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Sujeitos processuais no processo de interdição, Slides de Direito

Processo civil. Ação de interdição. Legitimidade ativa. Ordem legal. Taxativa. Não prioritária. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Baixe Sujeitos processuais no processo de interdição e outras Slides em PDF para Direito, somente na Docsity! Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 207 Sujeitos processuais no processo de interdição Robson Renault Godinho* Sumário 1. Delimitação do tema. 2. Partes, terceiros e sujeitos processuais. 3. Legitimados ativos. 3.1. Autointerdição. 4. Legitimidade passiva. 5. Ministério Público. 6. Curador especial. 7. Intervenção de terceiros e jurisdição voluntária. 7.1 A intervenção prevista no art. 752, §3º, CPC. 8. Perito. 9. Juiz. 9.1. Entrevista. 9.2. Sentença. 10. Curador. 1. Delimitação do tema O processo de interdição regulado pelos artigos 747 a 758 do CPC apresenta diversas complexidades1, não só pela situação jurídica que pode constituir ao final, com toda a dificuldade inerente a questões envolvendo pessoas com deficiência que interfere em sua vida civil, mas também por envolver questões processuais que se apresentam com especial singularidade, como as que atingem precisamente os sujeitos processuais que dele participam. O presente trabalho, portanto, propõe-se a examinar apenas as questões sobre os sujeitos envolvidos no processo de interdição tal como disciplinado no Código de Processo Civil, com os inerentes reflexos de direito material, evidentemente, mas sem * Pós-doutor pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Promotor de Justiça do Ministério Público de Estado do Rio de Janeiro. 1 O próprio uso da palavra “interdição” é polêmico, especialmente após a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei no 13.146/15, também denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), já que carrega forte carga repressora e limitadora daquele que poderá se encontrar em situação de curatela (a bibliografia sobre o tema é ampla, especialmente na área não jurídica; para não nos alongarmos, apenas duas referências, uma jurídica, uma da área psiquiátrica e outra da área de Serviço Social, respectivamente: ABREU, Célia Barbosa. Curatela e Interdição Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. DELGADO, Pedro Gabriel. As Razões da Tutela: psiquiatria, justiça e cidadania do louco no Brasil. Rio de Janeiro: Te Corá, 1992. MEDEIROS, Maria Bernadette de Moraes. Interdição Civil: proteção ou exclusão. São Paulo: Cortez, 2007. Entretanto, optamos pela manutenção do termo tradicional por ser assim tratado no Código de Processo Civil, no cotidiano forense e no próprio Estatuto, quando, por meio do art. 114, alterou os artigos 1.771 e 1.772, parágrafo único, do Código Civil (cf. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1929/1930). Confira-se a relevante abordagem de Fernando da Fonseca Gajardoni: GAJARDONI; DELLORE; ROQUE; OLIVEIRA JR. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 1290/1294. Book_RMP-78.indb 207 28/05/2021 12:39:33 208 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho qualquer pretensão de abranger os demais problemas processuais desse procedimento de jurisdição voluntária2 e muito menos do Estatuto da Pessoa com Deficiência3. Em síntese, serão analisados os legitimados ativos, o papel do Ministério Público, a curadoria especial, a intervenção prevista no art. 752, §3º, CPC, os comportamentos do interditando, bem como os papeis do perito e do juiz no processo de interdição. Em alguns aspectos, o trabalho será predominantemente descritivo, mas esse enfoque se justifica para que seja situado o contexto em que se relacionam os sujeitos no processo de interdição. Além disso, ainda que o processo de interdição seja muitíssimo utilizado na prática e seu procedimento tenha sido bastante aperfeiçoado no atual Código de Processo Civil, ainda são raros os estudos na doutrina processual, de modo que nenhuma informação assuma característica supérflua nesse tema. 2. Partes, terceiros e sujeitos processuais Há diversos problemas relacionados à modificação subjetiva do processo, cujos contornos legislativos e doutrinários clássicos não são suficientes para conciliar a complexidade da sociedade contemporânea com um processo democrático4. E essas 2 O tema será estudado de modo mais amplo e profundo no volume que escrevemos sobre todos os procedimentos de jurisdição voluntária e que integrará a coleção de Comentários ao Código de Processo Civil da editora Saraiva, coordenada por José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca, no prelo. Sobre o processo de interdição no atual Código de Processo Civil, onde se encontrarão outras indicações bibliográficas, recomendam-se dois trabalhos: GUEDES, Jefferson Carús. Comentários ao Código de Processo Civil. Marinoni, Arenhart e Mitidiero (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 313. vol. 11. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016. 3 Além das obras sistemáticas de Direito Civil atualizadas já de acordo com o referido Estatuto, recomendam- se como fontes complementares de pesquisa: Estatuto da Pessoa Comentado. Farias, Cunha e Pinto (coord.). 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. Leite, Ribeiro e Costa Filho. São Paulo: Saraiva, 2016. Direito das Pessoas com Deficiência Psíquica e Intelectual nas relações Privadas. Joyceane Bezerra de Menezes (org.). Rio de Janeiro: Processo, 2016. REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência, Incapacidades e Interdição. Salvador: JusPodivm, 2016. SOUZA, Iara Antunes de. Estatuto da Pessoa com Deficiência: curatela e saúde mental. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016. BARBOZA; MENDONÇA; ALMEIDA JUNIOR (coord.). O Código Civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Rio de Janeiro: Processo, 2017. AZEVEDO, Rafael Vieira de. A Capacidade Civil da Pessoa com Deficiência no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. A Teoria das Incapacidades e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 2ª ed. Pereira, Morais e Lara (org.). Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. Registre-se que, por meio art. 116 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Código Civil passou a prever, em seu art. 1.783-A, o instituto da Tomada de Decisão Apoiada, que aqui também não será analisada (sobre esse instituto, cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 927/931. vol. 6). 4 Esses problemas envolvendo os sujeitos do processo trazem novas reflexões também sobre a noção do que Antonio do Passo Cabral denomina de “zonas de interesse”: “Não obstante, inúmeros ordenamentos e muitos autores sempre estiveram apegados a uma polarização da demanda, vinculando estaticamente a atuação dos sujeitos do processo à correlata posição que aquele sujeito ocupa na relação jurídica material. Na doutrina de origem germânica, consagrou-se um princípio ou sistema de dualidade de partes (Zweiparteienprinzip), pois, se ninguém pode litigar consigo mesmo, o processo só seria possível no âmbito de uma plurissubjetividade direcionada àqueles indivíduos que conflitam em torno de uma relação jurídica material. Ainda que a pluralidade de sujeitos seja nota característica do processo, parece-nos ser necessária uma análise mais dinâmica da relação processual, desprendida desta rigidez bipolar. A situação legitimante, nessa ordem de ideias, poderia ser analisada sob o prisma das funções e das específicas posições processuais em que praticados atos no processo (ônus, direito, poder, faculdade, etc.), ou do complexo de alternativas que estejam abertas para o sujeito numa determinada fase processual. Tradicionalmente, o complexo desses poderes era descrito como ‘ação’, o que dificulta a correta compreensão de um fenômeno dinâmico como a Book_RMP-78.indb 208 28/05/2021 12:39:33 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 211 Sujeitos processuais no processo de interdição Para os fins deste trabalho, considerando-se as peculiaridades do processo de interdição, mais importante do que extremar os conceitos de partes e terceiros é fixar a ideia de que os sujeitos processuais devem ser considerados a partir da noção plena do contraditório11. Deve-se fixar, pois, a ideia de sujeitos dos processos, em que se incluem o juiz o autor e réu, além dos auxiliares permanentes da justiça, os sujeitos probatórios (testemunhas, peritos e assistentes técnicos), os terceiros, o Ministério Público e demais postulantes12. Com efeito, se em seu formato mínimo a conformação subjetiva do processo pode se apresentar de modo bastante singelo, é cada vez mais comum a observação de situações que apresentam variada complexidade no aspecto subjetivo, fazendo com que os estáticos conceitos tradicionais não sejam suficientes para enquadrar hipóteses que se apresentam13. Com efeito, é possível que o processo se instaure sujeitos e, portanto, adquire a qualidade de parte. Afinal, é parte do processo todo aquele que se apresenta como um sujeito em contraditório, podendo atuar de forma a exercer influência na formação do resultado do processo. E é exatamente assim que atua o terceiro interveniente, qualquer que seja a modalidade de intervenção. O terceiro, pois, ao intervir, torna-se parte do processo. Nem sempre, porém, será ele parte da demanda” (O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 86. Em termos semelhantes, DINAMARCO: Instituições de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 372/375. vol. II. O entendimento de que todo terceiro interveniente torna-se parte não é unânime, evidentemente. Sobre o tema, exemplificativamente: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: RT, 2017, p. 84/87. vol. 2. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 354. vol. 1. BUENO, Cassio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 227/233 e 259. 11 Cf., PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório. Jurisdição e Processo. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (org.). Luís Alberto Reichelt (trad. do texto citado). Rio de Janeiro: Forense, 2008. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009. Audiatur et Altera Pars: Il contraddittorio fra principio e regola. Maurizio Manzin e Federico Puppo (org.). Milano: Giuffrè, 2008. Confira-se também o trabalho de Humberto Theodoro Júnior e Dierle José Coelho Nunes: Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo, nº 168. São Paulo: RT, fevereiro de 2009. Mais recentemente, entre outras referências bibliográficas, especialmente após a vigência no novo CPC: THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, itens 2.1 e 2.2. 12 GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 239. vol. 1. 13 Cf. GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 515. vol. 1. Nesse sentido, por exemplo, além da intervenção prevista para a interdição de que nos ocuparemos oportunamente, temo a segunda parte do art. 1698 do Código Civil ainda causa grande controvérsia. Para Fredie Didier Jr., trata-se de litisconsórcio facultativo passivo simples ulterior, mediante iniciativa do autor ou do Ministério Público, caso intervenha no processo (Cf. Curso de Direito Processual Civil. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 542/549). Entendemos que essa interpretação de Fredie Didier Jr. merece adesão, já que inexiste a solidariedade que enseja o chamamento ao processo e a iniciativa da ampliação do processo realmente não pode ser efetivada pelo réu, que, se assim agisse, funcionaria como substituto processual do autor. Registre-se, porém, que o Superior Tribunal de Justiça já julgou no sentido de haver litisconsórcio necessário entre os avós (REsp 958.513/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 22/02/2011, DJe 01/03/2011). Já o artigo 12 do Estatuto do Idoso autoriza a escolha do devedor que será acionado e sua responsabilização integral para suprir as necessidades do credor, sem prejuízo de eventual direito de regresso contra os coobrigados. Levado o raciocínio às últimas consequências, o devedor “escolhido” arcará com a integralidade da dívida, mesmo que ultrapasse sua capacidade econômica, o que nos parece desarrazoado, havendo incompatibilidade ontológica entre solidariedade obrigacional e alimentos. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já julgou no sentido da prevalência da solidariedade (REsp 775.565/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 13.06.2006, DJ 26.06.2006 p. 143). O art. 12 dispõe que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”, subvertendo, Book_RMP-78.indb 211 28/05/2021 12:39:34 212 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho e extinga com o envolvimento apenas do autor e do juiz14. Mas as complexidades podem ser inúmeras, como a presença de litisconsortes (inclusive com ingresso superveniente15), a intervenção de terceiros, os denominados litígios de massa, e os assim, o entendimento pacífico da doutrina sobre a inexistência de solidariedade na obrigação alimentar. Afinal, “rigorosamente falando, o número de cadeias obrigacionais de alimentos varia conforme a necessidade do alimentando e a possibilidade concreta de cada um dos devedores. A solidariedade só não existe diante dessa característica dessa obrigação alimentar. Não há como exigir o ‘todo’ de um porque a obrigação depende, para existir, da possibilidade concreta de cada um dos obrigados” (BUENO, Cássio Scarpinella. Chamamento ao processo e o devedor de alimentos – uma proposta de interpretação para o art. 1698 do novo Código Civil. Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo Civil e Assuntos Afins. Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2004, p. 85). Com efeito, a partir do momento em que a obrigação alimentar se baseia no tradicional binômio necessidade-possibilidade, não é possível que o credor exija o pagamento da totalidade da dívida de apenas um devedor, o que inviabiliza a possibilidade de haver solidariedade obrigacional. Indubitavelmente esse dispositivo tem a finalidade de conferir maior vantagem ao idoso, já que alarga o polo passivo de eventual ação de alimentos e possibilita maior êxito no recebimento de quantia suficiente para suprir suas necessidades. Ou seja: ampliou-se a possibilidade para melhor atendimento da necessidade. Essa inovação legislativa causou perplexidade, já que, além de passar a considerar a obrigação alimentar como solidária, vislumbrou-se ofensa à ordem da obrigação alimentar (art. 1696 do Código Civil) e incompatibilidade com o art. 227 da Constituição, já que não foi concedido à criança e ao adolescente o mesmo tratamento, o que violaria o mandamento constitucional da proteção integral, ante a vantajosa previsão para os idosos. Entendemos que o art. 12 do Estatuto do Idoso deve ser cotejado com o disposto no art. 1698 do Código Civil, que permite a integração do processo por todos os coobrigados. Como a obrigação alimentar é divisível, trata-se de categoria intrinsecamente incompatível com a solidariedade, já que cada devedor só responde na medida de sua possibilidade, tanto assim que não há direito de regresso entre coobrigados, a previsão do Estatuto do Idoso só pode significar a possibilidade de a ação ser ajuizada simultaneamente contra todos os coobrigados, garantindo maior êxito no recebimento de alimentos condizentes com sua necessidade. Note-se que a possibilidade de ajuizamento da ação contra devedores de classes diferentes é permitida a qualquer credor de alimentos por meio da figura do litisconsórcio facultativo eventual, já que a falta do obrigado de que trata o art. 1696 do Código Civil significa também insuficiência econômica (falta de capacidade econômica). Aplicando-se nossa ideia ao disposto no Estatuto do Idoso, o Promotor de Justiça, constatando a existência de idoso em situação de risco, como no exemplo formulado em páginas anteriores desse item, poderá ajuizar ação de alimentos contra todos os coobrigados. Caso haja coobrigados de classes diferentes, é necessário que na inicial seja narrada a insuficiência econômica dos obrigados da classe mais próxima, a fim de que possa ser ampliado o polo passivo. Concluímos, pois, que, dada a natureza da obrigação alimentar, o art. 12 do Estatuto do Idoso deve ser compatibilizado com o art. 1698 do Código Civil, mantendo-se, assim, uma igualdade de regime de alimentos entre todos os credores, permitindo-se a ampliação do polo passivo da relação processual, inclusive por meio de litisconsórcio alternativo eventual. Merece ser remarcado, por fim, que o sistema normativo indubitavelmente optou por emprestar maior garantia para quem necessita de alimentos e toda interpretação deve ser no sentido de garantir maior eficácia para o credor de alimentos. Esse é apenas um singelo exemplo dessa inadequação dos conceitos tradicionais para acomodar uma inovação legislativa simples. Veja-se, porém, que os níveis de complexidade assumem outro patamar quando pensamos no incidente de assunção de competência, bem como no incidente de resolução de demandas repetitivas, ou mesmo nas ações de controle de constitucionalidade ou qualquer outro meio apto para ensejar a formação de precedente obrigatório. Mesmo no processo coletivo, há décadas frequentando o cotidiano forense, existem problemas que ultrapassam o enquadramento clássico de partes e terceiros (cf., para uma nova compreensão do processo coletivo: VITORELLI, Edilson. O Devido Processo Legal Coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016). 14 Embora em situações limitadíssimas, há a possibilidade em tese de o juiz iniciar de ofício eventual procedimento, mas sempre em referência a uma situação jurídica alheia, de modo que, ainda que se considere possível essa atuação judicial heterodoxa, a rigor não se deve pensar em processo em que se figure apenas o juiz. Em relação à existência necessária de réu, é plenamente possível que o processo se dê apenas entre autor e juiz, seja porque se está diante de uma “jurisdição necessária” (e a jurisdição voluntária é pródiga em situações assim), seja porque sequer seja possível ou útil a formação do polo passivo, o que não afeta, contudo, a formação de um processo jurisdicional sem réu. No caso da interdição, temos ainda a hipótese da autointerdição, que se examinará em item próprio. 15 “A realidade é que a diferença entre uma e outra teoria – de um lado, a de Chiovenda; de outro, a de Liebman – tem pouca relevância prática; no ordenamento vigente, de acordo com as posições colhidas da Book_RMP-78.indb 212 28/05/2021 12:39:34 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 213 Sujeitos processuais no processo de interdição casos aptos a ensejar a formação de precedentes vinculativos. Afinal, é da natureza de um processo democrático sua aptidão para acomodação de pessoas que dele querem e devem participar. Participação e complexidade subjetiva constituem uma relevante dimensão desse fenômeno e não necessariamente se encaixam nas clássicas e estáticas posições constantes dos polos ativo e passivo ou nas figuras de terceiros delineadas na doutrina. No processo de interdição, como será visto nos itens seguintes, podemos chegar a uma configuração constante dos seguintes sujeitos processuais (uma espécie de formação subjetiva necessária): legitimado ativo (podendo haver litisconsórcio), juiz, legitimado passivo (que também pode ser legitimado ativo, em caso de “autointerdição”), Ministério Público, curador, curador especial e perito(s). Esses sujeitos estariam presentes necessariamente em todos os processos de interdição, caso se considerem, como parece que se encaminham doutrina e jurisprudência, que a perícia é prova essencial e que sempre haverá curador especial. Além dos sujeitos necessários, o CPC, além da representação por advogado do interditando, se o nomear, ainda faculta a intervenção prevista no art. 752, §3º (necessariamente por meio de advogado), prevê o acompanhamento de especialista para a entrevista16, quando também poderão ser ouvidas pessoas próximas e parentes (art. 751, §§2º e 4º). 3. Legitimados ativos O art. 747, CPC, cuida basicamente da legitimidade ativa para a promoção da interdição17, com preferência para aqueles que mantêm vínculo que indicam maioria da doutrina, restringe-se basicamente às figuras do amicus curiae e da assistência simples, na medida em que outros sujeitos que vêm participar do processo, depois da propositura da demanda originária, estão de todo modo envolvidos em uma demanda ou são pela própria lei equiparados a litisconsortes, como é o caso da assistência litisconsorcial. [...] O tema estudado neste trabalho, contudo, torna novamente relevante a diferença entre as duas teorias: quando o juiz convoca um terceiro para participar do processo, por meio da intervenção iussu iudicis, não é adequado afirmar, como se verá adiante, que ele proponha uma demanda em face desse terceiro. Assim, esse sujeito terá amplas possibilidades de participação no processo e em alguma media sujeitar-se-á às suas repercussões, de modo que, tal como se passa com a assistência simples, não teria sentido considerá-lo terceiro mesmo depois da intervenção. Definitivamente há grande diferença entre aqueles que participam do processo, ainda que não sejam os titulares da situação jurídica nele discutida, mas ostentam interesse de grau menor suficiente para permitir sua participação, e aqueles que jamais ingressaram no processo. Nesse ponto, é de duvidosa utilidade qualificar como terceiro sujeito interessado que está dentro do processo. De outro lado, é de se reconhecer que a lei, ao utilizar o vocábulo ‘parte’, nem sempre se refere a fatos que digam respeito ao assistente ou a atos que este possa praticar. Não há dúvida de que a demanda originária e outras demandas apresentadas ao longo do processo são relevantes para definir quem seja parte; mas o contraditório mostra-se ainda mais relevante, pois é elemento estruturante do próprio processo e permite que os sujeitos interessados dele participem adequadamente (por meio de poderes, faculdades, ônus e deveres)” (CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de Terceiro por Ordem do Juiz: a intervenção iussu iudicis no processo civil. São Paulo: RT, 2017, p. 55/57). Sobre o vários problemas envolvendo o litisconsórcio unitário, com enfoque moderno e ampla pesquisa: EID, Elie Pierre. Litisconsórcio Unitário: fundamentos, estrutura e regime. São Paulo: RT, 2016. 16 Considerando-se que a situação de curatela decorrente do processo de interdição deve ser excepcional e na medida das necessidades do interditando (art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), o art. 1.771, CC, prevê que o juiz seja acompanhado por “equipe multidisciplinar”. 17 Cf. o enunciado nº 57 da Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal: “Todos os legitimados a promover a curatela, cujo rol deve incluir o próprio sujeito a ser curatelado, também o são para realizar o pedido do seu levantamento”. Book_RMP-78.indb 213 28/05/2021 12:39:34 216 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho de legitimidade para requerimento de interdição por qualquer motivo, não sendo restrita à deficiência física28, intelectual ou mental que afete a expressão da vontade. A possibilidade de a própria pessoa requerer sua interdição, entretanto, apresenta algumas peculiaridades, o que motivou até mesmo o veto expresso de parte da doutrina acerca dessa possibilidade29, agora superada com a alteração legislativa. Se a própria pessoa admite a necessidade de interdição, logo, da existência de uma incapacidade relativa, há necessidade de imediata regularização procedimental, nomeando-se curador provisório que passará a assistir o autor.30 Além disso, há outras repercussões processuais que podem ser assim sintetizadas: 1) o fato de se revogá-la. E pode haver o interesse manifesto de, definitivamente (pelo menos enquanto dure a anomalia psíquica), ser resguardada a própria pessoa e, máxime, seu patrimônio, com a nomeação de curador pelo juiz. Embora a lei não o mencione, entendemos possível, porque ninguém velará mais por si do que o próprio interessado” (MENDONÇA LIMA, Alcides de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1982, p. 436. vol. XII). 28 A hipótese que era prevista no art. 1.780, CC, embora fosse caso de curatela judicial, não se tratava de processo de interdição, por não afetar a capacidade desse específico curatelado, de modo que seu procedimento era o de jurisdição voluntária comum (cf. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1929). Esse dispositivo, contudo, foi revogado pelo art. 123, VII, do Estatuto da Pessoa com Deficiência e a situação da deficiência física, desde que impeça a manifestação da vontade, insere-se no regramento geral do referido Estatuto. Mantém-se, todavia, a peculiar hipótese de curatela do nascituro no art. 1779, CC (cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 926/927. vol. 6). 29 PRATA, Edson. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 300. vol. 7. Leonardo Greco, por sua vez, apontava que essa proibição de autointerdição era paradoxal em um sistema que trabalhava com legitimação extraordinária (Jurisdição Voluntária Moderna. São Paulo: Dialética, 2003, p. 111 – nessa mesma página, o autor entendia não guardar coerência com o sistema não conferir a possibilidade de a interdição ser iniciada de ofício pelo juiz, o que continua vedado no novo Código, a nosso ver com razão, já que não se deve atribuir legitimidade extraordinária a quem deve julgar e há colegitimados suficientes para a tutela dos direitos do interditando). 30 Essa questão da capacidade processual do interditando, quando já nomeado curador provisório, ou mesmo na sentença, é complexa e há precedente do STJ no sentido de que deve ser preservado o mandato outorgado antes da constituição da incapacidade: “Recurso especial. Civil e processual civil. Ação de interdição. Efeitos da sentença de interdição sobre as procurações outorgadas pelo interditando a seus advogados no próprio processo. Negativa de seguimento à apelação apresentada pelos advogados constituídos pelo interditando. Não ocorrência da extinção do mandato. A sentença de interdição possui natureza constitutiva. Efeitos ex nunc. Inaplicabilidade do disposto no art. 682, II, do CC ao mandato concedido para defesa judicial na própria ação de interdição. Necessidade de se garantir o direito de defesa do interditando. Renúncia ao direito de recorrer apresentada pelo interditando. Ato processual que exige capacidade postulatória. Negócio jurídico realizado após a sentença de interdição. Nulidade. Atos processuais realizados antes da negativa de seguimento ao recurso de apelação. Preclusão. 1. A sentença de interdição tem natureza constitutiva, pois não se limita a declarar uma incapacidade preexistente, mas também a constituir uma nova situação jurídica de sujeição do interdito à curatela, com efeitos ex nunc. 2. Outorga de poderes aos advogados subscritores do recurso de apelação que permanece hígida, enquanto não for objeto de ação específica na qual fique cabalmente demonstrada sua nulidade pela incapacidade do mandante à época da realização do negócio jurídico de outorga do mandato. 3. Interdição do mandante que acarreta automaticamente a extinção do mandato, inclusive o judicial, nos termos do art. 682, II, do CC. 4. Inaplicabilidade do referido dispositivo legal ao mandato outorgado pelo interditando para atuação de seus advogados na ação de interdição, sob pena de cerceamento de seu direito de defesa no processo de interdição. 5. A renúncia ao direito de recorrer configura ato processual que exige capacidade postulatória, devendo ser praticado por advogado. 6. Nulidade do negócio jurídico realizado pelo interdito após a sentença de interdição. 7. Preclusão da matéria relativa aos atos processuais realizados antes da negativa de seguimento ao recurso de apelação. 8. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 9. Recurso especial parcialmente provido” (REsp 1251728/PE, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 14/05/2013, DJe 23/05/2013). Entretanto, no caso da autointerdição, já há manifestação desde a origem sobre a própria incapacidade e não se trata aqui, a rigor, de direito de defesa. Book_RMP-78.indb 216 28/05/2021 12:39:34 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 217 Sujeitos processuais no processo de interdição tratar de autointerdição possui consequências procedimentais, como ausência de intimação para impugnação, mas não elimina a necessidade de ampla instrução da causa, com a necessidade de juntada de prova documental e da realização de entrevista, já que a regra do direito brasileiro é a capacidade e a situação de curatela é excepcional e deve ser adequada às circunstâncias do caso; 2) não se pode considerar a petição inicial como confissão, já que não se enquadra exatamente nos termos do art. 389, CPC, e, o mais importante, refere-se a direito indisponível (art. 392, CPC); 3) o fato de se tratar de autointerdição, entretanto, possui consequências acerca do comportamento da parte, de modo que, por exemplo, a necessidade de nomeação de curador provisório se torna evidente diante dessa situação; 4) a entrevista do interditando ou curatelando é obrigatória, já que se trata de momento procedimental em que o juiz e, em tese, um especialista ou equipe multidisciplinar avaliarão as condições pessoais do interditando, tratando-se de relevante etapa instrutória; 5) na autointerdição mostra-se ainda mais conveniente a ampliação subjetiva da entrevista, na forma do art. 751, §4º, CPC; 6) não haverá polo passivo, de modo que inexistirá citação e prazo para impugnação, devendo haver apenas a intimação para o comparecimento à entrevista; 7) na autointerdição desde logo o interditando deverá estar acompanhado por advogado, não se impondo a presença de curador especial, salvo se se entender que se está diante da hipótese do art. 72, I, CPC; 8) na autointerdição, portanto, não haverá a intervenção prevista no art. 752, §3º, CPC, cujo pressuposto é a ausência de advogado, de modo que a participação será limitada precisamente na situação em que talvez seja mais necessária a participação de outros interessados, a fim de ampliar a possibilidade de esclarecimento e compreensão do quadro fático. 4. Legitimidade passiva Legitimado passivo será sempre uma pessoa natural e a nova redação do art. 1.767, CC, dispõe que estão sujeito à curatela aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, os ébrios habituais, os viciados em tóxico e os pródigos. Note-se que foi superada qualquer referência à deficiência mental ou qualquer outra designação estereotipada que não raro era utilizada pela legislação e o critério definidor da primeira hipótese de pessoa sujeita à curatela é a impossibilidade de exprimir a vontade, por causa transitória ou permanente. Os sujeitos passivos do procedimento de interdição31 são os relativamente incapazes de acordo com a nova redação do art. 4º, II, III e IV, CC, já que a incapacidade absoluta ficou reservada exclusivamente aos menores de dezesseis anos (art. 3º, CC), o que pode ensejar o quadro de uma pessoa que desde o nascimento, e sem qualquer 31 “Art. 1.767, CC: Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; V - os pródigos”. Em razão da própria finalidade do processo de interdição, não há interesse no ajuizamento da ação em face de criança ou adolescente, em razão da incapacidade absoluta ou relativa já existente. Entretanto, conhecendo-se os labirintos da burocracia brasileira, não é de todo possível que algum regramento exija a decretação de interdição para algum fim específico, fazendo surgir, assim, o interesse de agir. Evidentemente, se se tratar de pessoa emancipada, há interesse em eventual ação de interdição. Book_RMP-78.indb 217 28/05/2021 12:39:34 218 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho prognóstico de progresso médico, não consiga exprimir sua vontade em nenhum modo ou circunstância, e ainda assim não seja legalmente considerada absolutamente incapaz, por exemplo. Se a interdição é medida excepcional e a regra é a plena capacidade da pessoa (cf. arts. 6º, 84 e 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), o procedimento de interdição deve ser todo orientado no sentido da preservação do melhor interesse do interditando, o que significa a constituição da curatela na exata medida de suas necessidades e, também, a não constituição de curatela se a medida não for estritamente necessária. Ou seja: o processo de interdição deve ser conduzido para ser aferida a excepcional necessidade de se impor uma situação de curatela e também para evitar que alguém que dela não necessite acabe por recebê-la. Nesse contexto, o interditando deve ser citado para duas finalidades: 1) a primeira refere-se à função mesma da citação, isto é, comunicar o conteúdo do processo e possibilitar o contraditório, que abrange não só o prazo para oferecimento de eventual contestação a partir da entrevista (art. 752, CPC), mas também a ciência desde logo do ajuizamento da ação e de seus termos; 2) além disso, será o interditando citado para comparecer à audiência em que será entrevistado pelo juiz (art. 751, CPC). Essa entrevista insere-se nessa ampla formação de um conjunto probatório que embasará ou não a constituição da curatela, ou seja, trata-se de ato que integra a cognição das circunstâncias concretas que balizarão o processo de interdição. O mandado de citação deverá ser acompanhado de cópia da petição inicial, não se aplicando o art. 695, §1º, CPC, por sua incompatibilidade com esse procedimento. Pode-se configurar a situação prevista no art. 245, CPC, quando, então, o curador não poderá ser a mesma pessoa que ajuizou a ação. No caso de autointerdição, evidentemente não haverá citação do interditando, que, contudo, deverá ser intimado para a entrevista. Pela natureza do processo de interdição, não incidem os efeitos da revelia32. 5. Ministério Público Nos processos de interdição, o Ministério Público atuará sempre como fiscal da ordem jurídica, às vezes como legitimado ativo e nunca como curador especial. Essa é a síntese de sua atuação, não havendo mais espaço para o insistente equívoco em épocas passadas sobre a natureza de sua participação no processo. O art. 752, §§1º e 2º, CPC, é didático ao separar as funções de fiscal da ordem jurídica e a 32 Entende-se que a vulnerabilidade e o estado de incapacidade impedem os efeitos da revelia. Há que se refletir, porém, acerca desse quadro, já que não há mais incapacidade absoluta a partir da decretação da interdição e somente os atos patrimoniais são afetados, praticamente equiparando-se os efeitos entre a pessoa que não consegue exprimir sua vontade com os pródigos (cf. art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência e art. 1.782, CC). Não se trataria, a rigor, de direitos indisponíveis, especialmente porque a incapacidade relativa sequer estará constituída. Pode-se cogitar que há “incapacidade provisória” no caso de nomeação de curador provisório, quando, então, não haveria que se falar em efeitos da revelia. De todo modo, caso se entenda que sempre haverá nomeação de curador especial quando não houver advogado constituído, não haverá que se falar em efeitos da revelia. Por fim, é possível ainda a incidência do art. 121, parágrafo único, combinado com o art. 752, §3º, CPC. Book_RMP-78.indb 218 28/05/2021 12:39:35 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 221 Sujeitos processuais no processo de interdição 85, que “a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”36, de modo que a coerência interpretativa deve fazer com que se dispense tratamento uniforme a todas essas hipóteses para intervenção do Ministério Público. De todo modo, há que se registrar que, pela leitura do art. 748, CPC, essa legitimidade não está expressa. Entendendo-se, porém, pela legitimidade também nesse caso, igualmente será subsidiária e limitada à presença de alguma deficiência mental ou intelectual identificada pelo meio técnico hábil, fazendo com que, a rigor, a legitimidade recaia na regra geral. A presença de um incapaz como parte enseja a intervenção obrigatória do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, sob pena de nulidade, em ocorrendo prejuízo (arts. 178, II, e 279, CPC). Note-se que a atuação do Ministério Público não elimina a necessidade de o incapaz ser assistido ou representado, já que sua participação se dará na condição de fiscal da ordem jurídica, cabendo-lhe, inclusive, zelar pela adequada observância da atuação dos representantes legais. A intervenção do Ministério Público se dá precisamente em razão da presença do incapaz, não podendo significar em nenhum momento a diminuição de sua proteção jurídica. O que deve ser bem compreendido é a impossibilidade de o Ministério Público exercer a função de curador especial após a Constituição da República de 1988. A função do Ministério Público no processo se dá apenas de três maneiras: como legitimado ordinário, como legitimado extraordinário e como fiscal da ordem jurídica. Não há possibilidade de atuar como curador especial, de modo que a revogação do equivocado art. 1.770, CC, pelo art. 1.072, II, CPC, foi medida legislativa acertada para que não se perpetuassem confusões nessa seara. Na realidade, o Ministério Público deve zelar pela nomeação de curador especial nos procedimentos em que intervier e tal providência for exigida, como corretamente dispõe o art. 74, II, do Estatuto do Idoso, mas não pode ele exercer essa função por ser ela incompatível com suas atividades institucionais e finalísticas. Nem mesmo na ausência da Defensoria Pública deverá o Ministério Público exercer a curadoria especial, devendo a nomeação recair sobre outra pessoa, preferencialmente um advogado dativo. Se a curadoria especial tiver lugar em hipóteses também previstas no art. 178, CPC, ou em alguma outra situação prevista legalmente para sua atuação, haverá necessidade de intervenção do Ministério Público na condição de fiscal da ordem jurídica, o que, como já afirmado, não exclui a necessidade de nomeação de curador especial, havendo, pois, duplo reforço do contraditório justificado por questões de política legislativa. Em suma, o Ministério Público, sendo o caso, deve conviver com o curador especial, mas não exerce essa função. O STJ cometeu grave equívoco nesse sentido, ao entender que era desnecessária a nomeação de curador especial ao interditando, por haver intervenção obrigatória do Ministério37. Confundiu-se a atuação como fiscal da ordem jurídica 36 Sobre o alcance desses limites: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 935/941. vol. 6. 37 “A designação de curador especial tem por pressuposto a presença do conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. No procedimento de interdição não requerido pelo Ministério Público, quem age em defesa do suposto incapaz é o órgão ministerial e, portanto, resguardados os interesses Book_RMP-78.indb 221 28/05/2021 12:39:35 222 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho com a integração de capacidade processual (representação processual) do curador especial38. O art. 752, CPC, corrige esse equívoco ao extremar a função do Ministério da atuação do curador especial39. interditando, não se justifica a nomeação de curador especial” (REsp 1099458/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014). “No tocante à invocação do art. 3º Lei 8.906/1994 e do art. 4º da Lei Complementar n. 80/1994 - que elenca as funções institucionais da Defensoria - são impertinentes para a solução da controvérsia, pois, como observado na decisão ora agravada, a designação de curador especial - atividade institucional, que pode ser exercida pela Defensoria Pública - tem por pressuposto a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal” (AgInt nos EDcl no REsp 1604162/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 20/02/2017). 38 Situação peculiar - e inconfundível com o que aqui se expõe – consiste na atuação do Ministério Público como legitimado ativo e a desnecessidade de nomeação automática de curador especial. Não perceber essa diferença é o mesmo que não entender a distinção entre substituição processual e fiscalização da ordem jurídica. Não se nomeia curador especial sob o pretexto de equilibrar um contraditório que está plenamente estabelecido, sem que incida nenhuma daquelas hipóteses antes mencionadas. Nesses casos, o Ministério Público é quem figura como autor, na tutela de direitos indisponíveis, não havendo necessidade de nomeação de curador especial, já que inexistirá conflito de interesses entre o curatelando e seu representante legal. Essa controvérsia se instaurou em diversos casos envolvendo a destituição de poder familiar, em que a Defensoria Pública passou a atuar na condição de curador especial sem inclusive prévia nomeação judicial, incidindo em duplo equívoco. O CPC não possui regra expressa sobre o tema e a polêmica que se instaurou deveria ter sido suficiente para animar regramento específico. No entanto, esse entendimento sobre a desnecessidade de nomeação de curador especial decorre do sistema e vem sendo acolhido pelo STJ (AgRg no Ag 1369745/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3.ª T., DJe 16.04.2012; AgRg no Ag 1415049/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4.ª T., DJe 17.05.2012; AgRg no Ag 1410673/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4.ª T., DJe 29.10.2014; AgRg no REsp 1478366/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª T., DJe 11.12.2014; AgRg no REsp 1416820/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4.ª T., DJe 05.02.2015; REsp 1370537/ RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3.ª T., DJe 10.03.2015). 39 Cf. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1938/1939. Assim também Fernando da Fonseca Gajardoni: GAJARDONI; DELLORE; ROQUE; OLIVEIRA JR. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 1303. O próprio STJ resolveu a questão adequadamente em julgado mais recente: “Civil. Processual civil. Recurso especial. Impossibilidade de exercício de curadoria especial pelo Ministério Público. Munus exercido pela Defensoria Pública. [...] Diante da incompatibilidade entre o exercício concomitante das funções de custos legis e de curador especial, cabe à Defensoria Pública o exercício de curadoria especial nas ações de interdição. Precedentes” (REsp 1651165/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/09/2017, DJe 26/09/2017). Mas ainda há sinalização de que a questão não está adequadamente compreendida: “Agravo interno. Processual civil. Legitimidade do Parquet estadual para interpor recurso em face de decisão de ministro de tribunal superior. Reconhecimento. Intervenção do ministério público em feito de interdição. Designação de curador especial. Tem por pressuposto a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. No procedimento de interdição não requerido pelo Ministério Público, quem age em defesa do suposto incapaz é o órgão ministerial.1. A Corte Especial, por ocasião do julgamento dos EREsp 1.327.573/ RJ, revendo sua jurisprudência, por maioria, redatora do acórdão a Ministra Nancy Andrighi, perfilhou entendimento acerca da possibilidade de atuação, no âmbito do STJ, paralela do MP estadual - que atua, nos feitos oriundos da Justiça estadual, na pessoa do Procurador-Geral, como parte e o MPF como fiscal da lei. 2. A designação de curador especial tem por pressuposto a presença do conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. No procedimento de interdição não requerido pelo Ministério Público, quem age em defesa do suposto incapaz é o órgão ministerial e, portanto, resguardados os interesses interditando, não se justifica a nomeação de curador especial. (REsp 1099458/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014) 3. No tocante à invocação do art. 3º Lei 8.906/1994 e do art. 4º da Lei Complementar n. 80/1994 - que elenca as funções institucionais da Defensoria - são impertinentes para a solução da controvérsia, pois, como observado na decisão ora agravada, a designação de curador especial - atividade institucional, que pode ser exercida pela Defensoria Pública - tem por pressuposto a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. 4. Agravo interno não provido” (AgInt nos EDcl no REsp 1604162/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 20/02/2017). Book_RMP-78.indb 222 28/05/2021 12:39:35 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 223 Sujeitos processuais no processo de interdição 6. Curador especial O art. 72 do CPC reproduz em essência o texto correspondente do CPC de 1973, com aperfeiçoamento redacional e correção técnica do parágrafo único. Como se sabe, há incapacidades que tocam de maneira específica a legislação processual. Nesse sentido, o curador especial é um representante processual ad hoc para suprimento de uma incapacidade processual, não guardando nenhuma relação com o direito material em disputa e suas funções são protetivas, eminentemente defensivas. Note-se que o curador especial não é parte. Trata-se apenas de um representante processual que visa a regularizar a relação processual por meio de integração de capacidade em situações bem específicas, no intuito de preservar em alguma medida o equilíbrio do contraditório. Basicamente, deve o curador especial oferecer contestação, produzir provas e interpor recursos. É atividade tipicamente processual que visa a restaurar um contraditório deficiente, ao menos formalmente, já que existe a autorização para formular defesa genérica (art. 341, parágrafo único, CPC). O curador especial, no desempenho dessa função protetiva de esfera jurídica, com a finalidade de equilibrar o contraditório, deve ser obrigatoriamente nomeado pelo juiz, ainda que de ofício. Por ser uma atividade tipicamente processual, sem nenhuma repercussão de direito material, sua função cessa com o término do processo. No caso de processo de interdição, deve ser examinada a hipótese da regra geral do art. 72, I, CPC, isto é, nomeação de curador especial ao incapaz que não tenha representante legal ou cujos interesses colidirem com aquele. Trata-se de hipótese de suprimento de capacidade processual e não material, não dispensando a intervenção do Ministério Público, como bem estabelecido no art. 752, §2º, CPC. Como já assinalado no item anterior, o Ministério Público não atua no processo para integrar a capacidade, mas, sim, como fiscal da ordem jurídica. Se uma das funções do curador especial está no reforço do contraditório e da proteção da esfera jurídica do incapaz, a subtração de sua atuação em virtude da atuação do Ministério Público na verdade levaria a um déficit protetivo. O parágrafo único do art. 72, CPC, é uma adequação à evolução normativa após a edição do Código anterior, especialmente à disciplina constitucional do Ministério Público – afastando-o definitivamente da possibilidade de ser curador especial –, e das Leis Complementares 80/1994 e 132/2009, que dispõem sobre a Defensoria Pública e a erigem à condição de curador especial por excelência. Nas localidades em que ainda não houver Defensoria Pública devidamente instalada, a curadoria especial recairá preferencialmente sobre advogado idôneo. Não há necessidade de o curador ser advogado, mas, como para praticar atos no processo é necessária a capacidade postulatória, não faz sentido prático que a nomeação recaia sobre outra pessoa que terá que contratar profissional habilitado, já que são inconfundíveis os graus de incapacidade e o curador especial somente supre a incapacidade processual. A colisão de interesses entre o incapaz e seu representante legal deve ser apreciada no caso concreto, mas, em linhas gerais, ocorrerá ordinariamente nos processos de interdição em que tenha sido nomeado curador provisório. Caso não haja curador provisório, pode-se vislumbrar a inexistência desse conflito, já que pode haver outro representante legal para tutelar o interesse do curatelando. Verifica-se, pois, que a Book_RMP-78.indb 223 28/05/2021 12:39:35 226 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho possíveis reflexos ocorrem quando o terceiro se mostra titular de algum direito ou obrigação cuja existência ou inexistência depende do julgamento da causa pendente, ou vice-versa. (...) É de prejudicialidade a relação entre a situação jurídica do terceiro e os direitos e obrigações versados na causa pendente. Ao afirmar ou negar o direito do autor, de algum modo o juiz estará colocando premissas para a afirmação ou negação do direito ou obrigação de terceiro – e daí o interesse deste em ingressa” Instituições de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 387. vol. II; b) Celso Agrícola Barbi, que escreve que “o interesse é jurídico quando, entre o direito em litígio e o direito que o credor quer proteger com a vitória daquele, houver uma relação de conexão ou de dependência, de modo que a solução do litígio pode influir, favorável ou desfavoravelmente, sobre a posição jurídica de terceiro” (Comentários ao Código de Processo Civil. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 174. vol. I); c) Ovídio Baptista da Silva, para quem “dá-se intervenção adesiva simples quando terceiro ingressa no processo com a finalidade de auxiliar uma das partes em cuja vitória tenha interesse, uma vez que a sentença contrária à parte coadjuvada prejudicaria um direito seu, de alguma forma ligada ao direito do assistido” (Curso de Processo Civil. 4a ed. São Paulo: RT, 1998, p. 273. vol. 1); d) Daniel Colnago Rodrigues afirma que, no caso da assistência simples, “o terceiro tem interesse jurídico que, posto seja diferente do interesse da parte, encontra-se em relação de dependência com esse, podendo se apresentar de dois modos: quando o resultado do processo puder implicar eficácia constitutiva favorável ou contrária ao interesse do assistente; e quando o resultado do processo puder autorizar uma das partes a promover ação regressiva contra o terceiro. [...] Seja na modalidade simples, seja na modalidade litisconsorcial, a assistência não se conforma com interesse que não seja jurídico. Interesses meramente moral, altruísta, afetivo, ou mesmo econômico, não legitimam a assistência (Intervenção de Terceiros. São Paulo: RT, 2017, p. 69); e) Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini consideram que “há a perspectiva de o assistente simples sofrer efeitos reflexos da decisão desfavorável ao assistido, que atingiriam negativamente sua esfera jurídica. O assistente simples tem um interesse jurídico próprio, que não está diretamente posto em disputa no processo, mas que apenas pode ser preservado na medida em que a sentença seja favorável ao assistido. [...] O interesse jurídico do assistente simples pode apresentar-se de dois modos: (1º) o resultado do processo poderá implicar uma eficácia constitutiva (ou desconstitutiva) favorável ou contrária ao interesse (à posição jurídico-material) do assistente; (2º) o resultado do processo poderá autorizar uma das partes a promover ação regressiva contra o terceiro – hipótese em que esse assiste aquela parte que o poderia demandar regressivamente” (Curso Avançado de Processo Civil. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 355); f) Vicente Greco Filho, anotando que “a qualidade de jurídico do interesse que legitima a assistência simples decorre da potencialidade de a sentença a ser proferida repercutir, positiva ou negativamente, na esfera jurídica do terceiro” (Da Intervenção de Terceiros. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 74); g) Cássio Scarpinella Bueno afirma que o interesse jurídico do assistente simples “deve ser dedutível da probabilidade atual ou iminente de que possa a decisão a ser proferida no processo em que pretende intervir vir a afetar sua esfera jurídica enquanto fato eficaz” (Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 138); h) Genacéia da Silva Alberton, que entende que “o assistente não reclama direito próprio, mas tem interesse pessoal na sorte da pretensão de uma das partes, ficando sua situação processual dependente da parte coadjuvada” (Assistência Litisconsorcial. São Paulo: RT, 1994, p. 27); i) Daniel Ustárroz afirma que o “interesse reside na circunstância de que, caso seu assistido saia vitorioso, o assistente afastará parcela ou a totalidade de efeitos reflexos que sentença favorável ao adversário do assistido poderia ter sobre seu patrimônio jurídico” (A Intervenção de Terceiros no Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 37). Todos esses posicionamentos, embora não sejam plenamente coincidentes, seguem uma linha em comum, já que, basicamente, limitam-se a expressar que o interesse jurídico consiste na possibilidade de o assistente ser atingido desfavoravelmente em sua situação jurídica. Entretanto, José Frederico Marques acatou a definição de Moacyr Lobo da Costa, que entendia que “sempre que o terceiro seja titular de uma relação jurídica, cuja consistência prática ou econômica dependa da pretensão de uma das partes do processo, ele deve ser admitido a intervir na causa, para atuar no sentido de que a seja favorável à pretensão da parte a que aderiu. Não se trata, evidentemente, de interesse prático ou econômico, que não legitima a intervenção. Deve existir uma relação jurídica, entre o terceiro e a parte, cuja consistência prática ou econômica dependa da pretensão dessa parte na lide, e possa ser afetada pela decisão da causa” (Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 271. vol. 1). Vê-se, aqui, um conceito restritivo que vamos encontrar em outros doutrinadores e na jurisprudência (exemplos do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no AREsp 392.006/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 05/11/2013, DJe 12/11/2013; AgInt no REsp 1568723/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 08/11/2016, DJe 17/11/2016), que passa a vincular o interesse jurídico a uma necessária relação jurídica entre o terceiro e a parte, o que nos parece equivocado. Merece registro, também, pela influência que seu pensamento exerce ainda hoje no Brasil, o posicionamento de Alberto dos Reis, que entendia ser necessário o seguinte, para que restasse configurado o interesse jurídico: a) que derive de relação jurídica em que figure como parte o candidato à assistência; b) que esta relação seja conexa com a relação jurídica litigiosa, devendo tal conexão consistir num laço de prejudicialidade ou dependência (Código de Processo Civil Book_RMP-78.indb 226 28/05/2021 12:39:35 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 227 Sujeitos processuais no processo de interdição Anotado. vol. 1. 3a ed. - reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p. 467). Parece-nos que, neste particular, assiste razão a Helio Tornaghi, quando corretamente afirma que não se exige qualquer relação jurídica entre o assistente e as partes principais do processo, bastando que os efeitos reflexos da sentença tragam prejuízo ou vantagem para o interesse jurídico do assistente (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974, p. 224. vol. I). Tornaghi, entretanto, entende que há interesse jurídico na hipótese em que um credor pretende ingressar em processo em face de seu devedor, a fim de ver preservado o patrimônio deste, com o que, acompanhando a doutrina majoritária, não concordamos). Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, do mesmo modo, afirmam que “há interesse jurídico do terceiro quando a relação jurídica da qual seja titular possa ser reflexamente atingida pela sentença que vier a ser proferida entre assistido e parte contrária. Não há necessidade de que o terceiro tenha, efetivamente, relação jurídica com o assistido, ainda que isso ocorra na maioria dos casos” (Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 586). Esse também é o entendimento de Leonardo Greco (Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 476/477. vol. I) e, um pouco mais restritivo, de Fredie Didier. Jr. (Curso de Direito processual Civil. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 488, com adesão em nota de rodapé nº 9, na mesma página, citada, ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça que desvincula o interesse da relação jurídica, mas no corpo do texto o citado autor parece afirmar que há relação entre ambas situações), com o Superior Tribunal de Justiça decidindo nesse sentido ao menos em uma oportunidade (REsp 1143166/ RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 03/11/2011). Em dois estudos específicos sobre assistência simples, encontramos uma preferência pela casuística, evitando os autores a elaborar um conceito prévio de interesse jurídico: em seu trabalho, Ubiratan de Couto Maurício afirma, inicialmente, que não se pode aplicar ao direito brasileiro o mesmo conceito de interesse jurídico fornecido pelo direito português, que acabou por consagrar fórmula de admissibilidade mais ampla, possibilitando a assistência em caso de haver apenas interesse de fato. Segundo este autor, “a circunstância do terceiro que pretende intervir como assistente simples ser titular da relação jurídica com a parte a qual deseja assistir, não quer dizer que, por si só, já esteja configurado interesse jurídico. O que é relevante para caracterizá-lo são os efeitos reflexos emergentes da sentença que, faticamente, poderão repercutir na esfera jurídica do terceiro, mesmo que não haja relação jurídica entre ele e a parte que pretende assistir, pois esta poderá existir e juridicamente não ser atingida pelos efeitos indiretos emanados da sentença proferida entre as partes” (Assistência Simples no Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1983, p. 59/60). Em dissertação sobre o tema, João Luís Macedo dos Santos considera um importante parâmetro para a verificação da existência do interesse jurídico o entendimento retirado de julgamento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual deve partir- se da hipótese de vitória da parte contrária para indagar se dela adviria prejuízo juridicamente relevante (Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC-SP, 2001, p. 82. Inédito). Esse breve e exemplificativo panorama doutrinário é suficiente para demonstrarmos a fluidez conceitual de interesse jurídico. De todo modo, as posições doutrinárias fornecem relevantes subsídios para a identificação concreta do interesse jurídico. A definição apriorística cabal do que seja interesse jurídico é extremamente difícil, como concluíram estes dois autores por último citados, de modo que em cada caso concreto é que será melhor verificado o conceito e o estudo de Lia Carolina Batista revela de modo irretorquível a fragilidade existente entre os conceitos e os exemplos apresentados pela doutrina, a partir de exame minucioso também da casuística (Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. Inédito, item 5.4). Essa dificuldade doutrinária se transfere para a jurisprudência, como fica evidente no seguinte excerto de um acórdão do Supremo Tribunal Federal, em que se procurava diferenciar o interesse jurídico do meramente econômico: “Não há como pôr em linha delimitada, estanque, um e outro: o interesse econômico penetra na vida jurídica assumindo sua legitimidade quando encontra na lei a expressão formal. E o interesse jurídico não é simples fórmula vazia, sem conteúdo, exprimindo muitas vezes, na maioria, um interesse econômico. Dizer até onde se estende um ou onde outro principia é tarefa que os doutos ainda não cumpriram; distinguir o domínio de um ou de outro não conseguiram ainda os estudiosos, oscilando em sentidos diversos, conforme a linha de pensamento, que sustentam, e a própria ideologia, a que servem” (Rel. Ministro Oscar Corrêa. 1a Turma. A.I. 89.977, j. 24/03/83, apud ARRUDA ALVIM. Assistência-Litisconsórcio. Repertório de jurisprudência e doutrina. São Paulo: RT, 1986, p. 124). Como corretamente observa Leonardo Greco, “o que a doutrina qualifica como mero interesse prático muitas vezes também deve ser considerado um interesse jurídico. Defendo, assim, uma compreensão mais elástica do conceito de interesse jurídico, pois não é preciso que a relação jurídica do terceiro com o assistido possa ser diretamente atingida, sacrificada pela decisão da causa, para que aquele se caracterize; o direito do assistente pode não ser diretamente atingido, pode sobreviver plenamente íntegro, mas se sua eficácia ou seu exercício sofrer qualquer limitação prática estará caracterizado o seu interesse jurídico em intervir. [...] Então, parece-me que toda vez em que, por qualquer razão, a decisão da causa puder comprometer a essência do direito de terceiro ou o seu exercício prático, evidencia-se o interesse jurídico, porque, na realidade, o Estado de Direito não protege direitos somente no seu aspecto abstrato, mas, sim, na medida Book_RMP-78.indb 227 28/05/2021 12:39:36 228 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho que, caso o interditando não constitua advogado para defendê-lo, o seu cônjuge, companheiro ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente. Note-se, primeiramente, que não se qualifica essa espécie de assistência nem mesmo se aponta expressamente a necessidade de interesse jurídico, que, aparentemente, é presumido pela lei e decorre da simples relação familiar com o interditando (valendo lembrar que relação familiar não significa necessariamente presença de interesse jurídico). O único requisito para essa assistência está no fato de o interditando não constituir advogado, o que significa que, em caso de autointerdição, quando necessariamente o autor deverá ir a juízo assistido por alguém com capacidade postulatória, essa intervenção não será cabível. Ou seja: talvez na hipótese em que o contraditório mais deveria ser ampliado simplesmente não terá lugar essa hipótese interventiva. Além disso, decorre do sistema que somente poderá intervir como assistente aquele que não é autor da interdição, já que há parcial coincidência entre os róis dos arts. 747 e 752, §3º, CPC. Também aquele que estiver desempenhando a função de curador provisório não poderá intervir por incompatibilidade funcional. Há também a possibilidade de mais de um interveniente, por haver colegitimidade interventiva, com a ressalva de que quem for autor da ação não pode intervir, salvo se houver migração de polo em caso de coautoria ou desistência46 da ação com posterior assunção de outro legitimado. Autorizada a intervenção, deve ser verificado o regime jurídico aplicável ao interveniente, se da assistência simples ou da assistência litisconsorcial ou, ainda, algum outro regime próprio. A distinção entre assistência “simples” e assistência litisconsorcial é igualmente polêmica e a bibliografia antes referida sobre o conceito de interesse jurídico para a intervenção como assistente também versa sobre o tema, não sendo necessário inventariar novamente todos os pronunciamentos doutrinários47. Para os fins deste trabalho, parte-se da ideia de que o assistente qualificado é o litisconsorte facultativo que não integrou originalmente o processo, ou seja, a assistência litisconsorcial é hipótese de litisconsórcio unitário facultativo ulterior48. Já em que eles outorgam aos seus titulares o gozo de bens que têm conteúdo e valor no mundo real” (Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 476/477. vol. I). Em trabalho anterior, defendemos a possibilidade de o interesse institucional ser uma dimensão do interesse jurídico (GODINHO, Robson Renault. O Ministério Público como assistente simples: o interesse institucional como expressão do interesse jurídico. Fredie Didier Jr.; Teresa Arruda Alvim Wambier. (Org.). Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo e Assuntos Afins. São Paulo: RT, 2004, p. 817/860; sobre interesse institucional: BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 500/511 e 642/646). 46 Sobre a possibilidade de desistência da ação de interdição: DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1933. 47 cf. BATISTA, Lia Carolina. Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. Inédito, item 5.4.2. 48 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 496. Também nesse sentido: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 344/346. Araken de Assis aponta diferenças entre assistência litisconsorcial e litisconsórcio ulterior, mas admite que se trata de questão residual (Processo Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 2015, p. 618/624. vol. II, tomo I). Book_RMP-78.indb 228 28/05/2021 12:39:36 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 231 Sujeitos processuais no processo de interdição fato. Portanto, a curatela é o encargo público, imposto por lei, através do procedimento previsto no art. 1.177 e seguintes do CPC73, artigos 747 a 758 do Novo Código de Processo Civil, a alguém para reger e defender uma pessoa e administrar os bens de maiores que, por si sós, não estão em condições de fazê-lo, em regra, em razão de enfermidade ou deficiência mental. A curatela aproxima-se da tutela, medida vocacionada à proteção integral de uma criança ou adolescente que se encontra alheia ao poder familiar, espécies de múnus público imposto a alguém para a proteção de outrem, sendo indivisíveis e, de ordinário, gratuitos, além de decorrentes de decisão judicial. Sendo institutos protetivos de incapazes, aplicam-se à curatela as disposições gerais da tutela, ex vi do art. 1.774, do CC. É cabível a intervenção de terceiros na ação de curatela, através, por exemplo, da assistência. Isso porque o cônjuge ou companheiro ou qualquer parente sucessível do curatelando pode ter interesse em atuar no procedimento, apresentando argumentos e impugnações. É facultado, inclusive, aos interessados, ao próprio interditando, seus familiares, ao requerente e ao MP, a indicação de assistente técnico para acompanhar a perícia obrigatória realizada a fim de demonstrar a condição pessoal do curatelando. Com a decretação da interdição, cabe ao curador adotar as providências necessárias para que o incapaz conquiste sua autonomia, recupere plenamente a sua capacidade, além de garantir o direito à convivência familiar e comunitária, como prevê o art. 1.777 do Código Civil. Para tanto, a autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens do curatelado e dos incapazes que estejam sob a guarda e responsabilidade dele, como dispõe o art. 757 do Novo Código Civil. Trata-se de uma extensão da curatela sobre os incapazes que estão sob a responsabilidade do curatelado, medida que pode ser limitada pelo juízo. Exercendo a administração patrimonial dos bens pertencentes ao curatelado, o curador assume o dever ético e jurídico de prestar contas, comprovando a sua probidade e lisura e assegurando a proteção do incapaz. Cuida-se, portanto, de uma obrigação indeclinável e imperativa, não havendo possibilidade de sua isenção, tanto é assim, e aqui lembre-se que aplicam-se à curatela as disposições sobre a tutela, que o legislador determinou que mesmo os pais do pupilo tenham dispensado a prestação de contas, no ato da instituição da tutela na hipótese de tutela documenta ou testamentária, os tutores são obrigados a prestar contas da sua administração, ex vi do art. 1.755 do Código civil. A prestação de contas deve ser apresentada, obrigatoriamente, de forma bianual, quando cessada a curatela ou tutela ou toda vez que o juiz entender conveniente, como dispõe o art. 1.757 do Código Civil, subsistindo a obrigação mesmo com o término do encargo, no caso da tutela, pelo atingimento da maioridade ou emancipação, ex vi do art. 1.758, do mesmo diploma legal. Importante frisar, ainda, que por força do que dispõem os artigos 1.756 e 1.757 c/c 1.774 do Código Civil, há dois tipos de prestação de contas a que estão obrigados o tutor ou curador. O primeiro deles está previsto no art. 1.756 do Código Civil, do qual se extrai que o tutor ou curador devem, ao final de cada ano de administração, apresentar balanço das atividades, com o resumo das receitas e das despesas de forma contábil. Independentemente da apresentação do balanço anual - o qual pode ser juntado no próprio processo - como já mencionado, também compete ao tutor e ao curador a apresentação da prestação de contas de forma bianual, ou quando o administrador deixa o encargo ou a qualquer momento, se assim requer o juízo. Referida prestação de contas deve ser apresentada na forma mercantil, em conformidade com o artigo 917 do CPC73, art. 553 do Novo Código Civil, e em autos apartados. A expressão ‘forma mercantil’ utilizada pelo legislador não significa que o tutor ou o curador devem apresentar balanços ou livros contábeis. Exige-se, apenas, a demonstração, clara e inequívoca, do saldo inicial, dos recebimentos, pagamentos e, consequentemente, do saldo final, devidamente acompanhado de documentos que comprovem cada um dos lançamentos. Note-se, ainda, que o juízo competente para a prestação de contas é o próprio juízo que deferiu a tutela ou curatela, devendo o pedido ser distribuído por dependência e apenso aos autos principais, permitindo assim melhor compreensão dos fatos. Apresentadas as contas, o juízo deverá ouvir eventuais interessados e o Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, e poderá determinar a realização de perícia se julgar conveniente. In casu, o apelante, irmão do apelado, filho da curatelada, pleiteou o seu ingresso no feito a fim de opinar na prestação de contas ofertada pelo curador, seu irmão, porquanto requereu outrora, inclusive, a sua remoção diante da má gestão dos recursos da interditada. (doc. 263, 266) Ora, ao estabelecer o princípio da proteção judiciária, dispondo que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (art.5º, XXXV, da CRFB), a Constituição eleva a nível constitucional os direitos de ação e defesa, face e verso da mesma medalha, dando a esses direitos conteúdos, assegurados durante todo o procedimento e indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Mas não é só. O contraditório é o direito de influência na tomada de decisão e a da não surpresa, não apenas o direito de mera informação e reação contra os atos do processo. Por isso, o contraditório há de ter dupla destinação: as partes e o juiz, afinal, se o contraditório garante que as partes influenciem a decisão, ele gera para o juiz o dever de zelar pelo próprio contraditório, permitindo a manifestação ativa das partes, o que Leonardo Greco chama de contraditório participativo. Não é por outro motivo que o legislador de 2015, no Novo Código de Processo Civil, trouxe para tal diploma legal os direitos fundamentais processuais, a fim de garantir a sua maior aplicabilidade e efetividade. Uma vez compreendido como garantia que as Book_RMP-78.indb 231 28/05/2021 12:39:36 232 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho Nesse particular, aproxima-se da figura interventiva prevista no art. 206 do Estatuto da Criança e do Adolescente56, cuja finalidade é protetiva e sem exata vinculação com as figuras clássicas57. 8. Perito A figura do perito foi objeto de regramento específico no Código de Processo Civil (arts. 156/158) e, juntamente com as regras referentes à prova pericial, possui papel bastante relevante no processo de interdição. Especialmente com as disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o processo de interdição não mais pode ser serial, mas, sim, artesanal, ou seja, de acordo com as capacidades58 e necessidades do interditando. Nesse contexto, assume substancial relevância a prova técnica (não necessariamente ou apenas médica), a fim de que se dimensionem os limites da curatela. Não há espaço, portanto, para quesitações padronizadas e, muito menos, laudos lacônicos e impessoais, como se fosse integrante de uma cadeia de produção de incapacidades. A produção da prova pericial deve ser levada a sério, sob pena de se frustrarem todos os progressos que podem ser obtidos com a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Dentro dessa expectativa de aferição personalizada das partes têm de participar do procedimento, de modo que o resultado obtido seja fruto de intenso debate e efetiva participação dos interessados, não é compatível com o modelo constitucional que o juiz decida de forma solitária, em qualquer grau de jurisdição, suscitando fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, mesmo sobre matéria a qual se deva decidir de ofício, como prevê o art. 10 do Novo Código de Processo Civil. Finalmente, a vedação ao comportamento contraditório, nemo venire contra factum proprium, expressão da boa-fé objetiva, orienta não só a interpretação da postulação, mas também a sentença, devendo também o órgão jurisdicional se comportar de acordo com a boa-fé objetiva. Nesse sentido, foram elaborados os enunciados 375 e 376 do Fórum Permanente de Processualistas, quando da análise do art. 5º do Novo Código de Processo Civil. Ora, como bem pontou o recorrente, a prestação de contas objeto da presente demanda fora deferida pela magistrada após o requerimento formulado nos autos do processo de interdição pelo ora apelante (fls. 85/104 do Processo nº 0067510-05.2012.8.19.0002), o que, por óbvio, gera a legítima expectativa na sua participação no processo de exame das referidas contas. A despeito disso, o juízo a quo, sem sequer analisar a petição apresentada pelo apelante nesses autos (doc. 263, 266), prolatou a sentença vergastada, o que não pode subsistir. A decisão judicial deve ser construída a partir de um debate travado entre os sujeitos participantes do processo, um verdadeiro processo comparticipativo, policêntrico, na nomenclatura utilizada pelo Exmo. Des. Alexandre Câmara, conduzido não só o juiz, mas por diversos sujeitos, todos igualmente importantes na construção do resultado da atividade processual. Apenas decisões edificadas de forma compaticipativa por todos os sujeitos do contraditório são constitucionalmente legítimas e, consequentemente, compatíveis com o Estado Democrático de Direito. Por todas essas razões, impõe-se a cassação do decisum, a fim de que seja oportunizada a manifestação do apelante enquanto terceiro interessado sobre as contas apresentadas pelo apelado” (TJRJ – Apelação nº 0080158-80.2013.8.19.0002. Rel. Des. Renata Machado Cotta – julgado em 27/04/2016). 56 Art. 206. A criança ou o adolescente, seus pais ou responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo interesse na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de que trata esta Lei, através de advogado, o qual será intimado para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, respeitado o segredo de justiça. 57 RODRIGUES, Daniel Colnago. Intervenção de Terceiros. São Paulo: RT, 2017, p. 180/185. 58 E o uso de “capacidades” aqui é significativo para remarcar que a incapacidade é relativa e a curatela deve ser sob medida e não prêt-à-porter. Como bem assinalam Chaves e Rosenvald, há “necessária distinção entre incapacidade e curatela. Ao reconhecer a incapacidade relativa de uma pessoa (nos tipos legais previstos no art. 4º, II, III e IV, do Estatuto Civil), o juiz deverá conferir-lhe uma curatela proporcional às suas necessidades e vocacionada à sua dignidade. A extensão da curatela necessariamente deve ser proporcional à necessidade de proteção” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 937. vol. 6). Book_RMP-78.indb 232 28/05/2021 12:39:36 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 233 Sujeitos processuais no processo de interdição capacidades, não pode ser ignorada a dificuldade prática de realização de perícias, mormente se o caso envolver equipes multidisciplinares. Os custos inerentes à prova técnica não podem ser abstraídos quando se pensa seriamente sobre o tema, de modo que a necessidade de aferição técnica deve se amoldar à realidade fática, razão pela qual desde logo antecipamos que não se pode confundir a necessidade de prova técnica com a imprescindibilidade de produção de prova pericial no decorrer do processo de interdição. Ou seja: o que é imprescindível no processo de interdição é a existência de prova técnica e não necessariamente a realização de perícia. A própria prova de justa causa exigida para a admissibilidade da ação (arts. 749/750, CPC) pode se mostrar suficiente em determinados casos, já que não é raro que, no momento em que se opte pelo ajuizamento da ação, já exista um longo histórico de consultas e exames variados, formando um acervo suficiente para fornecer os elementos necessários para a constituição da situação de curatela, que pode ser reforçado por meio da ampliação do contraditório (arts. 751, §§ 2º, 3º e 4º, e 752, §3º, CPC). Em suma, o art. 472, CPC, pode ser aplicável ao procedimento de jurisdição voluntária, assim como pode ser útil ao processo que especialistas sejam ouvidos em audiência especial para essa finalidade, ainda que sem produção formal de laudo pericial (art. 464, §3º, CPC). Ou seja, o sistema de produção da prova pericial é aplicável ao procedimento de interdição, não havendo razão para que se exclua aprioristicamente o art. 472, CPC (já que, evidentemente, não é possível produzir prova pericial ignorando os dispositivos específicos dos arts. 464 a 480, CPC). Entretanto, esse entendimento não é majoritário. Com efeito, embora a regra no processo civil brasileiro seja a da liberdade dos meios de prova, há necessária e estreita vinculação entre o fato probando e a prova a ser produzida. Se o que deve ser provado depende de conhecimentos técnicos ou científicos (arts. 156 e 464, §1º, I, CPC), necessariamente deverá o processo ser instruído por meio de provas aptas a fornecer esse tipo de conhecimento. Não se trata aqui de eventual resquício de prova legal, mas, sim, de admissibilidade, um meio de prova pertinente e adequado para o fato a ser provado. No caso da interdição, há, como antes afirmado, evidente necessidade de pronunciamento técnico e científico sobre as condições do curatelando, sobretudo para determinar a individualização das condições de curatela, de modo que não é exagero afirmar que o processo de interdição baseia-se sobretudo na produção de prova pericial59, ainda que por 59 Os problemas decorrentes da prova científica (sobre o tema: CÂMARA, Alexandre Freitas. A valoração da perícia genética: está o juiz vinculado ao resultado do “exame de ADN”? Provas: aspectos atuais do direito probatório. Daniel Amorim Assumpção Neves (coord.). São Paulo: Método, 2009. RICCI, Ugo; PREVIDERÈ, Carlo; FATTORINI, Paolo; CORRADI, Fabio. La Prova del DNA per la Ricerca della Verità: aspetti giuridici, biologici e probabilistici. Milano: Giuffrè, 2006. COMANDÉ, Giovanni; PONZANELLI, Giulio. (org.). Scienza e Diritto nel Prisma del Diritto Comparato. Torino: G. Giappichelli, 2004. TARUFFO, Michele. El juicio prognóstico del juez entre ciência privada y prueba cintífica. Sobre las Fronteras: escritos sobre la justicia civil. Beatriz Quintero (trad.). Bogotá: Temis, 2006, p. 303/317. La prueba científica. La Prueba. Laura Manríquez. Jordi Ferrer Beltrán (trad.). Madrid: Marcial Pons, 2008, p. 277/295. Ciencia y proceso. Páginas sobre Justicia Civil. Maximiliano Aramburo Calle (trad.). Madrid: Marcial Pons, 2009, p. 455/480. DOMINIONI, Oreste. La Prova Penale Scientifica: Book_RMP-78.indb 233 28/05/2021 12:39:36 236 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho Determinada a perícia, deverá ser facultado o acompanhamento por assistente técnico, não só por ser um direito inerente a esse meio de prova (art. 465, §1º, II, CPC), mas também diante da controvérsia que pode ser instaurada a partir da impugnação do pedido. O fato de a perícia poder ser realizada por equipe composta por expertos com formação multidisciplinar (art. 753, §1º, CPC) é um truísmo normativo, na medida em que a perícia deve ser adequada ao objeto da prova. Assim, se necessário mais conhecimento técnico ou científico, deverá ser determinada a perícia que abranja tais áreas, nomeando-se peritos com a formação pertinente. De todo modo, trata-se de regra que se harmoniza com o disposto no art. 1.771, CC, e pode suprir eventual déficit de conhecimento que tenha ocorrido na entrevista por falta de especialista (art. 751, §2º, CPC). Também a disposição sobre o conteúdo do laudo, que deverá indicar especificadamente, se for o caso, os atos para os quais haverá necessidade de curatela, é desnecessária, na medida em que o laudo deve refletir os quesitos e, consequentemente, o objeto de prova (art. 473, CPC). Diante do art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do disposto no art. 1.772, CC, necessariamente a prova pericial deverá versar sobre a necessidade e o alcance da curatela. Acerca do laudo pericial, devem se manifestar todos os interessados, que, inclusive, deverão ter prévia ciência da data e local da perícia, na forma dos arts. 474 e 477, §1º, CPC. Independentemente da discussão sobre a imprescindibilidade ou não da produção da prova pericial no decorrer do procedimento de interdição, há que se considerar que, se o conhecimento técnico ou científico é necessário63, não poderá o juiz desprezar a prova técnica ou científica existente e muito menos decidir em desacordo com seu conteúdo. Deve, sim, o juiz – e os demais sujeitos processuais – zelar pela designação de perito qualificado, para que se confeccione um laudo pericial adequado (cf. art. 473, CPC), a partir de quesitos pertinentes. É muito complexa a discussão sobre a valoração e a apreciação da prova pelo juiz e a bibliografia anteriormente indicada sobre prova científica possui referências importantes para uma iniciação no tema, mas o fato é que, por questões epistemológicas, não pode o juiz decidir uma causa que depende de conhecimentos específicos contrariando a prova técnica ou científica. A não vinculatividade ao laudo pericial significa apenas que novos esclarecimentos, nova perícia ou novas provas técnicas devem ser produzidas, mas jamais desconsideradas ou contrariadas em seu conteúdo sem que haja contraprovas igualmente técnicas ou científicas. Como bem observa Fredie Didier Jr., “não pode o juiz simplesmente ignorar a perícia, transformando-se em perito”64. se for o caso, os atos para os quais haverá a necessidade de curatela’. Trata-se de dispositivo que melhor disciplina a questão e que permite aferir, inclusive, se seria admissível a conversão do procedimento de interdição para o procedimento de tomada de decisão apoiada previsto no art. 1.783-A do Código Civil”. 63 Note-se que outras provas, incluindo as orais, podem ser necessárias para aferir circunstâncias relevantes para a extensão da curatela (cf. art. 754, CPC). 64 Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1941. Entendendo que deve ser determinada nova perícia, como efeito da regra de que “o juiz não está adstrito ao laudo”: PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 312/313. Tomo XVI. Lembre-se de conhecida passagem de José Olympio de Castro Filho sobre o tema: “inadmissível será o juiz desprezar o laudo pericial para opor à opinião justificada do técnico ou do cientista, que ele próprio escolheu, o seu próprio Book_RMP-78.indb 236 28/05/2021 12:39:37 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 237 Sujeitos processuais no processo de interdição Registre-se, por fim, que o perito, na realidade, é um importante sujeito processual no procedimento de interdição e sua participação deve ser aproveitada efetivamente pelas partes como mais uma dimensão do contraditório, ampliando-se e aprofundando-se o debate, não só por meio de designações de assistentes, mas também de quesitos adequados, pedidos de esclarecimentos, controle dos requisitos para nomeação e confecção do laudo e, também, eventual oitiva em audiência especial para esclarecimentos orais, como desdobramento da perícia complexa e não apenas em caso de perícia simplificada. Essa visão do perito como sujeito processual foi bem observada por Murilo Teixeira Avelino em estudo específico65 e realmente se trata de uma visão relevante e pouco explorada, com especial repercussão em processo de interdição. 9. Juiz O procedimento de jurisdição é de jurisdição estatal necessária e autônomo, de modo que a situação de curatela somente pode ser constituída por decisão jurisdicional e por meio de procedimento próprio (isto é, não há procedimento incidental de interdição). Toda interdição, portanto, necessariamente será jurisdicional, mas isso não significa que possa ser iniciada de ofício. Mesmo em se tratando de jurisdição voluntária, em que tradicionalmente se considera haver maior inquisitoriedade, a iniciativa para instauração do procedimento não pode ser jamais judicial66. Sem embargo dessa ressalva – talvez desnecessária –, o papel do Juiz como sujeito processual é de especial importância, não só em razão da finalidade do procedimento, mas sobretudo porque a legislação lhe confere atividades específicas para esse tipo de procedimento. Antes de examiná-las, porém, cabe registrar que talvez o mais importante papel do Juiz no decorrer do procedimento seja precisamente o de desconcentrar poderes, ampliando ao máximo o contraditório e admitindo a participação plena dos interessados, a fim de que se esclareçam as circunstâncias que talvez justifiquem a limitação da capacidade naquele caso concreto. Nesse contexto, a entrevista do interditando, a produção da prova pericial e a admissão dos intervenientes, além de entendimento de ignorante ou leigo na ciência do especialista. A experiência mostra que, via de regra, em semelhante arbitrariedade judicial se escondem muitas vezes a vaidade ou o exibicionismo de sabe-tudo, senão influências exteriores, de natureza diversa, a que cumpri por fim. Na realidade, se não quer aceitar o laudo pericial, por este ou aquele motivo, cabe ao juiz, por força do disposto no art. 437 [atual art. 480], determinar nova perícia, com o mesmo ou outro perito [se se tratar de segunda perícia, não pode ser o mesmo perito; o primeiro perito apenas poderá complementar e esclarecer a própria perícia, conforme o atual art. 477, §2º]” (Comentários ao Código de Processo Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 193. Vol. X – as observações entre colchetes são nossas). 65 O Controle Judicial da Prova Técnica e Científica. Salvador: JusPodivm, 2017, item 6.1. 66 Registre-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência autoriza a nomeação de ofício de curador provisório, explicitando o que já decorria do art. 749, parágrafo único, CPC: Art. 87. Em casos de relevância e urgência e a fim de proteger os interesses da pessoa com deficiência em situação de curatela, será lícito ao juiz, ouvido o Ministério Público, de oficio ou a requerimento do interessado, nomear, desde logo, curador provisório, o qual estará sujeito, no que couber, às disposições do Código de Processo Civil. Book_RMP-78.indb 237 28/05/2021 12:39:37 238 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho designações de audiências quando necessárias para o esclarecimento da causa, são atos fundamentais a serem exercidos no processo de interdição. 9.1. Entrevista O juiz deverá entrevistar o interditando “minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas”. Trata-se, portanto de um ato que se aproxima tanto do interrogatório quanto da inspeção judicial, cabendo ao juiz formular o maior número de perguntas possível para contribuir para a determinação do grau de curatela a ser eventualmente constituída. Na entrevista também poderá ser avaliada a possibilidade, se presentes os requisitos, de se converter o procedimento para o de tomada de decisão apoiada67. Pode o interditando não comparecer ao ato, frustrando essa fase instrutória e de esclarecimento das circunstâncias do caso. Nesse caso, há que se verificar se não se trata da hipótese prevista no parágrafo primeiro, quando, então, o interditando deverá ser ouvido no local em que estiver. Também é possível que o interditando compareça ao ato e nada responda por impossibilidade de comunicação decorrente de alguma deficiência ou causa médica, mas nesse caso a frustração verbal da entrevista será frustrada, mas não seu caráter instrutório, já que a impossibilidade de compreensão das perguntas ou de verbalização por qualquer meio será de grande relevância para a constituição da curatela. Dispõe o parágrafo segundo que a entrevista poderá ser acompanhada por especialistas, sendo que o art. 1.771, CC, determina que o juiz seja assistido por equipe multidisciplinar68. Temos aqui duas observações: 1) a natureza instrutória desse ato faz com que seja absolutamente necessário o apoio de peritos para auxiliar o juiz, a fim de que se extraia da entrevista efetivamente um documento relevante para o processo, explorando todas as potencialidades desse encontro pessoal, que pode ser bastante complexo a depender das circunstâncias. Se quisermos algo além da documentação da “impressão pessoal do juiz”69 – que, de resto, é no mínimo bastante questionável, já que o subjetivismo incidental do julgador é irrelevante processualmente e juiz não é testemunha e processo não comporta opinião leiga –, a partir de indagações prosaicas acerca da moeda corrente, do dia da semana e outras 67 GAJARDONI, Fernando. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. Gajardoni, Dellore, Roque e Duarte. São Paulo: Método, 2016, p. 1.301. 68 Embora deficiência não se confunda com incapacidade, o disposto no art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência pode ser útil para conferir parâmetros à análise da equipe multidisciplinar, que, claro, deverá dirigir o enfoque para o que efetivamente importa para fins de interdição: “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação”. 69 Cf. CASTRO FILHO, José Olympio de. Comentários ao Código de Processo Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 188. vol. X. Book_RMP-78.indb 238 28/05/2021 12:39:37 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 241 Sujeitos processuais no processo de interdição de curador à lide, devido à antinomia existente entre as funções de fiscal da lei e representante dos interesses do interditando. O interrogatório do interditando é medida que garante o contraditório e a ampla defesa de pessoa que se encontra em presumido estado de vulnerabilidade. São intangíveis as regras processuais que cuidam do direito de defesa do interditando, especialmente quando se trata de reconhecer a incapacidade e restringir direitos. Recurso especial provido para nulificar o processo74. 9.2. Sentença O processo de interdição enseja a constituição de situação jurídica de curatela, que deverá ser determinada de acordo com as necessidades do caso concreto. Dessa afirmação extraem-se as características essenciais da sentença de interdição: 1) sua 74 REsp 1686161/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/09/2017, DJe 15/09/2017. Em seu voto, a Relatora teceu as seguintes considerações: “Via de regra, esta Corte exige a demonstração de prejuízo gerado por supressão de ato processual previsto em lei para que fique consubstanciada a nulidade. Entretanto, tal entendimento não é aplicável à hipótese específica da ausência de nomeação de curador à lide em processo de interdição, devido à vulnerabilidade presumida do interditando e à gravidade da declaração e constituição de estado de incapacidade. Não é admissível que seja suprimida, em ação de interdição, medida que visa ampliar a proteção do interditando. Assim, considero a ausência de nomeação de curador à lide vício insanável cuja consequência é a nulidade absoluta do processo de interdição. [...] É importante que o juiz proceda ao exame pessoal por meio de interrogatório, ainda que não possua conhecimentos que permitam a elaboração de um diagnóstico. Isso, pois o exame pessoal não visa só a definição do estado biológico do interditando, mas, principalmente, a verificação de seus laços afetivos, suas condições materiais e cognitivas, a forma como se relaciona e se comporta em sociedade e, principalmente, sua opinião acerca da interdição e sua relação com quem se pretende curador. Tanto é importante o interrogatório, que o Novo Código de Processo Civil reformou o instituto, que passou a ser chamado de “entrevista”, ampliando os temas a serem perquiridos pelo juiz quando do exame pessoal, para que o interditando, sujeito de direito mais importante da demanda, seja melhor compreendido e ressignificado. O exame a ser feito mediante interrogatório em audiência pessoalmente pelo juiz não é, portanto, mera formalidade. Ao contrário, é medida que garante a participação e a própria defesa do interditando no processo. Aliás, é também medida de humanização do trabalho judicial, que poderá, com habilidade e dedicação, conhecer de fatos que o processo oculta ou omite. A respeito da relativização de regras processuais em ação de interdição, com base no art. 1109, do CPC/73, já afirmei na ocasião do julgamento do REsp 623047/ RJ, de minha relatoria, Dje 07/03/2005, que intangíveis são as regras processuais que cuidam do direito de defesa da parte requerida, especialmente quando se trata de ação de interdição, de caráter indisponível e que privará o interditando da administração da sua vida. Não se extrai do art. 1.109 do CPC, portanto, autorização para que o juiz deixe de praticar os atos processuais inerentes ao procedimento, máxime quando se tratar daquele que representa o direito de defesa da parte requerida. Assim, é nula a decisão que declara a interdição sem proceder antes ao interrogatório do interditando. Assim, cuidando de ação de interdição para decidir acerca do estado da requerida, nuançada pela gravidade das consequências dessa declaração, não se admite a supressão de nenhum ato processual componente do procedimento, porque sempre destinados à proteção do interditando, máxime a inerente vulnerabilidade, aliás que se presume”. Pode-se apontar esse entendimento como desdobramento de julgado mais antigo: “Processo civil. Recurso especial. Interdição. Supressão do prazo de impugnação previsto no art. 1.182 do CPC com fundamento no art. 1.109 do mesmo diploma legal. Inviabilidade. - O art. 1.109 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, nos procedimentos de jurisdição voluntária, à observância do critério de legalidade estrita, abertura essa, contudo, limitada ao ato de decidir, por exemplo, com base na equidade e na adoção da solução mais conveniente e oportuna à situação concreta. - Isso não quer dizer que a liberdade ofertada pela lei processual se aplique à prática de atos procedimentais, máxime quando se tratar daquele que representa o direito de defesa do interditando. Recurso especial provido” (REsp 623.047/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/12/2004, DJ 07/03/2005, p. 250). Book_RMP-78.indb 241 28/05/2021 12:39:38 242 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 Robson Renault Godinho natureza é constitutiva75; 2) em regra, seu efeito é ex nunc76; 3) a sentença enseja a uma nova situação jurídica que é precisamente a sujeição à curatela; 4) como toda curatela, a sentença deve se ajustar às condições pessoais do curatelado, na forma do art. 1.772, CPC, nomeando-se o respectivo curador; 5) em razão de seu conteúdo, a sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente; 6) como toda sentença, é passível de recurso de apelação. A nomeação do curador deverá atender sempre o melhor interesse do interditando e não haverá exata coincidência entre sua nomeação e o autor da ação. Ainda que fosse desnecessário, o caput do art. 755, CPC, é didático ao afirmar que o curador poderá ser o requerente da interdição, esclarecendo, com isso, a inexistência de vinculação entre essas posições. Há ao menos uma situação, 75 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 297/298. Tomo XVI. “Recurso especial. Processo civil. Ação de rescisão contratual. Citação em nome de incapaz. Incapacidade declarada posteriormente. Nulidade não reconhecida. Intervenção do MP. Nulidade. Necessidade de demonstração do prejuízo. Estatuto da pessoa com deficiência. Lei n. 13.146/2015. Dissociação entre transtorno mental e incapacidade. 1. A sentença de interdição tem natureza constitutiva, caracterizada pelo fato de que ela não cria a incapacidade, mas sim, situação jurídica nova para o incapaz, diferente daquela em que, até então, se encontrava. 2. Segundo o entendimento desta Corte Superior, a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc. Precedentes. 3. Quando já existente a incapacidade, os atos praticados anteriormente à sentença constitutiva de interdição até poderão ser reconhecidos nulos, porém não como efeito automático da sentença, devendo, para tanto, ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, com demonstração de que a incapacidade já existia ao tempo de sua realização do ato a ser anulado. 4. A intervenção do Ministério Público, nos processos que envolvam interesse de incapaz, se motiva e, ao mesmo tempo, se justifica na possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e no eventual comprometimento do contraditório em função da existência da parte vulnerável. 5. A ausência da intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica, à luz do princípio pas de nullité sans grief. 6. Na espécie, é fato que, no instante do ajuizamento da ação de rescisão contratual, não havia sido decretada a interdição, não havendo se falar, naquele momento, em interesse de incapaz e obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público. 7. Ademais, é certo que, apesar de não ter havido intimação do Parquet, este veio aos autos, após denúncia de irregularidades, feito por terceira pessoa, cumprindo verdadeiramente seu mister, com efetiva participação, consubstanciada nas inúmeras manifestações apresentadas. 8. Nos termos do novel Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146 de 2015, pessoa com deficiência é a que possui impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 2º), não devendo ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (conforme os arts. 6º e 84). 9. A partir do novo regramento, observa-se uma dissociação necessária e absoluta entre o transtorno mental e o reconhecimento da incapacidade, ou seja, a definição automática de que a pessoa portadora de debilidade mental, de qualquer natureza, implicaria constatação da limitação de sua capacidade civil deixou de existir. 10. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 1694984/MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018). 76 “Quanto ao passado (o momento em que começou a anomalia psíquica), não tem eficácia a sentença de interdição, a despeito do elemento declarativo junto à força constitutiva. Isso não impede que em ação que não é a da interdição se alegue, por exemplo, que a pessoa estava louca quando assinou um cheque ou uma escritura particular ou mesmo pública” (PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 318. Tomo XVI). Book_RMP-78.indb 242 28/05/2021 12:39:38 Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 243 Sujeitos processuais no processo de interdição inclusive, que nunca o requerente da interdição poderá ser o curador: quando o legitimado ativo for o Ministério Público. Nesses casos, sempre haverá necessidade de nomeação de pessoa distinta para o exercício da curatela. Também quando o requerente for o representante da entidade em que estiver o curatelado – para quem entende que essa legitimidade ativa ainda se mantém, como foi exposto no item próprio –, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado, na forma do disposto no art. 85, §3º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência. O critério básico, portanto, é o melhor interesse do curatelado. Nesse contexto, os §§1º e 2º do art. 755, CPC, são redundantes e a ideia que deve balizar a nomeação do curador é a que está inserta no parágrafo único do art. 1.772, CC: “para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa”. Esse dado é relevante porque a leitura do art. 1.775, CC, pode indicar a existência de prioridades previamente fixadas para a nomeação do curador77. Entretanto, devem-se extrair do referido artigo apenas regras indicativas, que podem ser aplicadas de modo diverso a partir de circunstâncias do caso concreto78. Deve ser relembrado, ainda, que é possível a nomeação de mais de um curador (art. 1.775-A, CC), desde que a curatela compartilhada se mostre adequada para o caso concreto. Caso o interdito tenha pessoa incapaz sob sua guarda e responsabilidade ao tempo da sentença de interdição, a nomeação de curador também abrangerá o interesse daquela pessoa, o que, em última análise, insere-se na regra geral de assegurar o melhor interesse do curatelado. A sentença deve dispor, também, sobre os limites da curatela, tanto em relação aos atos sobre as quais incidirá, quanto ao tempo de duração, se possível, conforme o art. 755, II, CPC, arts. 1.772 e 1.782, CC, e arts. 84, §3º, e 85, caput, e §§1º e 2º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Além de ser inscrita no registro de pessoas naturais, dispõe o parágrafo terceiro do art. 755, CPC, que a sentença de interdição deve receber ampla divulgação na “rede mundial de computadores”, na imprensa 77 “Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito. §1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto. §2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos. §3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador”. 78 “Recurso especial. Civil. Processo civil. Ação de interdição. Legitimidade ativa. Ordem legal. Taxativa. Não prioritária. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. Prequestionamento. Ausente. Súmula nº 282/STF. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se a ordem prevista nos arts. 1.177 do Código de Processo Civil e 1.768 do Código Civil é exclusiva ou preferencial na fixação da legitimidade ativa para a propositura da ação de interdição. 2. A enumeração dos legitimados é taxativa, mas não preferencial, podendo a ação ser proposta por qualquer um dos indicados, haja vista tratar-se de legitimação concorrente. 3. A interdição pode ser requerida por quem a lei reconhece como parente: ascendentes e descendentes de qualquer grau (art. 1.591 do Código Civil) e parentes em linha colateral até o quarto grau (art. 1.592 CC). 4. A ação visa a curatela, que é imprescindível para a proteção e amparo do interditando, resguardando a segurança social ameaçada ou perturbada pelos seus atos. 5. A existência de outras demandas judiciais entre as partes por si só não configura conflito de interesses. Tal circunstância certamente será considerada quando e se julgada procedente a interdição for nomeado curador. 6. Recurso especial não provido” (REsp 1346013/ MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/10/2015, DJe 20/10/2015). Book_RMP-78.indb 243 28/05/2021 12:39:38