desenvolvimentista dos políticos da região e que, de certa forma, ilustra de forma concreta, com esta “nova edificação” (Hirao,2008). Anterior a este período, a arquitetura vigente na cidade e que expressava seu desenvolvimento, era a Art Déco, considerada um movimento “pré moderno” ou um “modernismo programático” (Segawa, 1997.pág. 60), linguagem esta muito presente na arquitetura mariliense até a década de 1950, quando então a “nova” arquitetura moderna se impõe substituindo a "representação" de progresso para a população local. A escolha das obras aqui apresentadas se deu pelas características construtivas ainda preservadas, relações com os diferentes períodos históricos e suas interfaces com o ambiente urbano. Dentre tantas outras edificações modernistas na cidade, que não serão tratadas neste trabalho, podemos destacar o Marília Tênis Clube, do ano de 1954, projeto do arquiteto Ícaro de Castro Melo, o Instituto de Educação Monsenhor Bicudo, da década de 1960, projeto do arquiteto Salvador Candia e diversas obras residenciais nos bairros “novos” (Salgado Filho, Cascata, entre outros) que abordaremos na pesquisa final. No primeiro edifício analisado nesse artigo, o Paço Municipal, considerada a primeira grande obra pública moderna na cidade, se questiona esta relação política do modernismo como introdução ao progresso e veremos que o prédio público, apresentado como uma nova arquitetura é explorado no discurso racionalista do período modernista e também frente a sua localização privilegiada no espaço urbano. A segunda análise passa ao campo do ensino, é a escola SENAC, edifício do arquiteto Oswaldo Correa Gonçalves, um dos primeiros arquitetos responsáveis pela introdução da arquitetura moderna escolar no interior de São Paulo, também se baseando no desenvolvimentismo mas agora no âmbito educacional. E finalmente, na década de 1970, a terceira análise versa sobre a obra do arquiteto Villanova Artigas, o conjunto habitacional CECAP Maria Izabel, vindo de um plano de expansão para habitação social do governo do estado, partindo do conceito da chamada "escola paulista”. Esta, que preocupada com uma arquitetura de princípios modernistas corbusianos, soma à questão (o olhar) social que o arquiteto deveria ter, principalmente em uma obra desta natureza (Hirao, 2008). Estas análises pontuais sobre o movimento modernista na cidade de Marília fazem parte de um trabalho maior de dissertação de mestrado, que pretende estudar profundamente a história e o desenvolvimento desta linguagem arquitetônica com tanta relevância, em número e características, no município. Três obras modernistas em Marília 89 N. Ghirardello; A. Z. N. Ramos 2 ACIDADE DE MARÍLIA E O CRESCIMENTO ECONÔMICO O povoamento da cidade surgiu muito antes da chegada da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e da consolidação de um patrimônio. Primeiramente se assentaram os pioneiros e fundadores, disputando as terras com os índios Coroados e posteriormente o café plantado no “alto Cafezal”, já disposto de mini latifúndios, que seriam a marca característica para então o surgimento do município (Tobias, 1973). Foram criados, posteriormente, o patrimônio “Alto Cafezal”, por Antônio Pereira da Silva, pequeno latifundiário, em 1924, que adquire terras pertencentes à Cia. Pecuária e Agrícola de Campos Novos desde 1882 antes da vinda da Companhia Paulista de Estradas de Ferro para a Alta Paulista. Depois, adquirindo terras da antiga fazenda Cincinatina, o Fazendeiro Bento de Abreu Sampaio Vidal cria o Patrimônio “Marília”, de frente ao primeiro. Outros patrimônios adjacentes também surgiram e por fim acabaram essas diferentes células por se constituir em um único conjunto urbano. No espaço urbano atual ainda se percebem traços da heterogeneidade original: uma rua mais larga (futura Av. Sampaio Vidal) serve de fronteira entre os dois patrimônios, junto com a área da linha férrea; os bairros operários procedem das fundações mais recentes e distantes do centro comercial, fiel ao primeiro patrimônio (Monbeig, 1984.). Na figura 1, percebe-se que o primeiro loteamento do município, em vermelho, pelo Pereirinha e a marcação verde com a igreja Santo Antônio, em amarelo, o antigo patrimônio Marília de Bento de Abreu com a catedral São Bento em azul. Separando os dois patrimônios a linha férrea, em preto, e a atual avenida Sampaio Vidal, em Roxo. Figura 1. Fotografia aérea atual de Marília (Google Earth - editado pelos autores, 2015) Após a efetivação da junção dos patrimônios, transformados em sede de município em 1928, a cidade começa a se desenvolver, também apoiada pelo ramal ferroviário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, cuja chegada se deu em 1928. Para Lara (1991), Marília se desenvolveu acompanhando a linha férrea, “criando uma identidade própria de cidade predominantemente linear, delimitada pelos paredões do planalto, acompanhando o eixo deste” (figura 2). Marilia mesmo tardiamente ocupada, cresceu num ritmo intenso na década de 30, submetendo a sua influência a uma série de pequenos núcleos urbanos ao redor, graças ao desenvolvimento precoce de sua malha rodoviária. Segundo Mourão (1994) a frota local de veículos em 1940 era superada apenas pela da capital, de Santos e de Campinas, com um deslocamento diário de 1500 90 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos passageiros na estação rodoviária em linhas que atendiam a 88 localidades, o que transformava a cidade em um nó rodoviário com destino ao extremo oeste paulista. FIGURA E — MARÍLIA 1935 H a pu rot moutis inait Figura 2. A organização urbana da cidade na década de 1930 com destaque já à zona industrial (MONBEIG, 1984. p. 369) Com a crise do café em 1929 a produção agrícola foi substituída pela cultura do algodão, que estabeleceu na cidade as maquinarias de beneficio e diversas indústrias relativas a essa cultura. Desde então o desenvolvimento se deu apoiado neste produto que rapidamente atraiu investidores agropecuários, comerciantes e trabalhadores, expandindo a população e gerando possibilidade de novos investimentos (Lara, 1991 p.120). Seguindo o forte crescimento econômico em 1936, instalaram-se em Marília as máquinas de beneficiamento da Anderson Clayton e da SANBRA, sendo que a primeira começa a produzir óleo do caroço de algodão no ano seguinte. A Matarazzo (IRFM-Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo) se implanta na cidade em 1936, também fazendo beneficiamento, no início, e depois passando a produzir óleo do caroço de algodão e torta em 1939 (Mourão, 1994). Segundo Povoas (1947), na década de 1940, a cidade de Marília podia ser considerada o quarto maior pólo industrial do estado, graças a enorme produção ligada à indústria algodoeira, destacando-se a fabricação do óleo de caroço do algodão. Vichnewski (2004), pesquisador do patrimônio industrial do estado de São Paulo cita a importância da industria na cidade: «esse complexo industrial situa-se no centro da cidade e se constitui mesmo um perfeito marco da fisionomia arquitetônica de Marília. Aliás, toda a área circunvizinha a área central das linhas ferroviárias compõe um verdadeiro conjunto do que se pode considerar uma arqueologia industrial brasileira. Este cenário em franca expansão econômica e a localização privilegiada do município como pólo regional, escudado por uma rede de estradas de rodagem em expansão e a presença ativa da linha férrea da Alta Paulista, ao longo das décadas subsegúentes se mostraram propícios para o surgimento de investimentos na construção civil, tanto públicos como privados, em diversas áreas: da educação e habitação popular à instituições privadas. Três obras modernistas em Marília 93 N. Ghirardello; A. Z. N. Ramos Originalmente o outro bloco, horizontal, se constitui a partir de um subsolo e mais dois pavimentos superiores, que ocupam o legislativo e a câmara dos deputados, esta sob a cúpula de concreto armado sustentada por uma base de alvenaria inclinada, circundada por um grande espelho d'água (Figua 7). Figura 7. Corte esquemático do Paço Municipal de Marília Comparativamente, em 1936 na cidade do Rio de Janeiro é dado o início do projeto do edifício sede do Ministério da Educação e Saúde. Considerado como um marco fundamental na história da arquitetura brasileira, principalmente pelo fato da visita de Le Corbusier como parte da equipe convidada para elaboração do projeto (Bruand, 2008). Este edifício, inaugurado somente em 1943, 11 anos antes do Paço Municipal de Marília, se constituiu como uma referência mundial e que inspirou uma legião de arquitetos brasileiros em diversos aspectos; como o método de trabalho projetual adotado, a preocupação com as problemáticas formais e a valorização de elementos locais. Segundo Bruand (2008, p.93), o reconhecimento e divulgação desta obra não acontece de imediato: Não há dúvida de que a beleza do monumento, quando concluído, foi em parte responsável por isso, impressionando várias pessoas até então reticentes e mesmo hostis. Mas o fator principal, ... foi a repercussão no exterior, primeiramente nos Estados Unidos, depois, a partir de 1945, na Europa...admirado universalmente, publicado em todas as grandes revistas de arquitetura, tornou-se um símbolo nacional habilmente explorado pelo governo brasileiro na propaganda interna e externa. Apesar da diferença de datas de concepção projetual, podemos considerar que a possível influência dessa obra com o Paço Municipal aqui estudado é plausível e ainda reforçado com seus elementos construtivos. Outro fato importante na confirmação desta hipótese, aparece na entrevista gravada pela Comissão de Registros Históricos da Prefeitura Municipal de Marília com o arquiteto, Ginez Velanga. Na ocasião,questionado sobre uma possível influência da arquitetura modernista de Brasília na concepção estética do edifício, devido sua contemporanedade com o Paço, o arquiteto nega e relata: “se houve uma referência externa, nos baseamos no edifício sede 94 Pesquisa em arquitetura e urbanismo : fundamentação teórica e métodos do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro de Le Corbusier e equipe pela sua relevância...” (Entrevista, 1998). Dos elementos arquitetônicos a se destacar seria relevante considerar a essência do projeto modernista em seu repertório; os cinco pontos da “Nova Arquitetura” de Le Corbusier: Pilotis, Terraço jardim, Planta livre, Fachada livre e Janela em fita (figuras 8 e 9). Figura 8. Perspectiva do arquiteto Miguel Badra Jr. Figura 9. Segundo anteprojeto para o Ministério da para o Paço Municipal, Marília, 1954. (Marília, 2015) Educação e Saúde. Rio de Janeiro, 1936 (Bruand,2008) Este conceito, que aparece pela primeira vez, segundo Maciel (2002) no projeto da residência Villa Savoy em 1927, é determinante e influenciador para as obras do modernismo. Muito rígidas nestes preceitos e que aparecem como elementos em quase todos os projetos. Neste projeto do Paço Municipal não será diferente e em primeira análise podemos perceber a janela em fita em todos os pavimentos do edifício, aqui protegida, na fachada Oeste com outro elemento de destaque do modernismo: o brise solei. De acordo com o partido (sistema arquitetônico) adotado, as fachadas insoladas (norte e oeste) são protegidas por brise-soleils, enquanto que as não insoladas (ou pouco insoladas) serão envidraçadas. A sua frente será construída atraente praça ajardinada (jardim oriental), onde funcionará a belíssima fonte luminosa (também gentilmente projetada pelo Dr. Miguel Badra Jr.), que a colônia japonesa de Marília oferecerá à Municipalidade, ao ensejo do cinquentenário da imigração Japonesa. (Obra..., 1958) Este elemento de proteção da insolação solar também surge com Le Corbusier em 1933 em seus projetos da cidade de Alger (Argélia) e ganha destaque no Brasil com o projeto do Ministério da Educação e Saúde, que é utilizado em sentido horizontal por se tratar no caso de uma fachada Norte. Em Marília ao longo do tempo estes se mostraram ineficientes, devido a sua horizontalidade na face Oeste, levando a aplicação de filmes de proteção nas janelas (Figura 10). No hemisfério Sul e num país tropical, o sol que bate numa face norte está sempre próximo do zênite; assim as laminas paralelas destinadas a impedir e penetração dos raios solares podem estar relativamente espaçadas enquanto que as laminas verticais exigem uma trama bem fechada... o problema era inverso quando se tratava de uma fachada a oeste, ou seja, ao sol poente. (Bruand, 2008) O “Jardim Oriental” citado na reportagem e que seria construído, ganhou uma placa comemorativa na vinda do príncipe japonês Mikasa à Marília em 1958, na ocasião dos 50 anos de imigração japonesa no Brasil. Na figura 11, nota-se ainda o ajardinamento recém-plantado e sem acabamento da platibanda do volume da câmara, edifício ainda não inaugurado. Três obras modernistas em Marília 95 N. Ghirardello; A. Z. N. Ramos as Figura 10. A fachada Oeste do Paço Figura 11. Inauguração da placa comemorativa em frente ao Paço Municipal, em 2015 em 1958. (Marília, 2015) Ainda sobre o paisagismo proposto inicialmente, junto com o jardim japonês, havia um espelho d'água que circundava a base do prédio da câmara e dispunha de acessos em rampas para o interior, muito comum também nas propostas modernistas. Posteriormente este foi aterrado, dando lugar a um jardim gramado. Estes acessos permitiam o fluxo livre de pedestres entre a Rua Bahia e Avenida Sampaio Vidal. Pela Rua Bandeirantes, o acesso é somente privativo para a Câmara, impossibilitando o fluxo direto entre duas quadras. Este conceito de circulação aparece no edifício do Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro, mas por estar implantada em um quadra inteira ocupa proporções maiores, além de que, o fluxo livre é todo feito sob pilotis. Em Marília os pilotis, que aparecem somente sob o volume vertical dão proteção como uma “marquise” direfentemente de uma circulação. Ainda no contexto urbano, o Paço Municipal ocupa uma área de grande importância na cidade, localizado na Avenida Sampaio Vidal, esta de principal eixo Norte-Sul e que no passado separava os dois patrimônios iniciais: O Alto Cafezal e o Marília. Em frente ao prédio, do outro lado da avenida, há uma importante praça, a Saturnino de Brito, que amplia a perspectiva à esta edificação e serve como quase um espaço contemplativo. Cabe observar que igualmente ao edifício da Escola SENAC, que veremos a seguir, sua implantação se dá em um período de construções tradicionais e a linguagem modernista aparece de forma diferenciada na quadra. No passado havia ainda uma grande marquise de concreto que abrigava um pequeno terminal urbano de ônibus, construída posteriormente a prefeitura, talvez inspirada em seus ideais modernistas, mas infelizmente demolida na década de 1970 (figura 12). Neste projeto de marquise da Praça Saturnino de Brito podemos também, claramente, perceber a influência que o projeto modernista do Paço exerceu sobre as demais obras públicas e intervenções urbanas na cidade. Por se tratar, possivelmente, da primeira construção neste estilo em Marília, ela será determinante para a introdução das demais grandes obras nessa linguagem, nos anos seguintes, sempre associadas ao desenvolvimentismo.