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Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, Notas de aula de Política Econômica

Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho - Para compreender a Política Brasileira - Olavo de Carvalho

Tipologia: Notas de aula

2020

Compartilhado em 12/04/2020

Clauddio
Clauddio 🇧🇷

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Baixe Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho e outras Notas de aula em PDF para Política Econômica, somente na Docsity! PARA COMPREENDER A POLITICA BRASILEIRA SUBSÍDIOS PARA O CURSO a MACRO BIAL BS Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho Olavo de Carvalho Para compreender a política brasileira Subsídios para o curso “Política e Cultura no Brasil: História e Perspectivas”. E-book Para circulação interna do Seminário de Filosofia Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  O que estou fazendo aqui  Diário do Comércio​, 8 de fevereiro de 2016      A característica fundamental das ideologias é o seu caráter normativo, a                      ênfase no “dever ser”. Todos os demais elementos do seu discurso, por mais                          denso ou mais ralo que pareça o seu conteúdo descritivo, analítico ou                        explicativo, concorrem a esse fim e são por ele determinados, ao ponto de que                            as normas e valores adotados decidem retroativamente o perfil da realidade                      descrita, e não ao inverso.  Isso não quer dizer que às ideologias falte racionalidade: ao contrário, elas                        são edifícios racionais, às vezes primores de argumentação lógica, mas                    construídos em cima de premissas valorativas e opções seletivas que jamais                      podem ser colocadas em questão.  Daí que, como diz A. James Gregor, o grande estudioso do fenômeno                        revolucionário moderno, o discurso ideológico seja “enganosamente              descritivo”: quando parece estar falando da realidade, nada mais faz do que                        buscar superfícies de contraste e pontos de apoio para o “mundo melhor”                        cuja realização é seu objetivo e sua razão de ser.  Se o cidadão optou pelo socialismo, ele descreverá o capitalismo como                      antecessor e adversário, suprimindo tudo aquilo que, na sociedade                  capitalista, não possa ser descrito nesses termos.  Se escolheu a visão iluminista da democracia como filha e culminação da                        razão científica, descreverá o fascismo como truculência irracional pura,                  suprimindo da História as décadas de argumentação fascista – tão racional                      quanto qualquer outro discurso ideológico – que prepararam o advento de                      Mussolini ao poder.  Tendo isso em vista, a coisa mais óbvia domundo é que nenhumdosmeus                              escritos e nada do que eu tenha ensinado em aula tem caráter ideológico, e                            que descrever­me como “ideólogo da direita”, ou ideólogo do que quer que                        seja, só vale como pejorativo difamatório, tentativa de me reduzir à estatura                        mental do anão que assim me rotula.  Podem procurar nos meus livros, artigos e aulas. Não encontrarão                    qualquer especulação sobre a “boa sociedade”, muito menos um modelo dela.  Posso, no máximo, ter subscrito aqui ou ali, de passagem e sem lhe prestar                            grande atenção, este ou aquele preceito normativo menor em economia, em                      educação, em política eleitoral ou em qualquer outro domínio especializado,                    sem nenhuma tentativa de articulá­los e muito menos de sistematizá­los                    numa concepção geral, numa “ideologia”.  4  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Isso deveria ser claro para qualquer pessoa que saiba ler, e de fato o seria se                                a fusão de analfabetismo funcional, malícia e medo caipira do desconhecido                      não formasse aquele composto indissolúvel e inalteravelmente fedorento que                  constitui a forma mentis dos nossos “formadores de opinião” hoje em dia                        (refiro­me, é claro, aos mais populares e vistosos e à sua vasta plateia de                            repetidores no universo bloguístico, não às exceções tão honrosas quanto                    obscuras, das quais encontro alguns exemplos neste mesmo Diário do                    Comércio).  É óbvio que essas pessoas são incapazes de raciocinar na clave do discurso                          descritivo. Não dizem uma palavra que não seja para “tomar posição”, ou                        melhor, para ostentar uma auto­imagem lisonjeira perante os leitores,                  devendo, para isso, contrastá­la com algum antimodelo odioso que, se não for                        encontrado, tem de ser inventado com deboches, caricaturações pueris e                    retalhos de aparências.  A coisamais importante na vida, para essas criaturas, é personificar ante os                          holofotes alguns valores tidos como bons e desejáveis, como por exemplo “a                        democracia”, “os direitos humanos”, “a ordem constitucional”, “a defesa das                    minorias”, etc. e tal, colocando nos antípodas dessas coisas excelentíssimas                    qualquer palavra que lhes desagrade.  Alguns desses indivíduos tiveram as suas personalidades tão                completamente engolidas por esses símbolos convencionais do bem, que                  chegam a tomar qualquer reclamação, insulto ou crítica que se dirija às suas                          distintas pessoas como um atentado contra a democracia, um virtual golpe de                        Estado.  O desejo de personificar coisas bonitas como a democracia e a ordem                        constitucional é aí tão intenso que, no confronto entre esquerda e direita, os                          dois lados se acusam mutualmente de “golpistas” e “fascistas”. Melhor prova                      de que se trata de meros discursos ideológicos não se poderia exigir.  Da minha parte, meus escritos políticos dividem­se entre a busca de                      conceitos descritivos cientificamente fundados e a aplicação desses conceitos                  ao diagnóstico de situações concretas, complementado às vezes por                  prognósticos que, ao longo de mais de vinte anos, jamais deixaram de se                          cumprir.  Dessas duas partes, a primeira está documentada nas minhas apostilas de                      aulas (especialmente dos cursos que dei na PUC do Paraná), a segunda nos                          meus artigos de jornal.  Os leitores destes últimos não têm acesso direto à fundamentação teórica,                      mas encontram neles indicações suficientes de que ela existe, de que não se                          trata de opiniões soltas no ar, mas, como observouMartin Pagnan, de ciência                          5  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  política no sentido estrito em que a compreendia o seu mestre e amigo, Eric                            Voegelin.  Não há, entre os mais incensados “formadores de opinião” deste país ­­                        jornalísticos ou universitários ­­, um só que tenha a capacidade requerida, já                        não digo para discutir esse material, mas para apreendê­lo como conjunto.  Descrevo aí as coisas como as vejo por meio de instrumentos científicos de                          observação, pouco me importando se vou “dar a impressão” de ser democrata                        ou fascista, socialista, neocon, sionista, católico tradicionalista, gnóstico ou                  muçulmano.  Tanto que já fui chamado de todas essas coisas, o que por si já demonstra                              que os rotuladores não estão interessados em diagnósticos da realidade,mas                      apenas em inventar, naquilo que lêem, o perfil oculto do amigo ou do                          inimigo, para saber se, na luta ideológica, devem louvá­lo ou achincalhá­lo.  A variedade mesma das ideologias que me atribuem é a prova cabal de que                            não subscrevo nenhuma delas, mas falo numa clave cuja compreensão escapa                      ao estreito horizonte de consciência dos ideólogos que hoje ocupam o espaço                        inteiro da mídia e das cátedras universitárias.  Suas reações histéricas e odientas, suas poses fingidas de superioridade                    olímpica, sua invencionice entre maliciosa e pueril, seus afagos teatrais de                      condescendência paternalista entremeados de insinuações pérfidas, são os                sintomas vivos de uma inépcia coletivamonstruosa, como jamais se viu antes                        em qualquer época ou nação.  O que neste país se chama de “debate político” é de umamiséria intelectual                            indescritível, que por si só já fornece a explicação suficiente do fracasso                        nacional em todos os domínios – economia, segurança pública, justiça,                    educação, saúde,  relações internacionais etc.  Digo isso porque a intelectualidade falante demarca a envergadura e a                      altitude máximas da consciência de umpovo. Sua incapacidade e sua baixeza,                        que venho documentando desde os tempos do Imbecil Coletivo (1996), mas                      que depois dessa época vieram saltando do alarmante ao calamitoso e daí ao                          catastrófico e ao infernal, refletem­se na degradação mental e moral da                      população inteira.  De todos os bens humanos, a inteligência –e inteligência não quer dizer                        senão consciência –se distingue dos demais por um traço distintivo peculiar:                      quanto mais a perdemos, menos damos pela sua falta. Aí as mais óbvias                          conexões de causa e efeito se tornam um mistério inacessível, um segredo                        esotérico impensável. A conduta desencontrada e absurda torna­se, então, a                    norma geral.  Durante quarenta anos, os brasileiros deixaram, sem reclamar, que seu                    6  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Direitista à força  Diário do Comércio, ​19 de maio de 2014    Desde que comecei a ler livros, meu sonho era um dia emergir do meio                            social culturalmente depressivo e ter um círculo de amigos com quem                      pudesse conversar seriamente sobre arte, literatura, filosofia, religião, as                  perplexidades morais da existência e a busca do sentido da vida – o ambiente                            necessário para um escritor desenvolver sua autoconsciência e seus talentos.                    Li centenas de biografias de escritores e todos eles tiveram isso.  Nunca realizei esse sonho, nunca tive esse ambiente estimulante. Por volta                      dos quarenta anos, entendi que não o teria nunca, e decidi que minha                          obrigação era fazer tudo para que outros o tivessem.  Minha atividade de ensino é voltada toda para isso. É com profundo                        desprezo que ouço gente dizendo que o objetivo dos meus esforços é "criar                          um movimento de direita".  Não conheço coisa mais inútil do que tomadas de posição doutrinal em                        política. O sujeito adota certas regras gerais e delas deduz o que se deve fazer                              na prática. Por exemplo, acredita em liberdade individual e daí conclui que                        não se pode proibir o consumo de cocaína e crack. Ou acredita em justiça                            social e por isso acha que o governo deve controlar todos os preços e salários.  O que caracteriza esse tipo de pensamento é a arbitrariedade das                      premissas, escolhidas na base da pura preferência pessoal, e o automatismo                      mecânico do raciocínio que leva às conclusões. No Brasil, praticamente todas                      as diferenças entre direita e esquerda se definem assim.  A coisa torna­se ainda pior pela tendência incoercível de raciocinar a partir                        de figuras de linguagem, chavões e clichês, em vez de conceitos descritivos                        criticamente elaborados. Isso torna o "debate político nacional" um duelo                    entre fetiches verbais imantados de uma carga emocional quase psicótica. Os                      fatos concretos, a complexidade das situações, as diferenças entre níveis de                      realidade, o senso das proporções e das nuances, ficam fora da conversa.  Aristóteles já ensinava que a política não é uma ciência teorético­dedutiva,                      na qual as conclusões se seguissem matematicamente das premissas, mas                    uma ciência prática enormemente sutil, onde tudo dependia da frónesis, o                      senso da prudência, assim como do exercício da dialética. Mas a dialética é a                            arte de seguir ao mesmo tempo duas ou mais linhas de raciocínio, e a                            impossibilidade de fazer isso é, dentre as 28 deficiências de inteligência                      assinaladas pelo pedagogo israelense Reuven Feuerstein, certamente a mais                  disseminada entre estudantes, professores, jornalistas e formadores de                opinião no Brasil.  9  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Não raro essa deficiência é tão arraigada que chega a determinar, por si,                          toda a forma mentis de alguma personalidade falante. Naquilo que neste país                        se chama um "debate", o que se observa nos contendores é a incapacidade de                            apreender o argumento do adversário, a ausência de uma verdadeira relação                      intelectual, substituída pela reiteração de opiniões prontas que o debate em                      nada enriquece.  O que me colocou contra a esquerda nacional desde o início dos anos 90                            não foi nenhuma tomada de posição "liberal" ou "conservadora", mas a                      simples constatação de dois fatos: 1) a instrumentalização política das                    instituições de cultura e ensino pela "revolução gramsciana" estava acabando                    com a vida intelectual no Brasil e em breve iria reduzi­la a zero, como de fato                                veio a acontecer; 2) a opção preferencial dos partidos de esquerda pelo                        lumpenproletariat, tomado erroneamente como sinônimo de "povo" por                influência residual de Herbert Marcuse, estava destinada a transformar a                    existência cotidiana dos brasileiros no carnaval sangrento que hoje vemos por                      toda parte.  Como é óbvio e patente que a solução de quaisquer problemas na sociedade                          depende da dose de inteligência circulante e do nível de consciênciamoral da                          população, daí decorria que, para denunciar a atividademaligna da esquerda                      nacional, que estava destruindo essas duas coisas, não era preciso que eume                          definisse quanto àqueles inumeráveis pontos específicos de política                econômico­social em que tanto se deliciam os doutrinários de todos os                      partidos e que em muitos casos eu considerava superiores à minha                      capacidade de análise.  Nos meus artigos, aulas e conferências, como o pode atestar qualquer                      observador isento, não se trata nunca de advogar determinada política em                      particular, mas apenas de lutar para que as condições intelectuais e morais                        mais genéricas e indispensáveis a qualquer debate político saudável não se                      percam ao ponto de desaparecer por completo do horizonte de consciência da                        classe nominalmente "intelectual".  Quando essas condições forem restauradas, não terei a menor dificuldade                    de me voltar para assuntos da minha preferência e deixar que o debate                          político transcorra normalmente sem a minha gentil intervenção.  Mas o fato é que, se a deterioração mental do País começou já no tempo                              dos militares, logo depois a esquerda triunfante a agravou ao ponto da mais                          desesperadora calamidade, e o fez de propósito, planejadamente,                maquiavelicamente, disposta a tudo para impor, de um lado, a hegemonia                      cultural de cabos eleitorais, agitadores de botequim e doutores salafrários                    10  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  com carteirinha do Partido; de outro, a beatificação do lumpenproletariado e                      a completa perversão da consciência moral na população brasileira.  Até o momento nenhum partido de esquerda deu o menor sinal de                        arrependimento. Ao contrário, cada um se esmera na autoglorificação como                    se fosse uma plêiade de heróis e santos. Assim, nãome deixam remédio senão                            estar na direita, no mínimo porque esta, no momento, não tem os meios de                            concorrer com a esquerda na prática do mal.              11  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Ciência e ideologia   ​O Globo​, 20 set. 2003     Vinte e quatro séculos atrás, Sócrates, Platão e Aristóteles lançaram as                      bases do estudo científico da sociedade e da política. Muito se aprendeu                        depois disso, mas os princípios que eles formularam conservam toda sua                      força de exigências incontornáveis. O mais importante é a distinção entre o                        discurso dos agentes e o discurso do cientista que o analisa.​Doxa (opinião) e                            epistemê (ciência) são os termos que os designam respectivamente,mas estas                      palavras tanto se desgastaram pelo uso que para torná­las novamente úteis é                        preciso explicar seu sentido em termos atualizados. Foi o que fez Edmund                        Husserl com a distinção entre o discurso “pré­analítico” e o discurso tornado                        consciente pela análise de seus significados embutidos.  “Pré­analítico” é o discurso que tem vários significados confusamente                  mesclados e por isso não serve para descrever nenhuma realidade objetiva,                      apenas para expressar o estado de espírito ­­ ele próprio confuso ­­ da pessoa                            que fala. Mas esse estado de espírito, esse amálgama de desejos, temores,                        anseios e expectativas, é por sua vez umum componente da situação objetiva.                          Por meio da análise, o estudioso decompõe os discursos dos vários agentes                        em distintas camadas de intenções e redesenha a situação segundo ummapa                        que pode sair bem diverso daquele imaginado pelos agentes.  Por exemplo, na linguagem corrente podemos opor o comunismo ao                    anticomunismo como duas “ideologias”. Objetivamente, porém, o              comunismo tem uma história contínua de 150 anos e,malgrado todas as suas                          dissidências e variantes, é um movimento histórico identificável, uma                  “tradição” que se prolonga justamente por meio do conflito interno. Já o                        “anticomunismo” abrange movimentos semnenhuma conexão ou parentesco                entre si, que coincidem em rejeitar uma mesma ideologia por motivos                      heterogêneos e incompatíveis. Só para dar um exemplo extremo, o rabino                      Menachem Mendel Schneerson, célebre ativista anti­soviético, era              anticomunista por ser judeu ortodoxo; Joseph Goebbels era anticomunista                  por achar que o comunismo era uma conspiração judaica.  Comunismo e anticomunismo só constituem espécies do mesmo gênero                  quando considerados como puras intenções verbais desligadas de suas                  encarnações históricas, isto é, da única realidade que possuem. O comunismo                      é uma “ideologia”, isto é, um discurso de autojustificação de um movimento                        político identificável. O anticomunismo não é uma ideologia de maneira                    alguma, mas a simples rejeição crítica de uma ideologia pormotivos que, em                          14  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  si, não têm de ser ideológicos, embora possam ser absorvidos no corpo de                          diversas ideologias.  Outro exemplo. O conceito nazista de “judeu” não correspondia a nenhuma                      realidade objetiva, e sim a um complexo de projeções imaginárias. Mas este                        complexo, por sua vez, expressava muito bem o que o nazista gostaria de                          fazer com as pessoas nas quais a imagem projetada se encaixasse de algum                          modo. Esse desejo, por sua vez, coincidia com os de seus companheiros de                          partido e dava ao nazista um senso de identidade como participante de um                          empreendimento coletivo, cuja unidade se reconhecia no ódio comum ao                    símbolo do seu inimigo ideal.   Os líderes nazistas estavam conscientes disso. Hitler declarou­o                expressamente nas suas confissões a Hermann Rauschning, e Goebbels,                  quando o cineasta Fritz Lang recusou um cargo no governo alegando termãe                          judia, respondeu: “Quem decide quem é ou quem não é judeu sou eu.”Mas a                              massa dos militantes imaginava estar despejando seu rancor sobre um                    inimigo preciso e bem definido.  Não é preciso dizer que os conceitos comunistas do “burguês” e do                        “proletário” são igualmente fantasmagóricos ­­ se bem que envoltos numa                    embalagem intelectualmente mais elegante. O próprio historiador marxista                E. P. Thompson reconheceu que é impossível distinguir um “proletário” por                      traços econômicos objetivos: é preciso acrescentar informações culturais e até                    psicológicas ­­ entre as quais, é claro, a própria auto­imagem do sujeito que                          se sente integrado nas “forças proletárias” pelo ódio à imagem do “burguês”.  Os kulaks, que foram mortos aos milhões na URSS, eram nominalmente                      “camponeses ricos”. Ninguém sabia dizer se para ser catalogado como “rico”                      era preciso ter uma vaca, duas vacas ou talvez uma dúzia de galinhas, mas                            isso pouco interessava: o kulak era um símbolo, e a militância comunista no                          campo consistia em odiá­lo. A força da identidade grupal comunista,                    reiterada pelos constantes discursos de ódio, se projetava sobre o kulak e lhe                          conferia uma aparência de realidade social perfeitamente nítida. Por isso o                      militante não sentia ter errado de alvo quandomatava um camponês que não                          tivesse vacas nem galinhas,mas apenas um ícone da igreja russa na parede. A                            crença religiosa transferia a vítima para outra classe econômica.  Também é evidente que o “latifundiário”, objeto de ódio do MST, não é                          nenhuma classe objetivamente identificável, mas um símbolo do malvado                  acumulador de bens agrários socialmente estéreis, símbolo que pode se                    ajustar, conforme as circunstâncias, até aos empreendimentos agrícolasmais                  úteis e benéficos, poupando de qualquer censura mais grave a imensidão de                        terras improdutivas do próprio MST.   15  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  É analisando e decompondo esses compactados verbais e comparando­os                  com os dados disponíveis que o estudioso pode chegar a compreender a                        situação em termos bem diferentes daqueles do agente político.Mas também                      é certo que os próprios conceitos científicos daí obtidos podem se incorporar                        depois no discurso político, tornando­se expressões da doxa. É isso,                    precisamente, o que se denomina uma ideologia: umdiscurso de ação política                        composto de conceitos científicos esvaziados de seu conteúdo analítico e                    imantados de carga simbólica. Então é preciso novas e novas análises para                        neutralizar a mutação da ciência em ideologia.           16  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  algumas fundações bilionárias estavam usando seus recursos formidáveis                “para destruir ou desacreditar o sistema de livre empresa que lhes deu                        nascimento”. Essas fundações estão hoje entre os mais robustos pilares de                      suporte do governo socialista de Barack Hussein Obama.  O desconhecimento ou incompreensão desses fatos entre liberais e                  conservadores está na raiz de sua incapacidade de opor uma resistência séria                        à marcha triunfante do comunismo na América Latina. Muitos ainda                    acreditam, por exemplo, que será uma grande vitória da democracia obrigar                      as Farc a abandonar a luta armada para transformar­se em partido legal. Não                          entendem que criar uma força política reconhecida é, no fim das contas, o                          único objetivo da luta armada – na Colômbia ou em qualquer outro lugar.                          Guerrilhas não vencem guerras: tudo o que desejam é uma derrota                      politicamente vantajosa. Por isso, ao mesmo tempo que trocam tiros com as                        forças do governo, na selva e nas cidades, colocam seus agentes em                        postos­chave dos partidos esquerdistas legais, de onde clamam contra o                    derramamento de sangue e apelam dramaticamente ao retorno da legalidade.                    Fizeram isso no Brasil, fazem agora na Colômbia.  Enquanto os liberais e conservadores não obtiverem uma clara visão de                      conjunto do fenômeno enormemente complexo do comunismo, enquanto                insistirem em se opor somente às facetasmais imediatas e repugnantes desse                        movimento, se não apenas às doutrinas comunistas consideradas                abstratamente, estarão condenados à derrota mesmo quando se julgam                  vencedores.  O fato de que jamais tenha havido uma internacional anticomunista torna                      difícil para muitas pessoas obter essa visão de conjunto, que os próprios                        comunistas obtêm tão facilmente. Mas a ausência de suporte social não pode                        servir de desculpa para a preguiça intelectual. Há sempre algumas                    inteligências individuais capazes de raciocinar acima das perspectivas                grupais, quando existem, ou sem elas, quando não existem. Nada justifica                      que essas inteligências permaneçam à margem das discussões públicas,                  deixando aos ignorantes o monopólio dos microfones. Neste como em todos                      os demais assuntos humanos, quem não estudou nada está cheio de certezas                        simplórias e as proclama com um ar de tremenda superioridade, sem                      perceber o papel ridículo que faz. Quem estudou fica às vezes parecendo                        maluco ou excêntrico, mas, afinal, para que é que alguém estuda, se não é                            para ficar sabendo de algo que a maioria não sabe?      19  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Basta! Fora!  Diário do Comércio​, 11 de junho de 2015      Volto a explicar, agora ponto por ponto, a catástrofe estratégica                    monstruosa com que o PT destruiu a si mesmo e à nação.  1. No incipiente capitalismo brasileiro, as grandes empresas são quase                    sempre sócias do Estado, o único cliente que pode remunerá­las à altura dos                          serviços que prestam.  2. Por isso elas acabam se incorporando ao “estamento burocrático” de que                        falava Raymundo Faoro: o círculo dos “donos do poder”, que fazem da                        burocracia estatal o instrumento dócil dos seus interesses grupais, em vez da                        máquina administrativa impessoal e científica que ela é nas democracias                    normais.  3. Nesse sentido, o sistema econômico brasileiro não é capitalista nem                      socialista, mas sim patrimonialista, como destacaram, além do próprio Faoro,                    vários estudiosos de orientação liberal, entre os quais Ricardo Velez                    Rodriguez, Antonio Paim e o embaixador J. O. de Meira Penna.  4. Nos anos 70 do século passado os intelectuais de esquerda que                        sonhavam em formar um grande partido de massas tomaram conhecimento                    do livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder. Formação do Patronato                        Político Brasileiro, então lançado em aumentadíssima segunda edição, e                  entenderam que o curso normal da revolução brasileira não deveria ser                      propriamente anticapitalista, mas antipatrimonialista: o ponto focal do                combate já não seria propriamente “o capitalismo”, e sim – com nomes                        variados ­­ o “estamento burocrático”.  5. A definição do alvo era corretíssima, mas, ao mesmo tempo, o partido,                          como aliás toda a esquerda nacional, estava intoxicado de gramscismo e                      ansioso por tomar o poder por meio dos métodos do fundador do Partido                          Comunista Italiano, que preconizavam a infiltração generalizada e a                  “ocupação de espaços” destinadas a criar a “hegemonia”, isto é o controle do                          imaginário popular, da cultura, de modo a fazer do partido “o poder                        onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento                    divino”.  6. A aplicação do esquema gramscista obtevemais sucesso no Brasil do que                          em qualquer outro país do mundo. Por volta dos anos 80, o modo                          comunopetista de pensar já havia se tornado tão habitual e quase natural                        entre as classes falantes no país, que os liberais e conservadores, inimigos                        potenciais dessa corrente, abdicaramde todo discurso próprio e, para se fazer                        20  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  entender, tinham de falar na linguagem do adversário, reforçando­lhe a                    hegemonia ideológica, mesmo quando obtinham sobre ele alguma modesta                  vitória eleitoral em troca. Entre os anos 90 e a década seguinte, toda política                            “de direita” havia desaparecido do cenário público, deixando o campo livre                      para a concorrência exclusiva entre frações da esquerda, separadas pela                    disputa de cargos apenas, sem nenhuma divergência séria no terreno                    ideológico ou mesmo estratégico.  7. O sucesso da operação produziu sem grandes dificuldades a vitória                      eleitoral de Lula numa eleição presidencial na qual, como ele próprio                      reconheceu, todos os candidatos eram de esquerda, o que canalizava os votos                        quase espontaneamente na direção daquele que personificasse o esquerdismo                  da maneira mais consagrada e mais típica.  8. Com Lula na Presidência, intensificou­se formidavelmente a “ocupação                  de espaços”, fortalecendo a hegemonia ao ponto de levar ao completo                      aparelhamento da máquina estatal pelo comando comunopetista, que ao                  mesmo tempo precisava da ajuda das grandes empresas para cumprir o                      compromisso assumido no Foro de São Paulo, coordenação estratégica da                    política comunista no continente, no sentido de amparar e salvar do                      naufrágio os regimes e movimentos comunistas moribundos espalhados por                  toda parte.  9. Inevitavelmente, assim, o próprio partido governante se transformou no                    “estamento burocrático” que ele havia jurado destruir. E, imbuído da fé cega                        nos altos propósitos que alegava, atribuiu­se em nome deles o direito de                        trapacear e roubar em escala incomparavelmente maior que a de todos os                        seus antecessores, sem admitir acima de si nenhuma autoridademoral à qual                        devesse prestar satisfações. O próprio sr. Lula expressou esse sentimento com                      candura admirável, afirmando­se o mais insuperavelmente honesto dos                brasileiros, ao qual ninguém teria o direito de julgar – e isso nomomento em                              que seu partido, abalado por uma tremenda sucessão de escândalos, já era                        conhecido no país todo como o partido­ladrão por excelência.  10. Assim, não apenas o PT fortaleceu o patrimonialismo, como frisou o                        cientista político Ricardo Velez Rodriguez,mas se transformou ele próprio na                      encarnação mais pura e aparentemente mais indestrutível do poder                  patrimonialista, soldando numa liga indissolúvel a ilimitada pretensão                esquerdista ao monopólio da autoridade moral, os anseios do movimento                    comunista continental, os interesses de grandes grupos industriais e                  bancários, o aparato cultural amestrado (mídia, show business,                universidades) e, last not least, o instinto de sobrevivência da classe política                        praticamente inteira.  21  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  O plano era bom, em teoria, mas os estrategistas iluminados do                      comunopetismo se esqueceram de alguns detalhes:  1. Dominando a estrutura inteira do Estado em vez de se contentar com o                            Executivo, o partido se transformou no próprio “estamento burocrático” que                    antes ele jurava combater. Já expliquei isso em artigo anterior (leia aqui).  2. O apoio dos grandes grupos econômicos o descaracterizava ainda mais                      como “partido dos pobres” e o identificava cada vez mais com a elite                          privilegiada que ele dizia odiar.  3. O uso maciço das propinas e desvios de verbas como instrumentos de                          controle da classe política tornava o partido ainda mais cínico, egoísta e                        desonesto do que essa elite jamais tivera a ousadia de ser. O PT tornou­se a                              imagem por excelência da elite criminosa e exploradora.  4. O PT havia sido, na década de 90, a forçamais ativa nas campanhas que                                sensibilizaram o povo para o fenômeno da corrupção entre os políticos. Ele                        criou. Assim. a atmosfera de revolta e até a linguagem do discurso de                          acusação que haveriam de fazer dele próprio, no devido tempo, omais odioso                          dos réus.  5. A “revolução cultural”, a “ocupação de espaços” e a instrumentação do                        Estado deram ao PT os meios de fazer uma “revolução por cima”, mas o                            deixaram desprovido de toda base popular autêntica. Ao longo dos anos,                      pesquisas atrás de pesquisas demonstravam que o povo brasileiro continuava                    acentuadamente conservador, odiando com todas as suas forças as políticas                    abortistas e a “ideologia de gênero” que o partido comungava gostosamente                      com a elite financeira e com o “proletariado intelectual” das universidades e                        do show business.  Desprovidas as massas de todo meio de expressar­se na mídia e de canais                          partidários para fazer valer a sua opinião, no coração do povo foi crescendo                          uma revolta surda, inaudível nas altas esferas, que mais cedo ou mais tarde                          teria de acabar eclodindo à plena luz do dia, como de fato veio a acontecer,                              surpreendendo e abalando a elite petista ao ponto de despertar nela as                        reações mais desesperadas e semiloucas, desde a afetação grotesca de                    tranquilidade olímpica até a fanfarronada do apelo às “armas” seguido de                      trêmulas desculpas esfarrapadas.  A convergência de todos os fatores produziu um resultado que só pessoas                        de inteligência precária como os nossos congressistas, os nossos cientistas                    políticos e os nossos analistas midiáticos não conseguiriam prever: quando a                      mídia pressionada pelas redes sociais e pela pletora de denúncias judiciais                      desistiu de continuar acobertando os crimes do PT (voltarei a isto em artigo                          próximo), a revolta contra o esquema comunopetista tomou as ruas, nas                      24  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  maiores manifestações de protesto de toda a nossa História e, mesmo fora                        dos dias de passeata, continuou se expressando por toda parte sob a forma de                            vaias e panelaços, obrigando os falsos ídolos a esconder­se em casa, sem                        poder mostrar suas caras nem mesmo nos restaurantes.  As pesquisasmostram que o apoio popular ao PT é hoje de somente umpor                              cento, já que seis dos famosos sete consideram o governo apenas “regular”,                        isto é, tolerável.  Como é possível que um partido assim desprezado, odiado e achincalhado                      pela maioria ostensiva da população continue se achando no direito de                      governar e habilitado a salvar o país mediante desculpinhas grotescas que, à                        acusação de crimes, respondem com uma confissão de “erros”?  Em que se funda o poder que o PT, acuado e desmoralizado, continua a                            desfrutar? Esse poder funda­se em apenas quatro coisas:  1. O apoio da oligarquia cúmplice.  2. A militância subsidiada, cada vez mais escassa, incapaz de mobilizar­se                      sem o estímulo dos sanduíches de mortadela, dos cinquenta reais e do                        transporte em ônibus, tudo pago com dinheiro público.  3. O apoio externo, não só do governo Obama, dos organismos                      internacionais e de alguns velhos partidos da esquerda europeia, mas                    sobretudo do Foro de São Paulo, já articulado paramover guerra ao Brasil em                            caso de destituição do PT.  4. Uma militância estudantil, também decrescente, que tudo fará pelas                    grandes causas idealísticas que a animam: drogas e camisinhas para todos,                      operações transex pagas pelo governo, banheiros unissex, liberdade de fazer                    sexo em público no campus, reconhecimento do sexo grupal como “nova                      modalidade de família” etc. Etc.  A base de apoio do PT é uma casquinha da aparência na superfície de uma                              sociedade em vias de explodir.  O único fator que realmentemantém esse partido no poder é o temor servil                            com que as forças ditas “de oposição” encaram uma possível crise de                        governabilidade e, sob a desculpa da “legalidade”, e da “normalidade                    democrática”, insistem em dar ao comunopetismo uma sobrevida artificial,                  encarregando a classe política de ajudá­lo a respirar com aparelhos ou pelo                        menos a matá­lo só aos pouquinhos, de maneira discreta e indolor.  Mas que legalidade é essa? Por favor, leiam:  Constituição Federal, Título I, Art. V, parágrafo único: “Todo o poder                      emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou                        diretamente. ”  25  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Será que o “diretamente” não valemais? Foi suprimido? Os representantes                      eleitos adquiriram o direito de decidir tudo por si, contra a vontade expressa                          do povo que os elegeu? Só eles, e não o povo, representam agora a “ordem                              democrática”?  Senhores deputados, senadores, generais e importantões em geral: Quem                  meteu nas suas cabeças que a ordem constitucional é personificada só pelos                        representantes e não, muito acima deles, por quem os elegeu? Parem se ser                          hipócritas: defender “as instituições” contra o povo que as constituiu é                      traição. A vontade popular é clara e indisfarçável: Fora Dilma, Fora PT, Fora                          o Foro de São Paulo!  Contra a vontade popular, a presidente, seusministros, o Congresso inteiro                      e o comando das Forças Armadas não têm autoridade nenhuma. Se vocês não                          querem fazer a vontade do povo, saiam do caminho e deixem que ele a faça                              por si.          26  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Faoro tornou­se quase espontaneamente o santo padroeiro do novo                  partido. Sua casa era frequentada assiduamente pelo sr. Luís Inácio Lula da                        Silva, que em 1989 chegou a convidá­lo, em vão, para ser candidato à                          vice­presidência.  Vestindo a camiseta faoriana de inimigo primordial da apropriação privada                    dos poderes públicos, o PT fez um sucesso tremendo nos anos 90, como                          denunciador­mor da corrupção nas altas esferas federais e promotor de uma                      vasta campanha pela “ética na política”, que resultou na quase beatificação do                        seu líder principal (quando Lula viajava pelas áreasmais pobres doNordeste,                        doentes vinham lhe pedir que os curasse por imposição demãos, como os reis                            da França).  Àquela altura, o partido parecia mesmo resumir e encarnar o espírito da                        “Revolução Brasileira”, com toda a expectativa messiânica embutida nesse                  símbolo. Daí a vitória espetacular de Lula na eleição de 2002.  Aconteceu – sempre acontece alguma coisa – que a liderança esquerdista                      em geral, e a petista em especial, não lia nem seguia só Raymundo Faoro.                            Desde os anos 60­70 lia comdeleitação crescente os Cadernos do Cárcere e as                            Cartas de Antonio Gramsci, o fundador do Partido Comunista Italiano e                      criador da estratégia comunista mais sutil e mais calhorda de todos os                        tempos: a “revolução cultural” a ser implementada mediante a “ocupação de                      espaços” em todos os órgãos da administração pública, da mídia, do ensino                        etc., para culminar no momento em que todo o povo seria socialista sem                          saber e o partido se tornaria “um poder onipresente e invisível”.  Se Faoro forneceu ao PT a sua identidade aparente e a base do seu discurso                              “ético”, foi Gramsci quem deu à agremiação a sua estratégia e as suas táticas                            substantivas. “Gramscismo sob pretextos faorianos” é uma expressão que                  resume perfeitamente bem a política do PT ao longo de toda a sua existência.  Nunca um partido teve tão bela oportunidade de colocar em prática uma                        estratégia estritamente comunista sob uma camuflagem weberiana tão                insuspeita.  Tudo parecia perfeito. Diante de uma plateia sonsa, a quem a sugestão de                          que houvesse algum comunismo nisso soava como delírio de “saudosistas da                      Guerra Fria”, o partido foi “ocupando espaços” e concentrando poder até                      fazer da administração federal inteira – sem contar o sistema de ensino e a                            mídia – o instrumento servil dos seus objetivos privados.  Nenhum, nenhum dos seus guias iluminados notou que era impossível fazer                      isso sem que o partido se transformasse, ele próprio, no odioso e odiado                          “estamento burocrático”, com o formidável agravante de que, na ânsia de                      concentrar todo o poder em suas mãos, e sempre enleado na boa consciência                          29  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  de servir à causa da Revolução Brasileira, passou a roubar, trapacear e                        explorar o povo incomparavelmente mais do que todos os estamentos                    anteriores.  Faoro morreu em maio de 2003, quatro meses depois de Lula tomar                          posse no seu primeiro mandato, e não teve tempo de meditar, nem muito                          menos de alertar o PT, quanto ao desastre que a síntese artificiosa e perversa,                            o “faorogramscismo”, anunciava como desenvolvimento fatal do processo.  Inevitavelmente, os papéis se inverteram: transmutado por obra do                  gramscismo na encarnação máxima e mais cínica do “tipo tradicional de                      dominação política, em que o poder não é uma função pública, mas sim                          objeto de apropriação privada”, o PT, quando por fim a população emmassa                          se voltou contra ele, revoltada ante os maiores escândalos financeiros de                      todos os tempos, no fundo dos quais ela enxergava ainda que vagamente a                          premeditação gramsciana, viu­se perdido, desorientado, atônito, seus líderes                ora escondendo­se no palácio como aristocratas assustados na Paris de 1789,                      ora tentando camuflar o medo mediante bravatas truculentas de um ridículo                      sem par.  Sim, a Revolução Brasileira está nas ruas. É ela, e não outro personagem                          qualquer. E veio com mais força do que nunca, brotando da pura                        espontaneidade popular, quase sem líderes (ou com tantos que se diluemuns                        aos outros), sem dinheiro, sem respaldo em partidos – o povo contra o                          “estamento burocrático”. Como diria o próprio alvo supremo da ira popular,                      “nunca ânftef na iftória dêfte paíf” esse povo demonstrou vontade tão firme e                          inabalável de ser seu próprio mentor e guia, de criar sua própriaHistória, de                            mandar às favas todos os importantões e de calar de vez as bocas dos                            mentirosos. A começar pelas da sra. Rousseff e do sr. Lula.  Quem mandou o PT confiar nas falsas espertezas do gramscismo? Deus                      realmente escreve direito por linhas tortas          30  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  A mentalidade revolucionária  Diário do Comércio​, 16 de agosto de 2007    Desde que se espalhou por aí que estou escrevendo um livro chamado “A                          Mente Revolucionária”, tenho recebido muitos pedidos de uma explicação                  prévia quanto ao fenômeno designado nesse título.  A mente revolucionária é um fenômeno histórico perfeitamente                identificável e contínuo, cujos desenvolvimentos ao longo de cinco séculos                    podem ser rastreados numa infinidade de documentos. Esse é o assunto da                        investigação que me ocupa desde há alguns anos. “Livro” não é talvez a                          expressão certa, porque tenho apresentado alguns resultados desse estudo                  em aulas, conferências e artigos e já nem sei se algum dia terei forças para                              reduzir esse material enorme a um formato impresso identificável. “Amente                      revolucionária” é o nome do assunto e não necessariamente de um livro, ou                          dois, ou três. Nunca me preocupei muito com a formatação editorial daquilo                        que tenho a dizer. Investigo os assuntos queme interessam e, quando chego a                            algumas conclusões que me parecem razoáveis, transmito­as oralmente ou                  por escrito conforme as oportunidades se apresentam. Transformar isso em                    “livros” é uma chatice que, se eu pudesse, deixaria por conta de um                          assistente. Como não tenho nenhum assistente, vou adiando esse trabalho                    enquanto posso.  A mente revolucionária não é um fenômeno essencialmente político, mas                    espiritual e psicológico, se bem que seu campo de expressãomais visível e seu                            instrumento fundamental seja a ação política.  Para facilitar as coisas, uso as expressões “mente revolucionária” e                    “mentalidade revolucionária” para distinguir entre o fenômeno histórico                concreto, com toda a variedade das suas manifestações, e a característica                      essencial e permanente que permite apreender a sua unidade ao longo do                        tempo.  “Mentalidade revolucionária” é o estado de espírito, permanente ou                  transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o                          conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da                            ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuromelhor,                          está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só                      tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”. Mas o tribunal da                        História é, por definição, a própria sociedade futura que esse indivíduo ou                        grupo diz representar no presente; e, como essa sociedade não pode                      testemunhar ou julgar senão através desse seu mesmo representante, é claro                      que este se torna assim não apenas o único juiz soberano de seus próprios                            31  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  natureza, totalitária e universalmente expansiva: não há aspecto da vida                    humana que ela não pretenda submeter ao seu poder, não há região do globo                            a que ela não pretenda estender os tentáculos da sua influência.  Se, nesse sentido, vários movimentos político­militares de vastas                proporções devem ser excluídos do conceito de “revolução”, devem ser                    incluídos nele, em contrapartida, váriosmovimentos aparentemente pacíficos                e de natureza puramente intelectual e cultural, cuja evolução no tempo os                        leve a constituir­se em poderes políticos com pretensões de impor                    universalmente novos padrões de pensamento e conduta por meios                  burocráticos, judiciais e policiais. A rebelião húngara de 1956 ou a derrubada                        do presidente brasileiro João Goulart, nesse sentido, não foram revoluções de                      maneira alguma. Nemo foi a independência americana, um caso especial que                        terei de explicar num outro artigo. Mas sem dúvida são movimentos                      revolucionários o darwinismo e o conjunto de fenômenos pseudo­religiosos                  conhecido como Nova Era. Todas essas distinções terão de ser explicadas                      depois em separado e estão sendo citadas aqui só a título de amostra.  * * *  Entre outras confusões que este estudo desfaz está aquela que reina nos                        conceitos de “esquerda”e “direita”. Essa confusão nasce do fato de que essa                        dupla de vocábulos é usada por sua vez para designar duas ordens de                          fenômenos totalmente distintos. De um lado, a esquerda é a revolução em                        geral, e a direita a contra­revolução. Não parecia haver dúvida quanto a isso                          no tempo em que os termos eram usados para designar as duas alas dos                            Estados Gerais. A evolução dos acontecimentos, porém, fez com que o                      próprio movimento revolucionário se apropriasse dos dois termos, passando                  a usá­los para designar suas subdivisões internas. Os girondinos, que                    estavam à esquerda do rei, tornaram­se a “direita” da revolução, na mesma                        medida em que, decapitado o rei, os adeptos do antigo regime foram                        excluídos da vida pública e já não tinhamdireito a uma denominação política                          própria. Esta retração do “direitismo” admissível, mediante a atribuição do                    rótulo de “direita” a uma das alas da própria esquerda, tornou­se depois um                          mecanismo rotineiro do processo revolucionário. Ao mesmo tempo,                remanescentes contra­revolucionários genuínos foram freqüentemente          obrigados a aliar­se à “direita”revolucionária e a confundir­se com ela para                      poder conservar alguns meios de ação no quadro criado pela vitória da                        revolução. Para complicar mais as coisas, uma vez excluída a                    contra­revolução do repertório das idéias politicamente admissíveis, o                ressentimento contra­revolucionário continuou existindo como fenômeno            psico­social, e muitas vezes foi usado pela esquerda revolucionária como                    34  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  pretexto e apelo retórico para conquistar para a sua causa faixas de população                          arraigadamente conservadoras e tradicionalistas, revoltadas contra a              “direita” revolucionária imperante no momento. O apelo do MST à nostalgia                      agrária ou a retórica pseudo­tradicionalista adotada aqui e ali pelo fascismo                      fazem esquecer a índole estritamente revolucionária desses movimentos. O                  próprio Mao Dzedong foi tomado, durante algum tempo, como um                    reformador agrário tradicionalista. Também não é preciso dizer que, nas                    disputas internas do movimento revolucionário, as facções em luta com                    freqüência se acusam mutuamente de “direitistas” (ou “reacionárias”). À                  retórica nazista que professava destruir ao mesmo tempo “a reação” e “o                        comunismo” correspondeu, no lado comunista, o duplo e sucessivo discurso                    que primeiro tratou os nazistas como revolucionários primitivos e anárquicos                    e depois como adeptos da “reação” empenhados em “salvar o capitalismo”                      contra a revolução proletária.  Os termos “esquerda” e “direita” só têm sentido objetivo quando usados na                        sua acepção originária de revolução e contra­revolução respectivamente.                Todas as outras combinações e significados são arranjos ocasionais que não                      têm alcance descritivo mas apenas uma utilidade oportunística como                  símbolos da unidade de um movimento político e signos demonizadores de                      seus objetos de ódio.  Nos EUA, o termo “direita” é usado ao mesmo tempo para designar os                          conservadores em sentido estrito, contra­revolucionários até à medula, e os                    globalistas republicanos, “direita” da revolução mundial. Mas a confusão                  existente no Brasil émuito pior, onde a direita contra­revolucionária não tem                        nenhuma existência política e o nome que a designa é usado, pelo partido                          governante, para nomear qualquer oposição que lhe venha desde dentro                    mesmo dos partidos de esquerda, ao passo que a oposição de esquerda o                          emprega para rotular o próprio partido governante.  Para mim está claro que só se pode devolver a esses termos algum valor                            descritivo objetivo tomando como linha de demarcação o movimento                  revolucionário como um todo e opondo­lhe a direita contra­revolucionária,                  mesmo onde esta não tenha expressão política e seja apenas um fenômeno                        cultural.  A essência da mentalidade contra­revolucionária ou conservadora é a                  aversão a qualquer projeto de transformação abrangente, a recusa obstinada                    de intervir na sociedade como um todo, o respeito quase religioso pelos                        processos sociais regionais, espontâneos e de longo prazo, a negação de toda                        autoridade aos porta­vozes do futuro hipotético.  35  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Nesse sentido, o autor destas linhas é estritamente conservador. Entre                    outros motivos, porque acredita que só o ponto de vista conservador pode                        fornecer uma visão realista do processo histórico, já que se baseia na                        experiência do passado e não em conjeturações de futuro. Toda historiografia                      revolucionária é fraudulenta na base, porque interpreta e distorce o passado                      segundo o molde de um futuro hipotético e aliás indefinível. Não é uma                          coincidência que os maiores historiadores de todas as épocas tenham sido                      sempre conservadores.  Se, considerada em si mesma e nos valores que defende, a mentalidade                        contra­revolucionária deve ser chamada propriamente “conservadora”, é              evidente que, do ponto de vista das suas relações com o inimigo, ela é                            estritamente “reacionária”. Ser reacionário é reagir da maneira mais                  intransigente e hostil à ambição diabólica de mandar no mundo.          36  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Nacional da Bolívia. A Romênia era um país latino, e Khrushchev queria                        nossa “visão latina” sobre sua nova guerra de “libertação” religiosa. Ele                      também nos queria para enviar alguns padres que eram cooptadores ou                      agentes disfarçados para a América Latina – queria ver como “nós”                      poderíamos tornar palatável para aquela parte domundo a sua nova Teologia                        da Libertação.  “Naquele momento a KGB estava construindo uma nova organização                  religiosa internacional em Praga, chamada “​Christian Peace Conference​”                (CPC), cujo objetivo seria espalhar a Teologia da Libertação pela América                      Latina.  “Em 1968, o CPC – criado pela KGB – foi capaz de dirigir um grupo de                                bispos esquerdistas sul­americanos na realização de uma Conferência de                  Bispos Latino­americanos em Medellín, na Colômbia. O propósito oficial da                    Conferência era superar a pobreza. O objetivo não declarado foi reconhecer                      um novo movimento religioso, que encorajasse o pobre a se rebelar contra a                          ‘violência da pobreza institucionalizada’, e recomendá­lo ao Conselho                Mundial de Igrejas para aprovação oficial. A Conferência de Medellín fez as                        duas coisas. Também engoliu o nome de batismo dado pela KGB: ‘Teologia                        da Libertação.’”  Ou seja, em suas linhas essenciais, a idéia da TL veio pronta deMoscou três                              anos antes de que o jesuíta peruano Gustavo Gutierrez, com o livro Teología                          de la Liberación (Lima, Centro de Estudios y Publicaciones, 1971), se                      apresentasse como seu inventor original, decerto com a aprovação de seus                      verdadeiros criadores, que não tinham o menor interesse num                  reconhecimento público de paternidade. O tutor da criança, Leonardo Boff,                    entraria em cena ainda mais tarde, não antes de 1977. Até hoje as fontes                            populares, como por exemplo a Wikipedia, repetem como papagaios                  adestrados que o Pe. Gutierrez foi mesmo o gerador da coisa e o sr. Boff seu                                segundo pai.        39  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Um cadáver no poder (II)  Diário do Comércio​, 29 de janeiro de 2015    Volto à análise da Teologia da Libertação.  Se a coisa e até o nome que a designa vieram prontos da KGB, isso não quer                                  dizer que seus pais adotivos, Gutierrez, Boff e Frei Betto, não tenham tido                          nenhum mérito na sua disseminação pelo mundo. Ao contrário, eles                    desempenharam um papel crucial nas vitórias da TL e no mistério da sua                          longa sobrevivência.  Os três, mas principalmente os dois brasileiros, atuaram sempre e                    simultaneamente em dois planos. De um lado, produzindo artificiosas                  argumentações teológicas para uso do clero, dos intelectuais e da Cúria                      romana. De outro lado, espalhando sermões e discursos populares e                    devotando­se intensamente à criação da rede de militância que se                    notabilizaria com o nome de “comunidades eclesiais de base” e viria a                        constituir a semente do Partido dos Trabalhadores. “Base” é aliás o termo                        técnico usado tradicionalmente nos partidos comunistas para designar a                  militância, distinguindo­a dos líderes. Sua adoção pela TL não foi mera                      coincidência. Quando os pastores se transformaram em comissários políticos,                  o rebanho tinha mesmo de tornar­se “base”.  No seu livro​E a Igreja se Fez Povo​, de 1988, Boff confessa que foi tudo um                                  “plano ousado”, concebido segundo as linhas da estratégia da lenta e sutil                        “ocupação de espaços” preconizada pelo fundador do Partido Comunista                  Italiano, Antonio Gramsci. Tratava­se de ir preenchendo aos poucos todos os                      postos decisivos nos seminários e nas universidades leigas, nas ordens                    religiosas, na mídia católica e na hierarquia eclesiástica, sem muito alarde,                      até chegar a época em que a grande revolução pudesse exibir­se a céu aberto.  Logo após o conclave que o elegeu, em 1978, o papa João Paulo I teve um                                encontro com vinte cardeais latino­americanos e ficou muito impressionado                  com o fato de que a maioria deles apoiava ostensivamente a Teologia da                          Libertação. Informaram­lhe, na ocasião, que já havia mais de cem mil                      “comunidades eclesiais de base” disseminando a propaganda revolucionária                na América Latina. Até então, João Paulo I conhecia a TL apenas como                          especulação teórica. Nem de longe imaginava que ela pudesse ter se                      transformado numa força política de tais dimensões.  Em 1984, quando o cardeal Ratzinger começou a desmontar os argumentos                      teóricos da “Teologia da Libertação”, já fazia quatro anos que as                      “comunidades eclesiais de base” tinham se transfigurado num partido de                    massas, o Partido dos Trabalhadores, cuja militância ignora maciçamente                  quaisquer especulações teológicas, mas jura que Jesus Cristo era socialista                    porque assim dizem os líderes do partido.  Dito de outro modo, a pretensa argumentação teológica já tinha cumprido                      o seu papel de alimentar discussões e minar a autoridade da Igreja, e fora                            substituída, funcionalmente, pela pregação aberta do socialismo, onde o                  esforço aparentemente erudito de aproximar cristianismo emarxismo cedia o                    passo aomanejo de chavões baratos e jogos de palavras nos quais amilitância                            não procurava nem encontrava uma argumentação racional, mas apenas os                    40  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  símbolos que expressavam e reforçavam a sua unidade grupal e o seu espírito                          de luta.  O sucesso deste segundo empreendimento foi proporcional ao fracasso do                    trio na esfera propriamente teológica. É possível que na Europa ou nos EUA                          um formador de opinião com pretensões de liderança não sobreviva à sua                        desmoralização intelectual, mas na América Latina, e especialmente no                  Brasil, a massa militante está a léguas de distância de qualquer preocupação                        intelectual e continuará dando credibilidade ao seu líder enquanto este                    dispuser de um suporte político­partidário suficiente.  No caso de Boff e Betto, esse suporte foi nada menos que formidável.                          Fracassadas as guerrilhas espalhadas em todo o continente pela OLAS,                    Organización Latino­Americana de Solidariedad, fundada por Fidel Castro                em 1966, a militância se refugioumaciçamente nas organizações da esquerda                      não­militar, que iam colocando em prática as ideias de Antonio Gramsci                      sobre a “ocupação de espaços” e a “revolução cultural”. A estratégia de                        Gramsci usava a infiltraçãomaciça de agentes comunistas em todos os órgãos                        da sociedade civil, especialmente ensino e mídia, para disseminar propostas                    comunistas pontuais, isoladas, sem rótulo de comunismo, de modo a obter                      pouco a pouco um efeito de conjunto no qual ninguém visse nada de                          propaganda comunista, mas no qual o Partido, ou organização equivalente,                    acabasse controlando mentalmente a sociedade com “o poder invisível e                    onipresente de um mandamento divino, de um imperativo categórico” (sic).  Nenhum instrumento se prestava melhor a esse fim do que as                      “comunidades eclesiais de base”, onde as propostas comunistas podiam ser                    vendidas com o rótulo de cristianismo. No Brasil, o crescimento avassalador                      dessas organizações resultou, em 1980, na fundação do Partido dos                    Trabalhadores, que se apresentou inicialmente como um inocente                movimento sindicalista da esquerda cristã e só aos poucos foi revelando os                        seus vínculos profundos com o governo de Cuba e com várias organizações de                          guerrilheiros e narcotraficantes. O líder maior do Partido, Luís Inácio “Lula”                      da Silva, sempre reconheceu Boff e Betto como mentores da organização e                        dele próprio.  Nascido no bojo do comunismo latino­americano por intermédio das                  “comunidades eclesiais de base”, o Partido não demoraria a devolver o favor                        recebido, fundando, em 1990, uma entidade sob a denominação                  gramscianamente anódina de “Foro de São Paulo”, destinada a unificar as                      várias correntes de esquerda e a tornar­se o centro de comando estratégico                        do movimento comunista no continente.  Segundo depoimento do próprio Frei Betto, a decisão de criar o Foro de                          São Paulo foi tomada numa reunião entre ele, Lula e Fidel Castro, em                          Havana. Durante dezessete anos o Foro cresceu em segredo, chegando a                      reunir aproximadamente duzentas organizações filiadas, misturando partidos              legalmente constituídos, grupos de sequestradores como o MIR chileno e                    quadrilhas de narcotraficantes como as Farc, que juravam nada ter com o                        tráfico de drogas mas então já costumavam trocar anualmente duzentas                    toneladas de cocaína colombiana por armas contrabandeadas do Líbano pelo                    traficante brasileiro Fernandinho Beira­Mar.  41  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Por trás da subversão  Diário do Comércio​, 5 de junho de 2006     No começo de 2001, o Council on Foreign Relations (CFR), bilionário think                        tank de onde já emergiram tantos presidentes e secretários de Estado que há                          quem o considere uma espécie de metagoverno dos EUA, criou uma                      “força­tarefa”, transbordante de Ph.­Ds, presidida pelo historiador Kenneth                Maxwell e encarregada de sugerir modificações na política de Washington                    para com o Brasil. A primeira lista de sábios conselhos, publicada logo em 12                            de fevereiro, enfatizava “a urgência de trabalhar com o Brasil no combate à                          praga das drogas e à sua influência corruptora sobre os governos”.  Naquele momento, destruídos os antigos cartéis, emergiam como                dominadoras do mercado de drogas na América Latina as Forças Armadas                      Revolucionárias da Colômbia, deliberadamente poupadas pelo Plano              Colômbia do governo Clinton sob o pretexto de que o combate ao                        narcotráfico deveria ser apolítico. As Farc, uma organização comunista,                  haviam entrado no mercado das drogas para financiar suas operações                    terroristas e a tomada do poder. Desde 1990 faziam parte do Foro de São                            Paulo, onde articulavam suas ações com a estratégia geral da esquerda                      latino­americana, garantindo apoios políticos que a tornavam virtualmente                imunes a perseguições em vários países onde operavam. No Brasil, por                      exemplo, a despeito das centenas de toneladas de cocaína que por meio do                          seu sócio Fernandinho Beira­Mar elas despejavam anualmente nomercado, e                    apesar dos tiros que de vez em quando trocavam com o Exército na floresta                            amazônica, as Farc eram bem tratadas: seus líderes circulavam livremente                    pelas ruas sob a proteção das autoridades federais e eram recebidos como                        hóspedes oficiais pelo governo petista do Estado do Rio Grande. Nunca,                      portanto, as relações entre narcotráfico e política tinham sido mais íntimas.                      Arriscavam tornar­se ainda mais intensas porque Luís Inácio Lula da Silva,                      fundador do Foro e portanto orquestrador maior da estratégia comum entre                      partidos legais de esquerda e organizações criminosas, parecia destinado a                    ser o próximo presidente do Brasil.  A integração crescente de narcotráfico e política tornava portanto urgente                    combater “a praga das drogas e sua influência sobre os governos”. E a única                            maneira de fazer isso era, evidentemente, desmantelar o Foro de São Paulo.                        Vista nessa perspectiva, a sugestão da “força­tarefa” parecia mesmo                  oportuna. Mas só a interpreta assim quem não entende as sutilezas do                        metagoverno. O sentido literal da frase expressava, de fato, o oposto                      simétrico do que o CFR pretendia.  44  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Desde logo, o Foro de São Paulo, para continuar se imiscuindo                      impunemente na política interna de várias nações latino­americanas,                necessitava manter sua condição de entidade discreta ou semi­secreta, e o                      próprio chefe da força­tarefa o ajudava nisso. Em artigo publicado na New                        York Review of Books – e, é claro, reproduzido na Folha ­­, Maxwell                          declarava que o Foro simplesmente não existia, porque “nem os mais bem                        informados especialistas com quem conversei no Brasil jamais ouviram falar                    dele”.  Para um historiador profissional, confiar­se à opinião de terceiros em vez                      de averiguar as fontes primárias, então fartamente disponíveis no próprio site                      do Foro, era uma escandalosa prova de inépcia. Na época, o sr. Maxwell                          pertencia (pertence ainda) ao círculo de iluminados que costumava (costuma                    ainda) ser ouvido com o máximo respeito pela mídia brasileira,                    especialmente pela Folha de S. Paulo. Isso parecia dar uma prova                      incontestável de que ele era de fato um jumento, tendo agido demaneira tão                            extravagante em pura obediência à sua natureza animal. Mas agora noto que                        isso não explicava tudo. Logo depois, outro intelectual de grande reputação                      nos círculos asininos, Luiz Felipe de Alencastro, professor de História do                      Brasil na Sorbonne e colunista da Veja, brilhava num debate do CFR                        emprestando à tese da inexistência do Foro de São Paulo o aval da sua                            formidável autoridade e ainda acrescentava ter sido eu o criador da lendária                        organização... Dar sumiço na coordenação continental do movimento                comunista latino­americano parecia ter­se tornado um hábito consagrado no                  CFR.  Isso poderia ser apenas um inocente acúmulo de erros de interpretação se a                          entidade não tivesse cultivado simultaneamente um outro hábito: o das boas                      relações com as Farc. Em 1999, o presidente da Bolsa de Valores de Nova                            York, Richard Grasso, membro do CFR, fez uma visita de cortesia ao                        comandante das Farc, Raul Reyes, e saiu dali festejando a comunidade de                        interesses entre a quadrilha colombiana e a elite financeira “progressista” dos                      EUA. Logo em seguida, outros dois membros do CFR, James Kimsey,                      presidente emérito da America Online, e Joseph Robert, chefe do                    conglomerado imobiliário J. E. Robert, tinham um animado encontro com o                      próprio fundador das Farc, o velho Manuel Marulanda, e em seguida iam ao                          presidente colombiano Pastrana para tentar convencê­lo, com sucesso, a ficar                    de bem com a narcoguerrilha.  A divisão de trabalho era nítida: os potentados do CFR negociavam com a                          pricipal força de sustentação militar e financeira do Foro de São Paulo,                        enquanto seus office­boysintelectuais cuidavam de despistar a operação                45  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  proclamando que o Foro nem sequer existia. O CFR alardeava a intenção de                          eliminar a influência do narcotráfico nos governos ao mesmo tempo que                      contribuía ativamente para que essa influência se tornasse mais vasta e                      fecunda do que nunca.  Ao CFR pertencia também o presidente Clinton, cujo famigerado Plano                    Colômbia tinha tido por principal resultado eliminar os concorrentes e                    entregar às Farc o quase monopólio do mercado de drogas na América                        Latina. Em 2002, a política latino­americana dos grão­senhores globalistas                  sofria umupgrade: ao esforço de embelezar as Farc somava­se agora o                      empenho de fazer do presidente do Foro de São Paulo o presidente do Brasil.                            Poucos dias antes da eleição de 2002, a embaixadora americana Donna                      Hrinak, que não sei se pertence pessoalmente ao CFR mas está entre os                          fundadores de uma entidade estreitamente associada a ele, o Diálogo                    Interamericano, fazia propaganda descarada do candidato petista,              proclamando­o “uma encarnação do sonho americano”. Embora fosse uma                  interferência ilegal e indecente de autoridade estrangeira numa eleição                  nacional ­­ só não causando escândalo porque até a prepotência imperialista                      se torna amável quando trabalha para o lado politicamente correto ­­, e                        embora a fórmula verbal escolhida para realizá­la fosse uma absurdidade sem                      par (pois não consta quemuitos americanos tivessem como suprema ambição                      parar de trabalhar aos 24 anos para fazer carreira numpartido comunista), a                          expressão fez tanto sucesso que, logo em seguida, foi repetida ipsis litteris,                        sem citação de fonte, num artigo daNew York Review of Books que celebrava                          entusiasticamente a vitória de Lula. Adivinhem quem assinava o artigo? O                      indefectível Kenneth Maxwell.  Diante desses fatos, alguém ainda hesitará em perceber que as ligações                      entre o esquerdismo pó­de­arroz do CFR e o esquerdismo sangue­e­fezes dos                      Marulandas e Reyes são mais íntimas do que caberia na imagem                      estereotipada de uma hostilidade essencial e irredutível entre capitalistas                  reacionários e comunistas revolucionários? O sentido dos acontecimentos é                  transparente demais, mas o cérebro das nossas elites ainda é capaz de                        projetar sobre eles a sua própria obscuridade para esquivar­se de tirar as                        conclusões que eles impõem.  É claro que não endosso a idéia de que o CFR, como instituição, seja uma                              central conspiratória pró­comunista. Muitos de seus membros são patriotas                  americanos que jamais endossariam conscientemente uma política              prejudicial ao seu país. Mas não dá para esconder que, ali dentro, um grupo                            de bilionários reformadores do mundo, incalculavelmente poderosos, tem                induzido a entidade a influenciar o governo de Washington, quase sempre                      46  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Moreira Alves, Mário Augusto Jacobskind e Cesar Benjamin. A duplicidade                    de tratamento deixa a vítima desnorteada e acaba por subjugá­la. Entre tapas                        e beijos, boa parte da nossa oficialidade se deixou facilmente cair no engodo,                          mostrando ter mesmo QI de ratinho de laboratório. A recente palestra do                        comandante do Exército em Porto Alegre mostra até que ponto uma                      instituição caluniada, marginalizada e espezinhada sente alívio e reconforto                  ante a oferta humilhante de um lugarzinho no banquete de seus tradicionais                        detratores.  Ardis semelhantes foram aplicados entre empresários e políticos, com igual                    eficácia.  É por isso que se tornou tão difícil explicar aos brasileiros aquilo que, entre                            os conservadores americanos, até os mais lerdos de inteligência como Pat                      Robertson entendem perfeitamente bem: que a elite globalista é o inimigo                      número um da soberania nacional americana e, por tabela, mas somente por                        tabela, de todas as demais soberanias.   Quem foi que inventou o Brasil?  Zero Hora​, 11 de junho de 2006     Se todos os meios de produção são estatizados, não há mercado. Sem                        mercado, os produtos não têm preços. Sem preços, não se pode fazer cálculo                          de preços. Sem cálculo de preços, não há planejamento econômico. Sem                      planejamento, não há economia estatizada. “Comunismo” é apenas uma                  construção hipotética destituída de materialidade, um nome sem coisa                  nenhuma dentro, um formalismo universal abstrato que não escapa ileso à                      navalha deOccam. Não existiu nem existirá jamais uma economia comunista,                      apenas uma economia capitalista camuflada ou pervertida, boa somente para                    sustentar uma gangue de sanguessugas politicamente lindinhos.  Desde que Ludwig von Mises explicou essas obviedades em 1922, muitas                      conseqüências se seguiram.  Os líderes comunistas, por mais burros que fossem, entenderam                  imediatamente que o sábio austríaco tinha razão, mas não podiam, em                      público, dar o braço a torcer. Tolerando doses cada vez maiores de                        capitalismo legal ou clandestino nos territórios que dominavam, continuaram                  teimando em buscar algum arranjo que maquiasse o inevitável. Eduard                    Kardelij, ministro da Economia da Iugoslávia, chegoumesmo a imaginar que                      seria possível uma comissão de planejadores iluminados determinar um a                    um, por decreto, os preços de milhões de artigos, desde aviões supersônicos                        até agulhas de costura. A idéia jamais foi levada à prática, porque se                          assemelhava demasiado ao método português de matar baratas jogando uma                    49  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  bolinha de naftalina em cada uma. Os soviéticos permitiram que o                      capitalismo oficialmente banido continuasse prosperando na sombra e                respondesse por quase cinqüenta por cento da economia da URSS. Daí o                        enxame de milionários que emergiram da toca, da noite para o dia, quando                          da queda do Estado soviético: eles jamais teriam podido existir num regime                        de proibição efetiva da propriedade privada.  Alguns grandes capitalistas ocidentais tiraram da demonstração de von                  Mises algumas conclusões mais agradáveis (para eles próprios). Se a                    economia comunista era impossível, todos os esforços destinados                nominalmente a criá­la acabariam gerando alguma outra coisa. Essa outra                    coisa só poderia ser um capitalismo oculto, como naURSS, ou um socialismo                          meia­bomba, uma simbiose entre o poder do Estado e os grupos econômicos                        mais poderosos, um oligopólio, em suma. As duas hipóteses prometiam                    lucros formidáveis, aquela pela absoluta ausência de impostos, esta pela                    garantia estatal oferecida aos amigos do governo contra os concorrentes                    menos dotados. Se a primeira ainda comportava alguns riscos menores                    (extorsão, vinganças pessoais de funcionários públicos mal subornados), a                  segunda era absolutamente segura. Foi então que um grupo de bilionários                      criou o plano estratégicomaismaquiavélico da história econômicamundial ­­                      inventaram a fórmula assim resumida ironicamente pela colunista Edith                  Kermit Roosevelt (neta de Theodore Roosevelt): “A melhor maneira de                    combater o comunismo seria uma Nova Ordem socialista governada por                    ‘especialistas’ como eles próprios.” Essa idéia espalhou­se como fogo entre os                      membros do CFR, Council on Foreign Relations, o poderoso think                    tanknovaiorquino. A política adotada desde então por todos os governos                    americanos (exceto Reagan) para com o Terceiro Mundo, na base de                      combater a “extrema esquerda” mediante o apoio dado à “esquerda                    moderada”, foi criada diretamente pelo CFR. O esquema era infalível: se os                        “moderados” vencessem a parada, estaria instaurado o monopolismo; se os                    comunistas subissem ao poder, entraria automaticamente em ação o Plano B,                      o capitalismo clandestino. A “extrema esquerda”, apresentada como “o”                  inimigo, não era na verdade o alvo visado, era apenas a mão esquerda do                            plano. O verdadeiro alvo era o livremercado, que deveria perecer sob o duplo                            ataque de seus inimigos e de seus “defensores” os quais, usando o espantalho                          da revolução comunista, o induziam a fazer concessões cada vez maiores ao                        socialismo alegadamente profilático da esquerda “boazinha”.  Reduzir o leque das opções políticas a uma disputa entre comunistas e                        socialdemocratas tem sido há meio século o objetivo constante dos                    50  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  bilionários inventores da Nova Ordem global. O Brasil de hoje é o laboratório                          dos seus sonhos.      51  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Wagner esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São                          Paulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o "Diálogo                      Interamericano". Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é                            realmente necessária para demonstrar algo que metade da América já                    conhece por outros e abundantes sinais, isto é, que os líderes mais                        barulhentos do Partido Democrata são notórios protetores de movimentos                  revolucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescentado à lista,                        não modificaria em grande coisa as biografias desses personagens                  vampirescos).  O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data                            aproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas,                      importante publicação de língua espanhola emMiami, na qual falava do Foro                        de São Paulo e de suas relações perigosas com o "Diálogo". Mas isto já seria                              matéria para outra investigação, e longe de mim a intenção de explicar                        obscurum per obscurius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse                      aspecto particularmente enigmático do problema, uma coisa posso garantir:                  os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à disposição da equipe de                        pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da Associação Comercial de São                      Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente Wagner, permitem                  retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano teremos pelo                            menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente                      mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questão do                            "Diálogo", mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem mais                      urgente e bem mais próximo de nós.  Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos:  Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já                            existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele                          participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma                      organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma                      centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao                    narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno,                          todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de                    vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma                        convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre                      a política e o crime.  Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de TV e estações                        de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que mais se                          gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias corajosas                    – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades dessa                        54  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a respeito,                    em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso solícito à provocação                        insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicasmais persuasivas,                  tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio desdenhoso,                      faziam­no com desconversas levianas, com objeções céticas inteiramente                apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com observações                  sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombariamais                          estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação dos                          fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase                        completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A                          volumosa prova documental mostrou­se incapaz de demover os                negacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados, mentalmente            paralisados diante de uma hipótese mais temível do que seus cérebros                      poderiam suportar na ocasião.  O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias                              organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros,                    como as FARC e o MIR chileno.  A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um                      lado, o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às                        pressas, para só voltarmeses depois, em versão bastante expurgada. De outro                        lado, entre os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo                        asunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do                      Foro de São Paulo. Dois personagens destacaram­se especialmente nesse                  servicinho sujo: o inglês Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de                        Alencastro. Para anunciar ao mundo a completa inexistência da entidade que                      eu denunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usaram                      como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council on Foreign Relations, o                          mais poderoso think tank americano, dando assim à ignorância dolosa (ou à                        mentira grotesca) o aval de uma autoridade considerável. Quem ainda tenha                      ilusões quanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica, mesmo                  exercida nos chamados "grandes centros" (Alencastro é professor na                  Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio CFR em                          assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples                    notificação desses fatos.  Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à                          suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia                        poderia imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos                  com as organizações criminosas participantes do Foro de São Paulo, cuja                      existência, portanto, não poderiam ignorar (leia­se a respeito o meu artigo                      55  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  "Por trás da subversão", Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2006,                          http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html). Em suma, o        Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação criminosa, que                        envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda                    latino­americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais                  gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada                      desprezível da elite política e financeira norte americana.  A gravidade desses fatos mede­se pela amplitude e persistência da sua                      ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou­se o motor                        principal das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que                    a ignorância geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a                              totalidade da vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se                            transformasse numa engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o                  crescimento de um esquema de poder que se alimentava gostosamente da sua                        própria invisibilidade. A queda vertiginosa do nível de consciência pública                    nessas condições, era não só previsível como inevitável. As opiniões                    circulantes tornaram­se uma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e                  erros maciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cresciam                          ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opinião, cada um                          apegando­se às explicações mais desencontradas, extemporâneas e              impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação psicológica                      resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes                      que a determinou não tem paralelo na história universal.  Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os                          culpados se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando­a                  de "teoria da conspiração". Mas quem falou em conspiração? O que vemos é                          uma gigantesca movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de                    correntes históricas, que para permanecer imune à curiosidade popular não                    precisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapacidade pública                      de apreender a sua complexidade inabarcável e de acreditar na existência de                        tanta malícia organizada.  O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer                      época ou país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê­lo um                            dia, ele ainda constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos                        historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo "onipresente e                            invisível" sonhado por Antonio Gramsci. estratégica comum e na busca de                      vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma                        convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre                      a política e o crime.  56  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo "onipresente e                            invisível" sonhado por Antonio Gramsci.        59  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  Digitais do Foro de São Paulo  Diário do Comércio​, 28 de janeiro de 2008    Nos documentos de fonte primária sobre o Foro de São Paulo, encontramos                        as seguintes informações:  1) Conforme afirmei desde o início, e contra todo o exército de achismos e                            desconversas, o Foro de São Paulo existe e é a coordenação estratégica do                          movimento comunista na América Latina (ver documento original em ​3°                    Congresso do PT e comentário em ​O Manifesto Comunista do PT​; outro                        documento original em ​Discurso do presidente da República, Luiz Inácio                    Lula da Silva, no encerramento do Encontro de Governadores da Frente                      Norte do Mercosul​ e comentário em ​Saindo do armário​).  2) Ao longo de seus dezessete anos e meio de atividade, não se observa nas                              atas de suas assembléias e grupos de trabalho a menor divergência, muito                        menos conflito sério, entre as centenas de facções de esquerda que o                        compõem. Todas as declarações finais foram assinadas pela unanimidade dos                    participantes (cf. transcrição das atas e assinaturas em​"Atas do Foro de São                          Paulo"​). Nenhuma das queixas e recriminações vociferadas pelos antipetistas                  de esquerda na mídia que eles mesmos chamam de direitista e burguesa foi                          jamais levada às discussões internas do Foro, o que prova que a esquerda                          latino­americana permanece unida por baixo de suas divergências de                  superfície, por mais que estas impressionem a platéia ingênua.  3) As ações do Foro prolongam­se muito além daquilo que consta das atas.                          Segundo confissão explícita do sr. presidente da República, os encontros da                      entidade são ocasião de conversações secretas que resultam em decisões                    estratégicas de grande alcance, como, por exemplo, a articulação                  internacional que consolidou o poder de Hugo Chávez na Venezuela (ver o                        documento oficial em​"Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula                    da Silva, no ato político de celebração aos 15 anos do Foro de São Paulo" e                                comentário em ​Lula, réu confesso"​). Estas decisões e sua implementação                    prática subentendem uma unidade estratégica e tática ainda mais efetiva do                      que aquela que transparece nas atas.  4) Segundo as Farc, a criação desse mecanismo coordenador salvou da                      extinção o movimento comunista latino­americano e foi diretamente                responsável pela ascensão dos partidos de esquerda ao poder em várias                      nações do continente. (ver Comissão Internacional das Farc, “Saudação à                    Mesa Diretora do Foro de São Paulo, 16 de janeiro de 2007”,                        significativamente já retirado do ar, mas recuperável em                60  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  http://web.archive.org/web/20070310215800/www.farcep.org/?node>2,251 3,1 ​).  5) As declarações de solidariedade mútua firmadas no Foro de São Paulo                        entre partidos legais e organizações criminosas (ver por exemplo X Foro de                        São Paulo, “Resolução de Condenação ao Plano Colômbia e de Apoio ao Povo                          Colombiano”) não ficaram no papel, mas traduziram­se em ações políticas                    em que as entidades legais eram instantaneamentemobilizadas para proteger                    e libertar os agentes das Farc e do Mir presos pelas autoridades locais                          (explicarei isto melhor, com os documentos respectivos, num próximo                  artigo).  Na pesquisa histórica, na investigação policial, nos processos judiciais, na                    ciência política ou em qualquer discussão pública que se pretendamais séria                        do que propaganda eleitoral ou conversa de botequim, o princípio mais                      elementar e incontornável é que os documentos de fonte primária são a                        autoridade absoluta, o critério último de arbitragem entre as hipóteses e                      opiniões.  Trinta anos de definhamento intelectual sem precedentes no mundo                  civilizado tornaram esse princípio inacessível e incompreensível às mentes                  dos formadores de opinião neste país, principalmente aqueles que a mídia                      considera mais respeitáveis e dignos de ser ouvidos.  A idéia mesma de “prova”, sem a qual não existe justiça, nem ciência, nem                            honestidade, nem muito menos a possibilidade da ação racionalmente                  conduzida, desapareceu do horizonte de consciência desses indivíduos, que                  se rebaixaram assim à condição de criancinhas mentirosas, apegadas a                    sonsos jogos de palavras para fazer desaparecer por mágica os fatos que as                          desagradam ou que por outro motivo qualquer desejam ocultar.  Não digo apenas que se tornaram desonestos: abdicaram por completo da                      capacidade de distinguir o honesto do desonesto, o certo do errado, o                        verdadeiro do falso. Uns fizeram isso por sacrifício voluntário no altar de suas                          crenças políticas, outros por presunção vaidosa, outros por comodismo,                  outros por mera covardia.  Confiado neles, o Brasil cometeu suicídio intelectual, tornando­se um país                    incapaz de acompanhar sua própria história presente com aquele mínimo de                      consciência alerta cuja presença distingue a vigília do sono.  Jamais, na história da mídia mundial, tantos traíram aomesmo tempo sua                        missão de investigar e informar.    61  Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho  seus próprios termos os planos e ações dos outros dois, em parte para fins de                              propaganda, em parte por genuína incompreensão.  As análises estratégicas de parte a parte refletem, cada uma, o viés                        ideológico que lhe é próprio. Ainda que tentando levar em conta a totalidade                          dos fatores disponíveis, o esquema russo­chinês privilegia o ponto de vista                      geopolítico e militar, o ocidental o ponto de vista econômico, o islâmico a                          disputa de religiões.  Essa diferença reflete, por sua vez, a composição sociológica das classes                      dominantes nas áreas geográficas respectivas:  1) Oriunda da Nomenklatura comunista, a classe dominante russo­chinesa                  compõe­se essencialmente de burocratas, agentes dos serviços de inteligência                  e oficiais militares.  2) O predomínio dos financistas e banqueiros internacionais                noestablishment ocidental é demasiado conhecido para que seja necessário                  insistir sobre isso.  3) Nos vários países do complexo islâmico, a autoridade do governante                      depende substancialmente da aprovação da umma – a comunidade                  multitudinária dos intérpretes categorizados da religião tradicional. Embora                haja ali uma grande variedade de situações internas, não é exagerado                      descrever como “teocrática” a estrutura do poder dominante.  Assim, pela primeira vez na história do mundo, as três modalidades                      essenciais do poder – político­militar, econômico e religioso – encontram­se                    personificadas em blocos supranacionais distintos, cada qual com seus planos                    de dominação mundial e seus modos de ação peculiares. Isso não quer dizer                          que cada um não atue em todos os fronts, mas apenas que suas respectivas                            visões históricas e estratégicas são delimitadas, em últ1ima instância, pela                    modalidade de poder que representam. Não é exagero dizer que o mundo de                          hoje é objeto de uma disputa entre militares, banqueiros e pregadores.  Praticamente todas as análises de política internacional hoje disponíveis na                    mídia do Brasil ou de qualquer outro país refletem a subserviência dos                        “formadores de opinião” a uma das três correntes em disputa, e portanto o                          desconhecimento sistemático de suas áreas de cumplicidade e ajuda mútua.                    Esses indivíduos julgam fatos e “tomam posições” com base nos valores                      abstratos que lhes são caros, sem nem mesmo perguntar se suas palavras, na                          somatória geral dos fatores em jogo no mundo, não acabarão concorrendo                      para a glória de tudo quanto odeiam. Os estrategistas dos três grandes                        projetos mundiais estão bem alertados disso, e incluem os comentaristas                    políticos – jornalísticos ou acadêmicos – entre osmais preciosos idiotas úteis                        a seu serviço.  64  65 Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho