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Guias e Dicas
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Segunda guerra mundial, Notas de aula de História

Segunda guerra mundial trabalho

Tipologia: Notas de aula

2017

Compartilhado em 04/07/2023

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Baixe Segunda guerra mundial e outras Notas de aula em PDF para História, somente na Docsity! 92 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – CONFLITO E VIOLÊNCIA THE SECOND WORLD WAR - CONFLICT AND VIOLENCE Prof. Dr. Osvaldo Coggiola 1 RESUMO Diversos autores postularam, em tempos recentes, a hipótese de que a Europa padeceu, no século XX, uma ―Segunda Guerra dos Trinta Anos‖, entre 1914 e 1945: 2 a Segunda Guerra Mundial teria sido, essencialmente, a continuidade da Primeira, com motivos e protagonistas basicamente semelhantes (inclusive nas suas alianças internacionais), e com uma breve trégua entre ambas, uma espécie de ―paz armada‖ no entre guerras, pontuada pela ―grande depressão‖ econômica da década de 1930. Tratou-se, porém, para além dos elementos de continuidade, em especial da prática de massacres em massa, de conflitos de caráter diverso, até qualitativamente diferentes, diferença caracterizada, justamente, pela crise econômica mundial e a existência (sobrevivência) da URSS, incluído seu fortalecimento econômico e militar na década de 1930. Na Segunda Guerra Mundial houve sessenta milhões de homens em armas, entre 45 e 50 milhões de mortes (pela primeira vez num conflito bélico, a maioria delas na população civil) como resultado direto dos combates, ou oitenta milhões de pessoas, se forem contadas também as vítimas que morreram por fome, epidemias e doenças como resultado indireto da guerra — oito vezes mais vítimas do que na Primeira Guerra Mundial: 3 ao todo, aproximadamente 4% da população mundial da época, e tudo em escassos seis anos. Foi, em primeiro lugar, o conflito militar mais sangrento do todos os tempos. Ele envolveu as mais longínquas regiões do planeta, nos mares e na terra, na neve e no sol escaldante do deserto. PALAVRAS CHAVE: Guerras Mundiais, Segunda Guerra Mudial, Conflitos e Violência SUMMARY Several authors posit, in recent times, the hypothesis that Europe suffered in the twentieth century a "Second Thirty Years War" between 1914 and 1945: World War II would have been essentially the continuation of the First, with reasons and basically similar protagonists (including in its international alliances), and a brief truce between the two, a sort of "armed peace" in the interwar, punctuated by the "great depression" of the 1930s economic it was, however, beyond the elements of continuity, particularly the practice of mass massacres, diverse character of conflicts, even qualitatively different, characterized difference precisely by the global economic crisis and the existence (survival) of the USSR, including its economic and military strengthening in decade 1930. in World War II there were sixty million men under arms, between 45 and 50 million deaths (for the first time in a military 1 Professor titular da Universidade de São Paulo – USP. 2 Por exemplo: Charles Van Doren. Uma Breve História do Conhecimento. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2012. Henri Michel negou que a Segunda Guerra Mundial fosse apenas a simples ―revanche‖ (uma espécie de segundo turno) ou a continuidade da Primeira, mas limitou as diferenças à ―extensão‖ (geográfica) da guerra, e à ―totalidade‖ dos recursos materiais e humanos envolvidos (La Seconda Guerra Mondiale. Roma, Newton & Compton, 1995). 3 Ernest Mandel. O Significado da Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Ática, 1982. 93 conflict, most of the civilian population) as a direct result of the fighting, or eighty million people, if they are also counted the victims who died from starvation, epidemics and disease as an indirect result of the war - eight times more victims than in the First World war: in all, about 4% of the world population of the time, and all in only six years. It was, first, the bloodiest military conflict of all time. It involved the most remote regions of the planet, in the seas and on land, snow and scorching desert sun. KEYWORDS: World Wars, Monday World War, Conflict and Violence, Introdução O adiamento da resolução dos conflitos que levaram à Primeira Guerra Mundial, e da revolução socialista que ela originou, no primeiro pós-guerra, foi desse modo pago com um preço inédito em vidas humanas, especialmente forte nos países que estiveram no centro desses problemas: vinte milhões de mortos, pelo menos, na União Soviética, treze milhões na Alemanha, sem contar a ―qualidade‖ das mortes, que incluíram cenários de degradação humana nunca vistos na história, nos campos de concentração nazistas, nas câmaras de gás, nas políticas de ―extermínio total‖ de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes mentais e outros, além dos morticínios em massa das ―limpezas étnicas‖ promovidas, durante e imediatamente depois da guerra, especialmente nos redesenhados países da Europa oriental que, pela primeira vez na era moderna e contemporânea, tenderam a se transformar em Estados ―étnicamente homogêneos‖, inclusive em regiões que haviam sido, até então, verdadeiros carrefours étnicos, linguísticos, nacionais e culturais, em especial os países bálticos e partes importantes da Polônia e da Ucrânia. As novas (supostas) ―fronteiras étnicas‖ dos Estados europeus foram traçadas sobre montanhas de cadáveres insepultos e com base em políticas objetivamente (quando não subjetivamente, como no caso dos judeus) exterministas, que conseguiram, em medida enorme, apagar os motivos e mecanismos objetivos (históricos e políticos) dos enfrentamentos e da guerra. Diversos autores postularam, em tempos recentes, a hipótese de que Europa padeceu, no século XX, uma ―Segunda Guerra dos Trinta Anos‖, entre 1914 e 1945: 4 a Segunda Guerra Mundial teria sido, essencialmente, a continuidade da Primeira, com motivos e protagonistas basicamente semelhantes (inclusive nas suas alianças internacionais), e com uma breve trégua entre ambas, uma espécie de ―paz armada‖ no entre guerras, pontuada pela ―grande depressão‖ econômica da década de 1930. Tratou-se, porém, para além dos elementos de continuidade, em especial da prática de massacres em massa, de conflitos de caráter diverso, até qualitativamente diferentes, diferença caracterizada, justamente, pela crise econômica mundial e a existência 4 Por exemplo: Charles Van Doren. Uma Breve História do Conhecimento. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2012. Henri Michel negou que a Segunda Guerra Mundial fosse apenas a simples “revanche” (uma espécie de segundo turno) ou a continuidade da Primeira, mas limitou as diferenças à “extensão” (geográfica) da guerra, e à “totalidade” dos recursos materiais e humanos envolvidos (La Seconda Guerra Mondiale. Roma, Newton & Compton, 1995). 96 artes ou das ciências, mas um elemento do tecido social. Constitui um conflito de grandes interesses solucionado de maneira sangrenta, o que a diferencia de todos os outros conflitos. Antes de comparar a guerra com uma arte qualquer, caberia fazê-lo com o comércio, que é também um conflito de atividades e interesses humanos, e inclusive se assemelha muito à política, que por sua vez pode ser considerada como uma espécie de comércio em grande escala. A política é a matriz em que se desenvolve a guerra‖. 11 Vejamos, pois, essa matriz, no caso da Segunda Guerra Mundial. Do ponto de vista dos interesses estratégicos em jogo, no quadro do sistema imperialista, não era difícil caracterizar as causas da Segunda Guerra Mundial como ―a rivalidade entre os impérios coloniais velhos e ricos: a Grã-Bretanha e a França, e os bandidos imperialistas atrasados: Alemanha e Itália (...) A contradição econômica mais forte que conduziu à guerra de 1914-1918 foi a rivalidade entre a Grã-Bretanha e a Alemanha. A participação dos Estados Unidos na guerra foi uma medida preventiva‖.Os EUA entraram na guerra na sua fase final. Nessa visão, era uma mentira ―a palavra de ordem de uma guerra da democracia contra o fascismo. Como se os operários tivessem esquecido que foi o governo britânico que ajudou Hitler e seu bando de carrascos a se apropriar do poder! As democracias imperialistas são na realidade as maiores aristocracias da história. A Inglaterra, a França, a Holanda, a Bélgica, repousam sobre a submissão dos povos coloniais. A democracia americana repousa sobre o domínio das riquezas enormes de todo um continente‖. 12 No período prévio à guerra, a ambiguidade com relação às tentativas alemãs de revisar a Paz de Versalhes e, em geral, com relação à toda política do eixo nazi-fascista, tinha sido marcante da parte das potências ―democráticas‖ da Europa. A política de ―apaziguamento‖ remontava à tolerância com a invasão japonesa da Manchúria em 1931, passou pela vista grossa com a invasão italiana da Etiópia em 1935, atingiu a vergonha com a política de ―não-intervenção‖ na guerra civil espanhola de 1936-1939 (quando a ajuda nazi-fascista ao campo franquista foi fundamental para o desfecho do conflito), e teve seu ponto culminante com a Conferência de Munique de 1938 (Alemanha, Itália, Grã-Bretanha, França) e sua consequência imediata, o desmembramento da Tchecoslováquia pela Alemanha nazista (invasão dos Sudetos). A Alemanha não tinha matérias primas suficientes para sustentar uma guerra de longa duração. Daí a necessidade de invadir e conquistar regiões ricas em petróleo e minerais, como a dos Países Baixos, com suas fontes de minerais nobres, como o tungstênio, ou o Norte da África e as planícies do Cáucaso, regiões ricas em petróleo. As ações alemãs inicialmente vitoriosas na Europa foram resultado da reconstrução de seu Exército sob as barbas da Liga das Nações. A política de apaziguamento foi comumente analisada como ―cegueira‖ dos governos democráticos acerca das verdadeiras intenções do Terceiro Reich. Sua raiz, porém, está na própria natureza do conflito mundial. O fato novo era que na sua tentativa de revisão da Paz de Versalhes, a Alemanha de Hitler se beneficiava indiretamente da existência da União Soviética, e que os governos ocidentais consideraram sempre seriamente a possibilidade de desviar em direção à União Soviética o expansionismo 11 Karl Von Clausewitz. De la Guerra. Barcelona, Labor, 1984, p. 17. 12 La guerre impérialiste et la révolution prolétarienne mondiale. In: Les Congrès de la Quatrième Internationale. Paris, La Brèche, 1978, pp. 337-377. 97 alemão, em benefício de todos eles, o que explicaria uma política de outro modo incompreensível. A Segunda Guerra Mundial constituiu a continuidade tanto da Primeira Guerra quanto da tentativa dos imperialismos coligados de destruir a revolução nos países europeus, destruindo militarmente a Revolução Russa pela intervenção armada através da guerra civil. A Segunda Guerra foi simultaneamente um conflito interimperialista e contrarrevolucionário, em que a destruição da União Soviética visava interromper de vez o processo revolucionário iniciado em 1917, já abalado pelo isolamento da revolução soviética (e sua principal consequência, a emergência do stalinismo) e pela vitória do nazismo na Alemanha, com a consequente derrota histórica do mais importante proletariado ocidental. Os ―democratas‖ ocidentais não se caracterizaram pela lucidez com relação ao nazismo, mas estavam dispostos a dele se servir, sem o menor preconceito ideológico, contra a União Soviética (isto é, contra as bases econômicas e sociais remanescentes da revolução) e contra o movimento operário do Leste e do Oeste. Ainda em 1940, o presidente norte-americano Roosevelt esperava que ―a Alemanha atacaria o hemisfério ocidental, provavelmente primeiro na América Latina‖. 13 Já em 1931, antes da chegada ao poder de Hitler, Trotsky havia predito que se o nazismo assumisse o poder desencadearia inevitavelmente uma guerra contra a União Soviética. 14 A aliança Alemanha-Itália-Japão configurada na década de 1930 (que foi um dos blocos do conflito mundial) denominou-se ―Pacto Anti-Komintern‖, isto é, estava explicitamente dirigido a conter a ―expansão mundial do comunismo‖ (da revolução soviética). O outro aspecto está em que a economia armamentista da década prévia à guerra (em primeiro lugar nas potências ―totalitárias‖, Alemanha, Japão e Itália) e, posteriormente, a própria economia de guerra, foram a única via de saída para a crise da economia capitalista mundial pós-1929. Daniel Guérin ilustrou pioneiramente esse processo para a Alemanha, 15 depois estudado por Charles Bettelheim, 16 e, sobretudo, por Adam Tooze. 17 A economia de armamentos foi, sobretudo, o meio para conjurar a nova crise do capitalismo norte-americano, depois do craque inédito de 1929, produzida a partir de 1937, depois da infrutífera relance com a política rooseveltiana dos anos precedentes. O índice de produção industrial, de 110 em 1929, tinha caído para 58 em 1932. Com sua política inflacionária, Roosevelt fomentou a recuperação: o índice pulou para 87 em 1935, para 103 em 1936, 13 Robert E. Sherwood. Roosevelt and Hopkins. Nova York, McGraw Hill, 1950, p. 290. 14 Leon Trotsky. Revolução e Contrarrevolução na Alemanha. São Paulo, Ciências Humanas, 1979. 15 Daniel Guérin. Fascisme & Grand Capital. Paris, Syllepse, 1999. 16 Charles Bettelheim. L’Économie Allemande sous le Nazisme. Paris, François Maspéro, 1978. 17 Adam Tooze. Le Salaire de la Destruction. Formation et ruine de l’économie nazie. Paris, Les Belles Lettres, 2012: “A virada cultural e ideológica do estudo do fascismo remodelou definitivamente nossa compreensão de Hitler e de seu regime... Enquanto nossa compreensão das políticas raciais e dos mecanismos interiores da sociedade alemã sob o nazismo foi transformada nos últimos anos, a história econômica do regime progrediu pouco... Marcas como Krupp, IG Farben, Siemens deram corpo ao mito da invencibilidade industrial alemã (mas) a economia alemã nos anos 1930 diferia pouco da média europeia: sua renda per capita estava dentro da média europeia, comparável à dos atuais Irã ou África do Sul. O consumo da maioria dos alemães era modesto e situado por trás daquele da maioria de seus vizinhos da Europa ocidental. A Alemanha de Hitler era uma sociedade ainda parcialmente modernizada, onde mais de quinze milhões de habitantes viviam ainda do artesanato ou da agricultura tradicionais... É possível [portanto] racionalizar agressividade do regime hitleriano como uma resposta inteligível às tensões nascidas do desenvolvimento desigual do capitalismo mundial, tensões que, bem entendido, estão ainda presentes” (grifo nosso). 98 para 113 em 1937. Mas, a partir de agosto desse ano, a recessão econômica reapareceu nos EUA: a produção caiu 27% em quatro meses. Por esse motivo, basicamente, na Segunda Guerra Mundial a participação dos Estados Unidos não foi, como na Primeira, preventiva, mas central (por isso o conflito foi chamado, logo de cara, de ―mundial‖, ao contrário da precedente ―guerra europeia‖) e se produziu já no início do conflito, inclusive antes dele (na China invadida pelo Japão), embora existisse uma forte corrente ―isolacionista‖ dentro da classe dominante americana até dezembro de 1941 (ataque japonês a Pearl Harbor), que marcou seu ingresso na guerra. Em 1941, a Alemanha mandou tropas para ajudar a combalida Itália a manter suas linhas na Grécia e no norte da África contra os ingleses. A batalha pela ilha de Creta causou grandes baixas aos alemães. Enviado ao Egito, o Afrikakorps alemão fez o que pôde para dominar o estratégico porto de Tobruk e os campos de petróleo da região, até ser repelido pelos ingleses, em novembro de 1942. Pouco depois, os Estados Unidos entraram no conflito, mandando suas primeiras tropas para o Mediterrâneo. As bases aéreas americanas em território brasileiro, no caminho para o Norte da África, foram um exemplo de como todas as áreas do planeta estavam mobilizadas numa luta global. Até esse momento, a política americana com relação ao Japão era ambígua, e o mesmo poder-se-ia dizer com relação à Alemanha hitleriana, isto ao ponto de Hitler ter como um de seus objetivos centrais, já em plena guerra, manter a neutralidade dos Estados Unidos: ―Impedir o ingresso na guerra dos Estados Unidos virou, a partir do verão de 1940, um dos objetivos essenciais da estratégia e da política do Reich‖. 18 Essa tentativa estava condenada de antemão ao fracasso, pois como já o analisara (antes da guerra) a IV Internacional, ―os fundamentos da potência imperialista americana têm uma envergadura mundial. Seus interesses econômicos na própria Europa são muito importantes... será impossível para os Estados Unidos ficar fora da próxima guerra mundial. Não somente participará como beligerante, mas é possível prever que entrará nela muito mais rapidamente do que na última guerra mundial‖. No começo da guerra no Extremo Oriente, as forças japonesas estavam em ascensão, dominando quase todo o Pacífico. Antes de Pearl Harbour, muitas áreas do extenso território chinês já estavam em guerra, com as colônias inglesas combatendo os japoneses. O Japão invadiu a China no começo dos anos 1930, cometendo inúmeras atrocidades contra a população, como na ocupação de Nanquin, com 300 mil mortos ou na instauração de um laboratório de armas bacteriológicas na área, responsável pela morte de mais de 10 mil prisioneiros de guerra, usados como cobaias. Como o Japão era aliado da Alemanha, o território da Indochina - então colônia francesa - foi ocupado por forças japonesas. Leon Trotsky já tinha analisado que a emergência dos Estados Unidos como principal potência capitalista mundial tinha sido a principal consequência da Primeira Guerra Mundial. 19 A China já tinha o apoio explícito e material dos Estados Unidos antes de sua entrada no conflito, recebendo treinamento e equipamento militares americanos na sua luta contra o Japão, que invadira o Celeste Império já em 1931, ocupando a Manchúria. Uma ponte aérea para levar suprimentos foi estabelecida pelos americanos entre a Índia, a 18 Saul Friedlander. Hitler et les États-Unis 1939-1941. Paris, Seuil, 1966, p. 297. Cf. também: Richad J. Evans. O Terceiro Reich em Guerra. São Paulo, Planeta, 2012. 19 Leon Trotsky. Adonde va Inglaterra. Europa y América. Buenos Aires, El Yunque, 1975. 101 100, na Alemanha; de 8 para 100, no Japão. 23 A transformação das economias capitalistas em economias de guerra, e os diversos pontos de partida para atingir tal objetivo, determinam, em última instância, a superioridade aliada: Fritz Stenberg calculou em 80 bilhões de dólares o valor do material de guerra produzido pelos Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá no período prévio ao desembarque de 6 de junho de 1944. 24 No mesmo período, a Alemanha e seus aliados tiveram uma produção equivalente a US$ 15 bilhões, isto é, uma superioridade de mais de cinco para um em favor dos Aliados, do ponto de vista dos recursos econômicos consagrados ao esforço bélico. 25 A.J.P.Taylor foi unilateral, no entanto, ao concluir que Hitler era menos um demônio histérico do que um dirigente preocupado com a sorte de seu país e que, na verdade, carecia da intenção de deflagrar um conflito mundial (teria se conformado com um Lebensraum alemão na Europa). 26 Segundo Taylor, o conflito mundial teria sido ―imposto‖ pelas potências aliadas, inclusive no que diz respeito ao Japão, o qual, após o embargo imposto pelos Estados Unidos em agosto de 1941, “estava fadado a render-se ou ir à guerra”. É perfeitamente possível estar de acordo e, ao mesmo tempo, reconhecer que o caráter das contradições às quais estava submetido o imperialismo alemão (do qual Hitler e o nazismo eram a consciência mística e plebeia/pequeno-burguesa, racista, ultrarreacionária e exterminista) obrigavam-no a envolver-se numa disputa de alcance mundial, devido ao choque inevitável com o imperialismo norte-americano, tal qual foi analisado por Trotsky no seu último documento dado a público em vida, o Manifesto de Emergência da IV Internacional: ―Se a guerra é levada até o fim, se o exército alemão obtém vitórias, se o espectro da dominação alemã sobre a Europa surgir como um perigo real, o governo dos Estados Unidos deverá tomar uma decisão: permanecer à margem, permitindo a Hitler assimilar as novas conquistas, multiplicar a técnica alemã, transformando as matérias primas das colônias conquistadas, e preparar o domínio alemão sobre todo o planeta, ou, ao contrário, intervir no desenrolar da guerra para contribuir a cortar as asas do imperialismo alemão‖. Para Ernst Nolte, a objetividade do segundo conflito mundial está determinada pela ―perspectiva mais adequada na qual o bolchevismo e a União Soviética e o nacional- socialismo e o Terceiro Reich devem ser considerados, que é a de uma guerra civil europeia ‖. 27 A força do enfoque ―revisionista‖ desse autor (acusado de legitimar historicamente o nazismo) - a procura das causas da Segunda Guerra Mundial não apenas nos conflitos interestatais, mas no processo internacional de revolução-contrarrevolução - se esvai ao considerar apenas a Europa como cenário dessa hipotética guerra civil, excluindo, por exemplo, o Extremo-Oriente, desde o início da revolução chinesa de 1919, protagonista central tanto do conflito de classe interno à China (a revolução chinesa) quanto do conflito internacional (guerra China-Japão), e sem considerar as mudanças da política externa da URSS de Lenin-Trotsky e a Revolução de Outubro até o messianismo nacionalista da direção stalinista. 23 Marcel Roncayolo. Le Monde Contemporain de la Seconde Guerre Mondiale à nos Jours. Paris, Robert Laffont, 1985, pp. 52 e 68. 24 Fritz Sternberg. El Imperialismo. México, Siglo XXI, 1978. 25 Richard Overy. Porqué Ganaron los Aliados. Buenos Aires, Tusquets, 2011. 26 A.J.P. Taylor. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. 27 Ernst Nolte. Nazionalsocialismo e Bolscevismo. La guerra civile europea 1917-1945. Firenze, Sansoni, 1988. 102 É o caráter socialmente contrarrevolucionário do conflito mundial o que ilumina o seu aspecto mais atroz: o assassinato (genocídio) de seis milhões de judeus na Europa. Arno Mayer situou a ―solução final‖ dentro da lógica de guerra do nazismo: ―O limite que separa a expulsão, o encerramento nos guettos, as deportações e os assassinatos esporádicos, do massacre e da destruição sistemáticas, não foi ultrapassado senão um certo tempo depois da invasão nazista da União Soviética, em 22 de junho e 1941 (...) Só em 20 de janeiro de 1942, na conferência de Wanssee, foram tomadas as medidas para a ―solução final‖, que implicava a tortura e o aniquilamento dos judeus de toda a Europa ocupada e controlada pelos nazistas‖: 28 ―A guerra para destruir a União Soviética se tornara uma guerra para liquidar os judeus‖. 29 O nazismo levou até o fim uma tendência presente na lógica da guerra imperialista. A perspectiva do massacre dos judeus fora denunciada pela IV Internacional desde, pelo menos, 1938: ―Antes de esgotar a humanidade ou de a afogar no sangue, o capitalismo envenena a atmosfera mundial com os vapores deletérios do ódio nacional ou racial. O antissemitismo é uma das piores convulsões da agonia do capitalismo‖, chamando a ―denunciar implacavelmente todos os preconceitos de raça e todas as formas e nuances da arrogância nacional e do chauvinismo, em especial o antissemitismo‖. 30 Cabe creditar a Trotsky e à IV Internacional não só o prognóstico do Holocausto, mas o de ter sido a única tendência política mundial que chamou a lutar contra ele - isto é, não só contra o antissemitismo em geral, mas contra a perspectiva do extermínio do povo judeu: ―O capitalismo em ascensão tinha libertado o povo judeu do ghetto e feito dele um instrumento da sua expansão comercial. Agora, a sociedade capitalista em declínio se esforça para exprimir como um limão o povo judeu por todos os seus poros: vinte milhões de indivíduos para uma população mundial de dois bilhões, isto é 1%, não tem mais lugar sobre o nosso planeta‖. O nazismo realizou essa sombria perspectiva. Os Estados Unidos e o Vaticano tinham conhecimento do genocídio que estava sendo posto em prática, pelo menos desde 1942, fatos e conhecimentos diante dos quais se omitiram (em que pesem todas as explicações e desculpas posteriores). 31 28 Arno J. Mayer. La “Solution Finale” dans l'Histoire. Paris, La Découverte, 1990, pp. 506-507. 29 Timothy Snyder. Op. Cit., p. 233. Disse Zygmunt Bauman: “(O Holocausto) foi o enésimo episódio da longa série de homicídios em massa tentados, e da série não muito menor daqueles de fato realizados. Mas apresenta também características que não condivide com nenhum dos casos precedentes de genocídio, (características que) têm um sabor claramente moderno. Sua presença sugere que a modernidade contribuiu para o Holocausto de modo mais direto que o da sua fraqueza e desorientação. Sugere que o papel da civilização moderna na deflagração e na execução do Holocausto foi ativo, não passivo. Sugere que o Holocausto foi, na mesma medida, produto e falência da civilização moderna” (Modernità e Olocausto. Bolonha, Il Mulino, 1992, p. 131). Uma coisa é afirmar que o Holocausto (diversamente dos genocídios ameríndio ou africano, que não se basearam em políticas de extermínio completo das populações afetadas, como no caso dos judeus da Europa) foi executado com métodos industriais (“modernos”), daí sua espantosa e macabra eficiência. Outra, completamente diferente, é responsabilizar genericamente uma “modernidade” pelo crime que, como todo crime e mais do que qualquer outro crime, teve executores e cúmplices bem concretos e identificáveis, em graus diversos de responsabilidade (todos, porém, criminais), e também causas e mecanismos (econômicos, sociais, político, culturais e ideológicos) que, além de identificáveis, continuam bem vivas e presentes, não só na Alemanha e na Europa. Pensar de outro modo é condenar-se à resignação, talvez esperando de modo fatalista pela próxima “falência”(“posmoderna”?). 30 Leon Trotsky. Programa de Transição. Porto Alegre, Combate Socialista, s.d.p., p. 28. 31 Walter Laqueur. O Terrível Segredo. Rio de Janeiro, Zahar, 1981; Saul Friedlander. Pio XII et le IIIe Reich. Paris, Seuil, 1965. 103 Sublinhar o caráter contrarrevolucionário do segundo conflito mundial e dos preparativos que levaram ao mesmo, não significa justificar a política stalinista para manter afastada a URSS da guerra, mas apontar para o seu caráter ilusório e contrarrevolucionário que acabaria custando 20 milhões de mortos à União Soviética (o preço mais alto pago por qualquer um dos beligerantes). Do pacto Laval-Stalin em 1935, que desarmou o proletariado francês para lutar contra o militarismo da sua burguesia, até o pacto União Soviética-Japão de 1941 (nas vésperas da invasão pelo exército nazista), passando pelo pacto Hitler-Stalin, de 23 de agosto de 1939 (que deu o sinal verde para a invasão da Polônia pela Alemanha) - a política externa da União Soviética foi o complemento da política que, no plano interno, levou, nos ―Processos de Moscou‖ de 1936-1938, à aniquilação de tudo o que restava da ―velha guarda‖ bolchevique e inclusive, em 1937, à decapitação do Exército Vermelho. Os processos sobre o Exército Vermelho se abateram não só ao nível da cúpula, mas até dos comandos médios. Foram promovidos a partir de falsas acusações fabricadas pelos serviços secretos nazistas. Uma vez realizados tais expurgos Hitler proclamou ―neutralizamos a Rússia por dez anos‖, o que lhe permitiu preparar a conquista da Tchecoslováquia e a guerra na frente ocidental. A Marinha alemã estava subdimensionada para a guerra desde o início, mas se saiu bem em ações até 1940, quando sofreu fortes reveses na invasão da Noruega. Daí em diante, concentrou suas ações no uso de submarinos, afundando comboios americanos no Atlântico Norte, que abasteciam a Inglaterra com armas e mantimentos. A ocupação da França pelos alemães, em 1940, abriu o acesso ao Atlântico para os U-boats, que passaram a operar de bases no litoral francês. O pacto Ribbentrop-Molotov (Hitler-Stalin) foi sido selado com o sangue dos comunistas alemães refugiados na União Soviética, que foram entregues à Gestapo pelas autoridades soviéticas. O pacto foi cuidadosamente oculto nas versões soviéticas acerca da Segunda Guerra Mundial, 32 chegando-se ao extremo de Deborin definir a guerra como ―inter- imperialista‖ entre 1939 e 1941, e como ―guerra de libertação‖ a partir da invasão da União Soviética pela Alemanha (22 de junho de 1941). 33 Um pacto que levou a imprensa dos ―partidos comunistas‖ do mundo inteiro a abrir generosas páginas para as longas litanias e tiradas anti-britânicas de... Joseph Goebbels. Um pacto que levou o ministro alemão Ribbentrop a propor à União Soviética o ingresso... no Pacto Anti-Komintern. Um pacto que levou o PC francês a solicitar a publicação legal de seu jornal L'Humanité às tropas nazistas de ocupação da França. Um pacto que permitiu a preparação da máquina alemã de guerra (parte da qual era treinada na própria União Soviética) para a guerra em toda Europa. Um pacto através do qual, segundo o depoimento de um ajudante direto de Stalin, a União Soviética fornecia ―trigo, grãos, petróleo, minerais estratégicos e também borracha, látex, soja, que vinham do sudeste asiático, transportados pela União Soviética para abastecer a Alemanha (...) O último trem com nosso fornecimento cruzou a fronteira uma hora antes da invasão (da União Soviética pela Alemanha)‖. 34 Como ficar surpreendido, nesse quadro, de que Stalin se recusasse a acreditar na iminência da invasão nazista, que lhe fora anunciada pelos chefes da espionagem soviética 32 Oleg A. Rzheschvski. La Segunda Guerra Mundial. Mito y realidad. Moscou, Progresso, 1985. 33 G. A Deborin. Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Fulgor, 1966. 34 Valentin Bereshcov. Amor a Hitler cegou União Soviética. Folha de S. Paulo, 22 de junho de 1991. 106 ―aliado‖, os EUA. Já em 1941, os mineiros franceses fizeram greve em Nord Pas-de-Calais, apesar da ocupação alemã. Após as greves, alguns jovens requisitados para o STO (Serviço de Trabalho Obrigatório) na Alemanha prennent le maquis, ou seja, iniciaram uma resistência armada que seria encampada e dirigida pelo PC francês, no sentido de uma aliança com o representante da (nessa altura fantasmagôrica) burguesia anti-nazista, o general de Gaulle (refugiado na Inglaterra). 43 Desde 1942, as greves também explodiram na Grécia ocupada pelos nazistas. Na Itália, o movimento grevista foi explosivo em 1943, ameaçando criar uma situação de duplo poder, 44 e é o pano de fundo do movimento dos partigiani e do golpe de estado do Conselho Fascista que derrubou Mussolini nesse mesmo ano (a abertura da ―segunda frente‖ na Itália se deveu mais a considerações políticas do que estratégico-militares). Nos Estados Unidos, houve greves dos mineiros, dirigidas por John L. Lewis, em maio e novembro de 1943; e greve dos ferroviários no mesmo ano. Apesar da legislação anti- grevista, em 1944 houve 224 greves não-autorizadas, com 388 mil grevistas. 45 Na própria Alemanha o atentado contra Hitler de julho de 1944 foi preparado junto com uma possível greve geral, organizada pela resistência socialdemocrata clandestina. 46 Na Iugoslávia ocupada, os partisans já eram 300 mil em 1943 e em outubro do ano seguinte, o líder comunista Tito entrou em Belgrado. Como não situar nessa perspectiva a luta mais heroica da guerra, o levantamento do ghetto de Varsóvia, dirigido pelas organizações judias de esquerda sobreviventes, após enfrentamento e destituição prévias da direção (Judenrat) judaica conciliadora? 47 Durante a guerra, a derrota inicial da França e o enfraquecimento do colonialismo inglês possibilitaram o avanço da revolta anticolonial, culminando na vitória dos japoneses sobre os ingleses no Pacífico. Ela deu ensejo para a sublevação das massas das Filipinas, de Cingapura, do Oriente Médio, ainda durante a guerra mundial. Nesse marcou houveram a sublevação da Índia, da China, do Norte da África,e até algumas revoltas na América Latina. Os EUA, para invadir o Norte da África, compactuaram com um declarado fascista francês, o general Darlan que, quando precisou da ajuda americana, tornou-se um ―democrata‖. No dia da libertação de Paris - festejado em todo o mundo - na Argélia e em Madagascar, as tropas francesas reprimiam em massa às populações locais. Do ponto de vista militar, foi decisiva a derrota do exército nazista na União Soviética. Mas esta derrota não foi alheia aos fatores apontados acima. No início da guerra, o ódio contra a burocracia na URSS era tão grande que “as tropas alemãs eram recebidas como libertadoras na Ucrânia, até começarem a queimar as aldeias, expulsar as mulheres e crianças e executar os homens”. 48 Quando ficou claro que os planos de Hitler eram ―naturalizar‖ (sic) a Rússia, transformá-la num vasto celeiro com o trabalho escravo dos russos, a mobilização patriótica foi imensa. Mas esta pouco teria conseguido sem ―o 43 Cf. André Bendjebbar. Libérations Rêvées, Libérations Vécues. Paris, Hachette, 1994. Sobre o trabalho dos estrangeiros na Alemaha nazista: Edward L. Homze. Foreign Labor in Nazi Germany. Nova Jersey, Princeton University Press, 1967. 44 Umberto Massola. Gil Scioperi del '43. Roma, Riuniti, 1973. 45 Daniel Guérin. Op. Cit. 46 Ernest Mandel. O papel do indivíduo na História: o caso da II Guerra Mundial. Ensaio 17/18, São Paulo, 1989. 47 Roney Cytrynowicz. Memória da Barbárie. A história do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Edusp/Nova Stella, 1990, p. 142. 48 Bem Abraham. Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Sherip Hapleita, 1985, p. 40. 107 transplante da indústria na segunda metade de 1941 e no começo de 1942, e a sua reconstrução no Leste (que) deve figurar entre as mais estupendas realizações de um trabalho organizado pela União Soviética durante a última guerra. O crescimento rápido da produção bélica e sua reorganização sobre novas bases, dependia da urgente transferência da indústria pesada das zonas ocidentais e centrais da Rússia europeia e da Ucrânia para a retaguarda longínqua, fora do alcance do exército alemão e da aviação‖. 49 Tal feito teria sido impossível num país onde existisse propriedade privada da grande indústria. Na França ocupada pelos nazistas, o grande patronato industrial colaborou quase na sua totalidade com o exército de ocupação. Depois da derrota inicial, que dizimou parte substancial do exército soviético, a recomposição da força militar da União Soviética foi um tour de force econômico-social. A nova indústria militar soviética, reconstituída nas regiões não ocupadas pelas tropas alemãs, produziu 800 mil tanques entre 1941 e 1945, 400 mil aviões só em 1944. Baste dizer que na Inglaterra não invadida, e que ―ganhou a guerra nos ares‖, essa cifra corresponde à produção total da guerra. Foram mobilizados, na União Soviética, todos os recursos naturais e humanos, inclusive, e de modo especial, o trabalho forçado nos campos de trabalho que abrigavam milhões de prisioneiros, provocando, aqui também, uma mortandade em massa. 50 A ajuda aliada não cobriu 10% da produção soviética. A derrota do Terceiro Reich na União Soviética livrou a humanidade da ameaça militar nazista, a maior máquina de guerra da história humana até então. A consciência da necessidade de evitar uma queda revolucionária (internacional) do nazismo determinou que as bases da ordem mundial do pós-guerra começassem a ser lançadas pelos EUA e a Inglaterra já em 1942 (com a ―Carta do Atlântico‖): também em janeiro de 1942, os Estados Unidos convocam a Conferência Pan- Americana do Rio de Janeiro, com vistas a alinhar bélica e politicamente a America Latina (chegou-se a utilizar a ameaça de invasão militar contra as renitentes Argentina e Chile, que não declararam guerra ao Eixo). A partir de 1943 se sucederam as cúpulas dos aliados, nas quais procurou-se associar claramente à burocracia stalinista à ordem mundial do pós- guerra: novembro de 1943, em El Cairo; dezembro de 1943, em Teerã; fevereiro de 1945, em Yalta; agosto de 1945, em Potsdam, quando se estabeleceu que a União Soviética conservaria os territórios concedidos à URSS pelo pacto Hitler-Stalin (basicamente, os países bálticos). Outros elementos desmentem o caráter ―antifascista‖ da guerra ―aliada": nas suas memórias, por exemplo, Churchill afirmou que Mussolini teria sido bem recebido pelos aliados (durante a guerra) se ele tivesse oferecido a estes a paz. A colaboração URSS-aliados ocidentais foi decisiva para que a derrota nazista não levasse ao início da revolução na Alemanha, peça-chave da revolução europeia. A política nacional- revanchista levada adiante pelo exército da União Soviética levou a que as tropas alemãs defendessem até o último quarteirão de Berlim, inclusive quando toda resistência já era absurda. A concordância com os imperialismos ―aliados‖ em ocupar e dividir militarmente a Alemanha fez pender uma espada de Dâmocles sobre a cabeça da classe operária alemã, que foi a arma principal para reconstituir o Estado na Alemanha depois da degringolada 49 Alexander Werth. Op. Cit., p. 244. 50 Chris Bellamy. Absolute War. Soviet Russia in the Second World War. Londres, Macmillan, 2007; Richard Overy. Russia in Guerra 1941-1945. Milão, Il Saggiatore, 2011; Edwin Bacon. The Gulag at War. Londres, Macmillan, 1996. 108 nazista (permitindo inclusive a reciclagem de numerosos quadros nazistas na nova ordem). A ação e a autoridade da URSS pesaram para combater a tendência objetiva para a unidade e a revolução operária na Alemanha, que teve inúmeras manifestações: criação de um ―partido dos trabalhadores‖ unindo ex-prisioneiros socialistas e comunistas na Turíngia, em abril de 1945; de um ―partido socialista unificado‖ em Brunswick; de um ―comitê de unidade‖ socialista-comunista no campo de concentração de Buchenwald. Se foram as tropas inglesas as que dissolveram, em Hamburgo, o ―Comitê de Ação‖ socialista-comunista, 51 foi a direção militar soviética a responsável pela dissolução dos Comitês Antifascistas no país todo. A mola-mestra da reconstituição da II Internacional, neste período, foi o SPD alemão. Este conheceu uma grave crise logo após a queda de Hitler e a derrota alemã, quando os resistentes antinazistas do SPD iniciaram uma dinâmica unitária com os comunistas ("Unidade! Nunca mais divisão e luta fratricida'', foram as palavras de ordem lançadas) e outras organizações de esquerda, em que se colocavam as bases de uma frente única operária. Em Turíngia (baluarte histórico do SPD) chegou-se a criar um Partido dos Trabalhadores, unificando socialistas e comunistas. Os Estados Maiores dos exércitos ocupantes intervieram para bloquear essa perspectiva. Ao leste alemão, o SPD consentiu na sua absorção pelo partido stalinista (PC), que criaria as bases do poder burocrático na RDA. No oeste, o SPD foi reorganizado com base na interdição do Partido Comunista Alemão e com participação dos serviços de informações norte- americanos. Sobre essa base foi reconstituída, no Oeste da Alemanha, a socialdemocracia, com a colaboração das tropas de ocupação anglo-americanas, para criar uma peça-chave para a reconstituição do Estado na Alemanha Ocidental: ―Foi no contexto desse medo universal que a estratégia e a tática a serem aplicadas na Alemanha foram decididas em comum entre os imperialistas aliados e a burocracia stalinista, com vistas à destruição de toda possibilidade de uma revolução alemã (...) No plano econômico, isto manifestou-se no infame plano Morgenthau, que propunha o desmembramento da Alemanha, a destruição da sua base econômica e sua ruralização (...) Todos lembram do ditado de (Ilya) Ehrenburg, ‗o único alemão bom é o alemão morto‘, que foi repetido um milhão de vezes pelos meios de comunicação (...) A classificação de todo alemão como pária constituía a política contrarrevolucionária comum para garantir que não haveria revolução alemã. Ainda depois de finda a guerra, continuavam vigentes as ordens que proibiam às tropas aliadas qualquer confraternização com a população alemã (...) Stalin levou adiante uma política deliberada quando, depois da ocupação de uma região alemã, substituia as tropas de assalto por unidades vindas das regiões mais atrasadas (da União Soviética), com as consequentes de pilhagens, violações, assassinatos, etc. A política de capitulação incondicional atingiu seu objetivo, a destruição de toda possibilidade de revolução na Alemanha, uma política em cuja formulação Stalin teve um papel capital‖. 52 Para além dos conflitos localizados, a colaboração da burocracia stalinista com os imperialismos ―aliados‖ foi decisiva para desarmar os elementos da guerra civil com que o segundo conflito mundial culminou em vários países da Europa ocidental, que possuiam um 51 Françoise Foret. La réconstruction du SPD après da 2ème Guerre Mondiale. Le Mouvement Social nº 95, Paris, abril de 1976. 52 Sam Levy. A nouveau sur la politique militaire prolétarienne. Cahiers Léon Trotsky nº 43, Paris, setembro de 1990. 111 Reino Unido e dos EUA em sua vitória na Segunda Guerra Mundial era completa. A conferência estabeleceu uma ordem monetária internacional ―totalmente negociada‖, ―negociação‖, no entanto, realizada sob a presença implícita de exércitos ainda em pé de guerra. Para reconstruir as relações econômicas mundiais enquanto a guerra ainda grassava, 730 delegados de 44 nações se encontraram em New Hampshire para a conferência monetária e financeira das (ainda formalmente inexistentes) Nações Unidas (oficialmente, no entanto, a conferência foi chamada de United Nations Monetary and Financial Conference). Os delegados deliberaram e assinaram o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement), definindo um sistema de regras, instituições e procedimentos para regular a política econômica internacional, criando o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development, ou BIRD) (mais tarde dividido entre o Banco Mundial e o "Banco para investimentos internacionais") e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Essas organizações começaram a funcionar em 1946, depois que um número suficiente de países ratificou o acordo. No mesmo ano, 23 países, denominados ―fundadores‖, iniciaram negociações tarifárias, o que resultou em 45.000 concessões comerciais e alfandegárias. A ―Organização Internacional do Comércio‖ planejada, no entanto, não saiu do papel, e foi substituída em 1947 pelo GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio). O arranjo estabelecido em Bretton Woods refletiu a ascensão dos EUA como potência hegemônica, e o declínio da Inglaterra. Ao final da guerra os EUA foram os grandes vitoriosos não apenas no plano militar, mas principalmente no econômico. Os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - foram derrotados militarmente e terminaram com suas economias arrasadas; os principais países aliados europeus, Inglaterra e França, embora vitoriosos, tiveram como saldo de guerra além dos danos humanos e materiais, forte perda de reservas e endividamento junto aos EUA, decorrentes das compras de armamentos e provisões de guerra. Abria-se uma etapa em que os EUA, no papel de potência hegemônica no mundo ocidental, cumpririam, simultaneamente, o papel de fonte autônoma de demanda efetiva e a função de ―emprestador de última instância‖ ou ―prestamista internacional‖, através da atuação de seu banco central, o Federal Reserve, FED, com o papel de regulador da liquidez internacional do sistema. Exemplo claro foi o empréstimo feito pelos EUA à Inglaterra em dezembro de 1945, US$ 3,75 bilhões, reembolsáveis em cinquenta anos à taxa de juros anual de 2%. Esta operação destinou-se a dar cobertura ao Banco Central inglês, que, exaurido pelo dispêndio militar, teve um crescimento dramático em seu estoque de ativos financeiros estrangeiros em libras esterlinas, que ao longo da guerra passou de 600 milhões para 3,6 bilhões. A Inglaterra não poderia fazer frente a uma conversão desses títulos em libras, moeda forte ou ouro, e portanto não poderia garantir a conversibilidade de sua moeda: não lhe restava alternativa senão recorrer ao crédito norte americano e ceder às suas exigências. Para John Maynard Keynes, a conferência de Bretton Woods pretendia terminar com a "era da mendicância": a sucessão de guerras comerciais, protecionismo, desemprego, hiperinflações e miséria nas décadas de 1920 e de 1930. Na plateia estavam os futuros ministros dos governos militares brasileiros Roberto Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões, o economista Eugenio Gudin e o ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Artur de Souza Costa. O Brasil 112 foi signatário do acordo. A União Soviética também assinou o acordo, mas jamais o ratificou. A Segunda Guerra Mundial foi o método capitalista para encontrar uma saída à depressão econômica mundial da década de 1930, originada na crise de 1929, em termos capitalistas: a destruição das forças produtivas, do potencial produtivo da humanidade. A ordem de pós-guerra começou a ser delineada pela ―Carta do Atlântico‖, esboçada em agosto de 1941 em encontro do presidente norte-americano Roosevelt com o primeiro- ministro britânico Winston Churchill, com vistas a "estabelecer um amplo e permanente sistema de segurança geral". A guerra, porém, concluiu com explosões sociais revolucionárias em vários países, e com o literal afundamento do capitalismo em territórios (Leste europeu, Bálcãs, China) que abrigavam mais de um quinto da população mundial, o que aconteceu no breve lapso de quatro anos (final de 1945 – final de 1949). No carro-chefe da economia mundial capitalista, os EUA, somente após 1942, com a entrada na Segunda Guerra Mundial, o país conseguiu sair de fato da crise da década de 1930. Através de uma economia de guerra, toda a capacidade produtiva foi posta em funcionamento. Os EUA emergiram da Segunda Guerra Mundial como a mais forte economia capitalista do mundo, com rápido crescimento industrial, forte acumulação de capital e alto grau de monopolização. Já no final da Primeira Guerra Mundial, os EUA haviam se tornado o maior credor do mundo e, ao final da década de 1920, o país respondia por mais de 42% da produção industrial global (França, Inglaterra e Alemanha juntas detinham 28%). 60 Condições necessárias para a ulterior supremacia internacional do dólar já existiam: a acumulação nos EUA de uma parte considerável da reserva mundial de ouro, e a unificação da moeda nacional, emitida por uma só autoridade com poder para atuar como ―garantidor de última instância‖. Depois da crise de 1929, no entanto, a única época em que nos EUA houve emprego e ―prosperidade econômica‖ totais foi durante a Segunda Guerra Mundial, pois o socorro do New Deal à indústria fora só emergencial; e em 1939 existiam ainda 9,5 milhões de desempregados nos EUA, ou 17,2% da PEA. Na guerra, por outro lado, os EUA não sofreram destruições em seu território, e enriqueceram vendendo armas e emprestando dinheiro aos países aliados; a produção industrial dos EUA em 1945 era mais do que o dobro da produção anual da década precedente. A guerra mundial obrigara à criação de novas áreas de produção, que exigiram a construção de centenas de novas fábricas, financiadas pelo governo, e vendidas ao final do conflito aos gigantes industriais a preços nominais. Para dirigir o Departamento de Produção de Guerra (War Production Board), sucessor do Escritório de Direção da Produção (Office of Production Management) comandado por William Knudsen, ex presidente da General Motors, Roosevelt nomeou Donald M. Nelson, ex-executivo da Sears 60 Os EUA tinham 15% das reservas mundiais de ouro em 1899. A “fuga de ouro” foi contida com a Gold Standard Act de 1900, que pôs fim ao bimetalismo (o dólar era cotado em ouro e prata), ajustou o dólar com firmeza ao padrão-ouro e obrigou os bancos privados a terem um respaldo nesse metal para a emissão de notas. A quantidade de ouro nas mãos do público triplicou entre 1899 e 1910, como também a do Tesouro. O montante de ouro da reserva mundial correspondente aos EUA passou de 15% a 30%, ao mesmo tempo em que muitos outros países (Áustria-Hungria, Rússia, Japão) adotaram também o padrão-ouro. A participação do ouro em funções monetárias na circulação interna foi gradualmente abolida depois da Primeira Guerra Mundial, proibindo-se, inclusive, o entesouramento privado de ouro monetário, função que se tornou monopólio dos bancos centrais. No padrão ouro-câmbio o ouro foi complementado pelo padrão monetário do país líder como reserva internacional dos demais países, realizando juntamente com o ouro a função de liquidação de saldos internacionais. 113 Roebuck. O general Brehon Somervell, chefe dos Serviços de Fornecimento para as forças armadas (Services of Supply) representava os interesses do mundo financeiro e empresarial: o poder real estava em suas mãos. Durante os anos de guerra, com mais e mais poder e dinheiro, os militares, alguns deles oriundos de grandes corporações, e comissionados durante o conflito, progressivamente passaram a decidir sobre todas as facetas da vida americana. Paulatinamente formou-se um consórcio entre militares e indústria, que passou a utilizar-se dos meios de propaganda de massa para alimentar seus interesses mútuos. No final de 1943 eram produzidos materiais de guerra em quantidade excedente, de tal sorte que se projetou uma redução de produção da ordem de US$ 1 bilhão por mês ao longo de 1944. De julho de 1940 até agosto de 1945, fábricas e estaleiros norte- americanos produziram quase 300.000 aviões, 86.000 tanques, três milhões de metralhadoras, 71.000 navios, além de aço, petróleo e alumínio. O Estado tinha sido decisivo para a constituição de grandes indústrias na produção de armas em grande escala: os dirigentes dessas empresas não eram ―capitalistas típicos‖; o Estado era seu cliente exclusivo; fornecia-lhes o essencial do seu financiamento, e uma parte importante do seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento técnico. Em 1944, o presidente da General Electric propôs uma economia de guerra permanente: deveria existir um contínuo relacionamento entre a indústria e os militares, núcleo de uma futura mobilização geral e a garantia de uma produção militar substancial, a qual, presumia, continuaria no mundo de pós-guerra. Cada produtor importante de material de guerra deveria designar um executivo, com patente de coronel da reserva, para funcionar como elemento de ligação com o Pentágono. Para os industriais norte-americanos, a alternativa seria a preservação do ―Estado Militar‖, garante de lucros sem precedentes. O programa de cooperação proposto em 1944 seria administrado pelo governo federal, pelo presidente e pelos departamentos de Guerra e Marinha, ficando o Congresso só com a missão de votar os fundos necessários. O papel da indústria seria cooperar na parte que lhe competia. Durante a guerra, o balanço do poder interno dos EUA foi deslocado: em 1939, apenas 10% dos funcionários civis federais, cerca de 80 mil pessoas, trabalhavam para agências de segurança nacional. No final da guerra, a administração federal crescera de 800 mil para cerca de quatro milhões de funcionários, dos quais 75% ocupava-se de atividades ligadas aos militares. No pós-guerra a burocracia militar manteve-se intacta, enquanto as relações com a indústria e o meio financeiro foram preservadas e ampliadas, mesmo com a queda do orçamento de defesa ao final do conflito. No final da guerra, os EUA detinham a maioria dos investimentos externos mundiais, da produção manufaturada e das exportações; eles produziam a metade do carvão mundial, 2/3 do petróleo e mais da metade da eletricidade. E, sobretudo, detinham mais de 60% das reservas mundiais de ouro (com valor de US$ 26 bilhões, para um total estimado em US$ 40 bilhões) e a bomba atômica (―exclusividade‖ que foi quebrada pela URSS em 1948). Os EUA estavam em posição de ganhar mais do que qualquer outro país com a liberação do comércio mundial. Mas, como disse então William Clayton, Secretário de Estado dos EUA para Assuntos Econômicos: "Precisamos de mercados - grandes mercados - por todo o mundo, onde podermos comprar e vender". Houve previsões de que a paz traria de volta a depressão e o desemprego devido ao fim da produção bélica e ao retorno dos soldados ao mercado de trabalho, sem falar no ―aumento da inquietude trabalhista‖ (lutas operárias). Os EUA queriam uma ―ordem econômica mundial‖ na qual pudessem penetrar 116 "guerra de posições". O exército de Chiang se desestruturou, e muitos de seus efetivos passam para o EPL. Chiang era totalmente incapaz de pôr fim à corrupção entre seus próprios homens. Em 1948, o EPL passou à ofensiva na Manchúria, no Norte e na China Central. Em janeiro de 1949 entrou vitoriosamente em Pequim, obrigando Chiang a fugir. Em dezembro, Chiang e o que restava de seu governo refugiaram-se na ilha de Formosa (Taiwan). A embaixada da URSS foi a última legação estrangeira a ficar ao seu lado, até o último momento. Em 1° de outubro de 1949 foi proclamada a República Popular da China (RPC). 63 A preocupação essencial das potências ocidentais foi a preservação das estruturas capitalistas nos bastiões históricos (e ainda, em boa medida, econômicos) do capital, na Europa ocidental e suas áreas coloniais. O chamado ―bloco socialista‖, por sua vez, resultou tanto de medidas defensivas da burocracia da URSS contra a ofensiva capitalista em suas ―áreas de influência‖, como do desfecho da luta de classes em países que estavam fora delas (as revoluções na China e nos Bálcãs). Apresentado no Ocidente como monolítico e expansivo, pelas necessidades ideológicas da ―guerra fria‖, o bloco estava, ao contrário, eivado de contradições internas (que se manifestaram inicialmente na ruptura Stalin-Tito, em 1948, e atingiram ponto culminante com a ruptura sino-soviética em 1962, que tornou público um conflito já latente desde a tomada do poder pelo Partido Comunista Chinês, em 1949). No Japão, com o Estado controlado pela sua força militar de ocupação, os EUA promoveram uma ―revolução capitalista‖, reforma agrária incluída, para eliminar o poder da ―classe feudal‖ responsável pelo militarismo japonês. As relações trabalhistas foram mudadas com o esmagamento do movimento operário no período do "expurgo vermelho" do pós-guerra, do que com uma (mal) suposta "docilidade natural" do operário japonês. A base da acumulação do capitalismo japonês de pós-guerra foi a derrota do movimento operário independente, para o qual contribuiu a ocupação do país, depois das bombas atômicas de Hiroxima e Nagasaki, e a integração dos sindicatos ao Estado e à própria empresa capitalista. O controle das relações de trabalho foi mantido no interior das empresas, graças à repressão ao movimento sindical independente, que o governo japonês impôs na primeira metade dos anos 1950, garantindo a elas a construção própria das relações de trabalho. Os sindicatos domesticados se integraram cada vez mais na estrutura supervisora da empresa, convertendo-se em sócios do capital e cooperando com a iniciativa privada no esforço de competir nos mercados internacionais. A participação sindical na gestão empresarial foi o aspecto decisivo, subordinando as mudanças nos processos de trabalho. Os socialistas (PSJ) se achavam divididos em quatro facções, que se uniram em 1945. Em 1947-1948 o PSJ participou de um gabinete de coalizão; pela primeira vez na história japonesa um socialista, Katayama Tetsu, foi primeiro-ministro. Mas o governo caiu, em meio a escândalos financeiros. Os partidos conservadores foram os principais beneficiários do novo meio rural. A nova classe média camponesa constituiu a clientela política do partido da ―nova direita‖, o PLD (Partido Liberal Democrático). Na indústria esboçou-se um plano para destruir 1200 companhias, os maiores zaibatsu. Isto favoreceu o aparecimento de novos empresários, como os fundadores da Sony e da Matsushita. E, nas 63 Enrica Collotti Pischel. Storia dell’Asia orientale 1850-1949. Roma, Carocci, 2004. 117 eleições de 1949, o Partido Comunista japonês obteve, pela primeira vez, mais de três milhões de votos. O Japão vivia uma situação pré-revolucionária, em que as reivindicações estritamente sindicais foram superadas pela luta pelo controle operário da indústria e da produção. O jornal Yomiuri, a Mitsui e a Toshiba foram ocupados pelos trabalhadores. 64 Os movimentos operários e estudantis lançaram reivindicações políticas (contra a ocupação da Coreia do Sul pelos EUA, contra o Tratado de Defesa Mútua EUA-Japão). A burguesia japonesa tentou recuperar o poder, matando o movimento operário na fábrica. Os operários rejeitavam o aumento dos ritmos de produção, as horas extras obrigatórias e a rotatividade do trabalho. Era a primeira tentativa de ―racionalização‖ fabril, que levaria ao ―toyotismo‖. A campanha de racionalização atingiu seu ponto culminante durante a recessão posterior ao fim da guerra da Coreia (na qual o Japão foi o maior fornecedor dos EUA). Nas siderúrgicas, o fabricante de armas japonês Nippon Steel (Nikko) demitiu mil operários, desencadeando forte resistência dos trabalhadores, mas a patronal dividiu o sindicato e desmantelou a greve. Foi contra essas lutas que as autoridades de ocupação lançaram o ―expurgo vermelho‖, que pôs na ilegalidade o PCJ e demitiu 50 mil operários, na sua maioria ativistas sindicais. A operação estendeu-se a muitos outros âmbitos da vida social, e teve o apoio do Partido Socialista (PSJ). Na década de 1960, um empregado japonês trabalhava 2150 horas anuais, contra uma média de 1650 no restante do mundo capitalista. Na Inglaterra, o Labour Party, em 1940, depois da derrota da França e da queda de Chamberlain, havia ingressado no gabinete de Churchill, onde alentou consideráveis reformas sociais. O Plano Beveridge foi elaborado em 1942 sob a égide do trabalhista Ernest Bevin; a reforma democrática do sistema de ensino começou em 1944 com a Education Bill. Após o término da guerra, o Labour Party rompeu a sua coligação com Churchill e os conservadores. Nas eleições parlamentares de 5 de julho de 1945 conquistou uma vitória espetacular, com quase 12 milhões de votos, passando a dispor, pela primeira vez na história, de uma maioria absoluta no Parlamento. O governo de Clement Attlee introduziu reformas de política social, como o serviço público de saúde sem caráter de seguro privado. Em abril de 1949, Inglaterra ingressou na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), no que foi chamado pelo ministro do Exterior, Devin, como "resolute acceptance of American leadership" ("decidida aceitação da liderança americana"). Não foi a menor das ironias que o Portugal fascista de Salazar figurasse entre os fundadores desse Pacto que, segundo o seu Preâmbulo, deveria servir à "defesa dos princípios da democracia". O governo trabalhista aceitou o triunfo da revolução chinesa e reconheceu a República Popular da China. Nas eleições para a Câmara dos Comuns de 1950, o Labour Party conseguiu aumentar o seu número de votos para 13,3 milhões. A Europa renunciava, depois da guerra mundial, a toda pretensão de liderança política mundial, mas buscaria recuperar, na economia, o terreno perdido na arena bélica. Os projetos de unidade europeia nasceram desse objetivo, já formulado desde os primórdios do segundo pós-guerra. A Carta das Nações Unidas foi assinada um ano depois dos acordos de Bretton Woods, em 26 de junho de 1945, e entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. O termo ―Nações Unidas‖ já aparecia na "Declaração das Nações Unidas" de 1º de janeiro de 64 Joe Moore. Japanese Workers and the Struggle for Power. Madison, University of Wisconsin, 1983. 118 1942, em que 26 nações se engajavam a continuar juntas a guerra contra as potências do Eixo. A ONU foi fruto dos acordos entre a URSS e as potências capitalistas vitoriosas na Segunda Guerra Mundial, que compreendiam a divisão do mundo em ―esferas de influência‖. Declarava-se ―baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros‖, sendo, na verdade, dirigida por um pequeno grupo deles que dispunha do direito de veto no Conselho de Segurança, possuindo o comando da organização. Na criação da ONU, Alemanha e Japão não participaram, pois estavam ainda em guerra contra os aliados. 65 A URSS, por sua vez, embora participante da ONU, recusou o seu ingresso no FMI ou no BIRD. Em 1947, por outro lado, a União Soviética fez os testes de sua primeira bomba atômica. Este fato marcou o antagonismo crescente que resultou na ―guerra fria‖ e na corrida armamentista baseada no poder nuclear. Nos EUA, o episódio central da ―caçada à esquerda‖, nas fábricas e sindicatos, durante a Segunda Guerra Mundial, foi o prelúdio da ofensiva geral contra a esquerda característica do período ―maccarthysta‖ da guerra fria. Ao castrar a combatividade sindical e eliminar os núcleos revolucionários (os trotskistas, por exemplo, que tinham conquistado posições dirigentes no importante sindicato dos teamsters, os caminhoneiros, e no movimento de desempregados, na década de 1930, foram objeto de prisões e de um processo judicial por ―traição ao país‖, em 1941) a burguesia norte-americana removeu o obstáculo central para exercer o papel de potência hegemônica do imperialismo capitalista e, finalmente, de polícia mundial, nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial. A intervenção estatal se tornou um imperativo para a reconstrução do capitalismo europeu, que era decisiva para os EUA. Para os EUA, a guerra mundial fora o grande ativador econômico; os demais países em guerra converteram-se de exportadores para importadores de mercadorias e de capital. O parque industrial militar virou fator decisivo para a realização da mais-valia. O monopólio da emissão de uma moeda de aceitação mundial, como determinado em Bretton Woods, foi fundamental para o financiamento da expansão capitalista. As pesquisas feitas com dinheiro público para garantir a defesa nacional, foram transformadas em elementos da reestruturação produtiva (energia nuclear, aviação, telecomunicação, computação): as inovações surgidas nos centros de pesquisas militares acabaram transformadas em bens industriais produzidos pelos monopólios privados. Com uma nova recessão nos EUA, em 1947 (que fez muitos temerem a repetição do craque de 1929), houve uma nova expansão do complexo industrial-militar, sob justificativa de defesa do ―mundo livre‖ (logo depois os EUA entraram, sob cobertura da ONU, na guerra da Coreia: os Estados Unidos ocuparam a Coreia do Sul, e lá se mantiveram durante mais de cinquenta anos, cobertos por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Mais de quatro milhões de coreanos morreram na Guerra da Coreia durante os anos 1950-1953). 66 A 65 A 25 de abril de l945 realizou-se, na cidade de São Francisco (EUA), a conferência com representantes de cinquenta nações em guerra contra as potências do eixo, que criou a Organização das Nações Unidas (ONU). Nas palavras do Secretário de Estado dos EUA, Cordell Hull, “já não haverá necessidade de esferas de influência, de alianças, de balanças de poder ou de nenhum outro acordo especial que, durante um passado infeliz, as nações requereram para salvaguardar a sua segurança”. Em dezembro de 1948 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que contém trinta artigos e é precedida de um preâmbulo que proclama os direitos fundamentais, isto é, que, em teoria, os governos, os Estados, ou a própria ONU, não teriam legitimidade para retirá-los de qualquer indivíduo. Em 1948, também, a ONU resolveu em favor da fundação do Estado de Israel, sancionando de fato a expulsão dos povos árabes que habitavam a Palestina. 66 Steven Hugh Lee. La Guerra di Corea. Bolonha, Il Mulino, 2007. 121 Fritz Sternberg. El Imperialismo. México, Siglo XXI, 1978. G. A Deborin. Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Fulgor, 1966. Gerhard L. Weinberg. A Global History of World War II. Nova York, Cambridge University Press, 1993. Giorgio Vaccarino. Storia della Resistenza in Europa 1938-1945. Milão, Feltrinelli, 1981. Grégoire Madjarian. Conflits, Pouvoirs et Societé à la Libération. Paris, UGE, 1980. Guilherme Olympio. União Soviética & USA. Rio de Janeiro, Prado, 1955. Heitor B. Caillaraux. Hiroshima 45. O grande golpe. Rio de Janeiro, Lucerna, 2005. Henri Michel. La Seconda Guerra Mondiale. Roma, Newton & Compton, 1995. Joe Moore. Japanese Workers and the Struggle for Power. Madison, University of Wisconsin, 1983. John Lewis Gaddis. 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