Baixe São Vinculantes os Enunciados da Súmula do TJSP? e outras Teses (TCC) em PDF para Direito Processual Civil, somente na Docsity! 1 ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA VITOR AUGUSTO HADDAD São Vinculantes os Enunciados da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo? São Paulo - SP 2020 1 VITOR AUGUSTO HADDAD São Vinculantes os Enunciados da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo? Monografia apresentada à Escola Paulista da Magistratura, como exigência parcial para aprovação no 9ºCurso de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ – Especialização em Processual Civil Orientadora: Profª. Márcia Helena Bosch São Paulo - SP 2020 1 ABSTRACT With the enactment of Law no. 13.105/2015, the (still) new Code of Civil Procedure, several changes were introduced in the Brazilian legal system. Among them, the most important from the structural point of view of law, is the institution of a system of precedents in Brazil. Notwithstanding, besides the IRDR and IAC, few jurists paid attention to the fact that the Súmulas, before the new systematics, took on even greater relevance to the achievement of the ideal of standardization of jurisprudence in the country. It is, in fact, something little understood. Indeed, this research did not find any study addressing the issue of the effect that item V of art. 927 of the aforementioned diploma is capable of generating when it comes to the súmulas of the Courts of Justice - including when we talk about TJSP, the largest Court in the world in terms of volume of cases. Hence the urgency of the question that, in other terms, is posted here: is the Súmulas of TJSP now binding? We will see that the question is much more complex than it seems at first. We will study its fundamentals, context and function; the instituted dogmatics and its importance to the world of civil law. We will talk about the binding effectiveness that emerges from the mentioned instrument legal and test its constitutionality. Thereby, well understood its normativity and constitutive elements, as well as its dynamics and operation, we will face the question that was posted – which leads us to a surprising conclusion: despite the binding effect, about 25% of the enunciations of the súmula edited by TJSP appear inapplicable. Keywords: Uniformity of jurisprudence. Súmulas. Precedents. Binding effect. 2 SUMÁRIO I. Introdução ............................................................................................................... 7 II. Fundamentos para adoção de um sistema de precedentes vinculantes .................. 11 III. Súmulas: contexto e função .................................................................................. 17 IV. O sistema de precedentes instituído no Brasil ....................................................... 23 V. Precedentes vinculantes no civil law? What a challenge! ....................................... 27 VI. Há no art. 927 um rol de precedentes vinculantes? ............................................... 32 VII. A constitucionalidade do art. 927 ........................................................................ 37 VIII. O precedente em si considerado: normatividade e elementos constitutivos ....... 44 IX. A dinâmica dos precedentes ................................................................................. 52 X. Da súmula do TJSP enquanto enunciação de precedentes vinculantes .................... 57 XI. Conclusões ........................................................................................................... 66 Referências Bibliográficas .......................................................................................... 73 7 I. Introdução Dentre as diversas novidades advindas da Lei nº 13.105/2015, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o (ainda) novo Código de Processo Civil – cuja eficácia normativa, como cediço, extravasa em muito o âmbito civilista do processo –; a mais importante, do ponto de vista estrutural do direito, é a ideia de uniformização da jurisprudência enquanto corolário da instituição de um sistema de precedentes no Brasil. Foi essa, aliás, a qualificação dada pelo Professor Alexandre Câmara quando introduziu o Tema “Sistema de Precedentes e Uniformização de Jurisprudência: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – Incidente De Assunção De Competência (IRDR e IAC)”, em palestra ministrada na Escola Paulista da Magistratura no dia 13 de maio de 20191. O que faz todo sentido; afinal, trata-se de atribuir à determinados pronunciamentos jurisdicionais a qualidade de fonte de direito, para que o mesmo entendimento já exarado seja aplicado com equidade a casos análogos – persuasivamente ou com vinculação. Trata-se de algo eminentemente novo no Brasil. Recobre-se que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas sequer existia antes do novel diploma. Nada obstante, menos de quatro anos depois, só no STJ já são mais de 1.000 temas afetados2. Importante notar que a instauração de qualquer dos incidentes de uniformização de jurisprudência (IRDR e IAC) têm o condão de causar a suspensão de todos os processos em andamento que contenham a mesma controvérsia. O que pode durar anos – e nem sempre corresponde à melhor técnica. Veja-se, por exemplo, que admitido o incidente, seja ele IRDR ou IAC, deve o relator suspender todos os processos pendentes – individuais ou coletivos – que tramitam no Estado (art. 982, I do CPC)3. O grande problema é que, não raro, os tribunais demoram para decidir 1 CÂMARA, A. A. F., “Sistema de precedentes e uniformização de jurisprudência: IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e IAC – Incidente de Assunção de Competência” (palestra), Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, 13 de maio de 2019. 2 Em consulta realizada no dia 10/01/2020, esta pesquisa identificou 1.040 temas afetados. 3 Para o IRDR há expressa previsão de suspensão dos processos (art. 982, I do CPC). Quanto ao IAC, não há idêntica regra no art. 947. Contudo, por integrar o microssistema de formação de precedentes vinculantes, entende-se que devem ser aplicadas as normas que o compõem. Entendimento esse, aliás, adotado pelo STJ nos três primeiros IAC admitidos, onde houve a suspensão dos processos em razão da decisão de admissão (RESP 1.604.412/SC, RESP 1.303.374/ES e RMS 53720/54712/SP) 10 da qual é possível compreender os mecanismos de distinção (distinguish – restritiva ou ampliativa) e superação (overruling) de sua normatividade vinculativa. O que é essencial à consecução da tarefa a que nos propusemos. Basta notar que a observância obrigatória a determinado precedente pressupõe identidade entre casos – o que se verifica, a contrario sensu, quando rechaçada hipótese de distinção. Por outro lado, em não havendo distinção e em estando a ele vinculado, apenas mediante superação pode o órgão prolator se afastar do precedente invocado. Daí a importância de se compreender como os precedentes se relacionam entre si e com as demais normatividades a que, em maior ou menor grau, se vincula o julgador. Chega-se, com isso, ao capítulo X. Nele, cuida-se de derradeiramente enfrentar a questão. Ficará ainda mais claro que a súmula de um Tribunal – e seus respectivos enunciados – só pode ser compreendida à luz dos precedentes que lhe deram ensejo. Jamais enquanto normas gerais e abstratas. Por isso, investigaremos a conformidade dos enunciados sumulares emitidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, para que se possa assim finalmente identificar o que há – ou não – de vinculatividade. Esboçados o escopo e a abordagem da pesquisa, passa-se ao estudo propriamente dito. É o que se faz. 11 II. Fundamentos para adoção de um sistema de precedentes vinculantes Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº. 13.105/2015), o sistema jurídico brasileiro passa por uma profunda mudança. Um importante aspecto da transição que se observa, notadamente, é a adoção expressa da vinculação dos precedentes judiciais tendo em vista a consecução do ideal da uniformização da jurisprudência no Brasil. Desde a tramitação do projeto no Congresso Nacional, a inovação normativa polariza o debate doutrinário sobre o tema. Desperta atenção sobretudo na medida em que, em tese, impõe limites de cunho material ao ato de decidir – cuja maior discricionariedade estava acobertada pela independência funcional e pelo livre convencimento motivado do magistrado. A par disso, para alguns, a ideia de vinculação aos casos precedentes seria uma importação inadequada, vinda de uma tradição jurídica notadamente distinta (common law), representando uma ameaça de ruptura com os princípios da legalidade e separação de poderes. Para outros, a teoria dos precedentes, enquanto fonte de direito, seria intrínseca à tradição mesma do civil law, refletindo não mais que um imperativo da racionalidade, coerência, segurança jurídica e igualdade. Deixe-se de pronto bastante claro que, para esta pesquisa, sendo una a jurisdição no Brasil, um só Direito deve ser aplicado no território nacional. Daí que não se pode coonestar que casos iguais sejam tratados de forma diferente, a depender da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão jurisdicional. Parte-se, com efeito, da premissa de que não se pode admitir que a sorte dos litigantes fique a depender do fenômeno da jurisprudência lotérica. Não obstante, na realidade brasileira, a prática parece ser bastante diferente. Há pouco tempo atrás, minha mãe, que é advogada, confessou-me que mentira para seu cliente: explicou-lhe que a vitória no processo era incerta; mas que se a justiça era cega, não era porque não via, e sim porque lhe importava apenas o peso em cada um de seus pratos – e que se fizessem pesar os fatos, o direito seria reconhecido. Confessou que o disse sabendo que não era assim. Que no mesmo dia tinha sido intimada acerca de embargos que opusera em virtude de manifesto erro material. Que foram rejeitados e sabia que não foram lidos. E que sói ocorrer assim. Daí a anedota contada na citada palestra pelo Professor Alexandre Câmara, a representar o que considera o maior drama na vida de um advogado: 12 Dr., quais são as chances de vitória? Sei lá, se cair na 1a Vara a senhora ganha, se cair na 2a Vara a senhora perde. Agora, se a senhora ganhar, a outra parte recorre; se a senhora perder, a senhora recorre – e aí vai pro Tribunal. E no Tribunal? Se cair na 1a Câmara a senhora perde, na 2a a senhora ganha – e aí pode ir pro STJ. E no STJ? Aí na 1a turma a senhora ganha, mas na 2a a senhora perde. Quer dizer, o destino da pessoa depende de um sorteio. Não há previsibilidade. E além de não haver previsibilidade, não há estabilidade, porque muda tudo o tempo todo.6 É preciso que se assegure um razoável grau de discricionariedade ao magistrado para interpretar as normas e aplicá-las ao caso concreto. Disso não se discorda. Por outro lado, se é – ou deve ser – verdade que todos são iguais perante o direito; não se pode admitir que pessoas em situações jurídicas idênticas obtenham do judiciário respostas distintas. Tal impasse, contudo, só pode ser resolvido pelo critério da razoabilidade e proporcionalidade – o que aponta para a prevalência da garantia constitucional da segurança jurídica, da igualdade perante a lei, da duração razoável do processo, bem como da lógica de unidade e coerência do ordenamento jurídico7. Faz-se imprescindível que a atividade jurisdicional seja exercida à luz dos princípios constitucionais8. Até porque, tratando-se de princípios, não são “aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada”9, como ocorre com as normas-legais. Como toda liberdade, não pode a de julgar ser tida como absoluta. Cuida-se de garantir equidade e segurança jurídica, com estabilidade e previsibilidade nas decisões judiciais. Mormente porque a discricionariedade exacerbada atinge a legitimidade mesma do exercício do poder jurisdicional. Não obstante, como observa o eminente Professor Alexandre Câmara em sua palestra, historicamente, no Brasil, parece aceitável que casos iguais recebam tratamentos diferentes – 6 CÂMARA, 2019. 7 Nesse mesmo sentido, Humberto Theodoro Jr. pontua que “Vários outros princípios, também constitucionais, justificam a uniformização vinculativa dos precedentes jurisdicionais. Se alguma colisão puder ser detectada entre eles, a solução jamais será dada à supervalorização do princípio da legalidade ou de qualquer outro isoladamente. Esse conflito, apenas aparente, resolve-se, na técnica constitucional, pelo critério hermenêutico da proporcionalidade, o qual, na espécie, aponta, razoavelmente, para a prevalência da garantia constitucional da segurança jurídica, da igualdade de todos perante a lei, da duração razoável do processo, bem como na necessidade lógica de unidade e coerência do ordenamento jurídico”. (THEODORO JR., H. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2017. p. 978) 8 O novo Código de Processo Civil, em seu art. 1º, dispõe que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. (BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. São Paulo: Editora IASP, 2015) 9 DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 35 15 desestímulo à litigância excessiva, àquela que aposta na jurisprudência lotérica, favorecimento de acordos e maior eficiência dos órgãos juriferantes exsurgem também como palavras-chave à compreensão dos fundamentos para a adoção de um sistema de precedentes no Brasil. Observe-se que, considerado o grande volume de recursos que chegam aos Tribunais – o que compromete a qualidade da tutela jurisdicional e reflete o alto grau de morosidade e incerteza do judiciário –, a correção da decisão digressiva mediante o sistema recursal deve, evidentemente, se dar enquanto exceção à regra do stare decisis. Até porque, se o destino de determinada decisão, pela via recursal, impreterivelmente será a reforma; não há sentido algum seja ela enquanto tal proferida, impondo ao jurisdicionado o ônus de se submeter a efeitos que ulteriormente deverão ser revertidos. Aliás, conquanto não se confunda com a teoria dos precedentes; é a partir da regra do stare decisis que sua aplicação ganha sentido: parte da ideia de vinculação normativa entre o que foi decidido e o que o estará sendo agora. Na locução completa: “stare decisis et non quieta movere” – algo como “mantenha o já decidido sem causar perturbação”. Como explica Zaneti, stare decisis quer dizer concordar com ou aderir a casos já decididos: Quando um Tribunal estabelece uma regra de direito aplicável a certos conjuntos de fatos considerados relevantes do ponto de vista jurídico, tal regra deverá ser seguida e aplicada em todos os casos futuros em que se identifiquem fatos ou circunstâncias similares.15 A presença de um modelo de stare decisis pressupõe, assim, um sistema institucionalizado, hierarquicamente organizado, em que haja divulgação e publicação das decisões com autoridade e oficialidade. Não se pode olvidar que as decisões adquirem um valor normativo para os casos futuros em que sejam identificadas as mesmas circunstâncias de fato e de direito. Daí que o acesso ao caso precedente deve ser franqueado da maneira mais ampla possível16. A regra do stare decisis traduz a ideia de que, para que a ação do Estado frente a determinado individuo seja diferente em relação à outra pessoa que a sofreu em circunstâncias 15 ZANETI JR., H. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 4. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016. p. 331. 16 O §5º do art. 927, aliás, inova ao expressamente consignar que “Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores”. 16 fáticas semelhantes, deve haver fundamentação adequada que a justifique. Trata-se da autovinculação do Poder Judiciário, mediante redução do espaço de discricionariedade dos órgãos de decisão isoladamente considerados. Em síntese, cuida-se da uniformização da aplicação do Direito à luz de uma teoria própria de precedentes formalmente vinculantes. Como oportunamente se verá, é inegável a influência do comom law no sistema de precedentes instituído no Brasil. Sem embargo, conquanto importante ponto de partida, não se pode cogitar que as formulações sobre o tema sejam meramente transplantadas para a nossa realidade. Com efeito, carece o estudo de uma teoria insculpida à luz da tradição jurídica brasileira e de seus próprios institutos. Nessa senda, antes de proceder à análise de seu efeito vinculante, enquanto instrumento de uniformização tipicamente brasileiro, impende um estudo mais detido quanto ao conceito de súmula e seus respectivos enunciados, contextualizando sua adoção entre nós e suas principais funções. 17 III. Súmulas: contexto e função A ideia de uniformização não é nova entre nós. Já no Brasil Colônia podem ser observados mecanismos de uniformizar e racionalizar a atividade jurisdicional. A propósito, com tal escopo eram utilizados os chamados Assentos das Casas de Suplicação – instrumentos balizadores da jurisprudência brasileira, incumbindo aos juízes de instâncias inferiores observar os dispositivos dos Tribunais Superiores portugueses como leis a serem cumpridas17. Também à fase republicana não faltou tal intento. Destacam-se os prejulgados da Justiça do Trabalho, possibilitando ao TST estabelecer, de forma genérica e abstrata, a interpretação reputada adequada ao texto legal18. Aliás, quanto ao tema, quando de sua palestra na EPM, Nelson Nery Jr. (2019) comenta que esses prejulgados eram o gérmen do que hoje se entende por súmula. Nesse sentido, visando racionalizar o trabalho, com base no trabalho do Ministro Victor Nunes Leal, propôs-se a adoção de um sistema similar aos assentos expedidos pela Casa de Suplicação de Lisboa e aos prejulgados da Justiça do Trabalho, na tentativa de alcançar um meio-termo entre a rigidez destes e a ineficiência daqueles19. 17 Os assentos, já consolidados na cultura portuguesa, estavam previstos nas Ordenações Filipinas e na Lei da Boa Razão de 1769, nos arts. 4° e 5°. Segundo o Professor Nery Jr. (2019), trata-se da primeira experiência de uniformização no direito luso-brasileiro, quando a Casa de Suplicação de Lisboa, antiga Suprema Corte de Portugal, emitia entendimentos abstratos, enunciados sob forma de teses, com efeito de legislação. Seria o judiciário elaborando um texto que teria vinculação com força de lei – portanto, um texto geral e abstrato, que são características de qualquer texto legal. 18 O prejulgado trabalhista encontrava-se previsto nos artigos 702, alínea f e §1º e 902 §§1º e 2º da CLT, e foram objeto de muitas críticas pela doutrina especializada. Veja-se, por exemplo, o comentário de Evaristo de Moraes Filho: “Somos dos que admitem a sua inconstitucionalidade, pela verdadeira ditadura judiciária que estabelece, de cima para baixo, dando às decisões do TST, neste particular, mais força vinculativa, sem qualquer margem de divergência, do que a existente na própria lei”. Posteriormente, aludido instituto veio mesmo a ser declarado inconstitucional pelo STF e depois foi revogado. (apud: FERNANDES, E. B. D. O legado do ministro Victor Nunes Leal: defesa e construção de uma corte suprema democrática. Prêmio Victor Nunes Leal, Rio de Janeiro, 2010. pp. 23-24). 19 Como observou o próprio Ministro, “As raízes dessa fórmula estão na abandonada tradição lusobrasileira dos assentos da Casa da Suplicação e na moderna experiência legislativa dos prejulgados” (LEAL, V. N. In: MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1104). Continua o Ministro: “a ‘Súmula’ realizou o ideal do meio-termo, quanto à estabilidade da jurisprudência..., ela ficou entre a dureza implacável dos antigos assentos da Casa de Suplicação, ‘para a inteligência geral e perpétua da lei’, e a virtual inoperância dos prejulgados” (LEAL, V. N. Passado e futuro da 'Súmula do STF'. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 293). Nesse mesmo sentido, o ministro Sepúlveda Pertence, por ensejo da análise de 108 enunciados de jurisprudência do STF para serem transformados em súmula, fez em plenário uma breve explanação sobre a origem do instituto: “A Súmula, pode- se dizer, é um meio-termo entre os antigos assentos da Casa de Suplicação – excessivamente rígidas - e os prejulgados de uma de nossas leis processuais que se tem revelado quase completamente ineficaz. Na Súmula, o 20 qual à sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente na Corte. Juiz calouro, com a agravante da falta de memória, tive que tomar, nos primeiros anos, numerosas notas, e bem assim sistematiza-las para pronta consulta durante as sessões e julgamento. Daí surgiu a ideia da Súmula [...] Por isso, mais de uma vez, tenho mencionado que a Súmula é subproduto de minha falta de memória, pois fui eu afinal o relator não só da respectiva emenda regimental, como dos seus primeiros 370 enunciados.26 Assim, inspiradas nos assentos da casa de suplicação e nos prejulgados da justiça do trabalho, nascidas das anotações que fazia durante as sessões do pleno para remediar a falta de memória do saudoso Ministro – cujo caderno, aliás, encontra-se hoje em exposição na biblioteca do STF –, as súmulas se encontram hoje difundidas no Supremo Tribunal Federal e em todos os Tribunais do Brasil. Consubstanciadas em enunciados sintéticos a expressar o entendimento sedimentado do órgão juriferante a que se refere, têm por escopo sobretudo – em sua concepção original, tal como agora – trazer isonomia, segurança e celeridade à atividade jurisdicional. Note-se que a expressão súmula deriva de “Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal” – e que, na linguagem regimental, refere-se não a cada enunciado, mediante o qual o Tribunal expressa sua orientação dominante acerca de determinada questão, mas ao conjunto dos enunciados. Como explicou o Professor Alexandre Câmara, não se diz súmula x; mas enunciado x da súmula tal27. Súmula é o todo, enquanto cada enunciado é uma parte. Não obstante, como bem pontua Nelson Nery, sói empregarmos a parte pelo todo, uma sinédoque – o que não traduz qualquer problema, tratando-se de uma figura de linguagem plenamente admissível28. De todo modo, como vimos, primeiro tivemos os assentos, depois os prejulgados, e então as súmulas introduzidas por influência do Ministro Victor Nunes Leal, em meados da década de 6029. Até aqui, tem-se a súmula de uma Corte composta dos diversos verbetes que a integram, enunciados a representar a jurisprudência sedimentada, atuando no campo pedagógico e na aplicação mesma do direito. 26 INSTITUTO VICTOR NUNES LEAL. A contemporaneidade do pensamento de Victor Nunes Leal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 9. 27 CÂMARA, 2019. 28 NERY JR., 2019. 29 Precisamente em 1963, por emenda regimental do Supremo Tribunal Federal, em 30 de agosto de 1963, sendo que os 370 primeiros enunciados foram publicados em 1º de março de 1964. 21 Mas é com a introdução do efeito vinculante que o sistema ganhará maiores contornos. No ano de 1994, quando da revisão constitucional, surgiu a primeira proposta de adoção da súmula vinculante; mas seria apenas em 2004, por ensejo da EC n.º 45, que o efeito vinculante viria a ser implementado no Brasil – nos termos do art. 103-A, regulamentado pela Lei n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Cita-se: Art. 2º: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei. Assim, à súmula que deita raízes nos assentos da Casa de Suplicação, dotada de perfil indiretamente obrigatório (persuasivamente ou pela via recursal, enquanto instrumento de autodisciplina do Supremo Tribunal Federal, a quem incumbia afastar a orientação nela preconizada de forma expressa e fundamentada, à força de sua vinculatividade horizontal), acresceu-se a súmula vinculante, consagrada na Emenda n. 45/2004. Como o próprio nome sugere, diferencia-se na medida em que o acórdão exarado tem o condão de vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal; abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação do Supremo – não só pela via recursal, mas também pela apresentação de reclamação por descumprimento de determinação judicial expressa30. Importante destacar que a principal característica do aludido enunciado sumular é que o efeito vinculante não se restringe ao próprio Supremo Tribunal Federal; atingindo, para além dos demais órgãos do Poder Judiciário, a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal31 – o que, como se verá adiante, terá importante repercussão no exame acerca da constitucionalidade de o efeito vinculante ser atribuído por lei federal. 30 MENDES, G. In: RENAULT, S. R. T.; BOTTINI, P. Reforma do Judiciário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 344. 31 DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: Jus Podivm, v. 2, 2015. p. 508. 22 De todo modo, por ora, basta que se compreendam as súmulas como conjuntos de enunciados, exarados por determinado Tribunal, que vinculativa ou persuasivamente se reportam à orientação dominante acerca de determinada questão. 25 quando já delineado o conceito de precedente e seu elemento nuclear, qual seja a ratio decidendi do julgado. Por hora, retomado o que foi visto nos capítulos anteriores, vale destacar que o quê o artigo 926 do CPC estabelece são deveres gerais no âmbito da construção e manutenção de um sistema de precedentes (jurisprudência e súmula) capaz de, persuasiva ou vinculativamente, racionalizar o processo decisório nos tribunais – daí a uniformização da jurisprudência enquanto vetor da estabilidade, integridade e coerência no judiciário. Mais uma vez: “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê- la estável, íntegra e coerente”. O dever de uniformização pressupõe que, havendo divergência interna sobre idêntica questão jurídica, incumbe ao tribunal pacificar seu entendimento sobre o assunto. Não pode ele quedar-se omisso. O dever de mantê-la estável, por sua vez, consiste na ideia de continuidade do entendimento firmado – que só deverá ser alterado mediante o impacto de forte carga argumentativa39. Há, ainda, o dever de integridade e o dever de coerência. Juntos, traduzem o ideal de consistência no sistema. Nele, é o artigo 927 que se põe a prever a observância aos precedentes pelos juízes e tribunais – expressamente a consignar que deverão ser observadas (I) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (II) os enunciados de súmula vinculante; (III) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (IV) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; (V) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados40. 38 Cite-se o artigo para que melhor se conheça do quê se trata: “Art. 489 [...] §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que [...] VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”. 39 Didier fala da “inércia argumentativa” para o afastamento de um precedente, princípio segundo o qual a modificação de um entendimento sedimentado pressupõe razões extras até então na cogitadas ou enfrentadas. Nesse sentido, destaca que “mais do que norma infraconstitucional (art. 489, §1º, V e VI, CPC), a ‘inércia aumentativa’ encontra-se implicitamente consagrada na Constituição como exigência de uniformidade jurisprudencial que garanta: i) igualdade de tratamento para casos afins( art. 5º, caput, CF); ii) motivação adequada tanto para decisão que aplica como para aquela que afasta o precedente art. 93, IX, CF); e iii) de contraditório, que pressupõe o direito de conhecer essa motivação para questioná-la por meios de impugnação cabíveis (art. 5º, LV, CF)”. (DIDIER JR., BRAGA, & OLIVEIRA, 2015, p. 475) 40 Anote-se que não se trata de rol exaustivo. A propósito, Ronaldo Cramer observa que o próprio CPC traz outra hipótese de eficácia vinculante: conforme §8º do art. 1.035 do NCPC, a decisão do Supremo sobre 26 Todas as hipóteses previstas nos incisos do aludido dispositivo se reportam à ideia de introdução de um sistema de precedentes no Brasil – inclusive o enunciado de súmula, porquanto compreendido à luz do precedente que o forjou. Destaque, para além dos artigos 926, 927 e 928, ao art. 489, §1º, V e VI do CPC – essencial, como veremos mais adiante, à operabilidade dos precedentes pelo julgador. Integram o sistema, ainda, as hipóteses de improcedência liminar do pedido constantes do art. 332 e o desprovimento recursal monocrático pelo relator (art. 932, IV). Anote-se, ainda, a possibilidade de efeitos retroativos, mediante ação rescisória, para a decisão do STF referida no §12 do art. 525 (§15 do citado dispositivo); o aumento do escopo da reclamação (art. 988); e também o teor do inciso V do art. 966, a sugerir que, em se tratando de norma jurídica, seja ela “norma-lei” ou “norma-precedente”, seria cabível ação rescisória. Eis a síntese, do ponto de vista legislativo, do sistema de precedentes instituído no Brasil. Ocorre, sem embargo, que a utilização de um sistema de precedentes, entre nós, ainda é vista com enorme desconfiança. Mormente porque, até então, era tomada como construto típico do common law. O que nos leva ao próximo capítulo. inexistência de repercussão geral tem força vinculante para todos os recursos extraordinários com a mesma matéria. (CRAMER, R. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192) 27 V. Precedentes vinculantes no civil law? What a challenge! O Professor Alexandre Câmara propõe uma definição simples para uma ideia complexa: precedente é uma decisão proferida em um caso anterior que serve de base para a construção de uma decisão de um caso posterior. Assim: Quando eu vou julgar um caso e digo ‘estou julgando dessa maneira com base no que se decidiu naquele outro caso’, aquele outro caso, que foi decidido antes, é precedente – e serve de base para a construção da decisão do novo caso [...] a definição que se encontra na obra de Alexy: ‘precedente é uma decisão proferida em um caso anterior e que serve de base para a construção do julgamento de um caso posterior’.41 Fazendo uma reflexão sobre a construção desse sistema na tradição jurídica brasileira, observou que: Nós no Brasil sempre falamos em precedente, sempre dissemos isso, só que nós nunca lidamos com os precedentes do mesmo modo como os precedentes foram trabalhados na tradição jurídica do commom law. O direito brasileiro foi caminhando para construir um sistema de precedentes vinculantes, que nós aqui nunca tínhamos tido – e eles lá no common law têm há muito tempo, desde o século XVIII. Daí surgiu uma ideia que se espalhou como um vírus, de que o Brasil estaria migrando para uma espécie de common law, uma espécie de commonlização. À certa altura de sua exposição, o Professor Alexandre Câmara relembra uma emblemática situação pela qual passou em 2015, em Istambul, quando da última edição do Congresso Mundial de Direito Processual. Em conversa com o Professor Oscar G. Chase, um dos grandes nomes da ciência processual norte americana, sabendo da aprovação no Brasil de novel Código de Processo Civil, iniciou um interessante diálogo: Qual é a maior novidade desse código? Precedentes. Precedentes vinculantes? Precedentes Vinculantes. No civil law? É, no civil law. What a challenge – que desafio! Ao relembrar o diálogo, o Professor destaca que não passou pela cabeça de seu interlocutor perguntar se tínhamos nos tornado um país de common law. A questão é 41 CÂMARA, 2019. 30 tradição remonta, sem maiores complexidades, ao civil law. Não obstante, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro combina, historicamente, desde 1891, ambas as matrizes. Isso porque a Constituição Republicana de 1981, como explica Zaneti Jr., recepcionou, por influência direta de Rui Barbosa, o direito constitucional norte-americano – e, por conseguinte, o controle de constitucionalidade e a unicidade da jurisdição. Nesse mesmo sentido, observa que a primeira Constituição da República Inovou no sistema jurídico nacional, ao trazer influências do direito norte- americano, e inseriu peculiaridades que, entre nós, geraram um sistema jurídico híbrido. O cruzamento ocorreu entre a ‘tradição’ do como ao norte- americano, que inspirou nossa ordem político-constitucional republicana, e a ‘tradição’ romana germânica, predominante na Europa continental, do qual se recepcionou o direito privado, o direito público infraconstitucional (processual e administrativo) e o Direito Penal e processual Penal.45 Mas há uma influência recíproca. O que se verifica, a bem da verdade, é a aproximação entre essas duas grandes tradições do mundo ocidental: de um lado, no common law, são cada vez mais frequentes as normas que advêm de textos legais positivados; ao passo que os países da família romano-germânica têm dado relevância cada vez maior à regra do stare decisis e sua conformação a partir da dinâmica dos precedentes46. Nesse mesmo sentido, para Zaneti Jr., a antiga contraposição entre a jurisprudência do code based legal systems e a jurisprudência dos judge-made law systems não tem mais lugar: “os ordenamentos jurídicos, em ambas tradições, evoluíram muito, no sentido de diminuírem a tensão original, de tal sorte que já não é mais legítimo ou realista falar em incompatibilidade paradigmática entre os dois grandes ramos do direito ocidental”47. Até porque, não há sistema jurídico que prescinda dos precedentes judiciais na aplicação do Direito: todo sistema carece de racionalidade e coerência. Equidade e segurança jurídica, ademais, são vetores essenciais quando se pensa em Estado de Direito. Afastada essa incompatibilidade, cresce o movimento de conjugação. 45 Ibid., p. 40. 46 Aliás, sem que haja igualdade perante as decisões judiciais não há segurança jurídica – daí que um sistema de precedentes é inerente à tradição mesma do civil law. O que muda, assim, é a relevância dada aos institutos. Ante uma interdependência cada vez maior, é natural que haja um movimento de convergência entre eles. Veja-se, por exemplo, que o ingresso da Inglaterra na Comunidade Europeia fez emergir a necessidade de observância à normas internacionais, o que ensejou uma maior produção de leis. 47 Ibid., p.108. 31 Resta compreender qual a contribuição que o sistema de precedentes instituído no Brasil tem a oferecer. Nessa senda, interessa-nos precipuamente o tratamento dado à eficácia vinculativa dos pronunciamentos elencados no art. 927 do CPC – afinal, não se perca que nos interessa saber se são vinculantes os enunciados da súmula do TJSP. 32 VI. Há no art. 927 um rol de precedentes vinculantes? Até aqui, tudo parece indicar que exsurge sim eficácia vinculante dos enunciados da súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ora, considerando-se que tais enunciados são aprovados pelo Órgão Especial do aludido Tribunal48, à luz do disposto no inciso V do artigo 927 do CPC, parece perfeitamente razoável a tese pela vinculatividade. Perceba-se que, no centro da discussão, está a vinculação, para além do próprio Tribunal (vinculação horizontal), de juízes hierarquicamente inferiores (vinculação vertical). Não obstante, à certa altura de sua palestra, assevera o Professor Alexandre Câmara que “a súmula é de comprimento obrigatório aos membros do tribunal que a emitem; conquanto persuasiva em relação ao juiz”. Isso porque, no seu entender, o caput do art. 927 nada dispõe quanto à vinculatividade: É equivocado, data venia, pensar que tal eficácia resultaria do fato de que o texto normativo do caput desse dispositivo afirma que os juízes e tribunais observarão o que consta dos incisos do aludido artigo de lei. A exigência, contida no caput do art. 927, de que os órgãos jurisdicionais observarão oque ali está elencado indica, tão somente, a exigência de que tais decisões ou enunciados sumulares sejam levados em conta pelos juízes e tribunais em suas decisões. Em outras palavras, o art. 927 cria, para juízes e tribunais, um dever jurídico: o de levar em consideração, em suas decisões, os pronunciamentos ou enunciados sumulares indicados nos incisos do art. 927. Daí não resulta, porém, qualquer eficácia vinculante. Esta, quando existente, resultará de outra norma, resultante da interpretação de outro dispositivo legal (e que atribua expressamente tal eficácia). Não existindo essa outra norma, atributiva de eficácia vinculante, e a decisão ou o enunciado sumular será meramente persuasivo, argumentativo (e, portanto, não vinculante), o que gerará, para juízes e tribunais – obrigados a observá-los em suas decisões – um ônus argumentativo. 49 Recobre-se que o Direito brasileiro conhece dois tipos de precedente: aqueles vinculantes, de aplicação obrigatória, não podendo o órgão jurisdicional a ele vinculado decidir de forma contrária; e aqueles persuasivos, meramente argumentativos, impondo apenas fundamentação específica para justificar sua não aplicação50. 48 Consoante §1º do art. 190 do Regimento Interno do TJSP, “As súmulas serão aprovadas pelo Órgão Especial, que as editará, com exclusividade [...]”. 49 CÂMARA, 2017, p. 454. 50 Para Câmara (ibid.) “havendo um precedente vinculante, e se deparando o órgão jurisdicional a ele vinculado com um novo caso ao qual tal precedente se aplica, não é legítimo decidir de modo diferente. Não sendo, porém, vinculante o precedente, é admissível decisão conflitante, desde que isso se faça com justificativa 35 A obra legislativa que ora chega à sua fase derradeira reúne as mais avançadas experiências processuais em redução de conflitos e em tratamento de demandas repetitivas. O respeito aos precedentes jurisprudenciais é uma das marcas do futuro Código, o que reduzirá o grau de imprevisibilidade jurídica que impera sobre os atores da vida civil.55 Do histórico apresentado é possível inferir que a vontade do legislador efetivamente foi a de prever um rol de precedentes vinculantes no Brasil. Afora isso, não se pode olvidar que o núcleo dogmático do modelo de precedentes instituído, para além dos artigos 926 e 927 do CPC, é diretamente informado pelo disposto no artigo 489 do mesmo diploma – expressamente a dispor que é nula a decisão que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” (art. 489, V do CPC); bem como aquela que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento” (489, VI do CPC). Mais à frente voltaremos ao citado dispositivo com mais vigor. Aqui, basta observar que o aludido inciso VI já impõe um ônus argumentativo, de modo fortemente persuasivo, a toda súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte. Com isso, conclui-se que não há discricionariedade para se seguir – ou não – um precedente vinculante, qual seja um daqueles previstos no rol do art. 927 do CPC. Até porque, não faria sentido algum o estabelecimento de um rol no art. 927 caso não se tratasse de observância obrigatória. A diferença é precisamente que a fundamentação adequada à superação de um precedente persuasivo pode se dar por divergência de entendimento; ao contrário do vinculante, que só se admite ressalva de convicção (reserva de entendimento) – técnica decisória que permite a indução de um perfil dialógico, que favorece o debate. Também a entender pela ocorrência de atribuição de efeito vinculante, em certo trecho de sua palestra, o Professor Nelson Nery Jr. defende que “o artigo 927 estipula uma situação de obrigatoriedade para o juiz de aplicação. Não existe a palavra vinculação. Observarão dá a ideia de um imperativo, uma determinação imperativa, mas não se fala em vinculação. 55 Relatório do relator Vital do Rêgo. Brasília. 2014. p. 22 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2014/11/27/veja-integra-do-relatorio-do-senador-vital-do-rego- 1>. Acesso em: 10 de janeiro de 2020 36 Mas, na dura, é vinculação”56. O que também consta do seu Código de Processo Civil Comentado: “O texto normativo impõe, imperativamente, aos juízes e tribunais que cumpram e apliquem os preceitos nele arrolados”57. Ocorre, sem embargo, que também para o Professor Nelson Nery não exsurge vinculatividade alguma da norma contida no artigo 927 do CPC: não porquanto ausente norma atributiva de eficácia vinculante; mas por inconstitucionalidade mesma de sua atribuição por norma infraconstitucional. 56 NERY JR., 2019. No mesmo sentido, para Fredie Didier, “No Brasil, há precedentes com força vinculante – é dizer, em que a ratio decidendi contida na fundamentação de um julgado tem força vinculante. Estão eles enumerados no art. 927, CPC (...). Demais disso, deve-se ter em vista que os precedentes obrigatórios enumerados no art. 927, CPC, devem vincular interna e externamente, sendo impositivos para o tribunal que o produziu e também para os demais órgãos a ele subordinados” (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 469) e Daniel Amorim Assumpção Neves “Conforme entende a doutrina amplamente majoritária o art. 927 do Novo CPC é suficiente para consagrar a eficácia vinculante aos precedentes e enunciados sumulares previstos em seus incisos. Ou seja, “observarão” significa aplicarão de forma obrigatória” (NEVES, 2017, p. 1397). 57 NERY JR., N.; NERY, R. M. D. A. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015. p. 1934. 37 VII. A constitucionalidade do art. 927 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao escreverem seus comentários ao Código de Processo Civil de 2015, assim se referem à norma contida no artigo 927: O objetivo almejado pelo CPC 927, para ser efetivo, necessita de autorização prévia da CF. Como não houve modificação na CF para propiciar ao Judiciário legislar, como não se obedeceu ao devido processo, não se pode afirmar a legitimidade desse instituto previsto no texto comentado [...] O CPC 927 confere aos preceitos arrolados nos incisos III a V natureza de norma geral, de lei, equiparando-os, nos efeitos, à súmula vinculante do STF, este sim com natureza jurídica de norma geral, na forma da CF 103-A. Como os preceitos enumerados no CPC 927 III a V – jurisprudência como lei – são inconstitucionais, juízes e tribunais podem fazer o controle concreto da constitucionalidade desses preceitos.58 Logo no início de sua exposição, quando de sua palestra na EPM, observou o eminente Professor que o núcleo duro do Código de Processo Civil de 2015 é o direito jurisprudencial – ressalvando que se tratava precisamente do que considera a grande falha do novel diploma: [...] no resto ele é tudo bom, é um código ótimo, excelente [...] o código é ótimo. A minha única critica ao CPC /15 é relativamente à vinculação – e não aos mecanismos utilizados. O pecado mortal, e acho que dele padece o CPC, é que o Juiz é obrigado a aplicar o repetitivo.... Não são os institutos constitucionais, mas a consequência vinculativa prevista no CPC sem constar na constituição.59 O cerne da questão posta pelo eminente Professor reside no fato de que, para ele, detêm os incisos III a V natureza legislativa – motivo pelo qual, à míngua de autorização constitucional, restaria o julgador desvinculado a tais pronunciamentos. Daquela mesma feita, o Professor sintetiza seu raciocínio e coloca a questão nos seguintes termos: Por que tem que ter autorização da constituição? Porque não é tarefa do Poder Judiciário fazer lei. Judiciário não é legislador. Se eu vou dar uma tarefa legislativa para o judiciário, eu tenho que explicitar na constituição. Se eu vou dar ao judiciário, sua obrigação constitucional enquanto poder é decidir lides, julgar casos contrários que chegarem ao seu conhecimento, não cabe a você legislar – e sim julgar. Se eu vou dar uma atividade legislativo ampla ao Poder Judiciário, o sistema tem que autorizar expressamente. Não é possível ao judiciário receber autorização para legislar sem que a CF assim 58 Ibid., pp. 1934-1935. 59 NERY JR., 2019. 40 Aliás, mesmo no caso de súmulas, em que se poderia cogitar de maior abstração, o Código de Processo Civil é expresso ao prescrever estrita observância “às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação” (art. 926, §2º do CPC). A vinculatividade, portando, pressupõe a identificação das circunstâncias fáticas que deram origem ao enunciado da súmula e a referência aos precedentes dos quais ela é originária69. Uma hipótese para a confusão, de acordo com Daniel Mitidiero, é o fato de que, em nossa tradição jurídica, a ideia de vinculação por muito tempo cingiu-se à obrigatoriedade do texto legal: O problema da vinculação ao direito no Brasil sempre foi pensado como algo concernente apenas à legislação, cuja aplicação para os casos concretos dar-se-ia com a colaboração de um juge inanimé – encarregado apenas de declarar uma norma preexistente para a correta solução do caso. E mesmo quando se percebeu que a lei poderia não ser suficiente, ainda assim se imaginava que a tarefa do juiz estava ligada a extrair da legislação a resposta para o caso concreto. Daí que a segurança jurídica, a liberdade e a igualdade foram conceitos normalmente pensados tendo como referencial exclusivamente a legislação [...].70 Ora, a circunstância de o precedente ser admitido como fonte de direito de modo algum quer dizer que o juiz está autorizado a criar o direito. Incumbe ao judiciário tão somente atribuir sentido e concretude à legislação que está posta – i.e., pressupõe uma hermenêutica jurídica baseada na lei enquanto método de atribuição de sentido. Malgrado se reconheça que, ao interpretar o dispositivo legal, a decisão judicial cria, para além da norma individual (que dirime o caso concreto), uma norma geral (que é a norma do precedente); à luz do sistema de precedentes instituído no Brasil, não se sustenta a ideia de que o Judiciário produza norma como se fosse legislador. A norma, aqui, é criada com base em um texto normativo; que, por sua vez, ou é a própria lei ou não pode ser contrário a ela. Assim, quando os tribunais extraem a norma do precedente a partir das leis ou em harmonia com elas, conformam-se com essa vontade. Não raro, contudo, a depender das partes e do julgador, conquanto análogos os casos, a mesma lei é interpretada de forma assaz adversa. Parte-se, não obstante, como bem consignado nos capítulos introdutórios, da premissa de um Poder Judiciário comprometido 69 Ibid., p. 399. 70 MITIDIERO, D. Precedentes da Persuasão à Vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 41 com a regra do stare decisis. Até porque, como cediço, no Brasil é una a jurisdição71. O direito deve ser aplicado de modo uniforme. Não se pode coonestar que casos iguais sejam tratados diferentes a esmo. Inclusive no civil law. Aliás, como adverte Marinoni, sem que haja igualdade perante as decisões judiciais não há segurança jurídica – daí que um sistema de precedentes seria inerente à tradição mesma do civil law: Ao se tornar incontestável que a lei é interpretada de diversas formas, fazendo surgir distintas decisões para casos similares, deveria ter surgido, ao menos em sede doutrinária, a lógica e inafastável conclusão de que a segurança jurídica apenas pode ser garantida salvaguardando-se a igualdade perante as decisões judiciais, e, assim, estabelecendo-se o dever judicial de respeito aos precedentes [...] a segurança jurídica, postulada na tradição do civil law pela escrita aplicação da lei, está a exigir o sistema de precedentes.72 Bem assentado, assim, que precedente não se confunde com legislação, passa-se à tese que se assenta na premissa de que a Constituição previu vinculatividade apenas às decisões em controle concentrado de constitucionalidade e aos enunciados da súmula vinculante do STF. Nessa senda, observa-se que o argumento se encontra alicerçado no fato de que foi esse o tratamento dado às aludidas decisões e enunciados; conquanto pouco se cogite do porquê tão somente a Constituição pode conferir força vinculante a um precedente. Não se ignora, é bem verdade, a seriedade da discussão envolvendo a questão da separação dos Poderes. Daí que, assente que de todo modo não se trata de lei, sem que haja autorização constitucional, não pode mesmo um pronunciamento judicial se fazer vinculante frente ao Legislativo e Executivo. Ocorre que a previsão constitucional da força vinculante das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e dos enunciados de sua respectiva súmula vinculante se fez necessária precisamente pelo fato de que tais pronunciamentos não vinculam apenas o Poder Judiciário – mas também a Administração Pública direta e indireta, o que 71 “o Brasil adota o sistema de unicidade jurisdicional, no qual apenas o Poder Judiciário pode, em caráter definitivo, interpretar e aplicar a lei em cada caso concreto, com o objetivo de garantir o direito das pessoas e promover a justiça”. TJSP. Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/PoderJudiciario/PoderJudiciario/Orgaos DaJustica> Acesso em: 20 janeiro de 2020. 72 MARINONI, 2016, p. 82. 42 inclui o Poder Executivo73. Bem por isso é que a eficácia vinculante desses precedentes tinha mesmo que ter assento constitucional, dado que interfere na separação de Poderes74. Não é o caso, porém, da vinculação estabelecida pelo art. 927, cujos pronunciamentos elencados vinculam apenas juízes e tribunais. Trata-se, com efeito, da vinculação do Poder Judiciário a pronunciamentos por ele próprio emitidos – constituindo hipótese de autorregramento plenamente admissível, porquanto inerente à autonomia de que gozam cada um dos Poderes. Assim, não há qualquer impedimento, de ordem constitucional, para que este efeito vinculante seja estabelecido por norma infraconstitucional. A propósito, a precisa lição de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: O fato de a Carta Magna prever, nas duas hipóteses já mencionadas, ou seja, nos arts. 102, § 2.o, e 103-A, representa, apenas, que o referido comando foi inserido em nível constitucional porque (a) possuíam íntima relação com assuntos (controle concentrado da constitucionalidade e inovação afeta ao STF, contendo inclusive a exigência de quórum qualificado de dois terços) tratados na norma maior; (b) foi estabelecido o efeito vinculante não apenas para os demais órgãos judiciais, mas também para a administração pública, nas esferas federal, estadual e municipal; (c) preservação do caráter vinculativo, para as duas hipóteses previstas, de eventuais reformas infraconstitucionais, que pudessem afastá-lo; (d) reforço da possibilidade de efeito vinculante para os demais órgãos judiciais, diante de eventual alegação de independência funcional, que se poderia fortalecer se a inovação viesse, primeiramente, por determinação infraconstitucional75 Para arrematar, como bem sintetiza Hermes Zaneti Jr., consigne-se que “Trata-se, na verdade, de uma integração entre as funções exercidas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário, criar o direito como legislador dentro da moldura da Constituição e reconstruir o 73 Veja-se a expressa disposição legal: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe [...] §2º - As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (grifo nosso) 74 CRAMER, 2016, p. 189. 75 MENDES, A. G. C. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito brasileiro contemporâneo. In.: MENDES, A. G. C.; MARINONI, L. G.; W AMBIER, T. A. A. (Coord.). Direito Jurisprudencial, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pp. 35-36. 45 Acresça-se que tampouco se confundem com as decisões judiciais, posto que estas apenas podem – ou não – lhes render ensejo. Veja-se, por exemplo, a decisão que nega conhecimento ou aquela que não constitui qualquer acréscimo ao texto legal a que se subsume a questão enfrentada, tratando-se de singela aplicação do direito. Nesse mesmo sentido, Zaneti aponta que Os precedentes devem ser tratados como norma – fonte de direito primária e vinculante – não se confundindo com o conceito de jurisprudência ou de decisão. Isso ocorre seja pela natureza distinta do direito jurisprudencial (reiteradas decisões dos tribunais que exemplificam o sentido provável de decisão, sem caráter obrigatório e vinculante), seja porque não se podem confundir precedentes com decisões de mera aplicação de lei ou de reafirmação de casos-precedentes.81 Ronaldo Cramer observa que, no sistema de precedentes previsto em nosso ordenamento, constam os enunciados da sumula da jurisprudência dos tribunais – ressalvando que, conquanto não se equipare a uma decisão, uma súmula pode ser considerada um precedente lato sensu, sem que isso implique prejuízo à sua compreensão e aplicação82 – mormente porque constitui mera síntese da tese jurídica constante do precedente originário, que se reporta à primeira decisão da cadeia de julgados que deram ensejo ao enunciado83. De todo modo, para que um pronunciamento judicial possa ser considerado precedente, Cramer aponta os seguintes requisitos: a) ser um julgado de tribunal; b) ter criado, a partir da interpretação das leis, uma nova norma jurídica; c) ter se tornado estável84. Possuem, ademais, dentre suas principais funções, como visto no capítulo I, a de ser modalidade de argumentação jurídica; uniformizar a compreensão da norma jurídica; uniformizar a jurisprudência; gerar previsibilidade da resposta judicial; criar agendas e; ainda, colaborar para a formação da identidade nacional85. 81 ZANETI JR., 2016, p. 330. 82 CRAMER, 2016, p. 74. 83 Cramer (ibid., p.84) faz a ressalva de que “a súmula não deve ser integrada no sistema de precedentes para fazer a aplicação de seu texto, como se ela mesma fosse o precedente, mas para promover o emprêgo do precedente originário, mais precisamente da tese jurídica nele forjada”. 84 Ibid., p. 88. 85 Ibid., p. 98. 46 Com isso, compreendido que o precedente constitui a norma, enquanto tese jurídica para solução do caso concreto, que será parâmetro decisório para casos análogos; impende compreender como tal norma se produz e é aplicada. Nessa senda, Cramer ensina que, para resolver o caso concreto, a partir da interpretação do texto normativo, o julgado cria a norma jurídica individual, construída com os argumentos da fundamentação e sedimentada no dispositivo86. Para além desta, quando precedente, o julgado também cria uma norma de caráter geral, que servirá de diretriz decisória para os casos idênticos. Essa norma é extraída sobretudo da fundamentação e é a norma do precedente. No mesmo sentido, Didier observa que a decisão judicial é um enunciado normativo de cuja interpretação se extraem normas jurídicas, assim No mínimo, extrai-se da decisão uma norma jurídica individualizada, normalmente aferível da parte dispositiva da decisão, que regula o caso submetido à apreciação jurisdicional. Da sua fundamentação extrai-se a norma jurídica geral, construída à luz do caso concreto, que tem aptidão para servir de modelo para a solução de casos semelhantes àquele.87 (grifo nosso) Dito de outro modo, do precedente consta a interpretação do texto normativo, que servirá de modelo decisório para casos idênticos. Por outro lado, o próprio precedente, quando de sua aplicação, também deve ser interpretado, para que se identifique a norma por ele produzida. Daí que, ao aplicar o precedente, o julgador interpreta a interpretação do texto normativo já feita pelo tribunal. E considerando que essa interpretação poderá levar em conta também a cadeia de julgados posteriores que o fizeram incidir, no sentido de melhor apreender a evolução da sociedade e do Direito, a norma do precedente exsurge resultante da soma da interpretação do texto normativo, do texto do precedente e do texto dos julgados que o aplicaram. Assim: TN + TP + TJ = NP88 Quanto à natureza jurídica, deve-se atentar, como visto, aos dois sentidos de precedente: em sentido próprio, a decisão judicial de onde se extrai a tese jurídica; em sentido 86 Ibid., p. 88/89. 87 DIDIER JR., BRAGA, & OLIVEIRA, 2015, p. 389. 88 Onde “TN” é texto normativo, “TP” é texto precedente, “TJ” é o texto dos julgados e “NP” a norma do precedente. (CRAMER, 2016, p. 90) 47 impróprio, a norma constante do julgado, que deverá ser seguida em casos futuros. Com isso, pode-se afirmar que, no primeiro sentido, o precedente tem natureza jurídica de fonte de Direito; ao passo que, no segundo, tem natureza de princípio ou regra, a depender da tese jurídica formulada89. Por outro lado, para José Rogério Cruz e Tucci, "todo precedente judicial é composto por duas partes distintas: a) as circunstâncias que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório"90. Considerando-se que a jurisprudência nada mais é do que um precedente reiteradamente aplicado pelos tribunais, o precedente evidentemente só pode consistir em julgado de tribunal – o acórdão. Composto, como cediço, pelo relatório; fundamentação e dispositivo91. Conquanto o relatório e o dispositivo não possam ser ignorados na busca do significado de um precedente, é da fundamentação do acórdão que se depreende o núcleo da tese jurídica que informa a regra ou princípio assentado no provimento decisório. A razão de decidir, assim, exsurge como a interpretação normativa consagrada pelo decisum, da qual o dispositivo é apenas corolário92. Trata-se da ratio decidendi do julgado: a tese jurídica, decorrente da fundamentação do julgado, enquanto diretriz para o julgamento de demandas semelhantes. Nesse sentido, para Mitidiero: A sentença contém dois atos jurídicos distintos: a fundamentação, na qual se expõe a ratio decidendi, e o dispositivo, no qual se determina a norma individualizada. A falta de fundamentação torna difícil ou impossível identificar a ratio decidendi e, por isso, permite a invalidação do dispositivo [...] é imprescindível perceber que a fundamentação da decisão judicial dá ensejo a dois discursos: o primeiro, para a solução de um determinado caso concreto, direcionado aos sujeitos da relação jurídica discutida; o outro, de ordem institucional, dirigido à sociedade, necessariamente com eficácia erga 89 Ibid., p. 102. 90 CRUZ E TUCCI J. , 2004, p. 12. 91 Além, é claro, da ementa (art. 943, §1º do CPC); conquanto sua falta não enseje nulidade do julgado (STJ - Resp. 132.256-MG). 92 Ressalve-se, para que não se entenda errado, que a análise dos fundamentos não pode prescindir das razões fáticas que embasaram a decisão (relatório) e o dispositivo. Aliás, o expresso teor do art. 489, § 3º, do CPC, ao dispor que “a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”. 50 bastante à conclusão: excluída qualquer delas, a conclusão permanecerá a mesma. Nesse caso, o teste indicaria como obiter dictum ambas as proposições, já que, isoladamente, nenhuma delas pode ser considerada fundamento necessário à solução. Surge, então, na década de 30, o método de Goodhart, centrando a identificação da ratio decidendi a partir dos fatos materiais do caso concreto, dando maior importância à regra do stare decisis e ao princípio de que casos iguais devem ser tratados da mesma forma (treat like cases alike). Devem, assim, ser destacados os fatos utilizados pelo julgador para, a partir disso, identificar-se quais foram substanciais para o decisum. Daí que esse método tem a virtude de valorizar os fatos para a definição do precedente, mas acaba menosprezando a construção mesma da fundamentação jurídica do julgado. Como adverte Marinoni: Não há dúvida que o método fático é restritivo quando comparado ao normativo. Isso não apenas porque fatos não se repetem e, portanto, nunca são os mesmos, mas também porque as circunstâncias fáticas variam de acordo com as particularidades dos casos – que, em abstrato, podem ser identificados em uma mesma espécie ou classe. Porém, quando são consideradas as razões para a decisão, torna-se possível ver com clareza que fatos similares devem ser enquadrados em uma mesma categoria, e, assim, não somente merecem, mas na verdade exigem, uma mesma solução para que violado não seja o princípio da igualdade, mais claramente o princípio de que casos iguais devem ser tratados da mesma forma. 100 Assim, a bem da verdade, inexiste um método capaz de, sozinho, precisar o exato alcance da norma contida no precedente – que, como todo e qualquer texto, carece de interpretação; de um exercício hermenêutico por parte do aplicador. Bem por isso é que, para Didier, “o melhor método é aquele que considere as duas propostas anteriores (de Wambauch e de Goodhart), sendo, pois, eclético”101. Nesse sentido, destaque para Rupert Cross, que combina ambos os métodos para chegar à conclusão de que “a ratio decidendi de um caso é qualquer regra de direito expressa ou implicitamente tratada pelo juiz como passo necessário para alcançar a sua conclusão, tendo em vista a linha de raciocínio por ele adotada”102. 100 MARINONI, 2016, p. 166. 101 DIDIER JR., BRAGA, & OLIVEIRA, 2015, p. 450. 102 CROSS, R. Precedent in English Law, 1991: “The ratio decidendi of a case is any rule of law expressly or impliedly treated by the judge as a necessary step in reaching his conclusion, having regard to the line of reasoning adopted by him, or a necessary part of his direction to the jury”. (apud MARINONI, 2016, p. 167) 51 Seja como for, assinala-se, para que fique bastante claro, que qualquer que seja o método empregado, a ratio decidendi deve sempre ser buscada a partir da identificação dos fatos relevantes em que se assenta a causa e dos motivos jurídicos determinantes que conduzem àquela conclusão. Como se viu, não é singelamente que se extrai a norma do precedente. Anote-se, para que não passe ao largo, que em se tratando de enunciados de súmulas, qualquer que seja o método, deve-se observar a ratio decidendi que a eles subjaz. De todo modo, examinados os elementos que compõem a estrutura de um precedente judicial, verifica-se que na sistemática processual brasileira se afigura assaz evidente a centralidade do que o novel diploma chama de fundamentos determinantes da decisão103. Aliás: Art. 489. São elementos constitutivos da sentença: [...] § 1º - Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que [...] V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos. Com isso, bem sedimentada a noção de ratio decidendi, cuja correta identificação constitui procedimento central à compreensão do precedente, posto que dela dimana a eficácia vinculante do entendimento firmado; precisamente por não serem estáticos, porquanto lidos à luz dos casos subsumidos às suas razões, passa-se ao estudo dos precedentes em sua dinâmica aplicação. 103 O que evidentemente não se encontra no enunciado, mas no precedente a que se reporta a súmula como alusão. 52 IX. A dinâmica dos precedentes Como visto, o inciso V do art. 489 do CPC revela a ratio decidendi enquanto elemento nuclear do sistema de precedentes instituído no Brasil. Com isso, como demonstrado, para que se compreenda o precedente, afigura-se indispensável que se delimitem os fundamentos determinantes da decisão, distinguindo-os do que é obiter dictum104. Por outro lado, como adverte Marinoni, pouca importância teria a ratio decidendi caso fosse vista em uma perspectiva meramente estática – e não numa forma dinâmica, relacionada à sua aplicação aos casos que dia a dia eclodem105. Nesse sentido, é o inciso subsequente que traz à baila dois outros conceitos essenciais à compreensão de sua adequada aplicação. Cuida- se das técnicas de distinção (distinguish) e superação (overruling) do precedente. Observe-se o teor do inciso VI do §1º do supracitado art. 489: §1º - Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que [...] VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (grifo nosso) Fala-se em distinguish (ou distinguishing) quando houver distinção entre o caso concreto sob julgamento e o caso paradigma – seja porque não há coincidência entre os fatos, seja porque alguma peculiaridade afasta sua aplicação. Para José Rogério Cruz e Tucci, trata-se de um método de confronto “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”106. No mesmo sentido, para Fredie Didier Jr107, pode-se utilizar o termo em duas acepções: o distinguish-método e o distinguish-resultado. Naquela, enquanto método de comparação entre o caso em análise e o caso paradigma; nesta, traduzindo o resultado desse confronto. 104 Consigne-se que é precisamente por meio de uma fundamentação adequada que as partes do processo terão subsídio para verificar se existe ou não um caso de distinção (distinguish) ou se ocorreu uma superação do precedente (overruling). 105 MARINONI, 2016, p. 230. 106 CRUZ E TUCCI J. , 2004, p. 174. 107 DIDIER JR., BRAGA, & OLIVEIRA, 2015, p. 431. 55 pode negar que é inerente ao sistema possa ele vir a ser alterado, quando demonstradamente equivocado ou obsoleto. É evidente que a jurisprudência deve estar aberta à mudança, posto que o Direito também se desenvolve. Não obstante, ressalve-se que parece haver uma compreensão equivocada de que a jurisprudência não é do tribunal – e sim da composição dos magistrados. Ora, não raro observa-se naturalizada a ideia de que com a mudança de composição também se modifique a jurisprudência, a refletir o entendimento dos novos membros do colegiado. De todo modo, a superação de um precedente só ocorre à força de outro precedente – ressalvando-se, como faz Ronaldo Cramer reportando-se aos regimentos internos dos tribunais, que os únicos precedentes modificados de forma abstrata são as súmulas, já que “esse tipo de precedente – que, como visto, é um precedente lato sensu, pois representa o precedente que motivou a sua edição – tem procedimento específico e abstrato para revisão ou cancelamento”113. Ademais, em se tratando de precedente vinculante, a superação há de ser expressa – i.e., não se cogita de superação implícita, carecendo a revogação de fundamentação adequada e específica, nos termos do §4º do art. 927 do CPC114. Nesse sentido, o mesmo autor salienta que os precedentes não devem ser modificados apenas porque a composição foi alterada – ou por qualquer outra razão que não seja “em virtude de alteração da lei, mudança de entendimento da comunidade jurídica, modificação econômica, política, cultural ou social, ou porque o precedente a ser modificado encontra-se errado”115. No mesmo sentido, aliás, os enunciados 322 e 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: 113 Ibid., p. 151. 114 Aliás, cite-se, para que não passe ao largo, que a possibilidade de mudança de entendimento é inerente a todo sistema de precedentes – sendo a técnica de superação, entre nós, insculpida sobretudo nos §§ 2º a 4º do aludido dispositivo: “§ 2º - A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3º - Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º - A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”. 115 CRAMER, 2016, p. 150. 56 322 - A modificação de precedente vinculante poderá fundar-se, entre outros motivos, na revogação ou modificação da lei em que ele se baseou, ou em alteração econômica, política, cultural ou social referente à matéria decidida. 324 - Lei nova, incompatível com o precedente judicial, é fato que acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a realização de interpretação conforme ou a pronúncia de nulidade sem redução de texto. No caso de modificação de precedente em virtude de alteração da lei, Didier observa que não se tem propriamente uma superação de precedentes nos termos do que faz referência o CPC; uma vez que a não aplicação, nessas hipóteses, pode ser feita por qualquer juiz sem o ônus argumentativo existente para a decisão de superação típica – tampouco será necessária a ponderação da revogação com o princípio da segurança jurídica116. Não se ignora, ainda, que entre o distinguish e o overruling situam-se ainda outras três técnicas de operação com precedentes: overriding, signaling e transformation. A primeira nada mais é que a possibilidade de reduzir o alcance de um precedente anterior pela existência de um precedente posterior. Trata-se, assim, da superação parcial do precedente. Signaling, por sua vez, consiste na técnica utilizada quando um tribunal, conquanto entenda pela aplicação de determinado precedente, percebe sua desatualização e sinaliza uma futura mudança de entendimento. Tem como escopo, assim, conceder segurança jurídica aos jurisdicionados, ao evitar a superação do precedente de forma repentina. Na transformação, por outro lado, o tribunal opera a modificação do sentido do precedente para aplicá-lo ou não ao caso concreto, sem que explicite com isso a ocorrência de overruling. Constitui, assim, superação implícita do precedente – o que não se admite quando presente efeito vinculante (art. 927, § 4º do CPC). Com isso, bem compreendido o precedente em si considerado e sua dinâmica operação, para que possamos chegar à conclusão, voltamo-nos derradeiramente à questão que nos trouxe até aqui. 116 DIDIER JR., BRAGA, & OLIVEIRA, 2015, p. 498. 57 X. Da súmula do TJSP enquanto enunciação de precedentes vinculantes Retoma-se a questão principal: são vinculantes os enunciados da súmula do TJSP? Vimos que uma súmula deve ser compreendida enquanto conjunto de enunciados, exarados por determinado Tribunal, que vinculativa ou persuasivamente se reportam à orientação dominante acerca de determinada questão – e que, com o advento do Código de Processo Civil, novo tratamento foi dado à matéria. Trata-se de um sistema de precedentes que, tido como constitucional, projeta eficácia vinculante a determinados pronunciamentos judiciais, sejam eles enunciados de súmulas ou precedentes propriamente ditos. Melhor teria sido se o novel diploma tivesse feito referência apenas aos precedentes – i.e., que os precedentes, enunciados ou não em súmulas, obrigam juízes e tribunais. Ora, não são as súmulas que obrigam, mas os precedentes subjacentes a elas. Sem embargo, é comum entre nós a utilização de tal instrumento como se fossem normas gerais e abstratas117. Nesse sentido, Marinoni aponta que os tribunais acabaram por dar pouca importância à súmula, sendo que muitos enunciados se tornaram obsoletos “em virtude de o seu texto, visto sem ligação com os casos concretos, ter deixado de corresponder ao que, em abstrato, passou-se a entender como correto”. Assim: fora o grave e principal problema de o instituto da súmula não ter sido atrelado à afirmação da coerência da ordem jurídica e à garantia da segurança jurídica e da igualdade, as súmulas foram vistas como normas gerais e abstratas, tentando-se compreendê-las como se fossem autônomas em relação aos fatos e aos valores relacionados com os precedentes que as inspiraram. Esqueceu-se, como está claro, que as súmulas só têm sentido quando configuram o retrato da realidade do direito de determinado momento histórico e que, assim, não se pode deixar de lado não apenas os precedentes que as fizeram nascer, mas também os fundamentos e os valores que os explicam num certo ambiente político e social.118 117 Recorde-se que Nelson Nery Jr., ao tratar dos efeitos vinculantes atribuídos pelo art. 927 do CPC, comenta que se trata “de comando que considera esses preceitos como abstratos e de caráter geral, vale dizer, com as mesmas características da lei. Resta analisar se o Poder Judiciário tem autorização constitucional para legislar, fora do caso da Súmula Vinculante do STF, para o qual a autorização está presente na CF 103-A”. (NERY JR. & NERY, 2015, p. 1934). Não obstante, como fizemos em outra oportunidade, consigne-se que, para este trabalho, em hipótese alguma o judiciário está autorizado a legislar – inclusive nos casos do art. 103-A da CF, posto que súmula e lei de modo algum não se confundem. 118 MARINONI, 2016, p. 310. 60 Ora, ao tratarmos da constitucionalidade do art. 927 do CPC, pretendeu-se deixar assente que os fundamentos determinantes da decisão devem ser compreendidos como a unidade entre os fatos relevantes e a solução jurídica empregada – sendo a ratio decidendi produto da identificação de tais fundamentos quando do cotejo com o caso-atual126. Daí que é dos fundamentos determinantes da decisão precedente, enquanto unidade fático-jurídica (circunstâncias fáticas + solução jurídica aplicada), que se extrai o que há de normatividade. Com isso, o enunciado da súmula nada mais é que a síntese da norma jurídica criada pelo precedente. Bem por isso é que é impossível que se extraia a norma sem que se compreenda o precedente que a gerou. Como explica Didier Jr., do ponto de partida (texto legal) ao ponto de chegada (texto sumulado) estão os precedentes que compuseram a jurisprudência que veio a ser dominante; precedentes esses que também são textos a serem interpretados, considerando as circunstâncias fáticas subjacentes, que serviram de base para sua construção. 127 Assim, para se saiba se uma súmula é aplicável, mister que se verifique, para além das proposições que fundamentaram a solução empregada, o contexto fático dos casos que lhe deram origem. Até porque, sem isso, inexistem critérios capazes de permitir a conclusão de que determinada súmula pode ter seu alcance estendido ou restrito (distinguish); tampouco de que os valores à base dos precedentes que lhe deram origem foram superados, de modo a justificar a sua revogação ou cancelamento (overruling). Recorde-se que, quando da aplicação de um precedente a casos futuros e similares, incumbe ao julgador verificar se é – ou não – hipótese de distinção ou superação. Se não for, deverá ser aplicado – e a fundamentação precedente resta incorporada à decisão que o invocou. Com isso, bem observado o disposto no art. 489 do CPC128. 126 Ressalte-se que é no momento da aplicação do precedente que se extrai a ratio decidendi: trata-se da “solução jurídica explicitada argumentativamente pelo intérprete a partir da unidade fático-jurídica do caso- precedente (material facts somados à solução jurídica dada para o caso) com o caso-atual”. (ZANETI JR., 2016, p. 324-326) 127 DIDIER JR., BRAGA, & OLIVEIRA, 2015, p. 487. 128 Ibid., p. 466. 61 Nesse mesmo sentido, aliás, o enunciado 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, a dispor que “A aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente”. Chega-se, portanto, à conclusão de que o enunciado sumular não é adequado à compreensão da tese jurídica assentada: deve tão somente servir como remissão ao precedente originário, para que se busque nele a aplicação da norma jurídica criada129. A vinculatividade se reporta ao precedente subjacente – e não ao enunciado constante da súmula de determinado tribunal. Não se trata de questão meramente teórica. Veja-se, por exemplo, a Súmula 88 do STJ, dispondo que “são admissíveis embargos infringentes em processo falimentar”. Considera apenas em seu texto, afigura-se um verbete inútil à luz do CPC de 2015, posto que os embargos infringentes foram abolidos do sistema. Não obstante, observado o julgado que a ensejou (REsp 4.155/RJ), chega-se ao precedente que assentou a tese da aplicação subsidiária do CPC ao processo falimentar (para suprir omissões da Lei de Falências). O cabimento dos embargos infringentes, com isso, constitui mera consequência dessa premissa. Assim, a conclusão preliminar é no sentido de que os enunciados da súmula do TJSP, à força do art. 927, V do CPC, devem ser tidos como vinculantes – desde que aplicados à luz dos precedentes que lhe forjaram. Resta verificar se a súmula do TJSP permite sua adequada aplicação. Pois bem. Consoante disposto no §1º do art. 926, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno. Seguindo essa diretriz, as principais normas relativas à teoria dos precedentes, atinentes ao Tribunal de Justiça de São Paulo, encontram-se 129 Nesse mesmo sentido, para Ronaldo Cramer (2016, p. 84), a súmula constitui mera síntese do precedente originário – e, como toda a síntese, não reúne todos os elementos necessários para o entendimento do objeto sintetizado. Daí que quando o sistema se refere à súmula, não quer aludir a ela em sim mesma, mas ao precedente que a produziu. Assim, “a súmula não deve ser integrada no sistema de precedentes para fazer aplicação de seu texto, como se ela mesma fosse o precedente, mas para promover o emprêgo do precedente originário, mais precisamente da tese jurídica nela forjada. A súmula compõe o sistema de precedentes para ser mero instrumento de emprêgo do precedente originário”. 62 alocadas no início do Livro IV do seu respectivo Regimento Interno, na seção “Da Uniformização da Jurisprudência”. Nessa mesma posição, aliás, figuravam as disposições concernentes ao tema quando do antigo Regimento Interno do Tribunal – recorde-se que o que está em vigor foi aprovado pelo Órgão Especial em sessão realizada em setembro de 2013. Sem embargo, do cotejo entre os dois diplomas facilmente se percebe que a matéria sofreu profunda modificação: enquanto àquele se valia de 1338 caracteres, para regrar o tema mediante 215 palavras; ao atual diploma, com redação dada pelo Assento Regimental no 572/2019, foram necessários 6350 caracteres, compondo 955 palavras130. O que não é sem razão, já que por certo a redação atual deveria mesmo acompanhar a mudança de tratamento dispensado à matéria pelo Código de Processo Civil de 2015. Assim, o art. 190 do aludido regimento interno inicia a disciplina esclarecendo que “A uniformização de jurisprudência será por súmulas, por enunciado de jurisprudência pacificada, por enunciado de tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas e em incidente de assunção de competência”131. Com isso, retoma que são três os 130 Na redação atual são cinco dispositivos (artigos 190 a 194), enquanto o anterior se valia de três (artigos 187 a 189). Como a estrutura normativa é muito diferente, e uma vez que cada um dos diplomas se encontra em diferente formatação, pareceu razoável testar o número de caracteres e palavras como indicativo da maior abrangência com a qual foi tratada a matéria. 131 Quanto ao ponto, impende observar que o citado artigo menciona que a uniformização da jurisprudência será “por súmulas, por enunciado de jurisprudência pacificada, por enunciado de tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas e em incidente de assunção de competência”. Coloca, assim – ao lado das súmulas, IRDR e IAC –, a observância do que chama “enunciado de jurisprudência pacificada”. Ora, como já estudado neste trabalho, as súmulas nada mais fazem do que enunciar a jurisprudência pacificada do tribunal. Soa bastante estranho, assim, seja colocada como categoria à parte. Não obstante, parece mesmo ter sido essa a intenção do tribunal. O §3º do art. 190, ademais, menciona “as súmulas e os enunciados”. Aliás, a diferenciação entre sumulas e enunciados de jurisprudência pacificada toma ainda mais relevo quando tratada nos §§ 1º e 2º do art. 192: §1º As proposições de súmulas poderão ser apresentadas ao Órgão Especial por seus desembargadores, pelas Turmas Especiais ou pela Comissão de Jurisprudência, indicando os precedentes e suas circunstâncias fáticas que podem motivar sua edição. §2º As proposições de enunciados de jurisprudência pacificada poderão ser apresentadas ao Órgão Especial ou à Turma Especial, conforme a competência de cada um, por desembargador do respectivo órgão, ou pela Comissão de Jurisprudência, indicando as teses jurídicas divergentes, seus respectivos precedentes, o entendimento majoritário e a redação do enunciado proposto, com seus fundamentos determinantes e os dispositivos normativos relacionados. Com isso, fica para outra oportunidade a pergunta: seriam as tais “proposições de enunciados da jurisprudência pacificada”, quando exaradas pelo Órgão Especial, vinculantes à luz do inciso V do art. 927 do CPC? 65 Cita-se, ademais, o enunciado 30: “Cabível sempre avaliação judicial prévia para imissão na posse nas desapropriações”. O uso do adverbio sempre, associado à omissão quanto ao precedente originário, torna o enunciado destituído de qualquer utilidade vinculativa. Entendimento em sentido contrário tornaria impossível sua distinção ou superação, tornando-a mais potestativa e cogente do que ordinariamente se espera inclusive da lei. Ou, ainda, o enunciado 69: “Compete ao Juízo da Família e Sucessões julgar ações de guarda, salvo se a criança ou adolescente, pelas provas constantes dos autos, estiver em evidente situação de risco”. Há uma regra (competência) e uma exceção (evidente situação de risco). Esta, como toda, se aplica restritivamente. Mas se o parâmetro referencial se evidencia pela prova constantes dos autos; resta esvaziada a utilidade do enunciado, destituído de qualquer referência aos casos que lhe deram origem. Daí a inexorável conclusão de que, malgrado tenham, de lege lata, ex vi do inciso V do art. 927 do CPC, adquirido eficácia vinculante, sendo de observância obrigatória por desembargadores (horizontal) e juízes (vertical) integrantes; cerca de 25% dos enunciados da súmula editada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo se afiguram inaplicáveis, dada a ausência de qualquer referência aos precedentes subjacentes, posto que é da ratio decidendi destes que se extrai o que há de normatividade. 66 XI. Conclusões Como vimos, dentre as diversas novidades advindas da Lei nº 13.105/2015, a mais relevante, do ponto de vista estrutural do direito, é a concreção legislativa da ideia de uniformização da jurisprudência mediante a instituição de um sistema de precedentes no Brasil. Ao estudarmos os fundamentos para a adoção do aludido sistema, observamos que, sendo una a jurisdição, um só Direito deve ser aplicado. Com isso, não se pôde coonestar que casos iguais sejam tratados de forma diferente, a depender da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão jurisdicional. Contrapomo-nos, assim, ao fenômeno da jurisprudência lotérica. Não obstante, vimos que o volume de demandas que chegam ao judiciário é muito maior que a capacidade de o juiz compreendê-las em toda a sua complexidade; ao passo que a ausência de um procedimento decisório articulado torna imprevisível a solução que será adotada – fazendo incrementar ainda mais a massificação de demandas e a litigiosidade excessiva. À vista de tal cenário, vimos que são expressões que se reportam aos principais fundamentos para a adoção de um sistema de precedentes no Brasil: isonomia e igualdade perante a jurisdição; segurança jurídica; previsibilidade; confiança; estabilidade; coerência; racionalidade; celeridade e economia processual (de processos e despesas); imparcialidade; desestímulo à litigância excessiva e àquela que aposta na jurisprudência lotérica; solução para causas repetitivas e favorecimento de acordos. Assentou-se, assim, que a correção da decisão digressiva pelo sistema recursal deve ser exceção à regra do stare decisis. Observou-se, todavia, que não obstante a inegável influência do comom law, carece o estudo de uma teoria insculpida à luz da tradição jurídica brasileira e de seus próprios institutos. Partimos, com isso, ao estudo mais detido quanto ao conceito de súmula e seus respectivos enunciados, contextualizando sua adoção e principais funções no Brasil. Nessa senda, vimos que a ideia de uniformização não é nova entre nós. Inspiradas nos assentos da casa de suplicação e nos prejulgados da justiça do trabalho, nascidas das anotações que o Ministro do STF Victor Nunes Leal fazia durante as sessões do pleno para remediar-lhe a falta de memória, surgiram as súmulas como resposta ao desconhecimento das 67 decisões e ao acúmulo de processos com questões jurídicas repetitivas. Em suma, encerram enunciados sintéticos a expressar o entendimento sedimentado do Tribunal. Súmula, aliás, é diminutivo de suma, do latim "summa" – i.e., um pequeno resumo. Quanto ao termo, vimos que não obstante a admissibilidade da sinédoque que se faz, não se diz propriamente Súmula x; mas enunciado x da súmula tal – sendo súmula o todo do qual cada enunciado é uma parte. De todo modo, vimos que foi por ensejo da EC n.º 45/2004 que o STF passou a emitir enunciados sumulares com eficácia vinculante, inclusive perante o Poder Executivo – fazendo-os valer não só pela via recursal, mas também pela propositura direta de reclamação por descumprimento de expressa determinação judicial. Foi a súmula, assim, compreendida enquanto conjuntos de enunciados, exarados por determinado Tribunal, que vinculativa ou persuasivamente se reportam à orientação dominante acerca de determinada questão. À luz do novel diploma processual, todavia, ao lado dos precedentes propriamente ditos, consignou-se que as súmulas devem ser compreendidas no contexto de um sistema de padronização decisória – cujo ponto de partida é o caput do artigo 926. Para além do aludido dispositivo, vimos que também integram o núcleo duro da sistemática introduzida os artigos 332; 489, §1º, V e VI; 525, §§12 e 15; 927; 928; 932, IV; 966, V e 988. Com isso, esboçada a síntese – do ponto de vista legislativo – do sistema de precedentes instituído no Brasil; vimos que sua utilização prática ainda é bastante modesta e vista com enorme desconfiança entre nós. Mormente porque, até então, era tomada como construto típico do common law. O que nos fez chegar ao capítulo V. Nele, vimos que não nos tornamos um país de common law; criamos um sistema de precedentes operado no civil law. Trata-se da recepção dos precedentes como fonte formal do direito. Recepção, em si, como visto, que a bem da verdade não é novidade entre nós. Nesse sentido, aliás, falou-se do constitucionalismo republicano de 1891. O que não torna menos expressivo o movimento de aproximação que hoje se observa entre essas duas grandes tradições do mundo ocidental. Assim, não se cogitando de incompatibilidade paradigmática entre elas, cresce o movimento de conjugação – até porque, cediço que todo sistema carece de racionalidade e coerência, não pode o jurídico quedar-se indiferente quanto aos seus próprios precedentes. Dado o pioneirismo da sistemática introduzida, voltamo-nos à compreensão do quê o sistema de precedentes instituído no Brasil tem a oferecer como contribuição ao mundo do civil law. 70 Aqui, vimos que o domínio da técnica de distinção (distinguish) não é relevante apenas para afastar a aplicação de um precedente: trata-se do processo mesmo pelo qual o julgador verifica se o caso sub judice é – ou não – análogo ao paradigma. E não é só. Tratando-se de casos diferentes, poderá o julgador dar à ratio decidendi interpretação restritiva, afastando a vinculação; ou ampliativa, estendendo a solução ao caso em apreço – que passará a integrar a leitura do caso paradigma na condição de precedente. Por outro lado, tratando-se de casos análogos, só resta ao julgador aplicá-lo ou superá-lo – mediante esforço argumentativo que irá depender do grau de vinculação do precedente invocado. De acordo com o aludido parâmetro, vimos que os precedentes podem ser vinculantes ou persuasivos. Frente a esses, pode o julgador deixar de aplicá-los por meio da exposição dos motivos pelos quais discorda da ratio decidendi aplicada. Cuida-se de um ônus argumentativo simples, observado o teor do art. 489, §1º, VI do CPC – admitindo superação por divergência de entendimento, quando bem fundamentada. Todavia, em se tratando de precedente vinculante, não sendo hipótese de distinção, só pode fazê-lo por meio da superação propriamente dita (overruling); quando demonstrado que, em virtude de fator superveniente, o precedente invocado resta equivocado ou obsoleto. Por outro lado, não se justificando distinção ou superação, caso discorde do entendimento adotado, deve o magistrado proceder à reserva de entendimento, ressalvando sua convicção sobre a questão. A técnica da reserva de entendimento constitui, assim, importante mecanismo de mapeamento do entendimento do Tribunal. Possibilita a identificação das questões mais polêmicas e dos fundamentos em sentido contrário – considerando inclusive as divergências pelos juízos originários, permitindo com isso organizar as divergências de posição, qualificar o debate e aumentar o potencial deliberativo entre os órgãos jurisdicionais. O que ganha ainda maior relevo quando se tem em conta que os processos são digitais e, bem, que é possível já no âmbito cadastral concatenar as controvérsias que estão postas. Com isso, bem compreendido o precedente em si considerado e sua dinâmica operação, voltamo-nos derradeiramente à questão que nos trouxe até aqui. Nessa senda, deixou-se bastante claro que a súmula de um tribunal – e seu respectivo enunciado – só pode ser compreendida enquanto método de explicitação da unidade fático- jurídica (circunstâncias fáticas + solução jurídica aplicada) observada nos fundamentos determinantes dos precedentes que lhe renderam ensejo. Trata-se da técnica de precedente anunciado (announcement). Nesse sentido, aliás, o expresso teor do art. 926 do CPC – a 71 testificar que a súmula não pode ser entendida como pronunciamento judicial autônomo. Assentou-se, com isso, que o enunciado da súmula nada mais é que uma remissão à norma jurídica criada pelo precedente subjacente. Imprescindível à operabilidade dos enunciados das súmulas, portanto, a identificação das proposições que fundamentaram a solução empregada e o contexto fático dos casos que lhe deram origem. Até porque, sem isso, inexistem critérios a permitir a restrição ou ampliação de seu alcance (distinguish) – sendo tampouco possível aferir se os valores à base dos precedentes que lhe deram origem foram superados, de modo a justificar a sua revogação ou cancelamento (overruling). Verificamos, assim, que o enunciado sumular não é adequado à compreensão da tese jurídica assentada: deve tão somente servir como remissão ao precedente originário, para que se busque nele a aplicação da norma jurídica criada. Assim, a conclusão preliminar foi no sentido de que os enunciados da súmula do TJSP, ex vi do art. 927, V do CPC, são sim vinculantes – contanto que adequadamente aplicados à luz dos precedentes que lhe forjaram. Restava verificar se a súmula do TJSP comporta a eficácia normativa conferida. Voltamo-nos, com isso, ao Regimento Interno do Tribunal, cuja seção “Da Uniformização da Jurisprudência” traz as principais disposições concernentes ao tema. Vimos que são três os principais instrumentos de uniformização de jurisprudência: enunciado de súmula, IRDR e IAC (art. 190). Considerando que esses dois últimos são fungíveis entre si, deixamos assente que são basicamente dois os procedimentos de atribuição de efeito vinculante: um que faz nascer o precedente enquanto tal (IRDR e IAC); outro que atribui àquele já existente e reiterado, observado na jurisprudência sedimentada, observância obrigatória (súmulas) – com toda a carga do ônus argumentativo atribuído pelo art. 489, §1º, VI do CPC. Com isso, ficou bastante evidente o relevo prático da correta compreensão das súmulas e o domínio de sua aplicação. Bem por isso o rigor dado à compreensão de que a aplicação das súmulas – e de seus respectivos enunciados – pressupõe o conhecimento dos precedentes que lhe deram ensejo. É que, mesmo à luz do CPC/2015, pouca relevância foi dada ao estudo das súmulas. Esta pesquisa, aliás, não encontrou nenhuma obra a tratar da questão. A maioria, a bem da verdade, sequer se atentou para o fato de que, porquanto advindas do Órgão Especial, a 72 orientação constante da súmula de um Tribunal de Justiça, como o de São Paulo, tem o condão de vincular todos os julgadores que o integram. Não obstante, a vertente monografia chegou à estarrecedora conclusão de que cerca de ¼ dos enunciados sumulares do TJSP são inaplicáveis. Isso porque os enunciados 26 a 37 e 63 a 89 foram publicados sem qualquer indicação dos precedentes a que se reportam; afigurando- se a ratio decidendi – aquilo que propriamente vincula – inalcançável ao julgador. Daí a surpreendente conclusão: inobstante o efeito vinculante que podem engendrar, cerca de 25% dos enunciados da súmula editada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo se encontram inaplicáveis. Imprescindível, portanto, sejam os enunciados 26 a 37 e 63 a 89 republicados com a indicação dos precedentes que os sustentam e hiperlinks para o acórdão em seu inteiro teor – sem o quê restam ininteligíveis e em flagrante dissonância com o Código de Processo Civil e com o próprio Regimento Interno do Tribunal. Mais do que isso, impende que ao tema se dê a devida atenção; para que, desmistificado e operabilizado, possa o sistema realizar seu enorme potencial.