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Este documento aborda a psicopedagogia e suas interfaces com outras áreas do conhecimento, com foco em dificuldades de aprendizagem. Ao longo do texto, são discutidos os primórdios históricos da psicopedagogia, diferentes definições e conceitos relacionados à aprendizagem humana, além de abordagens específicas para o tratamento de dificuldades de aprendizagem. O texto também destaca a importância da linguagem e do letramento no processo de aprendizagem.
Tipologia: Esquemas
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Aconselhamento na Escola O QUE É PSICOPEDAGOGIA? Psicopedagogia - um olhar diferente sobre a aprendizagem e a dificuldade de aprendizagem Já houve e há vários olhares e formas de se atender às dificuldades de aprendizagem. Alguns organizam aulas de reforço e recuperação do conteúdo perdido ou não compreendido; outras maneiras de se explicar o mesmo. Há aqueles que se detém no desenvolvimento cognitivo e adequam os programas e recursos didáticos ao aprendiz; atendem aos pré-requisitos, à retenção de informações, à reeducação. Muitos cuidam das questões que transversalizam os momentos do aprender. Às vezes envolvem as famílias, se preocupam com o meio sócio-cultural, com o psiquismo e as relações com o inconsciente. Outros tentaram/tentam atender às dificuldades sociais e financeiras fornecendo o alimento e material básico para a aprendizagem (a escolar em especial); observam o organismo e suas necessidades de sobrevivência. A psicopedagogia se coloca frente a um ser que é organismo biológico e cognitivo, mas que é ser também afetivo e sócio cultural. Por isso, ela se detém a conhecer o sujeito, ser transcendental que, a partir do biológico, se constrói pessoa. Por isso, a psicopedagogia tem um campo de estudo tão amplo. Por isso, caminha entre tantas outras ciências e se faz parceira delas. Transita num espaço que está entre a psicologia e a pedagogia, entre o afetivo e o cognitivo - os dois ligados e influenciados pelo meio familiar, cultural e social do ser. As teorias básicas que sustentam a psicopedagogia são o Desenvolvimento Cognitivo (particularmente Piaget, Vygotsky e Wallon) e a Psicanálise. Há de se conhecer como se aprende para compreender porque não aprende e para cooperar com quem ensina. Há de se estar consciente de que a emoção é a mola que impulsiona o pensar, que esta pulsão é construída no conviver, que conviver envolve outros inseridos em culturas com modos de pensar e sentir diferentes. É importantíssimo, também, que se conheça o como se ensina porque se lida diretamente com a aprendizagem e se existe dificuldade, esta tem que ser observada através de múltiplos olhares. Para mim este é o olhar psicopedagógico. A metodologia de trabalho do psicopedagogo também não é única. Há vários ângulos para se observar o aprender de alguém: através do brincar, do dramatizar, da produção textual, do conto e reconto, dos jogos estruturados, etc... etc... Pois, aprender envolve o jogo, o lúdico, o desafio, o risco de errar tentando construir. O que faz a diferença no atendimento é o olhar da (o) psicopedagoga (o) que devolve ao atendido a própria imagem enquanto alguém que aprende para que seja olhada por si mesmo, elaborada, relida e que se apresente com várias possibilidades de escrita da própria história dando-lhe novos significados. Resgatar a possibilidade de aprender é resgatar a capacidade de brincar e esta é a pretensão da psicopedagogia.
Voltando à pergunta inicial, psicopedagogia é uma ciência que tem, como objeto de estudo, o sujeito aprendente^1. É uma forma de tratar as questões de aprendizagem olhando esta construção como algo que acontece em todos os espaços onde o ser humano transita e se desenvolve. A PSICOPEDAGOGIA A Psicopedagogia é um campo de conhecimento e atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humana, seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio - família, escola e sociedade - no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios. Segundo BOSSA (2000, p. 21), a Psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, que adveio de uma demanda - o problema de aprendizagem, colocado num território pouco explorado, situado além dos limites da Psicologia e da própria Pedagogia - e evoluiu devido à existência de recursos, ainda que embrionários, para atender essa demanda, constituindo-se, assim, numa prática. A Psicopedagogia vem criando identidade e campo de atuação próprios, que estão sendo organizados e estruturados especialmente pela Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). KIGUEL (1987, p. 25) ressalta que a Psicopedagogia encontra-se em fase de organização de um corpo teórico específico, visando à integração das ciências pedagógicas, psicológica, fonoaudiológica, neuropsicológica e psicolingüística para uma compreensão mais integradora do fenômeno da aprendizagem humana. O objeto de estudo deste campo do conhecimento é a aprendizagem humana e seus padrões evolutivos normais e patológicos. É necessário comentar que a Psicopedagogia é comumente conhecida como aquela que atende crianças com dificuldades de aprendizagem. É notório o fato de que as dificuldades, distúrbios ou patologias podem aparecer em qualquer momento da vida e, portanto, a Psicopedagogia não faz distinção de idade ou sexo para o atendimento. Atualmente, a Psicopedagogia vem se firmando no mundo do trabalho e se estabelecendo como profissão. O Projeto de Lei 3.124/97 do Deputado Barbosa Neto que prevê a regulamentação da profissão de Psicopedagogo e que cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicopedagogia, está em tramitação na Câmara dos Deputados em Brasília na Comissão de Constituição, Justiça e Redação. A regulamentação da profissão ocorrerá para o nível de especialização e o projeto já foi aprovado na Comissão do Trabalho e na Comissão de Educação, Cultura e Desporto. SOBRE A PSICOPEDAGOGIA Historicamente, segundo BOSSA (2000, p. 36) os primórdios da Psicopedagogia ocorreram na Europa, ainda no século XIX, evidenciada pela preocupação com os problemas de aprendizagem na área médica. Acreditava-se na época, que os comprometimentos na área escolar eram (^1) O termo aprendente é utilizado pela psicopedagoga argentina Alicia Fernández para referir-se à pessoa que está em processo de aprender.
processo de aprendizagem e com os problemas dele decorrentes”. Mery afirma que oobjetivo da psicopedagogia é “levar o sujeito a reintegra-se à vida escolar normal, respeitando suas possibilidades e interesses”. Outra definição é a de Beauclair: “Psicopedagogia é um campo do conhecimento que se propõe a integrar, de modo coerente, conhecimentos e princípios de diferentes Ciências Humanas com a meta de adquirir uma ampla compreensão sobre os variados processos inerentes ao aprender humano”. Poderíamos ir além, mas outros conceitos nada mais seriam do que variações sobre o mesmo tema. A psicopedagogia tem por objeto a compreensão das dificuldades da aprendizagem e busca em outras áreas construtos teóricos que auxiliem no processo de superação dessas dificuldades. Não podem nem os psicopedagogos nem os demais agentes da escola achar que os psicopedagogos, sozinhos, sem intervir nas posturas da escola e da família, têm de solucionar as dificuldades de aprendizagem do aluno. “O psicopedagogo não é um professor particular”, com afirma Monteiro. Com o foco do objeto delimitado nas dificuldades de aprendizagem – ainda que discordemos de algumas aproximações nas definições acima – outra convergência nos conceitos apresentados é a necessária interlocução com as diversas áreas de conhecimento, dependendo do enfoque da dificuldade percebida e delimitada. Isso requer de partida uma abertura teórica a outras searas teóricas por parte do psicopedagogo, o que, no nosso entender, é parte mesmo constitutiva de sua identidade. A partir dessa perspectiva interdisciplinar, como o recorte neste artigo é o processo de leitura/escrita, essa interlocução passa necessariamente pelo diálogo com alingüística. No entanto, a lingüística não é igualmente uma área de conceitos teóricos pacíficos. Na agonística interna desse campo da ciência, há disputas de conceitos fundamentais como língua, sujeito, discurso, entre outros. N. Bossa. Dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000, p. 12. B. Scoz. Psicopedagogia e realidade escolar. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 12. 7Apud N. Bossa. A psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. p. 25.8J. Beauclair. “O que é psicopedagogia?”. Disponível online no site Psicopedagogia On Line. [http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entrevista.asp?entrID=98]. Acessado em 15 de maio de 2006. M. Monteiro. Leitura e escrita: uma análise dos problemas de aprendizagem. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. Se há a necessária incursão da psicopedagogia no terreno da lingüística para compreender as dificuldades de aprendizagem na área da lecto-escrita, há igualmente o necessário questionamento sobre quais conceitos dentre os possíveis na lingüística serão os apropriados pela psicopedagogia para fundamentar seu trabalho teórico em sua ação. O objetivo desse texto é oferecer algumas pistas de dentro da lingüística no que se refere a conceitos e abordagens fundamentais sobre leitura e escrita que os psicopedagogos preocupados com a aquisição da leitura/escrita não podem desconhecer. Não nos parece, contudo, que reconhecer a lingüística como um lugar de saber sobre a linguagem pressuponha que esse saber seja visto sob a forma de certezas e respostas às questões que o trabalho de leitura/escrita coloca. O recorte envolvendo esses conceitos, diga-se, filia-se a uma determinada concepção de linguagem dentre várias possíveis. Essa noção é tributária à teoria da Análise de Discurso iniciada por Michel Pêcheux na França. Essa linha de trabalho compreende a língua como algo para além da estrutura sistêmica, definida como objeto da lingüística tradicional por Saussure e logo duramente criticada por Bakhtin como uma orientação fundada num objetivismo abstrato que ignora a língua enquanto constituída pela interação social. Neste trabalho, a compreensão de língua vem sempre margeada e sustentada pelos conceitos de sociedade, interação, ideologia. Enfim, para nós, a língua não é somente um conjunto de regras; mas mais do que isso, a língua é uma prática social. Além desse conceito de língua como prática social, fundante para a compreensão do resto do texto, abordaremos alguns outros construtos importantes, como o duplo nível da leitura/escrita, o conceito de letramento e o de autoria. É o que
faremos a seguir. OS DOIS NÍVEIS DA LEITURA/ESCRITA A palavra escrita – e, portanto, a leitura da palavra escrita – surgiu na antiga Mesopotâmia. Por volta de 4000 a.C, os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme. Usavam placas de barro, onde cunhavam essa escrita. Muito do que sabemos hoje sobre esse período da história, devemos às placas de argila com registros cotidianos, administrativos, econômicos e políticos da época. O advento da escrita foi tão F. de Saussure. Curso de lingüística geral. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. M. Bakhtin. Marxismo e filosofia da linguagem. ed. São Paulo: Hucitec, 1992. Importante simbolicamente que serve como divisor de águas entre a pré-história e a história. Muito antes do surgimento da escrita, no entanto, seres humanos já se comunicavam por meio da linguagem oral articulada. A linguagem oral é o estado natural da língua. A escrita é um desenvolvimento pictórico da linguagem oral, isto é,uma forma de representação da oralidade. A escrita é, pois, uma tecnologia criada pelo homem.Assim, podemos dizer que a leitura/escrita possui dois níveis: o nível da tecnologia e o nível da subjetivação social. A palavra tecnologia vem do grego techne, que na Grécia antiga significava o conhecimento que se associa com uma forma de poiesis, que significa criação, ação, confecção, fabricação. Por exemplo, a medicina é uma técnica cujo objetivo é curar o doente; a carpintaria uma técnica cujo propósito é construir a partir da madeira. Na visão grega das coisas, cada técnica inclui um propósito e um significado dos artefatos a cuja produção se orientam. Lança-se um ponto de vista técnico sobre a natureza. A escrita é uma tecnologia (portanto histórica e aprendida) aplicada à linguagem oral, sendo essa última natural na sua possibilidade biológica e social na sua construção como sistema simbólico. Se é uma tecnologia, a escrita precisa ser conhecida e dominada pelo sujeito para ocasionar algum ato social efetivo. A partir do Século XVI, com a emergência do Estado como unidade política e o respectivo desdobramento social advindo dessa condição, passou a ser função da escola prover acesso a essa tecnologia. Grosso modo, aquele que domina a tecnologia da escrita é chamado de alfabetizado. O que não a domina, analfabeto. Por muito tempo a dicotomia alfabetizado/analfabeto dominou a literatura sobre as práticas de linguagem na escola. O processo de aquisição dos códigos alfabéticos era visto como o passaporte para funcionamento social do sujeito, numa quase equivalência. No início dos anos 80, surge uma inquietação quanto a essa equivalência. Começou-se a questionar: até que ponto dominar a tecnologia da escrita – ser alfabetizado – credencia o sujeito a funcionar socialmente nas práticas cotidianas? A. Rama. Cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985. É preciso deixar claro que na linha epistemológica a que se filia nossa compreensão da linguagem, a mesma nunca é vista como código. Um código possui uma relação monossêmica de um sentido para cada significante. A linguagem é polissêmica por natureza. Quando utilizamos código/codificar/decodificar queremos enfatizar aqui o caráter a-social da compreensão da linguagem por parte de alguns. As estatísticas governamentais ainda não conseguiram se livrar dessa falsa equivalência, Exime-se dessa crítica o sentido que Paulo Freire atribui à alfabetização. Ver P. Freire. Educação como prática de liberdade. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Eis que surge o segundo nível da linguagem como preocupação teórica: o da subjetivação social. Mesmo alfabetizados, alguns indivíduos não conseguem utilizar a tecnologia de forma a se subjetivar socialmente, achar o seu espaço, brigar por ele. Aparece nas discussões acadêmicas a distinção entre o analfabeto e o analfabeto funcional. O primeiro diz respeito ao indivíduo que desconhece as técnicas da palavra escrita, o que o exclui da leitura e o impede de acessar as informações que lhe permitam se subjetivar na sociedade. Já o segundo, o analfabeto funcional, refere-se àquele que, tendo passado pela fase da alfabetização propriamente dita, não encontra dificuldade para decodificar os signos lingüísticos, mas são incapazes de estabelecer relações de sentido. Como a língua acompanha a história, essa constatação de uma
sensoriais, estabilidade emocional, que têm um limitado número de deficiências específicas nos processos perceptivos, integrativos ou expressivos que impedem a eficiência da aprendizagem. Verifica-se pelas definições que não há características ou comportamentos específicos para as dificuldades de aprendizagem. As características exibidas pelos estudantes com dificuldades de aprendizagem são semelhantes às dos sem dificuldades de aprendizagem. A linha divisória é muito tênue, o que dificulta sua definição e sua identificação. Nessa perspectiva, a dificuldade de aprendizagem parece estar mais relacionada a uma discrepância entre o desempenho do aluno e a expectativa de desempenho criada pela escola e pelos seus agentes do que à capacidade potencial do aluno. Diz Ribeiro: a criança possui todas as funções necessárias para aprendizagem; no entanto, sua facilidade para usar essas funções está prejudicada em conseqüência de distúrbios psicológicos, sociais, culturais... que não se relacionam à escola e à aprendizagem, mas, que interferem ou impedem o comportamento escolar adequado. A expectativa criada a partir do imaginário é que determina que o que é lido seja lido como dificuldade ou não. Uma letra garranchosa pode ser lida como um problema sério de escrita ou, num outro extremo, como símbolo de status, característica de alguém que estudou muito e, portanto, precisava escrever rápido, como é o tradicional caso do mito sobre a letra dos médicos, raramente diagnosticados com portadores de disgrafia. Ainda sobre as dificuldades de aprendizagem, Fonseca chama a atenção da necessidade da abertura interdisciplinar necessária à psicopedagógica. V. Fonseca. Dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1995. A. Ribeiro. “Desconstruindo a pergunta ‘É possível ensinar a ler?’: anotações a partir da psicopedagogia e da lingüística ou ‘Não adianta trocar o espelho se não for trocada a imagem’. In M.C. Mello & A. E.A. Ribeiro (orgs). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004. Compreendido aqui como o conjunto de imagens que regulam o sentido do sujeito”. Apud A. Ribeiro. Excesso de visão teórica do psicopedagogo e maior sua incursão nos diversos campos, mais efetiva tende a ser a sua intervenção naquilo que ele lê como dificuldade de aprendizagem. Entretanto, é necessário ter a compreensão de que sua leitura é uma leitura, não a leitura. É preciso agregar teorias para não cair na redução. Reduzir o diagnóstico à análise dos problemas sócio-econômicos ou às questões biologizantes somente é cair em extremos dogmáticos que podem mais prejudicar do que ajudar o processo de aprendizagem. O referido autor ainda chama a atenção para o fato de que a escola se constitui numa instituição essencialmente reveladora dos problemas das crianças e não de seus atributos e competências, o que é sintomático do próprio olhar sobre a escola. O próprio uso dos termos não são em vão: diagnóstico e distúrbio remetem à patologização dos processos pedagógicos. Tendo essa compreensão de que o conceito de dificuldade de aprendizagem está ligado a uma filiação discursiva (o que é dificuldade para um psicopedagogo pode não ser para outro, dependendo dos conceitos teóricos adotados). O quadro acima apresenta um mapa de aproximação para a intervenção do psicopedagogo em relação às questões da leitura e escrita. Nele, podemos identificar quatro zonas de ação da psicopedagogia no que se refere à linguagem. Comentaremos uma a uma, partindo do quadrante inferior direito (menos problemático) para o quadrante superior esquerdo (mais problemático). a) Intervenção nível 0 – O aluno nessa característica é o aluno alfabetizado que circula socialmente através do uso da linguagem por meio da apropriação da tecnologia da escrita. Essa é a imagem do aluno ideal, que tanto domina a tecnologia da escrita ANALFABETO DA: Aquisição da Tecnologia DA: Problemas de Subjetivação DA: Aquisição da Tecnologia 1 ALFABETIZADO DA: Problemas de Subjetivação Sem DA do Ponto de vista lingüístico. Matriz de intervenção psicopedagógica. Quanto circula nas práticas letradas com desenvoltura. Não há necessidade de intervenção. b) Intervenção nível 1 – O aluno não possui o domínio da tecnologia da escrita. No entanto, é um sujeito ativo na sociedade, conseguindo se movimentar com
desenvoltura em sua cidadania, ainda que limitado por não saber ler nem escrever. É o aluno letrado, porém analfabeto. Percebemos a presença desse aluno em cursos de Educação de Jovens e Adultos e entre pessoas que assumem o papel de líderes comunitários em áreas com baixo nível de acesso aos bens sociais. A dificuldade de aprendizagem não se concentra em seu processo de subjetivação, mas pode envolver o processo de ensinamento da técnica da escrita/leitura (sendo, portanto, uma questão metodológica) ou/e ainda algum tipo de deficiência específica de linguagem – DEL – (sendo, portanto, uma questão para a neurolingüística), de recorrência mais comum em crianças. c) Intervenção nível 2 – O aluno não apresenta dificuldades maiores na aquisição da tecnologia da escrita. No entanto, não consegue fazer sentido social no que lê ou escreve. É a categoria do chamado analfabeto funcional, aquele que aprendeu a ler e escrever, mas não sabe o que fazer com a leitura/escrita; conhece as sílabas e palavras, mas esse nível de conhecimento da palavra escrita não é suficiente para adquirir e manter um emprego, por exemplo. Do ponto de vista lingüístico, a intervenção do psicopedagogo deve abordar os processos de subjetivação e autoria, buscando incursões nas teorias de linguagem que lidam com esses processos, como a Análise de Discurso, que trabalha a relação linguagem-sociedade-inconsciente. Deve ainda articular esses processos de subjetivação com a necessária incursão nas práticas pedagógicas do letramento, ou seja, garantir uma intervenção junto ao professor para identificar se suas práticas de sala de aula com o trabalho da língua estão garantindo uma aproximação entre a língua a ser aprendida na escola (a norma padrão culta e sua escrita) e a linguagem oral não-padrão que o aluno domina e usa no seu cotidiano. Essa aproximação tem sido muito bem sucedida com a utilização de gêneros textuais nas. Definimos aqui a Neurolingüística como uma área de concentração da lingüística que trabalha com a interseção com os processos neurofisiológicos envolvidos na aquisição e produção da linguagem articulada. Como referência, ver R. Oliveira. Neurolingüística e o aprendizado da linguagem. Catanduva: Respel, 2000. Ver E. Orlandi. Análise de discurso: princípios & procedimentos. Pontes: Campinas, 1999, e M. Pêcheux. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. ed. Campinas: Unicamp, 1997. Práticas de linguagem em sala de aula. Só através do trabalho com a linguagem significativa, que diga respeito à sua realidade, o aluno pode vir a deixar de ser um mero copista ou um leitor mecânico e a passar a ser autor de seu próprio texto. Contextualizar a linguagem aprendida em situações de uso real evita a pedagogia da contradição: fragmentar a língua esperando do aluno que ele aprenda a perceber o todo. d) Intervenção nível 3 – É a intervenção que envolve lidar com o maior grau de complexidade nas dificuldades de aprendizagem. O aluno não domina a tecnologia e nem encontra seu espaço simbólico de sujeito. As razões aqui podem ser de várias ordens, tanto neurobiológicas como sócio-econômico-culturais. Às vezes, nos casos mais complexos, ambas. É necessário um acompanhamento de profissionais das áreas envolvidas para um delineamento confiável da dificuldade de aprendizagem a fim de que o psicopedagogo possa intervir de forma a surtir efeito. É claro que cada um desses níveis de intervenção propostos nessa matriz requer desdobramentos que excederiam o escopo de um artigo como esse. É pacífico também que essa proposta de níveis de intervenção não responde a toda e qualquer dificuldade envolvendo a aprendizagem da linguagem sistemática. Há níveis intermediários que possuem nuances diferentes e que devem ser tratados em suas especificidades.Concordamos com Tfouni quando diz que não existe, nas sociedades modernas, letramento grauzero, que equivaleria ao iletramento. Do ponto de vista do processo sócio-histórico, o que existe de fato nas sociedades industriais modernas são graus de letramento, sem que com isso se pressuponha sua inexistência. Se nos referimos à iletrado, é por mera questão referencial que o fazemos. A idéia de trabalhar um quadro de intervenções é uma idéia de abordagem aproximativa geral, sem a pretensão de ser exata nem específica. Trata-se de uma oferta do olhar lingüístico sobre o processo de
a interlocução humilde do aprendizado com as áreas específicas, respeitando a divisão social do trabalho e suas competências. Agora falando mais especificamente sobre questões de linguagem, requer também que considere os processos de linguagem como processos de formulação/reformulação contínuos e intermináveis, nunca como produtos fechados, dentro de uma teleologia que imobiliza a linguagem, nervosa na sua própria constituição. Mais do que nunca, hoje vivemos bordas móveis entre as fronteiras das disciplinas. Temos a educomunicação, a psicolingüística, o marketing educacional, a sociolingüística, a arte-educação e uma infinidade de combinações que apontam para um novo momento epistemológico a ser experimentado por aqueles que insistem em circular no mundo do conhecimento acadêmico, mundo esse cada vez mais sem fronteiras definidas. Para alguns, isso é uma perda da estabilidade e do poder simbólico. Para outros, é a possibilidade de aprender que para apreender o real um único olhar já não é mais suficiente. Resta saber onde nos localizamos enquanto profissionais na consciência de que os olhos vêem de onde os pés pisam e compreender, com Freire, que “o ato de ler não se esgota na descodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”, seja na sala de aula, seja em nós mesmos na leitura que fazemos do nosso papel como profissionais da educação. A. Kleiman; S. Moares. Leitura e interdisciplinaridades. Campinas: Mercado das Letras, 1999. p. 91. 35P. Freire. A importância do ato de ler. ed. São Paulo: Cortez, 2000. Para finalizar por onde começamos (o título sugerido desse artigo, modificado pelo ponto de interrogação), não creio que as habilidades lingüísticas na leitura e na escrita sejam o desafio psicopedagógico a ser focalizado. O desafio psicopedagógico nessa área é a desconstrução da noção de linguagem a-histórica vigente nas teorias e metodologias de leitura em voga e a conseqüente compreensão da linguagem como determinada tanto por fatores sócio-históricos, sujeitos à ideologia, quanto por fatores inconscientes, afetados pelo desejo. Mas isso é um outro capítulo dessa história sem fim que é a educação e seus múltiplos olhares.