Baixe Resumo de capítulos de livros CGJung e outras Resumos em PDF para Psicologia Clínica, somente na Docsity! PSIQUÊ – CLÍNICA DE PSICOLOGIA E CENTRO DE ESTUDOS C. G. JUNG PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOTERAPIA JUNGUIANA A PRÁTICA DA PSICOTERAPIA I E II JÚLIO LEÃO BRANDÃO Salvador 2021 Este resumo, instrumento de avaliação dos módulos XIX e XXI ̶ "A prática da psicoterapia I e II" ̶ , pretende demonstrar os conteúdos apreendidos dos textos “Os problemas da psicoterapia moderna” na OC16/1 e “Quinta Conferência” na OC18/1. Jung publicou seu trabalho que discorria sobre Os problemas da psicoterapia moderna no ano de 1929, período que contava com mais de vinte anos de trabalho e um lastro significativo de experiências psíquicas percebidas em si mesmo e em sua prática clínica durante esse percurso. Importa destacar que, nesse período de sua vida pessoal e profissional, Jung estava iniciando um processo de transição em sua visão sobre a dinâmica da psique, cuja perspectiva mudava de uma percepção imagética para uma percepção transcendente ou misteriosa. É nesse processo que ele ressignifica e dá mais um passo na qualificação em extensão e profundidade de sua compreensão sobre a psiquê e apresenta algumas de suas concepções no presente texto. Após fazer um breve esclarecimento sobre as diferenças entre psicanálise, psicologia individual e psicologia analítica, incluindo todas no campo da psicologia complexa, o autor demarca a característica principal que define a distância e a separação existentes entre as ciências humanas e a proposta de compreensão do que seja a psicologia moderna. Esta, para autor, fundamenta-se em explicações de natureza irracional; àquelas, por sua vez, fundamentam-se no espírito. Após alguns esclarecimentos e fundamentações sobre suas afirmações, demonstrando a dificuldade e o desafio de sintetizar todos os pontos de vista de seu tempo, Jung apresenta, ressaltando o caráter provisório, o que chamou de etapas de um processo em que se torna possível o alcance de um resultado global, quais sejam: a confissão, o esclarecimento, a educação e a transformação. Todas elas como espécies de representações de experiências que, se vivenciadas adequadamente, no curso do processo psicoterapêutico, apresentam um resultado eficaz no indivíduo submetido à análise. A etapa inicial, o processo de confissão, cujo modelo é emprestado do sacramento da confissão, tem origem conectada à raiz irracional e psíquica, com fundo religioso. Para explicar sua visão, Jung transita por vários conceitos e ideias como o fato oculto representando o segredo e a contenção, a fantasia como atividade espontânea da alma, os efeitos do inconsciente sobre a consciência, a sombra e a transferência, resistência e fixação para tratar de fatos psíquicos pertinentes a essa fase de busca e revelação de conteúdos afetivamente relevantes na dinâmica psíquica. Afirma Jung que “o que é oculto é segredo” (JUNG, 2013, p. 69), tendo esse fato analogia ao veneno. Isto é, um segredo tem efeito à semelhança de um veneno psíquico que, apesar de seus efeitos fazerem mal ao seu detentor, tornando-o estranho ao meio em que está inserido, pode, contudo, em pequenas doses, tornar-se um medicamento preciosíssimo. Afirma Jung que: Um segredo partilhado com diversas pessoas é tão construtivo, quanto destrutivo é o segredo estritamente pessoal. Este tem o mesmo efeito da que muitas vezes a personalidade do médico (como também a do paciente) é infinitamente mais importante para um tratamento psíquico do que aquilo que o médico diz ou pensa, ainda que isso não possa ser menosprezado como fator de perturbação ou de cura. (JUNG, 2013, p. 85) Desta relação se percebe que os fatores irracionais existentes produzem transformações mútuas. Esse particular conduziu a compreensão da necessidade de o analista também submeter-se ao processo com a finalidade de ser ele a pessoa com a qual se quer influir sobre o analisado, já que o que sempre teve eficácia foi a convicção de que o analista tem e exerce sob o analisado. Deste modo, essa etapa exige que o analista exerça uma replicação em si mesmo do sistema em que acredita. O processo de autoeducação, proveniente das vivências do processo psicoterapêutico, é um passo a mais e coloca o ser para além das fronteiras da psicoterapia, pois o que salta aos olhos a partir disso é a qualidade humana do indivíduo. Jung conclui enfatizando que: Essa mudança é significativa, porque coloca todo o equipamento da arte psicoterapêutica – que se desenvolveu, aperfeiçoou e sistematizou no contato permanente com o doente – a serviço da autodeterminação e do autoaperfeiçoamento. Esta concepção trata-se de um olhar para o futuro e a lapidação de visão de mundo madura, ética, refinada e um ideal a ser buscado. Para Jung, a psicologia analítica pode ser a base para essa jornada que transpõem as barreiras da normalidade da vida coletiva para a imensidão da apropriação de si e da vida individual, vivificada com significados e sentidos próprios. Sobre A quinta conferência, ministrada no ano de 1935, proferida na clínica Tavistock, Jung trata sobre o problema da transferência, a pedido do Dr. Crichton-Miller, concluído a série de conferências por se tratar de um assunto extremamente importante e de ordem prática. Nessa época, Jung já contava com 60 anos, portanto, com uma visão amplamente madura sobre sua teoria e um lastro de experiência prática inquestionável. As conferências são ministradas restritas aos princípios básicos da teoria de Jung, que as apresentou sob a forma de dois temas básicos: estrutura e conteúdo da psique e os métodos empregados em sua pesquisa. O conferencista vai direto ao ponto, tratando da psicologia e tratamento da transferência. O termo empregado para representar esse fenômeno significa carregar alguma coisa de um lugar para outro em sua literalidade. Metaforicamente, também, tem o significado de carregar de uma forma para outra. Segundo concebe Jung, “o processo psicológico da transferência é uma forma específica do desenvolvimento mais generalizado da projeção” (JUNG, 2013, p. 154), sendo esta um fenômeno psicológico de caráter geral que contém conteúdos subjetivos de todas as espécies. Em sua percepção prática, a transferência corresponde a um acontecimento que se dá entre duas pessoas, apesar de existir exceções, nunca é um ato de vontade dos envolvidos. Importa ressaltar que falar de transferência é ao mesmo tempo falar de projeção, sem reciprocidade de entendimento. Conforme explica Jung: É simplesmente um fenômeno psíquico que se produz, é uma coisa automática, espontânea. O fato simplesmente acontece, ninguém sabe como. A coisa está lá e acabou. E tal regra, valida para projeção encarada de um modo global, também é válida para a transferência, que é uma coisa que simplesmente acontece. Esse acontecimento é de natureza emocional e compulsória não sendo manipulável e sempre produz uma influência particular. As emoções, por possuírem um caráter de sugestão, exercem efeito e o máximo que se pode ter é a consciência desse acontecimento. Eis em mais um momento Jung apresentando uma fundamentação para o entendimento da necessidade de o próprio analista se submeter ao processo psicoterapêutico, levando em consideração que, enquanto fenômeno psíquico, todo individuo está sujeito a vivê-lo independentemente. Nesse sentido, o médico defende que “se o analista não se mantiver objetivamente em contato com seu inconsciente, não haverá a garantia de que o paciente não venha a cair no inconsciente do analista” (JUNG, 2013, p. 158) e, naturalmente, chega-se à condição de participação ou contaminação através da inconsciência mútua. As consequências a partir desse ponto são imprevisíveis para ambos os envolvidos. Nessa relação, a intensidade é caracterizada necessariamente ao quantum de importância dos conteúdos projetados para o sujeito e necessariamente não deixa de cessar quando os conteúdos são tornados conscientes. Essa energia surgirá em outro lugar dando curso ao seu fluxo, que é um bem da vida. Interessante é que em certas circunstâncias a transferência pode ocorrer mesmo antes do primeiro encontro, o que prova que o fenômeno tem a ver com aquele que transfere e não tem nada a ver com o sujeito que vive o alvo da transferência. Há muitas formas e possibilidades para a finalidade da transferência, mas a compensação de conteúdos inconscientes é a mais comum. Há casos em que a pressão é muito forte a ponto de poder chegar a uma combustão, mas, se devidamente suportada pelo psicoterapeuta, gerará um alívio e a percepção pelo analisado quanto a importância de o analista ter resistido. Além disso, Jung defende que “uma transferência é sempre um estorvo, jamais uma vantagem. Cura-se apesar da transferência e não por causa dela” (JUNG, 2013, p. 169), o que sugere que, apesar de ser um fenômeno espontâneo para o processo de desenvolvimento, não há necessidade dela. Além da perspectiva pessoal e toda a problemática que a envolve, Jung identificou ainda a projeção de natureza arquetípica. Isso se dá, por exemplo, quando o analisando “supõe que o analista é o preenchimento dos seus sonhos, não um médico comum, mas um herói espiritual e uma espécie de salvador” (JUNG, 2013, p.172). O desafio é o analista não se render a essa tentação e consequente fascinação da grandiosidade como todo e qualquer conteúdo de força numinosa. Para Jung, esses são espinhos do labor psicoterapêutico, que exigem do analista um esforço e investimento significativo enquanto pessoa além das suas funções profissionais, pois psiquicamente infectado e envenenado pelas projeções torna-se excessivo, inadequado, chegando até a adoecimentos físicos. Após essas considerações preliminares em que é possível identificar um panorama geral dos principais pontos que tocam a todo esse emaranhando de explicação desses fenômenos psíquicos, seguem-se questões diretas voltadas à terapia da transferência. Aqui, toca-se em um ponto de alta relevância e complexidade, envolvendo momentos importantes em termos práticos. A terapia da transferência se faz necessária, obviamente, porque a transferência precisa ser dissolvida assim como toda e qualquer projeção. Um caminho viável é inicialmente fazer com que o analisando identifique o valor subjetivo dos conteúdos pessoais impessoais da projeção; depois, estabelecer a diferença entre valores pessoais e impessoais; diferenciar o relacionamento pessoal com o analista dos fatores impessoais e, por fim, proceder à objetivação das imagens impessoais. A identificação do valor subjetivo dos conteúdos pessoais provoca a necessidade de se tratar todos os níveis de relacionamento que o paciente já teve. Quando se chega ao máximo do percurso da trajetória de vida do paciente, esgotando-se todas as possibilidades da consciência, e não sendo resolvido o problema da transferência, será necessário dar um passo para tratar sobre os conteúdos de naturezas impessoais. Jung afirma que é possível reconhecer tal fator “pela natureza impessoal peculiar de seus elementos” (JUNG, 2013, p. 173), isto é, o caráter arquetípico das imagens impessoais é provido de certa “mágica”, um efeito de grande poder, dominação e inflação sobre a pessoa que vivencia a experiência. A diluição dessas forças é possível através de processos iniciáticos. Para que haja um amadurecimento, o analisando deverá ver o valor subjetivo dessas imagens que parecem criar empecilhos à sua vida, assimilando a sua própria psicologia e compreendendo de que forma elas fazem parte dele próprio. Deve ter condições de descobrir quando um valor positivo precisa ser incorporado e desenvolvido bem como agregar seu valor negativo como partes de uma totalidade que é. Sendo totalmente tratada a projeção das imagens pessoais, mas ainda assim subsistindo a transferência, é possível iniciar o procedimento de discriminação de conteúdos pessoais e impessoais. Neste particular, como as imagens impessoais não podem ser destruídas, tratando-se de estruturas psíquicas, exige-se grande cuidado. Tratando-se de uma tremenda força dinâmica não há nada o que se fazer, restando apenas a diferenciação entre o relacionamento pessoal com o analista dos fatores impessoais.