Baixe Segunda Guerra Mundial e outras Resumos em PDF para História, somente na Docsity! A Batalha da Inglaterra Tanto... a tão poucos Os caças britânicos penetravam repetidamente nas densas formações de bombardeiros alemães, apesar das enormes escoltas. Seis Hurricanes contra setenta Dorniers; doze Spitfires contra cem Heinkels. Transcorria o verão de 1940 e os “poucos”, um galhardo grupo de 3 pilotos de caça, eram o que havia para impedir a derrota da Grã-Bretanha e do mundo livre. Pleno verão, 1940 No encerramento do seu mais famoso discurso de tempo de guerra, Churchill usou as seguintes palavras: “A Batalha da França está terminada... A da Inglaterra está prestes a começar. Dela depende a sobrevivência da civilização cristã. Dela dependem o nosso modo de vida e a continuidade das nossas instituições e do nosso Império”. Estas palavras continham um elemento de verdade histórica normalmente não encontrado nos discursos públicos tão claramente expresso. No fim do verão de 1940, somente a Inglaterra desafiava ainda o poderio alemão e rejeitava a filosofia nazista - porque, de todas as potências que haviam tomado as armas contra Hitler, somente ela permanecia inconquistada. Além da Inglaterra, apenas a Rússia e Estados Unidos podiam oferecer resistência física à Alemanha nazista, mas a cegueira de seus governantes não lhes permitia ver o espantalho da enorme ameaça à soberania dos povos que Hitler levantara. Foi, portanto, verdadeiramente vital para a liberdade do mundo a heróica resistência que a Inglaterra opôs ao furor nazista no momento em que ele subia ao auge. Naqueles longos dias de verão de 1940, em plena batalha da Inglaterra muitos e muitos jovens, atendendo aos apelos de Churchill, deram, como Edward Bishop narra e forma tão vívida, muito sangue e muito suor para que também ali não descesse a noite da civilização. Num dos subúrbios londrinos, um piloto de caça da RAF que abandonara o avião, por haver sido atingido, foi entusiasticamente beijado por todo o pessoal da lavanderia onde caiu, enquanto que, na costa, a policia local teve de lutar para que pilotos da Luftwaffe que haviam sido derrubados não fossem linchados pelas peixeiras. Estes elementos estavam presentes no momento em que se desenrolava o período de grande adversidade para o povo britânico. Por trás deles, porém, o esforço industrial que colocou nos céus o Spitfire, para o que muito contribuíram a iniciativa de Lady Houston e a inventiva que fez surgir o radar. As guerras sempre foram decididas mais pela qualidade das armas e do equipamento do que o reconhece o sentimento popular, e quanto mais industrializado se tem tornado o mundo, maior o fator desempenhado pela habilidade técnica em comparação com as antigas virtudes da bravura e da força. O livro de Edward Bishop também ilustra este aspecto de maneira brilhante: a Batalha da Inglaterra foi finalmente vencida pela capacidade de subir bem alto e depressa, de disparar com boa pontaria e, mais importante ainda, de estar no lugar certo na hora certa. A queda da França Para Berlim, era quase inacreditável. A França, o velho inimigo, caíra ante o exército e à Luftwaffe. Holanda e Bélgica haviam sido invadidas, a Dinamarca fora ocupada e a Noruega, derrotada depois de luta breve e implacável, enquanto que, no Leste, há pouco menos de um ano o até então vitorioso exército germânico havia, conquistado em poucos dias a Polônia, levantado forte trincheira contra Moscou. Tudo tão fácil, uma autêntica “barbada” para os alemães, tanto que, ao chegar o verão de 1940 à Europa, era razoável que o povo alemão esperasse que a Inglaterra procurasse a paz segundo os termos ditados por Berlim. Certo que, ao firmar o armistício com o velho Marechal Pétain, em fins de 1940, Adolf Hitler, o idolatrado Fuhrer, deus aos alemães razões de sobra para esperar milagres. Ao levar os derrotados franceses à floresta de Compiégne, ao mesmo vagão em que a França, em 1918, obrigara a Alemanha a depor as armas, Adolf Hitler, procedendo de acordo com o sentido que abrigava, conferia ao ato o colorido de vingança a que, segundo afirmava, tinha direito o povo germânico. Ali, Adolf Hitler, mais poderoso na Europa continental do que Napoleão no auge do sucesso, desceu risonho, do trem que o levou ao local, seguido de seus feldmarechais. Gozava o ex-cabo, ao derrotar a França, o prazer de ser vitorioso onde o Keiser e todo os seu brilhante Estado-Maior haviam falhado. Era uma vingança gloriosa, após anos de luta e prisão, pois Hitler retornara da Primeira Guerra decidido a vingar o Tratado de Versalhes e os termos impostos à Alemanha pelos vencedores de 1914-1918. que havia criado. Vaidoso da sua folha de serviços como piloto de caça, com 22 vitórias creditadas na Primeira Guerra, Goering deu prosperidade à nova arma aérea como Ministro da Aeronáutica da Alemanha, após a subida de Hitler ao poder, em 1933. Contudo, o verdadeiro trabalho de base fora feito anteriormente, pelos profissionais do exército, entre os quais se encontravam os Feldmarechais Kesselring e Sperrle e o general Stumpf, e os líderes da Luftwaffe que estavam enfrentado a Inglaterra no comando das Frotas Aéreas 2, 3 e 5. Explorando uma saída no Tratado de Versalhes, os generais alemães, antes mesmo que os nazistas subissem ao poder, haviam forjado sua grande arma de guerra, o que aliás não fora difícil. Embora tivessem destruído o Corpo Aéreo Alemão da Primeira Guerra Mundial, os Aliados não haviam conseguido regulamentar o futuro da aviação civil alemã. Tendo recebido permissão para manter uma organização de defesa nos termos do Tratado, a Alemanha confiou o alto comando do exército ao general von Seeckt, que, através da estreita ligação que manteve com a aviação civil, lançou as bases da Luftwaffe em 1921 - ajudado pelos jovens Kesselring, Sperrle e Stumpf. Outros que tinham subido ao poder com os comandantes da frota aérea, e que agora se encontravam montados confortavelmente no êxito-relâmpago da Luftwaffe, também colaboraram. Entre outros que ocupavam postos elevados no comando da Luftwaffe estavam Erhard Milch, até pouco antes membro da linha aérea civil, a “Lufthansa”, e que em 1940 era Subcomandante-Chefe da Luftwaffe; Ernst Udet, Chefe de Equipamento, e Hans Jeschonnek, Chefe do Estado-Maior Geral da Luftwaffe. Além disso, os fabricantes alemães de aviões não haviam perdido tempo diante das oportunidades que surgiram nos anos entre as duas guerras. O resultado disso, foi que, no verão de 1940, os aviões Dornier, Junkers, Heinkel e Messershmitt que estavam prontos para conquistar a Inglaterra deviam sua existência aos soldados e industriais que há 21 anos vinham preparando este ato de vingança. Já em 1928, habilmente instalada na Suécia, a companhia Junkers construiu um bombardeiro de mergulho, o precursor do Stuka, o Ju 87. Por volta de 1935, um protótipo do Ju 87 estava voando na Alemanha - registrando uma trepidação de cauda - acionado por um motor Kestrel, da Rolls-Royce, a famosa companhia britânica de automóveis. Em 1933, Ernst Udet fazia experiências com um par de bombardeiros de mergulho Curtiss Hawk que adquirira aos Estados Unidos. O desenvolvimento dos caças também não ficou parado, pois já em 1935 um Me 109 punha à prova as suas qualidades, também acionado por um motor Kestrel, inglês. Os líderes da frota aérea e seus aviões não eram, porém, os únicos produtos do rearmamento secreto alemão; os comandantes em níveis mais baixos e muitos dos que estavam prestes a decolar para o ataque à Inglaterra haviam sido adestrados em campos e aeródromos desconhecidos dos Aliados. A partir de 1924, oficiais escolhidos eram despachados para uma escola de treinamento de pilotos situada na Rússia, em Lipetz, e muitos dos que viriam a ocupar comandos importantes durante a Batalha da Inglaterra, em 1940, passaram por Lipetz como civis. Outros, usando uniforme italiano, haviam treinado na Itália por cortesia do ditador Benito Mussolini. Em 1926, por instigação de von Seeckt, criara-se a Lufthansa como linha aérea estatal, sob a direção de Erhard Milch, herói da aviação de guerra de 1914-18. Em 1940, Milch era general e estava bastante desapontado com o fato de a Luftwaffe ter sido refreada desde a evacuação de Dunquerque. A futura força aérea alemã, estimulada por von Steeckt, encontrou na Lufthansa um campo de treinamento de primeira classe. As tripulações das aeronaves da empresa tendo em vista os objetivos daqueles que inspiraram a sua criação, somaram a seus deveres civis a instrução militar. Somente em 1935 é que a Luftwaffe finalmente se revelou, sob o comando de Goering, Milch e outros camaradas da Primeira Guerra, como a mais poderosa força aérea da Europa, e pronta para testar homens e máquinas em apoio à insurreição de Franco contra o governo republicano espanhol. Foi uma prova bem sucedida. Na Espanha, unidades da Luftwaffe comandadas por Hugo Sperrle e Wolfram von Richthofen, primo do famoso às de caça da Primeira Guerra, compensavam a escassez de artilharia de Franco. Ali, os bombardeiros de mergulho Ju 87, Stuka, de von Richthofen, ensaiaram o cerrado apoio tático aos ataques e à infantaria que produziu a aterradora Blitzkrieg - e colocou as Frotas Aéreas 2 e 3 a poucos minutos de vôo dos aeródromos de linha de frente da Inglaterra. Também na Espanha, pilotos da Luftwaffe que estavam destinados à futura liderança, entre os quais Adolf Galland e Werner Molders, que não demorariam a tornar-se figuras lendárias, ganharam experiência de combate. Como parte dos esquadrões “Condor”, das Alemanha, eles se aperfeiçoaram nas operações de apoio cerrado ao exército que subseqüentemente conduziram às vitórias alemães de 1939 e 1940, na Polônia e na França. A Luftwaffe aproveitou ao máximo as oportunidades de treinamento que teve nos céus da Espanha, revezando voluntários inexperientes com “veteranos” da guerra civil, para difundir a experiência por toda a arma. Tomando por base as possibilidades da força que tinha sob comando, Goering considerava um desperdício de tempo e reforço o trabalho de planejamento da invasão da Inglaterra. Na sua opinião, os 800 caças Me 109, os 300 caças-destróiers bimotores de longo alcance Me 110, os 400 bombardeiros de mergulho Ju 87 e os 1.500 bombardeiros Dornier, Heinkel e Junkers tornavam redundante o planejamento da invasão. Em Karinhall, aumentando impaciente a velocidade do trenzinho de brinquedo com que se divertia em casa, o Comandante-Chefe da Luftwaffe desejava sinceramente que ele fosse o trem especial que o levaria à costa do Canal da Mancha para testemunhar o fim da Inglaterra. Todavia, Hitler não conseguia persuadir-se a dar o passo irrevogável enquanto fosse possível a paz sem conquista. A 16 de julho, duas semanas antes de ordenar a feitura de um plano provisório para a invasão, ele emitiu a Diretiva 16, detalhando alguns pontos da operação: “Como a Inglaterra, apesar de sua desesperada situação militar, ainda não demonstra disposição de chegar a um acordo, decidi preparar, e, se for necessário, executar, uma operação de desembarque contra ela. O objetivo dessa operação é eliminá-la como base de onde possam vir a dar prosseguimento à guerra contra a Alemanha e, se necessário, ocupar completamente o país”. O documento não fixava data. A invasão ainda era, apenas, uma questão de planejamento de contingência. Enquanto o exército, a marinha e a força aérea, seguindo as ordens de Hitler, faziam seus preparativos, o povo alemão não podia crer que a Inglaterra fosse tão imprudente a ponto de provocar uma invasão. Os jornais de Berlim estavam quase certos de que a guerra terminara. “A Inglaterra está à beira de uma decisão”, declarou o vespertino Nachtausgabe. “Existe apenas uma leve possibilidade de vir a Inglaterra a oferecer qualquer resistência militar... O povo britânico está positivamente temeroso dos próximos acontecimentos militares e políticos”. Bandeiras de vitória, música de vitória e alegria de vitória - o Fuhrer relaxara suas restrições à realização de bailes às quartas-feiras e sábados - tudo isso ocorria para dar ao povo a sensação de que tudo razoável a rede de defesa contra ataques aéreos - mesmo depois da queda da França. Na verdade, se não fosse a inventiva pessoal, a filantropia particular, o espírito público e a capacidade empresarial de vários indivíduos e companhias fabricantes de aviões, a RAF não teria sido equipada com quaisquer aparelhos que pudessem competir com a Luftwaffe, como os caças Spitfire e Hurricanes. Em 1936, quando a Luftwaffe já estava preparando seus novos Do 17, He 111, Ju 87 e Me 109, os modernos monoplanos, submetidos à prova um ano mais tarde, na guerra civil espanhola, Londres era protegida por biplanos. Num exercício realizado em 1936 para a defesa dos principais aeródromos de caças de Londres, Biggin Hill, Hornchurch e North Weald, o Comando de Caças da RAF reunira três esquadrões de Bristol Bulldogs, quatro de Hawk Ruries e um de Gloster Gauntlets, Quando Neville Chamberlain retornou de Munique, no outono de 1938, dos 30 esquadrões de caça operacionais, apenas um estava equipado com Spitfires e 5 reequipados com Hurricanes. Se, nos anos inquietos que precederam a deflagração da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe contava com dedicados servidores, homens com experiência como o seu Comandante-Chefe, Hermann Goering, adquirida nos combates de 1914-18, a RAF também tinha seus líderes do Real Corpo de Aviação do passado. A diferença é que oficiais como o Marechal-do-Ar Sir Hugh Dowding chefe de pesquisa e desenvolvimento no período crítico do começo até meados dos anos 30, tiveram pela frente líderes políticos que não se estavam preparando para a guerra. Carecendo de entusiasmo governamental e de generosidade financeira, Dowding e seus colegas estavam em desvantagem em relação aos seus equivalentes da Luftwaffe. Apesar disto, ainda que os protótipos dos caças Spitfire e Hurricane só fossem encomendados em 1934 e 1935, respectivamente, a liderança da RAF britânica não se manteve ociosa, mas a evolução do Spitfire e do Hurricane se devia tanto a uma série de incidentes românticos e gestos corajosos quanto ao planejamento da defesa. Uma história realmente estranha. Em 1927 e 1929, enquanto as sementes da Luftwaffe estavam sendo plantadas às ocultas, a RAF conquistara o “Troféu Schneider”, o cobiçado prêmio de uma corrida internacional de hidraviões bienalmente disputada. Uma terceira vitória conquistada em 1931, daria à Inglaterra a posse definitiva do troféu. Mas, por motivos econômicos, o governo britânico não deu à RAF as condições de competir. Portanto, parecia que a RAF teria de se conformar em ver os Estados Unidos ou, talvez, a Itália lhe arrebatar o troféu. Foi então que a rica e excêntrica Lady Houston ofereceu 50.000 libras esterlinas para cobrir as despesas com a participação dos britânicos. O governo cedeu envergonhadamente e a RAF, montada num avião que seria o pai de todos os Spitfires, venceu a corrida e conservou o troféu. Os marechais-do-ar aproveitaram a oportunidade e fizeram pedidos de dois protótipos distintos de caças, segundo especificações relacionadas com a experiência adquirida nessa disputa. Era uma corrida contra o tempo. O avião que conquistara o “Troféu Schneider” em 1931 havia saído da prancheta de desenho de R.J. Mitchell, projetista-chefe da Companhia Supermarine, e Mitchel estava morrendo. Em férias na Alemanha, após uma intervenção cirúrgica séria, Mitchell conhecera entusiastas alemães da aviação e voltara cheio de presságios sobre o futuro. Ele sabia que estava trabalhando contra o relógio por dois motivos, suas ruins condições de saúde e o rearmamento da Alemanha. Em sua ansiedade, Mitchell trabalhava em dois aparelhos - o primeiro dentro das especificações restritivas e retrógradas do governo, e o segundo, o verdadeiro Spitfire, para realizar a sua visão e da Companhia Supermarine do que deveria ser um caça moderno. Reginald Mitchell morreu em 1937, aos 42 anos de idade, pouco depois que os primeiros Spitfires produzidos começaram a voar. Sydney Camm, da Hawker, criou o Hurricane. Camm sentia-se feliz em fugir aos biplanos, cujo valor ele há muito vinha discutindo com a Força Aérea, que ainda estava influenciada pelo relatório de uma comissão de 1912, que decidira que os monoplanos eram perigosos. Considerando-se que trabalharam contra o tempo, é extraordinário como Mitchell e Camm reduziram a vantagem da Alemanha. Afinal de contas, eles estavam enfrentando novos problemas, do princípio ao fim, problemas que diziam respeito à era do monoplano e dos seus refinamentos, incluindo trens de aterrissagem escamoteáveis e os novos aparelhos para auxiliar o vôo, como o rádio e os instrumentos de carlinga para vôo cego. Além disso, estavam também ingressando numa nova era de motores aéreos, com a substituição do Kestrel, tão intensamente experimentado na Alemanha, pelo magnífico Merlin da Rolls-Royce. Havia igualmente o problema da compatibilização dos armamentos com a velocidade dos caças modernos, o aparecimento, com o Spitfire e o Hurricane, do caça com 8 metralhadoras. Do lado do crédito, contudo, tiveram o conforto, Mitchell e Camm, de se verem ardorosamente apoiados pelas respectivas companhias durante todo o período de trabalho que realizaram no sentido de avançar vários anos de pesquisa. Na Supermarine, uma subsidiária da Vickers Aviation, o presidente da companhia associada da Vickers, Sir Robert Mclean, protegeu Mitchell da interferência governamental, especialmente porque ele estava construindo secretamente o verdadeiro caça, o que o governo não havia encomendado. Surgiram outros aviões quando iminente a batalha, como esta narrativa mostrará - o bombardeiro Blenheim, por exemplo, lamentavelmente destacado para o papel de caça, e o obsoleto biplano Gladiator, muito superados pelos dois astros notáveis da Batalha da Inglaterra, o Spitfire e o Hurricane. Para imenso alívio da Força Aérea, os protótipos dos dois novos caças revelaram grandes realidades logo em seus vôos inaugurais - o Hurricane a 6 de novembro de 1935, e o Spitfire a 5 de maio de 1936. Por volta de dezembro de 1937, o Uricana estava entrando em serviço em esquadrões, mas os primeiros Spitfires só se tornaram disponíveis para vôo operacional em junho de 1938. Gradativamente, os novos Hurricanes e Spitfires substituíram os obsoletos biplanos Gauntlet e Gladiator, que protegiam a Inglaterra mas não eram adversários para os modernos caças e bombardeiros da Luftwaffe. À medida que a velha-guarda entregava os esquadrões um após outro, quem se sentia cada vez mais aliviado e satisfeito era Dowding que, no verão de 1936, fora transferido da pesquisa e desenvolvimento para criar e dirigir, como Comandante-Chefe, uma organização de defesa digna dos novos aviões, o novo Comando de caça da RAF. Toda a defesa aérea do país passou à responsabilidade de Dowding. Além dos esquadrões de caça da RAF, o Comandante- Chefe do Comando de Caças exercia o controle operacional do Comando Antiaéreo, do Comando de Balões e do Corpo de Observadores - mais tarde chamado Real Corpo de Observadores. As frustrações de Dowding com o equipamento da RAF eram muitas e irritantes, enquanto se esforçava por dotar a Inglaterra de um sistema eficiente de defesa. No começo, quando o Marechal-do-Ar de 54 anos de idade, se deslocou para o QG Bentley Priory, uma histórica mansão situada em Stanmore, nos arredores norte de Londres, teve de lutar contra uma política derrotista. Em 1932, Stanley Baldwin declarou: “O Entre os consultores científicos da RAF encontrava-se Robert Watson-Watt, que criara um meio de localizar trovoadas pelo rádio. Ele, que fizera ondas de rádio saltar das tempestades e da ionosfera, conseguiu também que elas saltassem de aviões distantes. Acontece que os primeiros experimentos de Watson-Watt foram feitos quando Dowding era responsável pela pesquisa e desenvolvimento para a Força Aérea. Assim, quando Dowding se mudou para o recém-criado Comando de caças, ele ajudou a implantar a cadeia de torres de 150m de altura que estavam sendo construídas nas costas leste e sul da Inglaterra. Justificadamente, a Luftwaffe, que realizava pesquisas no campo da detecção de aviões a longa distância, estava cheia de curiosidade a respeito das misteriosas torres. Desconfiando de que o aparecimento dessas torres estivesse relacionado com idêntica atividade, a Luftwaffe procurou investigar. Audaciosamente, o General Wolfrang Martini, chefe de comunicações da Luftwaffe, convencera Hermann Goering a repor no serviço ativo o aposentado dirigível “Graff Zepellin” como laboratório aéreo. A idéia era aceitável, porque nenhum dos aviões existentes poderia proporcionar os elementos essenciais ao reconhecimento que pretendia fazer, que eram o raio de ação, o espaço e a maneabilidade que lhe permitissem parar, olhar e ouvir. Apesar disso, a espionagem fracassou. O dirigível fez vários cruzeiros pela costa da Inglaterra, mas seu complicado equipamento não funcionou de maneira adequada e, depois de uma última tentativa, feita em agosto de 1939, a Luftwaffe abandonou o trabalho de reconhecimento. Preocupada com seu importante papel na invasão da Polônia, Noruega, Dinamarca, França, Holanda e Bélgica, a Luftwaffe de desinteressou das torres de radar britânicas. Excessivamente confiante por causa das vitórias continentais que colher e na expectativa de vir proximamente a ditar os termos de paz com a Inglaterra, ou, na pior das hipóteses, outra conquista rápida, a Luftwaffe não deu muita atenção à rede de radar de Dowding na avaliação que fez das possibilidades de sobrevivência da Inglaterra após a queda da França. A confiança da Luftwaffe, em última análise insensata, parecia bastante lógica no começo do verão de 1940. A RAF sofrera seriamente na França e, segundo Goering imaginava, não estava em condições de se reequipar e defender a Inglaterra contra ataques aéreos contínuos. Mas a Luftwaffe ainda não se sentia familiarizado com o espírito de “bulldog” de Churchill, nem tinha conhecimento das providências tomadas pelo velho guerreiro para salvar os caças existentes e para que fossem construídos novos aparelhos enquanto a França estava caindo. Para acelerar a produção de Spitfires e Hurricanes, o Primeiro- Ministro recrutou o que chamou de “a energia vital e vibrante” de Lorde Beaverbrook, o proprietário, canadense de nascimento, do jornal Daily Express, nomeando-o Ministro da Produção Aeronáutica. Para conservar os Spitfires e Hurricanes, o Primeiro-Ministro proibiu a saída de reforços da RAF para a França. A medida, tomada na oportunidade em que a França agonizava, talvez tenha sido a mais pesarosa decisão de Churchill em toda a sua longa e aventurosa existência. Sem o comparecimento dramático de Dowding a uma reunião do Gabinete de Guerra, é de duvidar que Churchill a tivesse autorizado. Estarrecido com a volumosa perda de caças da RAF na França - 250 Hurricanes entre 8 e 18 de maio - Dowding solicitou permissão para comparecer perante Churchill e seus Ministros. A 13 de maio ordenaram-lhe que enviasse mais 32 Hurricanes ao outro lado do canal, e a 14 de maio entrou em cogitação a possibilidade de serem transferidos mais 10 esquadrões, ou 120 Hurricanes, após um pedido urgente do Primeiro-Ministro francês, Paul Reynaud. Dowding não estava só em suas preocupações a respeito da situação. Os chefes de Estado-Maior da Marinha Real, do Exército Britânico e da RAF comunicaram ao Primeiro-Ministro, sob o agourento título de Estratégia Britânica Numa Eventualiade Certa: “Enquanto nossa força aérea existir, a Marinha e Força Aérea, juntas, deveriam ser capazes de impedir que a Alemanha leve a cabo a invasão. Na eventualidade de vir a Alemanha a conquistar a superioridade aérea absoluta, a Marinha poderia impedir a invasão por algum tempo, não por um período indefinido. Nessas circunstâncias, nossas forças de terra serão insuficientes para conter as forças de invasão. O ponto crucial da questão é a superioridade aérea. Uma vez que a Alemanha a tenha conseguido, poderá tentar subjugar o país apenas pelo ar. Teremos que ser capazes de infligir, diariamente, baixas ao inimigo que o impeçam de produzir castigos que nos seja impossível suportar, embora não se possa garantir que nossos grandes centros industriais não venham a sofrer danos sérios provocados por ataques noturnos. Se o inimigo realizar ataques noturnos contra nossa indústria aeronáutica, é provável que possa provocar a paralisação de todo o trabalho”. “Enquanto nossa Força Aérea existir...” Tudo se apoiava nessa frase. Dowding não podia ficar de lado e permitir que suas pequenas poupanças, apenas 39 esquadrões de Spitfires e Hurricanes, fossem esbanjadas no que era obviamente uma causa perdida. Com menos de 1.300 pilotos - cerca de 150 abaixo dos efetivos - ele também tinha de preservá-los. A 15 de maio, o marechal-de-Ar entrou na sala do gabinete; colocando um gráfico explanatório sobre a mesa, Dowding disse ao Primeiro-Ministro: “Se a taxa atual de baixas se mantiver por mais uma quinzena, não teremos um único Hurricane na França, ou neste país”. Os Spitfires não foram mencionados; eram tão preciosos que, depois da evacuação do exército britânico de Dunquerque, não se pensava em deixar sair da Inglaterra um Spitfire sequer. A 19 de maio, Churchill determinou que nenhum outro esquadrão de caças fosse para a frança, exceto para dar cobertura à evacuação. A resposta de Churchill ao apelo de Dowding permitiu ao Comando de Caças ajudar a Inglaterra a realizar a evacuação de Dunquerque, entre 26 de maio e 4 de junho. Mesmo assim, Dowding perdeu mais de 430 Spitfires e Hurricanes entre 10 de maio de a retirada de Dunquerque. As perguntas que todos faziam eram sobre o tempo de hesitação de Hitler e se a nomeação de Beaverbrook como Ministro da Produção Aeronáutica demoraria muito a dar resultados. Felizmente para a Inglaterra, enquanto Hitler dizia a von Rundstedt, na França, “que faria a paz com a Inglaterra e lhe ofereceria uma aliança. A Alemanha dominará a Europa e a Inglaterra, o mundo exterior”, Beaverbrook punha a sua varinha de condão sobre as fábricas de caças. Seus expedientes, ainda que pouco ortodoxos, eram divulgados pelo seu próprio jornal, e faziam bem ao moral do povo. Pouco antes de assumir o ministério, Beaverbrook lançou o seguinte apelo “Às Mulheres na Inglaterra”: “Dêem-nos o seu alumínio... Nós transformaremos frigideiras e panelas em Spitfires e Hurricanes, Blenheims e Wellingtons. Portanto, peço a todos que tenham panelas, cabides, sapateiras, peças de banheiro... feitos total ou parcialmente de alumínio... que os levem ao QG local dos Serviços Voluntários Femininos”. Toda a imprensa fez ressoar o apelo. “Da frigideira ao Spitfire” era a manchete inevitável. Na prática, as montanhas de caçarolas feitas pelas donas de casa contribuíram muito pouco para a produção de caças, mas o apelo de Beaverbrook valeu seu peso em, peças de banheiro em termos de moral civil. A gente comum, mulheres, nas suas cozinhas, aturdidas pelo rumo dos acontecimentos, achavam que radiogoniômetro, RDF - captara grande quantidade de aviões atrás de Calais. Por semanas, após Dunquerque, a RAF esperara, pensando no momento em que Hitler, desiludido de qualquer possibilidade de transacionar um acordo com os britânicos, desencadearia o terror contra Londres, mas ele não viera. Entretanto, para o Comando de Caças, em Stanmore, e para o Comando do Grupo 11, em Uxbridge, parecia haver chegado o momento da grande aventura. Mesmo assim, o Vice-Marechal-do-Ar Keith Park, o neozelandês líder do Grupo 11, reagiu com cautela. Duzentos Spitfires e Hurricanes, ou cerca de um terço da força de defesa de primeira linha da Inglaterra, estavam sob seu comando, em 19 esquadrões, 6 de Spitfires e 13 de Hurricanes. Park compreendia que um erro da sua parte pudera causar a derrota da Inglaterra na guerra em poucas horas. Por isso, tão logo verificou que este não era o dia fatídico, que o alvo era o comboio que cruzava o Canal, a RAF reagiu cautelosamente. Seis Hurricanes do Esquadrão 32 já estavam patrulhando na vizinhança e uma força de mais 20 Hurricanes e Spitfires, dos Esquadrões 11, 74, 64 e 56, recebeu ordens de decolar para apoiá-los. Mas o comboio já estava sendo atacado antes mesmo que os 6 pilotos de caça britânicos em patrulha pudessem chegar lá e, quando chegaram, viram um espetáculo aterrador. Cerca de 70 bombardeiros e caças da Luftwaffe caíram em cima do comboio como abelhas num pote de mel. Para os pilotos dos Hurricanes, não havia como esperar reforços, e mergulharam: 6 contra 70. Quando a ajuda chegou, os Hurricanes já haviam obrigado o inimigo a formar uma aspiral defensiva, de três camadas, acima dos navios: Me 109 em cima, Me 110 no meio e os bombardeiros Do 17 embaixo. Entre os elementos de reforço vinham 8 Spitfires do Esquadrão 74. Subindo a 3.900m, 300m acima dos Me 109 de proteção, os Spitfires mergulharam pelo cilindro; ao chegar ao nível do mar, a maioria deles já havia gasto toda a munição. O comboio prosseguiu viagem, tendo sofrido apenas uma baixa, um navio pequeno, mas a Luftwaffe perdera 4 caças para 3 da RAF. A perda de 3 caças num só dia talvez não chegasse a preocupar muito, desde que Hurricanes e Spitfires novos e reformados estivessem chegando ao Comando de Caças, enviado pela organização de Beaverbrook num ritmo de mais de 100 aparelhos por semana. Mas, com os 15 caças perdidos nos 7 dias anteriores, isto preocupava Dowding. Mas, suponhamos que a Luftwaffe se lançasse contra as estações de radar, os aeródromos dos caças, as fábricas de aviões e contra Londres? Então, era de recear que o total das perdas de uma semana no ar, em terra e nas fábricas deixasse a Inglaterra aberta à invasão. Assim, a iniciativa da Luftwaffe, a 10 de julho, criou um dilema terrível para os defensores do mundo livre. Parecia que as alternativas eram deixar que os navios em alto mar corressem o risco, com uma cobertura aérea apenas nominal, às vezes sem nenhuma, ou então arriscar tudo no mar, em vez de poupar os caças para a verdadeira hora do perigo. Dowding tomou o cuidado de advertir a Marinha de que os comboios talvez tivessem de se arranjar sozinhos. O sol estava nascendo, a 11 de julho, o segundo dia da batalha, quando o dilema se repetiu. A Frota Aérea 3 experimentaria a mira contra os navios de um comboio britânico. Naquele dia, os bombardeiros de mergulho, Stuka, de von Richthofen deviam atacar um comboio que rumava para leste, pela Baía de Lyme. Dez Ju 87, escoltados por 20 Me 109 das inquietas unidades de von Richthofen, decolaram da vizinhança de Cherburg; o radar os captou. Três Hurricanes do Esquadrão 501, de Warmwell, situado no setor mais ocidental de Park, o setor de Middle Wallop do Grupo 11, receberam ordem de dar combate ao inimigo, apoiados por 6 Spitfires do Esquadrão 609. O três Hurricanes enfrentaram os Me 109, que lhes eram superiores, na proporção de quase 7 para 1. Um Hurricane logo foi derrubado: perderam-se dois Spitfires, um Stuka foi destruído e o comboio prosseguiu viagem intato. Nos aeródromos, os jovens pilotos dos esquadrões de caça, doidos para enfrentar o inimigo com todo o entusiasmo e impetuosidade da juventude, começavam a irritar-se. Por que aqueles burocratas idiotas os estavam mandando em grupos de três e de seis para enfrentar grupos inimigos muito mais numerosos, quando todos estavam ávidos por entrar em combate? Os pilotos do Esquadrão 609 deram vazão aos seus sentimentos a respeito, consignando no livro de registro de operações: “Os pilotos se ressentem amargamente com o fato de estarem sendo enviados pequenos grupos de caças para enfrentar a intensa atividade inimiga na área de Portland. O envio freqüente de apenas uma seção, no máximo uma esquadrilha, para fazer interceptação, apenas para se verem em desesperada inferioridade numérica ante os caças inimigos que atuam como escolta dos bombardeiros, é desencorajador, porque o caça britânico então se vê incapaz de cumprir a tarefa de destruir os bombardeiros, sendo obrigado a travar apenas ação defensiva”. Para o povo britânico, que ignorava que a RAF pudesse reunir mais que as pequeníssimas formações para lutar como Davi contra Golias, toda sugestão de desvantagens era um deleite. A 14 de julho, com o prosseguimento dos ataques aos comboios, a nação foi presenteada com um emocionante comentário radiofônico transmitido dos rochedos de Dover, que confirmou a crença popular de que, por mais que a RAF fosse numericamente inferior, ela era um tremendo adversário para o seu poderoso inimigo. Todos se sentiam tranqüilos diante da certeza de que a qualidade era mais importante que a quantidade. O repórter radiofônico Charles Gardner berrou ao microfone da BBC: “Bem, agora os alemães estão bombardeando o comboio com mergulhos. Tem um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete bombardeiros alemães - Junkers 87. Lá vai um agora contra seu alvo. Bomba - não, aí esta - ele errou o alvo... Não acertou um só navio. Lá vai um caindo, deixando um grande rastro. Não dá para ver bem esses caças por muito tempo. Só se vêem quatro aparelhos rodopiando e se ouvem pequenas rajadas de metralhadora, e quando se consegue ver o aparelho, ele já se foi... Agora há uma luta encarniçada lá no alto - temos três, quatro, cinco, seis aparelhos rodopiando e fazendo curvas. Ouçam as metralhadoras. Ouçam, uma, duas, três, quatro, cinco, seis... Vem vindo, um no encalço do outro. Lá vão eles; sim, eles estão sendo perseguidos, e como. Três Spitfires perseguem três Messerschmitts... Puxa! Olhem só como eles vão! E olhem como os Messerschmitts - puxa, é espetacular! E lá vai um Spitfire bem atrás dos dois primeiros - ele vai pegá-los! É, sim rapaz! Nunca vi nada tão bom... os rapazes dos caças da RAF os pegaram firme!”. Se a batalha aérea que se realizava ao longo da costa, bem à porta da Inglaterra, era algo impar na guerra, seu registro em disco constituía também uma novidade, e provocou enorme controvérsia. Enquanto alguns afirmavam ser errado transmitir pelo rádio o desenrolar da luta aérea como se fosse um acontecimento esportivo, a maioria concordava com o ponto de vista da imprensa, de que era como se o instinto esportivo do povo britânico tivesse chegado aos rochedos de Dover. Para os perplexos pilotos britânicos, que vinham sendo reprimidos, a transmissão foi motivo de mais irritação ainda. “Por que é que não podemos atacá-los?” era a pergunta que corria pelos ranchos dos esquadrões. Mas, em suas bases, os pilotos alemães estavam exultantes. A julgar pelo tipo de oposição que vinham enfrentando, a RAF estava privara temporariamente a Marinha Real do domínio do Canal da Mancha, humilhação esta que se tornou maior com os acontecimentos de 25 de julho. Após um dia de ataques simultâneos da Frota Aérea 2 contra comboios no estuário do Tâmisa e no Passo de Calais (o Estreito de Dover, como o chamam os ingleses), 60 bombardeiros, escoltados por caças, hostilizaram um comboio de 21 navios mercantes, a maioria dos quais navios carvoeiros. Cinco deles foram logo postos a pique e 6 ficaram avariado, numa série de ataques precisos e ferozes de bombardeiros de mergulho. Para provar que a Alemanha estava desafiando a Inglaterra pelo comando permanente do Canal, uma frota de torpedeiras fez-se ao mar em plena luz do dia; tornou a fazer-se ao mar à noite, e acabou com três dos navios avariados. Seguiu-se outra humilhação, no dia 27 de julho, quando a Luftwaffe afundou dois destróieres ao largo de Dover e avariou um terceiro. Depois que um terceiro destróier foi afundado, a 29 de julho, os destróieres foram retirados para a segurança relativa e temporária de Portsmouth. A superioridade aérea, primeiro sobre o canal e depois sobre o sudeste da Inglaterra, era o requisito estabelecido pela Alemanha para a obtenção da paz, com ou sem invasão, e o Alto Comando ficou muito encorajado pelos resultados das operações exploratórias da Luftwaffe. Mas, enquanto a RAF considerava que a Batalha pela Inglaterra já havia começado, a Luftwaffe estava apenas sendo vigorosamente contida, impaciente por intensificar as operações. A 30 de julho Hitler instruiu pessoalmente a Goering para que colocasse a Luftwaffe em estado de prontidão para o grande ataque, o “ataque das águias”, como os planejadores do estado-maior alemão o denominavam. Hitler ordenou que a Luftwaffe se preparasse “para destruir as unidades aéreas, as organizações de terra e instalações de suprimentos da RAF e a indústria de armamentos aéreos britânica”. Hitler só precisava sussurrar o codinome “Dia da Águia” para que tivesse inicio um ataque sem precedente na história da guerra. Na Inglaterra, o povo, felizmente, ignorava a diretiva do Fuhrer. A vida em Londres era espantosamente tranqüila, considerando-se o perigo que a capital corria. A 3 de agosto, a equipe da RAF vencia um jogo amistoso de criquete contra o Corpo de Bombeiros de Londres. No mesmo dia, o aerobote Clare, da British Overseas Airways, fez seu primeiro vôo de serviço de passageiros para o Novo Mundo. Foi um marco e uma indicação de que o Atlântico não deixaria o Novo Mundo de quarentena contra a infecção européia durante muito tempo. A 8 de agosto, quando o Clare retornava com um grupo de pilotos americanos contratados pelo Ministério de Produção Aeronáutica para transportar aviões novos e reparados, das fábricas para os aeródromos, Goering e demais comandantes da Luftwaffe estavam reunidos em Karinhall, para completar os planos para o ataque das águias. Tomando conhaque, fumando charutos e divertindo-se com seus trenzinhos de brinquedo na atmosfera de faz-de-conta da faustosa mansão de Karinhall, Goering e seus líderes da Frota Aérea convenceram-se de que, com mais 4 dias de bom tempo, a Luftwaffe poderia conquistar a superioridade aérea sobre o sudeste da Inglaterra para finalmente pô-la de joelhos. Certo que as façanhas da Luftwaffe no Canal da Mancha, no dia 8 de agosto, pareciam corroborar este confiante ponto de vista. Nas primeiras horas de 8 de agosto, a Marinha Real despachou um comboio de 25 navios mercantes pelo Passo de Calais, esperando fazê-lo passar pelos perigosos estreitos sob a proteção da noite. A Marinha Real vinha desde julho, quando passaram a ser muito atacados, reforçando a defesa dos comboios. Este, de 25 navios mercantes, era acompanhado de navios de balão de barragem e destróieres antiaéreos. Mas o inimigo também estivera ocupado desde o começo de julho e construíra uma estação de radar em Wissant, na costa do canal fronteira a Dover, providência que o Almirantado ignorava quando tentou fazer o comboio atravessar os estreitos e penetrar em águas mais livres. Das suas tocas, na costa francesa, surgiu uma força de velozes torpedeiras, que afundou 3 navios e avariou 2 outros antes o amanhecer. Mais tarde, naquele mesmo dia, o restante do comboio estava navegando nas vizinhanças da Ilha de Wight quando a Luftwaffe o descobriu. A Luftwaffe veio duas vezes, trazendo cada leva mais de 80 bombardeiros de mergulho Stuka, escoltados pelo triplo de aviões de caça, e atacavam com “50 de cada vez”. Era um desafio ostensivo ao Comando de Caças - “venha até aqui e lute para proteger seus navios”, o tipo de desafio em que a Luftwaffe confiava para reduzir o número de Spitfires e Hurricanes da RAF e apressar o fim da guerra. Sete esquadrões, dos 10° e 11° Grupos, decolaram às pressas. Para o Cap. J.R.A Peel, que comandava o Esquadrão 145 de Hurricanes, os Stukas não eram mais que um volumoso conjunto de pequenos pontos pretos quando os caças britânicos mergulharam. Os pontos foram-se tornando maiores até ganhar a forma de abutre característica do Stuka, o bombardeiro de mergulho Ju 87. “Cuidado com os Me 109!”. Os pilotos dos Hurricanes, no momento de precipitar-se sobre suas presas, ficaram na mira dos caças alemães; os caçadores haviam-se transformado em caçados. Colocados na direção do sol, os pilotos dos Me 109, os anjos da guarda dos Stukas, haviam percebido o que estava por acontecer. Em poucos segundos eles se metiam atrás dos Hurricanes, obrigando os pilotos da RAF a romper a formação para se defenderem. O Cap. Peel fez o seguinte relato do ataque que na oportunidade sofreu de dois Me 109: “Os caças inimigos estavam girando, mergulhando e subindo. Disparei duas rajadas de 5 segundos contra um deles e o vi cair no mar. Então persegui outro, numa cabragem violenta, e o atingi quando ele estolou”. Mas eles atingiram Peel, que caiu no mar, perto da costa inimiga, em Boulogne. Quando os barcos de salvamento informaram que talvez tivessem de voltar, o Esquadrão de Peel comunicou: “Aos barcos de salvamento: vocês serão metralhados por nós se voltarem”. O Cap. de Esquadrão foi salvo. Na batalha furiosa de 8 de agosto, os Hurricanes e Spitfires derrubaram 31 aviões inimigos, perdendo 19, números estes que superaram os de qualquer dia de luta, desde 10 de julho. O comboio prosseguiu viagem, mas perdeu 6 navios para as torpedeiras e bombardeiros de mergulho. A batalha estava ficando quente para os dois lados e a excitação e a confiança cresciam nas carlingas britânicas, agora que os pilotos vinham sendo, gradualmente, lançados ao combate em números cada vez maiores. Também havia mais compenetração. Morte, desfiguração por queimaduras e graves ferimentos provocados pelos encontros dos esquadrões de caça começavam a dar aos jovens pilotos, mal saídos da adolescência - já que Dowding, como regra geral, achava que os comandantes de esquadrão de caça não deviam ter mais de 26 anos - a certeza de que estavam empenhados em algo imensamente mais sério do que aquilo que os comentários de Charles Gardner sugeriam, isto é, uma competição esportiva. Qualquer sensação de irrealidade, só entre os elementos do povo dotados de espírito esportivo tão desenvolvido que nem mesmo a sombra de Hitler poderia neutralizar. caiu sobre Manston. Na refrega, enquanto os Spitfires corriam pelo aeródromo para decolar, estava o oficial-aviador B.E. “Paddy” Finucane, recém-chegado ao Esquadrão. Já naquela manhã ele estivera em ação, numa peleja com 30 Me 109, sobre o mar. Ao tentar fugir ao ataque de dois insistentes pilotos de Me 109, Finucane subiu a 9.000m e avistou mais 12 aviões inimigos. Ele narrou: “Mergulhei contra o primeiro deles, que caiu no mar, deixando um rastro de fumaça cinzenta”. Sob o céu de Manston, Finucane abateu então outro Me 109, e pôs-se a caminho de seu 32° inimigo derrubado e da promoção a Comandante de Ala (tenente-coronel-aviador). Manston, Hawkinge e Lympne sofreram seriamente com os ataques. Em Hawkinge, os Ju 88 destruíram dois hangares, as oficinas e esburacaram o aeródromo. Felizmente para os defensores, a atenção da Luftwaffe esteve concentrada sobre as estações de radar e os aeródromos avançados nesses ataques a alvos verdadeiramente táticos realizados no dia 12 de agosto. Foi com alivio que Dowding viu o peso do ataque ser transferido para dois comboios que cruzavam o estuário do Tâmisa e, para oeste, contra a base naval de Portsmouth. Foi ali que teve lugar uma das incursões mais arrojadas da Batalha da Inglaterra. Voando pela estreita entrada do porto, para aproveitar uma brecha na trama de balões de barragem, veio uma força de bombardeiros de mergulho Stuka. Felizmente, para uma área repleta de alvos valiosos, como navios e instalações militares, os danos produzidos foram pequenos. “Ali havia tudo com que um aviador sonha”, transmitiu um piloto alemão depois do ataque. “navios enormes estavam ancorados e atracados. Os alvos estavam tão juntos uns dos outros que era praticamente impossível errar”. Mas eles erraram. As bombas lançadas atingiram uma cervejaria, o que, embora prejudicasse o moral da Marinha, não venceria a guerra para a Alemanha. No fim do dia, quando na RAF eram feitos cálculos sobre o tempo que poderiam resistir, se a Luftwaffe concentrasse toda a sua potencialidade contra as estações de radar e aeródromos de caças, o Estado-Maior e as guarnições da Luftwaffe congratulavam-se por mais uma batalha vencida. Apagaram em seus mapas os alvos atacados e afirmaram haver destruído cerca de 60 caças. Na verdade, a Luftwaffe perdeu 31 aviões e a RAF, 22. Manston ficou fora de ação até o dia seguinte, tendo-se iniciado logo os trabalhos de reparo da estação de radar de Ventnor, perto de Bembridge. A investida da águia Quando, finalmente, após muita procrastinação, foi o codinome transmitido, a 13 de agosto, o ataque das águias foi uma espécie de anticlimáx e, pelo menos em seus primeiros momentos, quase um fracasso. Não que os defensores vissem ou compreendessem isso na época, talvez por haverem tomado os ataques contra os alvos terrestres realizados no dia anterior como prenúncio de investidas cada vez mais violentas ou, mesmo, de invasão. Mas logo de inicio a Luftwaffe jogou fora a oportunidade, pois, mal iniciado o “Dia da Águia”, ele foi cancelado apressadamente, embora o cancelamento da ordem não chegasse a alcançar todas as unidades instruídas para o ataque. Os defensores podiam agradecer à inconstância do tempo britânico o verdadeiro prêmio que ganharam. Terça-feira, 13 de agosto, o dia amanheceu nublado; a visibilidade era ruim nas bases da Luftwaffe da França e dos Países Baixos e a manhã cobrira de névoa o sul da Inglaterra. Todavia, se o objetivo era destruir a Inglaterra antes do inverno, o “Dia da Águia” já estava perigosamente atrasado. Assim, quando as previsões meteorológicas, compiladas dos informes transmitidos por reconhecimento aéreo, mensagens de submarino e das mensagens britânicas decifradas sobre o tempo no Atlântico, pareceram suficientemente promissoras, foi disparado o ataque das águias. Mas, quando as condições reais do tempo sobre a Inglaterra chegaram ao conhecimento de Goering e ele decidiu adiar para o período da tarde o início da operação, já algumas seções das Frotas Aéreas estavam a caminho. Para as guarnições terrestres e aéreas da Luftwaffe e da RAF, o “Dia da Águia” começou cedo. Por volta das 05:30 horas, mais de 70 Dorniers 17 haviam decolado. Se o Coronel Fink, comandante dos Dorniers, tivesse recebido do Alto Comando a ordem de cancelamento, ele e seus homens teriam tido mais umas duas horas de sono. Porém, ao amanhecer de 13 de agosto encontrou-os reunidos em suas bases, procurando ansiosamente nos céus a grande escolta de caças que deveria juntar-se a eles. Mas, a ordem que adiava o ataque, que não chegara ao conhecimento de Fink, fora recebida pelos caças pouco depois de decolarem. Contudo, eles não tinham contato radiofônico com os bombardeiros que deveriam escoltar até os alvos e de voltar às bases. O comandante dos caças, preocupado com a mudança, tentou, cabriolando em acrobacias aéreas, inutilmente atrair a atenção de Fink. Os caças tinham ordens de regressar à base e os bombardeiros, de desfechar o “Ataque das Águias”, e ordens eram para ser obedecidas. O cancelamento foi radiografado desesperadamente do QG de Kesselring, mas o receptor de Fink, por qualquer motivo, não o recebeu. Outro bombardeiro captou a mensagem, mas entendeu que fosse apenas a confirmação da ordem, e iniciou-se o ataque. Assim é que Fink se viu comandando a primeira missão do “Ataque das Águias” inexplicavelmente abandonado pela escolta de caças. Mas a sorte não o abandonara de todo, porque a grande camada de nuvens que provocara o adiamento do ataque, de tal modo confundiu as defesas de radar da RAF e o Corpo de Observadores de terra, incumbido de transmitir informes sobre as formações inimigas avistadas aos controladores de caça, que sua força de bombardeiros teve o trabalho muito facilitado. A navegação dos bombardeiros foi excelente, pois ali, a 3.000m abaixo, no momento exato em que as nuvens densas começaram a desfazer-se, estava o aeródromo de Eastchurch. Os bombardeadores da Luftwaffe podiam ver os aviões da RAF enfileirados como se estivessem prontos para receber, em tempo de paz, a visitação pública. Acontece, porém, que foi um alvo dispendioso, porque Eastchurch era um aeródromo do Comando Costeiro, e não de uma das estações do Comando de Caças. Ainda assim, se a Luftwaffe estava disposta a reduzir os efetivos de caça da RAF no ar, um ataque ali provavelmente atrairia os caças de Dowding tanto quanto um ataque em qualquer outra parte, na frente de invasão do sul da Inglaterra; isto, no entanto, não lhe foi possível, na oportunidade, por causa da ausência dos caças alemães. As bombas de Fink estavam caindo, às 07:00 horas, quando os defensores, mal alertados por causa do tempo nublado e de uma marcação de radar incomumente fraca, perceberam que Eastchurch estava sendo atacado. Restava então interceptar os “bandidos” quando voltassem à base; felizmente, os Hurricanes do Esquadrão 111, do Cap. de Esquadrão John Thompson, que estava patrulhando sobre Folkestone, já estava muito bem situado para o trabalho. Os Hurricanes se abateram sobre os Dorniers e, devorando-os, derrubaram 5 aviões inimigos em igual número de minutos. Cerca de meia hora depois, Thompson e seus pilotos, já no rancho do campo de Croydon, tomavam a segunda refeição do dia. A vida dos pilotos de caça era muito preciosa. Embora os voluntários que serviam nos barcos salva-vidas da Real Instituição Nacional de Salva-Vidas estivessem fazendo corajosamente o máximo que podiam, e embora os pescadores etc, estivessem também ajudando, o mar estava cobrando tributo em homens que deveriam ter sido salvos. Uma jovem civil salvou uma vida, fazendo-se ao mar numa canoa pequena e frágil. Voltou, remando, com o piloto. Ela foi agraciada com uma medalha pelo rei. Tal façanha, inspiradora de inúmeras outras, estava de acordo com o espírito vigente em 1940, mas também ressaltava a necessidade de um plano de emergência para salvamento aeronaval. A RAF, a Marinha e o Exército esforçaram-se apressadamente para criar um serviço de salvamento no Canal da Mancha, formado de lanchas da RAF, barcos leves da marinha e aviões de reconhecimento Lysander, tomados por empréstimo ao Exército para lançar pequenos botes. Em contraste com isso, a Alemanha tinha um serviço bem planificado para pescar os aviadores do Canal e devolvê-lo ao serviço ativo. A Luftwaffe estava equipada com hidroaviões He 59 e lanchas velozes. Com o prosseguimento da batalha, ela introduziu barcos de luxo para salvamento, dotados de quatro beliches, cobertores, roupas, alimentos e água e colocados a intervalos regulares no meio do Canal. Enquanto os pilotos dos Me 109 transportavam barcos infláveis, os pilotos dos Hurricanes e Spitfires dependiam unicamente dos seus coletes salva-vidas “Mae West”. Contudo, havia uma característica nos arranjos de salvamento britânico como qual a Luftwaffe não podia competir: O Serviço de Pombos da RAF, que havia sido criado antes da guerra. Apesar do mau tempo ininterrupto, a Luftwaffe reiniciou as operações na tarde de 13 de agosto. As grandes camadas de nuvens, densas e baixas, que cobriam o sul da Inglaterra por certo não eram propícias a ações de caça a céu aberto que, segundo a Luftwaffe esperava confiante, acabariam com a força de caça da RAF. Contudo, a Luftwaffe intensificou seus esforços depois do almoço, desfilando caças, bombardeiros e bombardeiros de mergulho desde o estuário do Tâmisa, no leste, a Southampton, no oeste. Noventa bombardeiros, fortemente escoltados, foram despachados com a intenção de estender as defesas de caça meridionais até seus limites, por vários aeródromos fora de combate e, de passagem, fazer as docas de Southampton passar uns maus bocados. Naturalmente, era uma pretensão descabida que só poderia ter saído da atmosfera eufórica de Karinhall. No todo, o plano teve êxito muito minguado. É verdade que uma força de bombardeiros Ju 88 chegou até Southampton e provocou sérios incêndios em suas docas, mas nenhum aeródromo de importância foi danificado, e a Luftwaffe dava-se muito mal toda vez que buracos nas nuvens permitiam aos esquadrões interceptadores a oportunidade de combatê-la. Um Esquadrão do Grupo 10, no qual serviam os oficiais Andy Mamedoff, Red Tobin e Shorty Keogh, três compatriotas, também voluntários, do americano Billy Fiske, saiu-se extraordinariamente bem. Eles apresentaram o seguinte relatório: “Treze Spitfires decolaram de Warmwell para uma reunião memorável sobre a Baía de Lyme e um dia infeliz para os Ju 87, quando nada menos de 14 deles foram destruídos ou danificados numa caçada recorde do Esquadrão, que também incluiu 5 dos Me de escolta. “A formação inimiga, consistindo de cerca de 40 bombardeiros de mergulho, em 4 formações em V, com quase outros tantos Me 110 e 109, deslocando- se na direção norte, vinda do Canal, foi surpreendida pelo ataque do Esquadrão 609, descendo da direção do sol. Os 13 pilotos nossos dispararam suas metralhadoras... Um piloto de caça britânico, que no dia anterior lamentara estar ausente na caça ao galo silvestre, no “Glorioso Dia 12”, achou que o sucesso do Esquadrão 609 compensou plenamente a tristeza da ausência”. Durante a tarde, a RAF também esteve ocupada em seu flanco oriental, o mais vulnerável. Também ali a Luftwaffe escolheu um alvo de importância secundária, atacando Detling que, como Eastchurch, atacada naquela manhã, era basicamente uma estação do Comando Costeiro. Embora o comandante da estação fosse morto no ataque de bombardeiros de mergulho, e a sala de operações, os ranchos e a cozinha acabassem bastante danificados, o pessoal da estação limpou o rancho e repôs os serviços essenciais em seu funcionamento por volta da hora do almoço do dia seguinte. No fim do dia que presenciaria o começo do fim do Comando de Caças, o “Ataque das Águias” fracassou. Ao pôr-do-sol, a Luftwaffe completara 1.485 surtidas; cerca de um terço dos aviões que delas participaram se compunha de bombardeiros, contra 700 da RAF. Na contagem feita no pós-guerra, verificou-se que a Luftwaffe perdera 45 aviões e a RAF, 13. Contudo, na época, a Luftwaffe acreditava ter-se saído bem. Declarando ter destruído 88 caças britânicos em condições atmosféricas adversas, ela deu a si mesmo boas razões para já avistar o fim. Como que para acrescentar mau augúrio à confiança alemã, houve uma notícia, na manhã seguinte, informando que no dia 13 de agosto o “Big Ben” de Londres soou 13 badaladas à meia noite em vez de 12. A RAF, apesar do razoável sucesso obtido a 13 de agosto, não tinha ilusões quanto aos riscos que estavam todos correndo. Tendo muito maior volume de ação, a Luftwaffe estendeu, a 13 de agosto, os Esquadrões de Linha de Frente, ao mesmo tempo em que começavam a ser empenhados mais e mais Hurricanes e Spitfires. Relativamente, o dia 14 de agosto foi mais calmo; entretanto, como sucessor de um dia de operações muito mais movimentado, os defensores o consideraram bastante oneroso. Muito embora neutralizasse em grande parte o seu poder de ataque, voando debaixo de tempo desfavorável e alvejando pontos apenas relativamente recompensadores, a Luftwaffe tinha a vantagem da surpresa. O radar, suplementado pelos informes visuais do Corpo de Observadores, podia servir Dowding e seus comandantes de grupo com razoável precisão, mas a diversidade dos ataques da força aérea germânica e a escolha inesperada dos alvos surpreendiam e confundiam o deslocamento dos esquadrões defensores de uma frente costeira de 400 km. Mas ainda restava ver se o Comando de Caças poderia resistir ao ataque geral esperado e temido desde a queda da França. A 15 de agosto começou o verdadeiro teste, quando pela primeira e única vez, durante a batalha, a Luftwaffe lançou as três Frotas Aéreas contra a Inglaterra. Este seria o dia da grande arremetida, do verdadeiro ataque das águias, o primeiro dos 4 dias em que a RAF seria rechaçada nos céus do sul da Inglaterra. “Ataquem ao longo de uma frente extensa, da costa leste à costa oeste da Inglaterra. Acabem com as estações de radar, destruam os aeródromos, obriguem os caças restantes a decolar para combater e destruam-nos”- esta a orientação que os pilotos alemães receberam. 15 de agosto era o dia pelo qual os estrategistas de gabinete alemães haviam esperado impacientes, enquanto exultavam sobre mapas, diagramas e desenhos da imprensa que projetavam uma Inglaterra cercada com a água alemã presa à sua garganta. A rádio para superar a altitude da força atacante durante o vôo de interceptação. A 900 m acima das tripulações alemães e com o sol idealmente às suas costas, os pilotos de caça britânicos mergulharam sobre a massa de Heinkels e Messerschmitts. Na luta que se seguiu, a escolta de caças Me 110 saiu-se pior que os bombardeiros. Sem os seus artilheiros, que haviam ficado na Noruega e na Dinamarca, por causa da longa distância da operação, alguns pilotos do desacreditado caça-destróier de Goering deitaram fora seus tanques extras de combustível e formaram um círculo defensivo. Outros mergulharam na direção do mar e fugiram para suas bases. Os Heinkels, dispondo de alcance maior e mostrando-se mesmo mais determinados, dividiram-se em dois grupos e cruzaram a costa. Hostilizados pelos Esquadrões de apoio de Saul, eles não conseguiram alcançar os aeródromos que tinham como objetivo e retornaram às suas bases, em Stavanger, na Noruega, tendo perdido 8 aparelhos. Com outros 7 que desceram no momento em que se deu o encontro dos dois adversários, contra nenhum da RAF, o dia tinha assim um começo terrivelmente ruim para os homens da Frota Aérea 5, de Stumpf, que haviam decolado com tanta confiança. Mas, a 160 km ao sul, uma força de 50 Ju 88, que eram mais velozes e ágeis, pertencentes à Frota Aérea 5, teve melhor sorte. Descendo de Aalborg, no norte da Dinamarca, os bombardeiros Junkers foram captados pelo radar da costa leste e tornaram-se responsabilidade do Grupo 12, do Vice-Marechal-so-Ar Trafford Leigh-Mallory. Operando em setores situados ao sul dos Esquadrões de Saul e, por conseguinte, já mais envolvidos na Batalha da Inglaterra do que seus vizinhos do norte, os Esquadrões de Leigh- Mallory vinham encontrando freqüentes oportunidades de agir, à medida que a batalha sobre o sudeste da Inglaterra se estendia até Londres. Os Ju 88 que, sem escolta, se aproximavam de Flamborough Head se ofereceram aos 12 pilotos de Spitfire do Esquadrão 616 e aos 6 pilotos de Hurricanes do Esquadrão 73 que, entre si, foram responsáveis pela destruição de 8 bombardeiros. Violentamente empenhados em combate, os Junkers se dividiram, mas uma força de cerca de 30 bombardeiros fez um ataque decidido contra uma estação de bombardeiros da RAF em Great Driffield, Yorkshire. Os danos foram pesados e 10 bombardeiros Whitley foram destruídos em terra; embora séria a perda sofrida pela RAF, foi uma felicidade para os defensores que a Frota Aérea 5 tivesse escolhido uma estação de bombardeiros, porque o caos equivalente provocado num campo de caças teria sido muito mais desastroso para eles, nesse estágio da batalha. A tentativa de impedir a atividade dos bombardeiros da RAF, na época simples alfinetadas, era um desperdício enquanto o Comando de caças, a chave da porta da frente da Inglaterra, continuasse existindo. Por esse esforço valente, ainda que pródigo, a Luftwaffe pagou 8 bombardeiros Ju 88. Perdendo 23 aparelhos dos 123 bombardeiros e 34 caças utilizáveis, a Frota Aérea 5 suspendeu as operações depois de 15 de agosto, e só reapareceria ao anoitecer, com quaisquer números, durante o resto da batalha. No sul, onde os ataques diurnos, feitos, em grande escala, pelas Frotas Aéreas 2 e 3, não obedeciam ao trajeto da Frota Aérea 5, que era pelo Mar do Norte, os acontecimentos de 15 de agosto foram mais duros para os defensores. Ali, a cartada há muito esperada e temida estava sendo jogada, quando toda a fúria das duas Frotas Aéreas foi lançada contra os aeródromos dos caças de linha de frente de Dowding. No meio da manhã, 40 bombardeiros de mergulho Ju 87, escoltados por 60 caças, atacaram os aeródromos avançados de Lympne e Hawkinge. O primeiro foi devastado durante dois dias; o segundo não sofreu tanto, porém mais sério foi o fechamento de duas estações da cadeia de radar, por falta de energia. Uma hora depois de iniciado o ataque aos dois aeródromos citados, 12 Me 109 mergulharam sobre o aeródromo de Manston, localizado no alto de um rochedo, varrendo-o com fogo de canhão e metralhadora e destruindo 2 Spitfires no solo, A seguir, voltou-se a Luftwaffe contra a estação de caças situada mais para o interior, em Martlesham Heath, submetendo-a a um selvagem ataque desfechado por uma força de Stukas poderosamente escoltados. Ao mesmo tempo, 100 caças e bombardeiros da Luftwaffe começavam a aproximar-se da costa de Kent, seguidos, uma hora depois, de outra força de 150 aparelhos. Era chegado o momento. No Grupo 11, toda e qualquer idéia de fazer poupança de caça teve de ser abandonada. O Comando de caças não podia ficar indiferente, em Stanmore, quando as estações avançadas vinham sendo submetidas a tão forte castigo. Os pássaros tinham de aceitar o desafio do inimigo, numericamente mais forte, lutando em defesa do próprio ninho. Para tentar desbaratar as grandes formações da Luftwaffe, 7 Esquadrões de Spitfires e Hurricanes fizeram ao ar, mas os numerosíssimos Me 109, que pareciam ocupar cada metro do espaço aéreo, os castigaram terrivelmente. A oeste, no fim da tarde, a história foi diferente; cerca de 250 aparelhos da Frota Aérea 3 abriram-se em leque sobre Hampshire e Witshire. A RAF despachou mais de 130 caças de 11 Esquadrões e de tal forma hostilizou a Frota Aérea de Sperrle, que ela retornou às bases com menos 25 bombardeiros e caças sem que tivesse causado dano muito sério. Pelo anoitecer, a batalha retornara à área da frente de invasão no sudeste da Inglaterra, com o radar marcando mais de 70 “bandidos” que vinham de Calais. A instrução que traziam era para atacar as estações vitais do setor, em Kenley e Biggin Hill, mas felizmente para Park foi o campo menos importante, de West Malling, que sofreu a violência do ataque, depois que os pilotos desviaram a incursão dos alvos planejados. Depois das 24 horas, a Luftwaffe, ao completar o mais extenso e mais maciço ataque da batalha, havia realizado 1.780 surtidas, das quais mais de 500 foram feitas por bombardeiros. Excetuando-se as atônitas unidades da Frota Aérea 5, que haviam esperado uma tarefa sem oposição, as tripulações de bombardeiros e caças alemães acreditavam haver-se saído bem e afirmavam ter destruído 82 Spitfires e Hurricanes contra 34 aparelhos seus perdidos. Mas a Luftwaffe perdera realmente 75 aviões nesse único dia. Não chegava nem à metade do número calculado pela RAF, que era de 182 aparelhos, mas foi um golpe suficientemente sério para impedir a repetição de ataque aéreo contra a Inglaterra na escala do realizado a 15 de agosto - nessa batalha ou em qualquer outro momento. Na manhã seguinte, depois do esforço sem precedentes da Luftwaffe e da defesa decidida da RAF a 15 de agosto, a atividade das Frotas Aéreas 2 e 3 foi muito reduzida e a Frota Aérea 5 ficou virtualmente fora de combate. Contudo, a Luftwaffe conseguiu fazer 1.700 surtidas - volume capaz de confirmar a bazófia de Goering de que expulsaria a RAF dos céus do sudeste inglês numa questão de dias. Na verdade, os líderes da Luftwaffe, embora surpresos com a resistência da RAF, acreditavam que a derrota de Dowding era iminente. As estatísticas da força aérea germânica afirmavam que a RAF perdera 574 caças no ar desde o começo de julho e que as outras perdas elevavam esse total para 770 aparelhos. Levando em conta as estimativas que faziam da capacidade de produção do parque industrial britânico, a Luftwaffe creditava à RAF cerca de 300 aparelhos utilizáveis, de um total de 430 caças. cauda do caça inimigo até vê-lo cair no mar. Somente então é que concordou em abandonar o aparelho. As mãos crestadas pelas chamas, a esquerda no controle do afogador e o polegar da direita pressionando o botão de disparo, ele lutou por livrar-se das correias que o prendiam no assento da carlinga. Mas, mesmo depois de haver conseguido saltar e em plena descida na direção do solo, Nicholson enfrentou outro teste de resistência; porém, de algum modo, ele conseguiu puxar a corda do pára-quedas com as mãos seriamente queimadas. O pára-quedas aberto, embaixo o chão da pátria, tudo indicava estar quase no fim o sofrimento do piloto, mas dois outros riscos ainda o aguardavam, antes que pudesse certificar-se de estar salvo para outros encontros. Flutuando sobre Hampshire na extremidade do pára-quedas, ele foi atentamente observado por um piloto de caça inimigo, que o deixou finalmente entregue à compassiva bondade da unidade militar da Guarda nacional, em terra. Mas quando Nicholson tocou o solo, os fuzileiros desse exército de voluntários, recrutado às pressas para a esperada invasão, dispararam contra o piloto britânico. Felizmente, a pontaria ruim dos atiradores permitiu que Nicholson sobrevivesse para receber a “Victoria Cross”, a única concedida a um piloto de caça na Batalha da Inglaterra. Martelando os aeródromos, a Luftwaffe estava estrategicamente certa, se pretendia atender à expectativa de Goering de conquistar a superioridade aérea em 4 dias. No território da Inglaterra havia os mais diferentes tipos de aeródromos e antes do fim das operações diurnas a 16 de agosto, a Luftwaffe tornou a fazer um esforço muito bem sucedido mas, nas circunstâncias, totalmente inútil. Dessa vez, ela escolheu para alvo uma estação de treinamento e unidade de manutenção de bombardeiros em Brize Norton. 46 aparelhos Oxford foram destruídos em terra - mas eram aviões que não poderiam influenciar a tentativa de obter superioridade aérea antes da invasão. Contudo, ataques mais inteligentes, dirigidos contra as defesas de caça no sudeste da Inglaterra, estavam sendo planejados. O dia 17 de agosto foi tranqüilo, mas no dia 18 de agosto de 1940, um domingo, a partir do meio-dia, veio a promessa de ataques que poriam a RAF à prova até os limites máximos. As incursões feitas então não foram tão intensas como as do dia 15, mas o que faltava em quantidade para igualar-se às daquele dia era compensado em determinação de atingir os aeródromos ao longo do caminho dos bombardeiros até Londres. Os comandantes da Luftwaffe já respeitavam muito mais a interceptação dirigida pelo radar da RAF e estavam experimentando métodos para anulá-la. A 18 de agosto, a importante estação de setor de Park, em Biggin Hill, foi escolhida para testar o ardil preparado, embora a execução do plano fosse incompleta. O estratagema resumia-se em despachar duas incursões de bombardeiros de alto nível, seguidas de uma incursão breve, intensa e de pouca altitude, feita por um esquadrão sem escolta e voando baixo demais para serem captados pelo radar. Os que buscavam a morte ou a glória nesse vôo rasante teriam a vantagem dos alvos escolhidos e indicados pelos incêndios e pela fumaça provocados pelas levas anteriores de bombardeiros de grande altitude. No papel, o plano parecia ser à prova de caça e radar, mas sua execução colocou a Luftwaffe numa série de situações violentas e inesperadas que não foram totalmente provocadas pelo Comando de Caças, tal a confusão do momento. Para os atacantes, a operação começou mal quando os Ju 88 de alto nível se atrasaram, por causa de uma confusão havida que não permitiu o encontro que tinham marcado, nos céus da França, com os 9 Do 17 do ataque rasante, que foram obrigados a encontrar Biggin Hill sem a ajuda dos Junkers. Assim é que, enquanto as duas formações de grande altitude rumavam lentamente para Biggin Hill, os velozes incursores de baixo nível já estavam quase sobre o lavo, onde, para azar seu, as defesas de terra e aéreas estavam prontas para lhes dar uma recepção bem violenta. Embora Biggin Hill não desconfiasse do ataque de baixo nível - o radar não captara qualquer sinal - a estação estava preparada para os esperados bombardeiros de alto nível. Mas os pilotos dos Dorniers não sabiam disso e, para seu espanto, à frente deles estava inequivocadamente a estação de setor de Biggin Hill, tranqüila e imperturbada como um aeródromo de serviço num domingo de tempo de paz. Não houve tempo para que as tripulações da Luftwaffe vissem o que é que saíra errado, porque, repentinamente, eles se encontraram numa teia de fogo cruzados de artilharia, leve e pesada, disparados de terra, incluindo um novo risco, os cabos de aço projetados por foguetes e suspensos em redor do aeródromo por pequenos pára-quedas. Então, para aumentar seu tormento, os Dorniers foram atacados por 2 dois 3 esquadrões de Biggin Hill, que aguardavam as formações de grande altitude captadas pelo radar; somente dois dos Dorniers retornaram, a salvo, à França. Finalmente, os incursores de alto nível chegaram e, sofrendo uma recepção igualmente violenta, perderam 4 bombardeiros. Felizmente para Biggin Hill, dessa vez foram poucos os danos importantes causados pela incursão, embora as crateras das bombas e, sobretudo, os buracos abertos por bombas não-explodidas criassem inconvenientes sérios. Terminada a incursão, um sargento da Força Aérea Auxiliar Feminina foi visto andando cautelosamente junto das crateras e marcando as bombas não-explodidas com uma das bandeiras vermelhas que carregava debaixo do braço. Durante o ataque, o Sargento Joan Mortiner de 28 anos mostrara evidente bravura ao ajudar a manter o transporte de munição para as posições de canhão e agora, ainda arriscando a vida, cuidava para que Biggin Hill continuasse operacional. Mais tarde, ela foi agraciada com a “Medalha Militar”, uma condecoração masculina, pela bravura demonstrada por uma jovem diante do inimigo. Enquanto Biggin Hill era atacada, Kenley, situada a apenas 10 km a oeste, foi “massacrada” em idênticas circunstâncias e, infelizmente para os defensores, as coisas não saíram tão erradas para a Luftwaffe nessa operação. Ali, os ataques de alto e baixo nível coincidiram plenamente e cerca de 100 bombas atingiram a estação de setor de Kenley, destruindo 6 Hurricanes e vários outros aviões menos importantes. Dez hangares foram arrasados e os Dorniers, tendo perdido vários dos seus, partiram deixando Kenley em destroços fumegantes. Simultaneamente, outros incursores da Frota Aérea 2 atingiram West Mailling e Croydon. Durante a tarde, a Frota Aérea 3 manteve a pressão, atacando aeródromos em Hampshire e West Sussex e, pelo fim da tarde, a Frota Aérea 2 voltou a operar atacando Croydon novamente. Ao anoitecer, quando as tripulações da Luftwaffe se preparavam para manter a Inglaterra acordada, com aparições incômodas e generalizadas e com o lançamento algo preciso de minas no Estuário do Tâmisa e no Canal de Bristol, os defensores já podiam recordar um dia cansativo, que lembrava o 15 de agosto. Contudo, a RAF cobrava tributo à Luftwaffe: 71 bombardeiros e caças alemães pela perda de 27 caças britânicas, nos quais somente 10 pilotos morreram. Mas a RAF podia contar com alguns benefícios nesses quentes dias de agosto, quando a luta era ininterrupta, um dos quais residia no fato de ela vir travando uma batalha defensiva sobre seu próprio terreno e águas costeiras. no desempenho correu célere de um esquadrão para outro e as autoridades foram bombardeadas com pedidos de conversão. Correndo o rico de que sua companhia talvez nunca viesse a receber o pagamento pelo trabalho, de Havilland mandou equipes de engenheiros de aeródromo em aeródromo para converter os caças de linha de frente. Os contratos vieram depois. O desempenho do motor também melhorara. Entre as deficiências técnicas do Spitfire e do Hurricane no começo da batalha, havia o problema do carburador. Os pilotos de caça da Luftwaffe rapidamente aprenderam a fugir de um caça que estivesse em sua cauda em mergulho, por saberem que o carburador do motor Merlin sentia a mudança súbita de uma posição para outra, por exemplo, da vertical para a horizontal. A Rolls-Royce projetou então um carburador novo que tornou o Spitfire ainda mais atraente para Galland e seus camaradas. Quando Galland pediu Spitfires a Goering, havia no pedido menos cinismo do que se pode admitir. O manobrável Spitfire era muito mais compatível com as novas instruções emitidas pelo Comandante-Chefe nazista do que o Me 109, que lhe era superior. Alarmado com as perdas de bombardeiros e com o que vinha sucedendo com o moral de sua tripulações, Goering insistia para que os pilotos dos Me 109 ficassem perto de seus protegidos, tarefa particularmente canhestra e que manietava o Me 109, principalmente quando em escolta dos bombardeiros de mergulho Stuka, que eram lentos e vulneráveis. Assim, enquanto o moral das tripulações de bombardeiros era solapado pelas perdas que sofriam, o espírito ofensivo dos pilotos de caça se debilitava, diante da proibição de perseguir e destruir os caças defensores da RAF, principal objetivo do “Ataque das Águias”. Além disso, os pilotos dos Me 109 se irritavam com o fato de saberem que a direção da Luftwaffe esperava que eles cuidassem do fracassado caça de longo alcance, o Me 110. Em seu livro “Os Primeiros e os Últimos”, Galland mostrou o quanto o alcance do Me 109 já era perigosamente limitado para o percurso até Londres. “O reduzido alcance do Me 109 tornava-se cada vez mais desvantajoso. Durante uma única surtida, minha ala perdeu 12 caças, não por ação inimiga, mas simplesmente porque, após suas horas de vôo, os bombardeiros que estávamos escoltando ainda não haviam chegado ao continente, no percurso de volta. Cinco desses caças conseguiram fazer uma aterragem de plano na costa francesa, com sua última gota de combustível, e 7 deles caíram no “drinque”(no mar). Mas Goering não estava interessado na experiência contida no comentário de Galland. Ele ainda considerava as operações de verão contra a Inglaterra como a realização do que sonhara para a sua Luftwaffe. Como um jogador que sente que vencerá na próxima jogada, ele continuava confiante de que, mais 4 dias de bom tempo, conseguiria a vitória. Despachando Kesselring e Sperrle de volta às suas Frotas Aéreas, após uma conferência no mundo de ilusões que era Karinhall, o Comandante-Chefe ordenou que os Feldmarechais- do-Ar submetessem o inimigo a bombardeios ininterruptos. Mas o mau tempo interveio e deu à RAF um repouso muito necessário a partir do dia 19 de agosto. Somente a 24 é que esta nova fase da Batalha da Inglaterra começou a sério. O erro miraculoso Para que a Alemanha invadisse a Inglaterra antes que o bom tempo do fim do verão e começo de outono cedesse lugar aos nevoeiros e tempestades do inverno inglês, a ordem de Goering para ataques ininterruptos fora dado num momento crítico. O Comandante-Chefe da Luftwaffe passou então a lutar contra dois inimigos, o relógio e a RAF. A 24 de agosto, o calendário fê-lo lembrar-se de que restavam apenas 3 dias para que se esgotasse o prazo dado por Hitler para uma decisão - invadir ou não. Goering procurou nas condições ruins e variáveis de tempo o consolo de não ter conseguido a vitória sobre as defesas de caça da Inglaterra em 4 dias. Entretanto, o tempo melhorara no sul da Inglaterra; estava firme e límpido. Mais 3 dias de tempo favorável e tudo estaria terminado. No Grupo 11, onde o mau tempo foram bem recebido, os dias de trégua haviam representado aviões operacionais preservados, novos caças construídos e entregues e pilotos descansados. A manhã clara e límpida de 24 de agosto, um sábado, colocou em todos grande apreensão. Os controladores de setor esperavam o pior e, por volta das 09:00 horas, o radar confirmou que a Luftwaffe se concentrava no Cabo Gris-Nez, do lado oposto a Dover. Não havia dúvidas de que uma nova confusão da Luftwaffe, de caças não conseguindo reunir-se com bombardeiros. Ali vinham eles, 100 bombardeiros e caças a uma altitude de 3.600 a 7.2000m, rumando para Dover. Mas será que estavam vindo mesmo? Convencida da eficiência da cadeia costeira de radares, e tendo abandonado a esperança de destruir as estações uma a uma, a Luftwaffe empenhava-se então em ludibriá-la. Mantendo aviões em vôo sobre o lado oposto do canal, Kesselring fazia Park afundar em conjeturas. Uma simulação pode continuar sendo uma simulação ou transformar-se num ataque em massa, e como se isto já não fosse bastante confuso, o radar da RAF era incapaz de distinguir entre caças e bombardeiros. Por conseguinte, o Grupo 11 se viu obrigado a manter vários esquadrões em vôo de patrulhamento, com os conseqüentes riscos de fadiga dos pilotos e escassez de combustível no momento crítico do ataque. Na verdade, um incidente assim ocorreu no meio da manhã, quando o infeliz Esquadrão 264 de Defiants foi surpreendido em terra. Apesar de o Defiant ter provado estar abaixo do padrão do caça da época, o Esquadrão 264 fora mandado de Yorkshire para o sul para reforçar o Grupo 11, em Hornchurch. Por não ganhar altitude com rapidez, ele era inadequado para defender um aeródromo de linha de frente erguido sobre um rochedo. Por isso os Defiants do 264 foram despachados para Manston às 05:00 horas de 24 de agosto. Às 08:30 horas eles decolaram às pressas pela segunda vez desde que chegaram à costa de Kent, e retornaram a Hornchurch. Mal aterrissaram tiveram de retornar a Manston onde 9 dos 12 aviões do esquadrão pousaram para reabastecer, enquanto os outros três permaneciam de vigia, no alto. E foi então que aconteceu a catástrofe. Sete dos Defiants reabastecidos estavam para decolar quando 20 bombardeiros Ju 88, escoltados por grande número de caças, surgiu do mar, com suas bombas caindo no meio dos Defiants que tentavam subir. Na refrega sobre Manston, 3 Defiants foram destruídos, de modo que os sobreviventes retornaram a Hornchurch e sua chegada lá coincidiu com o reinicio dos ataques da Luftwaffe naquela tarde e cujo alvo era esse aeródromo. Uma vez mais, os pilotos dos Defiants, decolaram por entre uma cortina de bombas, perdendo seu quarto aparelho naquele dia. No dia seguinte chegaram 7 novos Defiants; eles pareciam bons, mas as suas tripulações conheciam muito bem as suas limitações. Ademais, como alguns dos aviões não tinham tanques autovedadores e como suas metralhadoras Browning não eram sincronizadas, era evidente que a tensão da batalha começava a fazer- se sentir na organização de abastecimento. Na verdade, era tal a incapacidade geral do esquadrão para a luta, que, três dias depois, quando as tripulações correram, para seus aparelhos, durante uma incursão, apenas três deles estavam em condições de serem usados. E lá subiram os pesados e lentos caças com torres de metralhadoras. Esta foi sua última aparição no sul da Inglaterra durante a Batalha, Foi um erro, um erro de proporções históricas, cometido não porque Hitler tivesse ordenado ataques de terror aos edifícios históricos e aos civis não-combatentes, mas porque algumas das guarnições de bombardeiros, instruídas para atacar os reservatórios de petróleo de Thameshaven, a leste das velhas e estreitas ruas do setor bancário e comercial de Londres, haviam perdido a direção. “Um dos maiores erros da história”, comentou Hanson Baldwin do New York Times, anos depois, esse engano, cometido por 10 dos 170 bombardeiros que sobrevoavam a Inglaterra naquela noite, desencadeou uma seqüência de acontecimentos que levariam à destruição de grande parte da Alemanha, ao bombardeio de Dresden e, finalmente, a Hiroxima. Um de suas primeiras conseqüências, como veremos, foi desviar a Luftwaffe do plano de bombardeio que a poderia ter levado à vitória na Batalha da Inglaterra. Mal a nação recuperou o fôlego e bradava pela retaliação, antes mesmo que a fumaça desaparecesse e a poeira pousasse sobre os escombros da Igreja de St-Giles, em Cripplegate, e de edificações outras do coração da City, uma força de mais de 80 bombardeiros da RAF decolou, naquela noite, rumo a Berlim. As tripulações britânicas foram especificamente instruídas para só atacar objetivos militares, ou retornar com suas bombas e, na verdade, 21 tripulações regressaram sem ter feito bombardeio. Mas, retaliação com retaliação se paga, e em breve se estabeleceu o que hoje chamamos de escalada. Até então, os bombardeios realizados pela Luftwaffe e pela RAF tinham sido mutuamente escrupulosos. A primeira só bombardeava objetivos que julgava úteis para acelerar a conquista da superioridade aérea e garantir o sucesso da invasão. Evidentemente, civis morriam e propriedades eram destruídas ou danificadas devido à imprecisão dos bombardeios realizados em pânico, mas, depois da incursão da RAF contra Berlim, a guerra aérea nunca mais apresentaria as características até então mantidas. A Luftwaffe visava a navios mercantes, bases navais, aeródromos, fábricas de aviões, centros ferroviários e depósitos de combustível. A RAF lançava panfletos, atacava portos de invasões e alvos industriais. Em breve, porém, os padrões mantidos pelos dois adversários se modificariam, até que não mais houvesse qualquer escrúpulo em usar a bomba e o bombardeio como armas de terror indiscriminado. Na noite de 25 para 26 de agosto, quando os bombardeiros pesados Wellington, Hampden e Whitley, do Comando de Bombardeiros da RAF, sobrepujaram momentaneamente seus irmãos menores, os Spitfires e Hurricanes, Dowding não sabia que a raiva provocada pela incursão contra Berlim agiria como uma bomba-relógio no cérebro de Hitler; que a explosão eventual salvaria as estações aéreas e aeródromos do seu setor de linha de frente da ameaça de extinção. Nessa conjuntura, enquanto o povo britânico se deleitava com o vinho tonificante da retribuição, o chefe dos caças estava preocupado com dois problemas urgentes que o público praticamente ignorava: o rápido aumento do número de bombardeiros que sobrevoavam à vontade a Inglaterra depois do anoitecer e a deterioração da defesa de caças do setor sudeste da área de invasão da Inglaterra. Como as técnicas de radar, para a luta e para a artilharia antiaérea noturnas, ainda engatinhavam, a Luftwaffe ficava virtualmente à solta durante a noite. Mal equipada para se defender contra os incursores noturnos, era para a RAF um conforto que a Luftwaffe fosse igualmente ineficiente na navegação e no encontro dos alvos depois do anoitecer. Por exemplo, a maioria dos 150 bombardeiros despachados durante três noites seguidas para atacar as docas de Liverpool se desviou tanto, que os defensores não conseguiram deduzir que aquelas docas eram o alvo buscado. Mesmo assim, a simples presença de incursores noturnos era uma preocupação considerável. Roubando o sono de todos com o ruído que faziam e irritantemente esquivos, eles perturbavam o descanso dos esgotados trabalhadores das fábricas e, de modo geral, deixavam a nação com os nervos em frangalhos. Enquanto eram aceleradas as pesquisas científicas para a obtenção de meios capazes de conter os atacantes noturnos, restava aos britânicos suportar e aguardar momentos melhores. Goering continuava esperando que a Inglaterra cedesse ao impacto do martelar contínuo, mas as semanas próprias para a campanha da Alemanha em 1940 estavam-se esvaindo rapidamente. O dia da decisão para a “Operação Leão-Marinho” fora fixado para 27 de agosto, mas ele chegou e o Fuhrer tornou a hesitar. O líder de caças de Kesselring, General von Doering, declarou categoricamente sua “superioridade ilimitada em caças”, mas Hitler tinha dúvidas. Naquela mente desconfiada, as perdas da Luftwaffe, conforme anunciadas, não justificavam a opinião otimista de von Doering. Hitler decidiu adiar a decisão por mais 10 dias, quando talvez os britânicos estivessem prontos para negociar a paz que o libertaria do fantasma da invasão. Assim, Hitler deixou que a Luftwaffe provasse a validade da afirmação de Doering. A julgar pelas aparências, a estimativa de von Doering estava muito errada, pois mal ele afirmara dispor de superioridade ilimitada em caças, o Comando de Caças fez num dia 1.000 surtidas. Isto não significava que Doering pudesse empregar 1.000 caças. A defesa dos aeródromos de linha de frente se apoiava em cerca de 200 Hurricanes e Spitfires no Grupo 11, de Park; em veteranos cansados e recém- chegados inexperientes que faziam várias surtidas por dia, muitas vezes em aviões remendados. Nessas circunstâncias, simulando cada vez mais e iludindo o radar, os incursores, fortemente protegidos pelos caças da Luftwaffe, estavam conseguindo passar e espezinhando as vitais estações de setor de Park. Escutando as comunicações radiofônicas dos caças da RAF pela sua estação monitora, em Wissant, a Luftwaffe anotava cuidadosamente a vinda de gente nova e se alegrava quando Esquadrões do norte da Inglaterra substituíam os já cansados, mas com experiência de combate. Novas vozes pressagiavam um aumento nas perdas da RAF, à medida que pilotos inexperientes procuravam demonstrar seu valor em combate. Os livros de registro de operações dos esquadrões e estações de setor dão conta dessa tragédia. Por exemplo, o de Hornchurch, a 27 de agosto de 1940: “Hoje à tarde, o Esquadrão 65 partiu para um período de recuperação em Turnhouse, sendo substituído pelo Esquadrão 603”. Por trás desta simples anotação administrativa estava a substituição de um Esquadrão de Spitfires com experiência de combate por outro, formado de inexperientes “aviadores de fins de semana” de antes da guerra, rapazes de cabelos longos, filhos de famílias aristocráticas, recém-saídos das escolas e universidades; eram jovens risonhamente barulhentos, fortes e que levavam o esporte da caça para os céus do sul da Inglaterra. Quando chamado o Esquadrão 603 (Cidade de Edimburgo), alguns dos seu pilotos estavam caçando galos silvestres nas charnecas do seu comandante de estação, o Duque de Hamilton. Terminou agosto e começou o mês de setembro, mas não passava um dia em que os aeródromos não sofressem a pressão mais extrema. Dois ataques sobressaem como exemplos da provação por que passavam as estações de caça, e que atingiram seu ponto culminante no último dia de agosto e no primeiro de setembro, uma batalha dentro da Batalha da Inglaterra, a de Biggin Hill. Recebendo regularmente a lisonjeira atenção da Luftwaffe, Biggin Hill, a estação de setor de Park situada na frente de Londres, esperava mais dificuldades a 31 de agosto. Um ataque de baixo nível, breve e intenso, realizado no dia 30, destruíra o aeródromo e a maioria dos seus prédios, matando 39 e ferindo 26 pessoas. De ordinário, semelhantes perdas de vida e destruição teriam exigido uma retirada fatídica manhã de 13 de agosto, quando a confusão havida no “Ataque das Águias” o deixara sem uma escolta de caças. E hoje, perversamente, a presença dos enxames de caças lhe produzia quase tanta ansiedade quanto a sua ausência no “Dia da Águia”. O esgotamento dos tanques de combustível talvez eliminasse a escolta de caças nos momentos em que mais fosse necessária. Mas Fink e suas tripulações voltaram a ter sorte no primeiro trecho da viagem. No fim desta tarde de setembro quase não havia sinal da RAF nos céus e os bombardeiros puderam aproximar-se livremente, ainda à luz do dia, até as docas de Londres, onde despejaram mais de 300 toneladas de bombas de alto explosivo. Os defensores, interpretando mal as intenções do inimigo, deixaram a Luftwaffe passar. Após o ataque matutino normal - desta vez contra Hawkinge - os defensores esperavam que o “horário comercial” da tarde trouxesse outras incursões sobre os aeródromos de setor, de acordo com o padrão que vinha sendo adotado. Quando o East End de Londres já estava em chamas, os defensores se haviam recuperado e a viagem de volta da Luftwaffe, não foi assim tão fácil. As tripulações de bombardeiros que retornavam às bases foram particularmente infelizes em cruzar o caminho do Esquadrão 303, de Northolt, pois este não era um esquadrão comum. Dirigido pelo Líder de Esquadrão R.G. Kellett, ele era formado de pilotos poloneses altamente treinados, vindos da Força Aérea Polonesa. Fugindo da Polônia, esses pilotos haviam jurado vingar a devastação que a Luftwaffe produziu em seu país. Finalmente liberados depois de meses de treinamento para se identificarem com os procedimentos da RAF, eles mergulharam ao avistarem 40 Dorniers 1.200m abaixo do ponto em que se encontravam. E lá foram Kellett e seu grupo, com seus Spitfires dotados de mísseis, até que conseguiram colocar os Dorniers na alça de mira. Um aperto nos botões de disparo e em poucos momentos os poloneses destruíram ou avariaram seriamente ¼ da formação inimiga, contribuindo magnificamente para os resultados daquele dia. Ao todo, durante o período diurno do sábado 7 de setembro a Luftwaffe foi atacada por 17 Esquadrões do Grupo 11, 1 do Grupo 10 e 3 do Grupo 12, perdendo 41 bombardeiros, e a RAF 28 caças. Mas, embora as suas perdas fossem grandes, a Luftwaffe não ficou excessivamente intimidada. Este era o preço da vitória rápida. A guerra terminaria dentro de poucos dias, porque, com sua capital em chamas, os britânicos por certo não se animariam a prosseguir com as hostilidades. Ao anoitecer, era tal o inferno que parecia haver no céu dois sóis e que um deles se punha a leste. Naquela noite, o clarão facilitou a navegação alemã e às 21:00 horas a Frota Aérea 3 reiniciou a incursão contra Londres. As tripulações dos bombardeiros alemães exultavam ao ver a capital de um grande império à sua mercê, em chamas e praticamente indefesa. Os 264 canhões antiaéreos de Londres eram quase ineficazes, só podendo mesmo manter os bombardeiros a grande altitude. Defesas de caças, à noite, praticamente não existiam, excetuando-se dois esquadrões de Blenheims e uma pequena unidade de caças noturnos que estavam experimentando o radar aerotransportado. Assim, imperturbados, 250 bombardeiros da Frota Aérea 3 roncavam nos céus de Londres. Os veteranos, sobrevoando os grandes incêndios que lavravam na cidade indefesa, lembravam-se dos bons tempos de Guernica, Varsóvia e Roterdã. Para acentuar a impressão de passeio, as tripulações sintonizaram seus receptores nos programas de música de dança irradiados pela BBC. Os aviadores que tinham conhecimento do idioma inglês devem ter ficado perplexos com o que captaram seus receptores. No momento da agonia de Londres, quando todos os alemães acreditavam que a Inglaterra estivesse à beira do grande desastre, as ondas da BBC levavam ao ar a palavra do Major W.H Osman, redator de The Racing Pigeon, discorrendo doutamente sobre “Os Pombos de Corrida do ponto de vista da utilidade”, e pedindo o apoio dos criadores de pombos para o “Fundo Spitfire”. Contudo, era apenas uma ilusão ou uma excentricidade o que os alemães pegaram em seus receptores. Na frente interna alemã, a incursão da RAF contra Berlim, na noite de 25 para 26 de agosto, produzira um choque considerável no seio da população civil, condicionada à idéia de que a guerra teria um fim rápido. Os soldados, os marinheiros e aviadores alemães que se preparavam para a “Operação Leão-Marinho” iriam aprender, daí para a frente, que a RAF tinha ainda ânimo para estabelecer mão dupla no caminho do bombardeio dos aeródromos e dos portos onde se faziam os preparativos da invasão. Nesse mesmo sábado, 7 de setembro, enquanto Londres sofria um bombardeio aéreo noturno, os aviões de reconhecimento da RAF confirmavam que estavam sendo feitos acréscimos consideráveis à frota de barcaças de invasão que vinha sendo reunida na costa ocupada pelo inimigo, na França e nos Países Baixos, desde fins de agosto. Também nos aeródromos da Luftwaffe registravam-se mudanças que só poderiam ter uma interpretação. Bombardeiros da Frota Aérea 5 chegavam da Escandinávia para reforçar a Frota Aérea 2 e, o que era mais significativo ainda, bombardeiros de mergulho Stuka, retirados da batalha depois de haverem sofrido pesadas baixas, reapareciam na outra margem do Canal da Mancha. Diante das muitas provas fotográficas e considerando o que vinha sendo feito contra Londres, os chefes do Estado-Maior britânico concluíram que era iminente a invasão. Para os britânicos, a perspectiva de desembarques inimigos, o risco de conquista jamais pareceram tão reais, desde o histórico ano de 1066, quando Guilherme o Conquistador veio da Normandia, cruzou o Canal e derrotou o Rei Haroldo num campo de batalha perto de Hastings. Assim, enquanto Londres desmoronava e ardia, a Home Fleet, em Scapa Flow, preparava-se para zarpar rumo ao sul e, se preciso fosse, resolver a questão lutando nos estreitos limites do Canal. O exército, inadequadamente equipado, após as baixas sofridas na França, ficou a postos, com os voluntários da defesa local, das Guardas Civil e Nacional, na costa sul da Inglaterra. A invasão é iminente! Leva após leva de bombardeiros passavam rugindo pela costa, a caminho de Londres, e os comandantes do Exército, nas praias, a imaginar o que lhes reservava toda aquela atividade aérea. Eles esperavam que a qualquer momento fossem todos envolvidos por uma descida em massa de pára-quedistas, e punham alerta os ouvidos para o alarme de pára-quedas previamente acertado - o soar dos sinos das igrejas nas aldeias e cidades das áreas de invasão da costa inglesa. E então, pelas cidades, pelas aldeias, pelas estradas e campos soou repentinamente o repicar de sinos. “Chegou o momento”, disseram, de si para consigo, homens e mulheres, velhos e jovens, dispondo-se a morrer mas “carregando um deles consigo”, e procurando, para tanto, armar-se com o que lhes fosse possível encontrar, uma faca de cozinha, um forçado, enfim, o que quer que desse para derrubar um inimigo. Mas foi um alarme falso. Nem a Marinha, o Exército, nem mesmo o povo britânico, no papel de guerrilheiros, foram chamados a provar se poderiam repelir a Alemanha invasora sem a RAF, pois Hitler não se atrevia a aparecer sem a garantia da total superioridade aérea, e isto era algo que ele jogava fora quando lançava a Luftwaffe contra Londres. A 8 de setembro, as estações de rádio alemães noticiaram que Goering assumira o comando das operações da Luftwaffe contra Londres. Para os defensores, o dia passou em relativa tranqüilidade; uma visita casual, assim como se fossem à casa de um vizinho, haviam chegado no momento em que se iniciaria uma situação histórica. “Não sei se acontecerá alguma coisa hoje. Por enquanto está tudo muito calmo”, disse Park a Churchill. Fascinado pela teatralidade do ambiente, Churchill estava absorto quando as moças da WAAF começaram a marcar as primeiras movimentações inimigas. O radar anunciava a presença de grande número de aviões que se reuniam sobre a costa inimiga. Calmamente e sem excitação, a defesa estava tomando suas providências. A sotto voce, os oficiais de operações falavam bem junto dos seus fones, dando ordens que faziam os pilotos dos esquadrões de Park correr para seus aviões e os artilheiros antiaéreos, para seus postos de combate. Por volta das 11:30 horas, quando os primeiros aviões alemães cruzaram a costa sul, os Churchills haviam visto Park fazer decolar seus 21 esquadrões. Para apoiá-los, os Spitfires do Esquadrão 609 vinham céleres, do Grupo 10. Sua tarefa específica era dar cobertura à fábrica de aviões em Weybridge e ao Castelo de Windsor, a residência de fim de semana do rei, em cujos terrenos Beaverbrook estava armazenando secretamente os novos caças que aguardavam o momento de serem entregues aos esquadrões. Na retaguarda, atrás de Londres, uma grande ala de 60 caças, de 5 esquadrões do Grupo 12, do Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory, estava-se reunindo sob o comando do Líder de Esquadrão Douglas Bader, o piloto de caças a quem faltava uma perna. O Comando de Caças aprendera a lição de 7 de setembro e, enquanto Churchill estudava cada movimento, os controladores das operações punham em prática a instrução corretiva que Park ordenara a 11 de setembro. Os controladores deviam emparelhar os esquadrões, Spitfire com Spitfire, Hurricane com Hurricane. Os primeiros tinham de atacar o anteparo aéreo defensivo de caças inimigos enquanto que os Hurricanes combatiam os bombardeiros e seu amontoado de caças de escolta cerrada. O radar, o “cesto de gávea” eletrônico da Inglaterra, com seus pontos-chaves poupados aos ataques da Luftwaffe, dera o aviso, e agora, decolando dos aeródromos que a mudança para Londres da ênfase dos ataques de Goering havia poupado, levantavam-se os caças britânicos que dariam aos 100 bombardeiros e 400 caças da Frota Aérea 2, de Kesselring, uma acolhida violenta. A Luftwaffe viu-se em dificuldades desde o instante em que seu primeiro avião cruzou a costa leste de Kent, mas as tripulações dos bombardeiros prosseguiram, ainda confiantes de que bastava que chegassem a Londres para acabar logo com a guerra. Por todo o caminho, até Londres, os caças britânicos mergulhavam incessantemente sobe o grosso da grande ala de bombardeiros, fazendo aviões Dornier, Junker e Heinkel cair em chamas nos verdes campos lá embaixo, enquanto que, aqui e ali, um Spitfire ou um Hurricane desafortunado descia rodopiando, envolto em fumaça e chamas. Mas não havia como chegar aos alvos costumeiros, as docas e as instalações petrolíferas do Tâmisa. O melhor que as hostilizadas tripulações podiam fazer era despejar suas bombas sobre o centro de Londres e fugir para casa. O “Big-Ben”, simbolicamente o emblema oficial do Grupo 11, acabara de soar as 12 badaladas do meio-dia quando as bombas começaram a descer, indo uma delas cair nos jardins do Palácio de Buckingham, mas sem explodir. Em casa, nas ruas, noa bares onde tomavam seu caneco de cerveja, os londrinos imaginando se isto seria o prelúdio da invasão, liam seus jornais: “Se e quando a invasão ocorrer, ela não será mantida em segredo. A notícia será dada pela BBC e pelos jornais”. E uma hora depois o noticiário das 13:00 horas da BBC anunciou: “A primeira incursão aérea contra a área de Londres, hoje, começou há pouco mais de uma hora. Um ou dois minutos depois que as sereias começavam a soar, comunicados dão conta de que no sudeste violento fogo antiaéreo foi aberto contra o inimigo e de que outras partes da capital foi adotado comportamento semelhante. Era possível ouvir o silvo das bombas que caiam... diz-se que pelo menos 50 aviões estão lutando numa área de batalha dos arredores da cidade”. A calma reação da BBC foi tranquilizadora. Os pilotos dos caças da RAF estavam operando a 6.000m acima da radiodifusão. Entre eles estava o Líder de Esquadrão John Sample, do Esquadrão 504, um corretor de imóveis que aprendera a voar nos fins de semana, antes da guerra. “cada um de nós escolhia seu alvo”, lembrou ele, mais tarde. “Nosso primeiro ataque os dispersou muito bem. O Dornier que ataquei, com uma rajada de vários segundos, começou a afastar-se dos seus amigos, desviando-se para a esquerda. Dei-lhe outra rajada de 5 segundos e lá se foi ele, deixando um rastro de fumaça. “Quando me afastei e comecei a fazer uma curva ascendente, fechada, olhei para o lado e vislumbrei, por um buraco nas nuvens, um rio correndo lá embaixo. Vi as curvas do rio e tentei descobrir onde estava. Não reconheci imediatamente e foi então que vi o “Kennington Oval” e pensei comigo mesmo: “É ali que se joga críquete”. É estranho como, no meio de uma batalha, a gente vê algo em terra e pensa em outra coisa totalmente diferente do que se está fazendo no momento... “Não demorei a ver-me debaixo de outro Dornier que deixava um rastro de fumaça. Ele estava sendo atacado por Hurricanes e um Spitfire... Como não via outra coisa para atacar no momento, aproximei-me para participar daquele ataque. Mergulhando, observei o que parecia ser uma luz vermelha brilhando na carlinga do artilheiro de ré, mas quando me aproximei mais, compreendi que estava vendo, através da carlinga do artilheiro, diretamente a do piloto e do observador. A luz vermelha era fogo. Disparei uma rajada e, ao passar pela sua direita, olhei pelo grande nariz de vidro do Dornier. Dentro dele parecia uma fornalha. O aparelho começou a cair e em poucos segundos a cauda se soltou. O bombardeiro deu um salto mortal para a frente e começou a rodopiar. Depois de dois rodopios, suas asas romperam-se perto dos motores externos, de modo que o que restava era metade de uma fuselagem e a base das asas, com os motores presos a elas. Nesse momento, os destroços foram ocultos pelas nuvens e não vi mais nada. Já então a batalha terminara. Como não vi mais nada para atacar, retornei à base”. Depois de reabastecer e rearmar, o Esquadrão de Sample voltou a decolar às pressas, uma hora depois, para enfrentar nova leva de bombardeiros de caças. Entrementes, Bader e sua ala de 60 caças, que voavam para o sul, por trás de Londres fizeram a Luftwaffe sofrer o maior choque que já experimentara até então. Doida por lutar, a ala de Bader - parte do agressivo Grupo 12 de Leigh-Mallory - era integrado por um grupo cosmopolita de pilotos representativos da causa aliada. Voando lado a lado dos esquadrões da RAF havia um Esquadrão de canadenses, um de tchecos e um de poloneses. Varrendo tudo à sua frente, os furiosos 60 obrigaram a Luftwaffe a uma veloz retirada de Londres para a costa, com os Hurricanes atacando os bombardeiros, e os Spitfires, os caças. Lá embaixo, nas ruas de Londres, as sereias soavam a nota prolongada e tranquilizadora de “passou o perigo”, e logo após haver o último dos aviões inimigos fugido. Enquanto os carros de Naquele sábado, à noite, a Luftwaffe reapareceu, quando 180 bombardeiros atacaram o centro de Londres. Na manhã seguinte, o trem de luxo de Goering chegou a Boulogne e o comandante da Luftwaffe fez uma palestra aos seus feldmarechais e generais. O mau tempo, disse ele, deu aos britânicos a oportunidade de se reorganizarem. Ainda hipnotizado pela sua previsão, o Comandante-Chefe insistia em que 4 dias de tempo favorável dariam à Luftwaffe a superioridade aérea que há tanto lhe vinha escapando. Rodeado de eufóricos aduladores em seu trem especial, o Marechal do Reich ordenou outros ataques em grande escala, usando até 400 bombardeiros e uma só vez, mas somente quando o tempo estivesse perfeito. Em dias de mau tempo, disse Goering, para não permitir ao inimigo a oportunidade de se recuperar, deveria ser repetido o aparecimento de incursores de inquietação fortemente escoltados. Em condições de tempo realmente ruins, um único aparelho deveria decolar para provocar o alarme no sistema de defesa. Em Berlim, Hitler preferia ser mais realista. Aceitando o fato de que as condições atmosféricas piorariam com a aproximação do inverno, adiou a “Operação Leão-Marinho” até nova ordem. Na verdade, esse adiamento foi definitivo. Depois da guerra ficou esclarecido que o domingo 15 de setembro fora o ponto culminante da Batalha da Inglaterra, sendo este o dia em que a nação comemora anualmente a sua salvação da invasão e da escravidão pelos alemães. Contudo, em 1940, nem a Luftwaffe nem a RAF podiam dizer o que o amanhã traria. Enquanto permanecesse de pé a possibilidade de serem feitas pelo inimigo operações da envergadura da que se verificou a 15 de setembro, a invasão era o grande fantasma dos defensores. Na verdade, se Kesselring e Sperrle tivessem tido aviões suficientes para obedecer à risca às últimas ordens de Goering, o Comando de Caças teria encontrado dificuldade muito grande para deter o curso até que o inverno fizesse baixar a cortina da segurança sobre o Canal e o sudeste da Inglaterra. A 15 de setembro, quando Churchill deixava a sala de operações de Uxbridge, Park disse-lhe: “Excelência, estamos muito felizes porque o senhor assistiu a tudo. Isto mostra a limitação dos nossos recursos presentes. E hoje eles foram estendidos aos seus limites máximos”. A 16 de setembro, o mau tempo e a exaustão da Luftwaffe, depois do esforço que fez nas últimas 24 horas, deram à RAF uma trégua merecida. O domingo fora um dia radioso e a segunda-feira amanheceu chuvosa e nublada, com nuvens a 90m de altura. O caprichoso tempo britânico, aliado secreto que já ajudara a frustar os planos de “quatro dias” de Goering, viria a repetir a proeza. Se o Comandante-Chefe da Luftwaffe tivesse dado mais atenção às considerações meteorológicas desde o início, é duvidoso que ele tivesse jogado na pouco provável “vitória em quatro dias”. Mas o fato é que, quando a Luftwaffe finalmente compreendeu o tempo britânico, ele de tal forma se confundiu com a mistura de boletins “meteorológicos” que Goering foi obrigado a intervir, ordenando que, quando as previsões fossem conflitantes, a decisão caberia aos homens no local, ao meteorologista que estivesse na unidade encarregada de uma operação aérea. Graças às nuvens baixas, a 16 de setembro o Vice-Marechal-do-Ar Park encontrou a calma necessária à revisão do planejamento da luta. Com base no que observou durante a luta de domingo, estabeleceu ele o emparelhamento de esquadrões do mesmo tipo depois da penetração inimiga, destacando os Hurricanes para atacar os bombardeiros e os Spitfires, para os caças. Embora a medida melhorasse a interceptação, Park ainda não estava satisfeito. Na prática, os erros de encontro e as tendências dos pilotos de caça para a luta encarniçada estavam impedindo que a teoria do Comandante do Grupo II fosse plenamente bem sucedida. Contudo, enquanto a Luftwaffe desperdiçasse esforço no alvo infrutífero de Londres, o Comando de Caças poderia respirar com relativa liberdade. Mas, e se o inimigo voltasse a atacar Biggin Hill, ou Henley, ou Hornchurch, ou qualquer outro aeródromo de Park? E se ele fizesse um ataque simultâneo contra as fábricas de avião? Então, a situação, já de si muito séria, descambaria para o insuportável. Felizmente para os defensores, enquanto setembro se escoava e a batalha aérea ia e vinha pelo sudeste da Inglaterra, Londres permanecia como alvo principal dos incursores diurnos e noturnos. Mas, em comparação com os ataques feitos em fins de agosto e começo de setembro, a intensidade dos golpes da Luftwaffe começava a diminuir, diminuindo também o sangue que fluía dos grandes ferimentos de Londres. A 23 de setembro, quando se completou a terceira semana de ataques ininterruptos a Londres, foi dada a ordem para nova retaliação contra Berlim. O Ministério da Guerra queria que a RAF montasse uma incursão terrorista, com minas lançasses de pára-quedas, mas a RAF insistia em que os ataques fossem contra objetivos militares. De qualquer modo, já era difícil atingir alvos úteis e a RAF não estava preparada para privar a Luftwaffe do lugar de honra como desperdiçador de bombas. Naquela noite, enquanto mais de 260 incursores alemães bombardeavam Londres indiscriminadamente, 119 bombardeiros Wellington, Whitley e Hampden da RAF receberam ordens de bombardear alvos militares em Berlim. Comparado à atividade da Luftwaffe, o esforço dos britânicos era pequeno, mas a notícia da retaliação trouxe enorme sensação de conforto e satisfação para os londrinos, “que estavam sendo atacados naquela mesma noite”. Na manhã seguinte, a Luftwaffe fez dois ataques, bem cedo, contra Londres. À tarde houve uma incursão muito mais importante. Usando duas formações de cerca de 20 Me 109 cada uma, isto é, convertendo seu melhor caça num caça-bombardeiro, a Luftwaffe surpreendeu os defensores e penetrou livremente até as fábricas de Spitfire, em Southampton, local histórico do nascimento do S6B de Mitchell, o pai dos Spitfires. Felizmente a fábrica escapou de danos muito sérios, mas 100 membros da equipe da Supermarine morreram quando um abrigo antiaéreo foi atingido em cheio. Como Dowding há muito tempo temia, a Luftwaffe escolhera uma importante fábrica de caças e, de acordo com a paixão do inimigo pelas manias táticas de pouca duração, era de esperar que a operação em Southampton ou alhures se repetisse nos próximos dias. Na manhã seguinte, 25 de setembro, uma força de mais de 50 bombardeiros escoltados danificou seriamente a fábrica da Companhia Bristol Aeroplane e causou mais de 250 baixas. Os ataques às fábricas de avião e a utilização de caças- bombardeiros difícil de serem alcançados tornaram os defensores perturbadoramente cônscios de que apesar das contínuas incursões sobre Londres, ainda que feitas com menos aviões que antes, a Luftwaffe estava recuperando a objetividade revelada nos ataques de fins de agosto, contra os aeródromos de setor. Como que confirmando o receio do Comando de caças, uma força mista de mais de 70 Me 109, He 111 e Ju 88 subiram de suas bases na Bretanha e atacaram a fábrica de Spitfire em Southampton, dando um exemplo do novo padrão de bombardeio adotado. Em poucos minutos, 70 toneladas de bombas já haviam caído, e como tal efeito que a produção foi suspensa e três novos caças foram destruídos nas oficinas, dando à Luftwaffe um ganho nítido naquele dia. Na luta aérea, registraram-se 3 baixas para cada lado. Uma vez mais a iniciativa retornara à Luftwaffe, fato que se tornava patente, durante a Batalha da Inglaterra, toda vez que a força aérea alemã se concentrava, ainda que temporariamente, nos alvos poderia realmente agüentar? Entre os que se perguntavam isto estava Goering, que via no colapso do moral do povo de Londres, aterrorizada e em chamas, como o caminho mais provável para a vitória do que os “quatro dias” arbitrários com os quais se hipnotizara durante o verão. Achando melhor ignorar a finalidade original dos ataques em massa realizados entre 7 e 15 de setembro - a destruição dos remanescentes da RAF que decolariam e dariam tudo na defesa da capital - o marechal do Reich passou a exigir a desmoralização do povo britânico pela completa destruição de Londres. Se as noites insones, a destruição das ruas e dos lugares que lhe eram familiares, o avultado número de mortes, de lares reduzidos a escombros pela explosão de bombas e pelo fogo poderiam combinar- se para vergar o moral do londrino, então a Luftwaffe por certo venceria a Batalha da Inglaterra. Goering visualizava o seu término para meados de outubro; ele tranqüilizou seus pilotos, que já mostravam sinais de cansaço: “Seus ataques infatigáveis e corajosos ao coração do Império Britânico, a cidade de Londres, reduziram a plutocracia britânica ao medo e ao terror. As perdas que vocês tem infligido à decantada RAF, em decididos combates entre caças, são insubstituíveis. Mas a vontade britânica de continuar lutando, alimentada pela oportuna exaltação de Churchill, e os caças que saiam das linhas de produção de Beaverbrook desafiavam as afirmações do Comandante- Chefe da Luftwaffe. Também a Família Real saiu dos seus castelos para se colocar mais próxima do povo, para participar da ansiedade de todas as classes. O rei e rainha, os pais da Rainha Elizabeth II, passavam muitas horas nas ruas bombardeadas, encorajando os bombeiros e compartilhando dos sentimentos daqueles cujas casas haviam sido destruídas. De certo modo, o fato de Hitler haver também bombardeado a residência londrina do rei ajudou. O rei, procurando um meio de expressar sua admiração pela coragem dos civis e dos militares - todos então igualmente sob ataque - instituiu duas condecorações pessoais por bravura diante dos ataques aéreos. Falando pelo rádio do Palácio de Buckingham, o Rei Jorge VI proclamou a instituição da George Cross e da George Medal, e por coincidência dramática as sereias soavam enquanto o rei falava. A George Cross, disse o soberano, só seria superada pela Victoria Cross. As bombas e minas que não explodiam, reconhecidas como uma ameaça nos aeródromos e fábricas, começavam a determinar o fechamento de ruas e a colocar as pessoas em perigo, como o rei bem sabia, pois tivera uma em seu próprio jardim, no Palácio de Buckingham. Os primeiros agraciados com as novas condecorações foram corajosos peritos integrantes das Unidades de Remoção de Bombas, homens como o Tenente R. Davies, do Real Corpo de Engenheiros, que desarmara uma bomba de alto explosivo que caíra junto à Catedral de São Paulo. Corria o mês de outubro e os londrinos procuravam conviver com seu “fado”, enquanto os incursores diurnos se tornavam progressivamente mais esquivos, à medida que caças e caças- bombardeiros apareciam a altitudes cada vez maiores. Os pilotos de Park, que inicialmente achavam que os Me 109 e Me 110, a 6.000 e 7.5000m, estavam muito longe, não demorou para que estivessem operando a 9.000m - altitude de combate que os Spitfires e Hurricanes tinham dificuldade de atingir a tempo de interceptá-los. Os problemas de rastreamento de fins de setembro e começo de outubro pioraram com o começo das condições meteorológicas características do final de outono, e os primeiros avisos que o radar e o Corpo de Observadores podiam esperar chegavam quando os incursores estavam a apenas 20 minutos de vôo de Londres. Assim, o Vice-Marechal-do-Ar Park teve de reconsiderar suas táticas mais uma vez. Se seus pilotos levavam até 30 minutos para atingir a altitude de 9.000m e se a presença do inimigo era anunciada com 20 minutos de antecipação, impunha-se a manutenção em vôo de patrulhas de prontidão. “A experiência amarga”, lembrou Park aos seus controladores de operações, “tem provado repetidamente que é melhor interceptar o inimigo com um Esquadrão acima dele do que com toda uma ala voando abaixo dele, provavelmente depois que o inimigo lançou suas bombas”. As palavras de Park vinham repassadas de amargura, porque enquanto ele as escrevia as incursões de grande altitude estavam se tornando regulares. A 15 de outubro, um dia típico, 30 Messerschmitts bombardearam Londres às 09:00 horas, atingindo a Estação de Waterloo; 45 minutos depois, mas 50 Messerschmitts bombardearam os quarteirões financeiros da cidade. Às 11:30 horas, mais outra formação cruzou o estuário do Tâmisa, e durante toda aquela noite houve incursões à luz do luar. O serviço de trens parou nos cinco grandes terminais londrinos. O metrô foi interrompido em cinco pontos, houve 900 incêndios e mais de 400 pessoas morreram. As perdas da Luftwaffe nas operações diurnas e noturnas totalizaram 14 aviões; a RAF perdeu 15. Em fins de outubro, no Comando de Caças, a impressão era de que o pesadelo nunca mais acabaria, pois não havia muito o que fazer para deter os incursores noturnos. Dowding e Park ainda estavam procurando a solução do problema. Depois de um longo verão de luta incessante, as novas táticas da Luftwaffe impuseram uma tensão quase intolerável ao Comando de Caças. Em agosto e na primeira metade de setembro, os esquadrões de caças pelo menos tinham conseguido descansar e permanecer nos seus aeródromos entre as corridas para decolar. Depois disso, a necessidade do patrulhamento de área a 9.000m e de lutar àquela altitude impôs um castigo físico muito mais severo aos pilotos, que já estavam passando até 5 horas de vôo operacional por dia. As expectativas de vida de um piloto de caça, na Batalha da Inglaterra passara a ser, desde então, avaliada em 87 horas de vôo - ou pouco mais de uma quinzena, no índice máximo de emprego. Por volta de 31 de outubro, 415 pilotos, de um total de cerca de 1.500 que participaram da Batalha, tinham morrido. Quando tudo acabou, quando a Batalha aérea da Inglaterra pôde ser analisada dentro de uma perspectiva mais ampla, em conjunto com as operações subsequentes, quando finalmente, os livros de História exigiram datas, a oficialidade britânica fixou o período de 10 de julho a 31 de outubro como o da Batalha da Inglaterra. Evidentemente, batalhas aéreas foram travadas antes e depois de julho e outubro, mas a História e a concessão inevitável de condecorações de campanha para as tripulações aéreas exigiam datas. Em novembro, embora a situação da Inglaterra continuasse perigosa, o povo parecia sentir que o momento da morte começava a distanciar-se. A confiança, raiando mesmo pela complacência, retornou. As corridas de cavalos com obstáculos estavam em plena estação e as corridas de galgos começavam a atrair muito mais que qualquer outro esporte. Nos campos de golfe, onde Beaverbrook mandara depositar os restos de bombardeiros alemães, para ressaltar a inoportunidade do passatempo, os gramados começavam a ser desimpedidos. Um anúncio da época mostrava quatro Spitfires num céu azul – nenhum caça da Luftwaffe à vista – e dizia: “Estes são os homens que, quando de licença, perseguem uma bola de golfe com a mesma determinação com que perseguem sua presa”. estratégicos Dorniers e Junkers, que poderiam ter dado à Alemanha a vitória em 1940, morreram com ele. Os dois aviões foram cancelados por Kesselring, em favor do bombardeiro de mergulho “Stuka” e dos bombardeiros bimotores médios que me breve se tornariam tão conhecidos. Se Goering tivesse uma frota de bombardeiros estratégicos para lançar contra cadeia de radar, os aeródromos do setor de Grupo 11, as fábricas de aviões e talvez também contra a Marinha Real, seu sonho de “quatro dias” talvez se tivesse realizado. Teria apenas de controlar suas mudanças de ênfase. O dano que os bombardeiros médios e os caças-bombardeiros produziam quando atacavam alvos importantes – como a incursão contra a fábrica de Spitfires, em Southampton – mostra o quanto seria diferente a presença do Do 19 e do Ju 89 que foram mandados cancelar. Contudo, Wever morreu e a Luftwaffe justificou muito bem a decisão de Kesselring até alcançar a costa do Canal da Mancha. Mesmo então, na pior das hipóteses, ela poderia ter criado condições 50% favoráveis a uma invasão, não fosse a incapacidade crônica de Goering de encontrar um plano e ater-se ao mesmo. Isto porque, durante a maior parte da campanha, ele fora um Comandante-Chefe ausente, dando ordens de Berlim ou de Karinhall. Apesar de excelente piloto de caça da Primeira Guerra, Goering era tecnológica, estratégica e taticamente ignorante. Ele permanecia mentalmente na carlinga aberta da incipiente aviação de 1914-18. O seu conceito de guerra aérea moderna em nada ajudou ao desajudado por natureza tirocínio militar de Hitler. Fosse Goering uma vocação para o cargo que ocupava, tivesse ouvidos para os conselheiros tecnológicos, facilmente teria avaliado a importância do radar no sistema de defesa de Dowding. O serviço de informações da Luftwaffe mostrou-se ruim e impreciso antes e durante a batalha aérea. O radar não era nenhum segredo, desde que as altas torres começaram a ser erguidas, antes do início da guerra. A Luftwaffe perdeu terreno vital quando abandonou as investigações iniciadas pelo “Graf Zeppelin” após os primeiros resultados desapontadores. Se os quadrimotores tivessem bombardeado os locais do radar e tornado as estações de setor insustentáveis, então os “Stukas” poderiam ter sido usados novamente em apoio de um exército invasor. As dispendiosas incursões de setembro, contra Londres, que finalmente roubaram à Luftwaffe quaisquer possibilidades de conquistar a superioridade aérea sobre a Inglaterra, não teriam ocorrido. Em suma, um corpo de elite – até setembro as baixas o alteraram bastante – integrado por alguns homens excelentes, abandonados por uma liderança muito ruim, fez o máximo que pôde, com algumas máquinas excelentes mas mal distribuídas. Falando dos pilotos alemães, Dowding, o arquiteto da sua derrota, disse: “Eles se portaram com muita dignidade. Tiveram momentos terríveis, mas não esmoreceram”. Poderia a Inglaterra ter-se saído melhor? Superficialmente, a pergunta parece impertinente. A sobrevivência nacional estava em jogo e a RAF, para garanti-la, enfrentou desvantagens avassaladoras no começo da batalha e deteve o seu rumo para, aproveitando-se dos erros do inimigo, impor a sua experiência. Porém, o aspecto mais importante do extraordinário desempenho que teve foi que ela quebrou a exagerada reputação de invencibilidade da Luftwaffe e o excesso de confiança de seus integrantes. Em Londres e nas grandes cidades da Inglaterra, a população apoiou “Os Poucos” demonstrando magnífico moral sob os ataques. Enquanto que, no ar, a vitória sobre a Luftwaffe criava uma dívida eterna para com “Os Poucos”, o estoicismo dos civis, inspirados por Winston Churchill, suscitava uma dívida difícil de ser atirada ao esquecimento. Por 12 semanas, a nação manteve-se de pé por uma parceria espiritual estimulada por Churchill: o piloto, o povo e o Primeiro-Ministro. Grandes parceiros nessa jornada inesquecível foram também Dowding, o cérebro do Comando de caças; Park, o capataz no local, e Beaverbrook, que sustentou miraculosamente, com caças novos ou reparados, o esforço desses homens a quem tanto tantos devem. Entretanto, estes homens não escaparam aos golpes da crítica posteriormente feita. Houve queixa de que Park, e implicitamente Dowding, deixara o inimigo passar muitas vezes, não matara alemães em quantidade suficiente e não dava ouvidos a conselhos; que Beaverbrook interrompeu temerariamente os programas a longo prazo da indústria aeronáutica para produzir caças. Mas, estando a sobrevivência em jogo, será que Dowding e Park ignorariam qualquer proposição prática? Teria Beaverbrook, que de fato deu a atenção possível à produção de quadrimotores pesados, cometido erro ao estabelecer as metas prioritárias? A crítica dirigida a Park e, indiretamente, a Dowding e à direção geral do Comando de Caças, partia sobretudo de um setor. À medida que a batalha esquentava, em julho, a frustração natural dos pilotos do Grupo 11, que se sentiam furiosamente refreados, não era nada em comparação com a do Grupo 12, onde havia até ressentimento. Enquanto que os pilotos de Park reclamavam porque só lhes permitiam atacar o inimigo em pequenos grupos, os esquadrões do Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory achavam que estavam vendo a guerra passar enquanto a Inglaterra caía. Para agravar a exasperação compreensível ao nível de esquadrão, o comandante do Grupo era um líder naturalmente agressivo, doido por uma luta. Mas Dowding construíra um sistema cuidadosamente ponderado de defesa e, nesse sistema, o homem-chave, Park, era um lutador defensivo, fazendo seus movimentos de olho no amanhã. Poderia a RAF ter-se saído melhor com Leigh-Mallory no lugar de Park? Leigh-Mallory achava que sim. Insistia na grande ala, 5 formações de Esquadrões de 60 caças, como a que finalmente colocou nos céus de Londres a 15 de setembro, e que perseguiu o inimigo desde Westminster até o interior do mar. Mas acontece que a tática que logrou êxito nas condições vigentes a 15 de setembro representaria o desastre em junho e agosto. É verdade que as grandes alas poderiam ter aumentado o número de aviões inimigos abatidos, uma vez que tivessem reunido e localizado o adversário. Mas, enquanto estivessem ganhando altitude, reunindo-se e procurando o inimigo, danos irreparáveis teriam sido causados aos aeródromos sob ataque. O trabalho nesse estágio da guerra, quando os esquadrões não dispunham de meios de se comunicar entre si uma vez no ar. Além disso o fato de oferecer à Luftwaffe as grandes alas, compostas de elevada percentagem dos efetivos operacionais da RAF, teria ajudado o plano inimigo de eliminar a resistência de caça no canto sudeste de invasão da Inglaterra. Embora pequenas as forças de interceptação de Park, nas primeiras semanas da batalha, elas conseguiram repetidamente romper as formações inimigas e muitas vezes desviar os caças de escolta, deixando a força de bombardeiros aberta ao ataque. Quando, mais tarde, durante a batalha, Park começou a emparelhar esquadrões e até mesmo a reunir formações maiores não foi por causa da pressão exercida pelo Grupo 12, mas porque as táticas da Luftwaffe estavam mudando. Quando, em virtude da introdução dos caças-bombardeiros, Park colocou patrulhas de prontidão a alturas superiores a 6.000 m, o fator tempo na reunião de uma ala não era tão premente. Apesar de tudo isto, em novembro de 1940 a autoridade superior foi atraída para a teoria da grande ala e deixou-se levar por uma