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Guias e Dicas
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Livro de Psicanalise, Manuais, Projetos, Pesquisas de Psicanálise

Para que serve a psicanalise? o livro aborda as teorias de Freud.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2024

Compartilhado em 13/04/2024

alana-araujo12
alana-araujo12 🇧🇷

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Baixe Livro de Psicanalise e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Psicanálise, somente na Docsity! Para que serve a psicanálise? 1152.03-3 Coleção PASSO-A-PASSO CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO Direção: Celso Castro FILOSOFIA PASSO-A-PASSO Direção: Denis L. Rosenfield PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO Direção: Marco Antonio Coutinho Jorge Ver lista de títulos no final do volume Sumário Introdução 7 A psicanálise e o mundo de hoje 9 A psicanálise, a história e a arte 18 Quando cabe procurar um psicanalista? 29 As condições preliminares de uma psicanálise 36 Os destinos do desejo e a clínica psicanalítica 48 A psicanálise e sua ética 54 Referências e fontes 60 Leituras recomendadas 62 Sobre a autora 64 Introdução A questão “Para que serve a psicanálise?” pode ser pensada por duas vertentes. Uma, mais pragmática, do tipo: sendo a psicanálise um tratamento, ela serve para tratar o quê? Que tipos de patologias ou sofrimentos? Há um momento apro- priado para buscar esse tipo de ajuda? E ainda, no que ela pode ajudar? Ela resolve os sintomas? Qual a diferença da ajuda de um psicanalista para aquela do psicólogo ou do psiquiatra? Há, ainda, uma segunda vertente. Trata-se daquela que, inserindo a psicanálise no universo dos dispositivos inven- tados pela cultura, busca pensar sua utilidade nesse plano mais amplo. Ou seja, o que será que a psicanálise, o pensa- mento psicanalítico, trouxe de novidade para a cultura? A psicanálise serve para marcar que tipo de orientação ética na abordagem da condição humana? A questão-título será aqui abordada nesses dois planos, até porque eles encontram-se imbricados um no outro. O caráter propriamente utilitário da psicanálise não pode ser abordado rigorosamente, nem é passível de ser bem apreen- dido, se não se explicita qual é sua direção ética. Se queremos saber para que serve a ação de um psica- nalista, devemos então retornar ao sentido dessa ação para 1152-03-3 7 um expositor, falando a respeito das novas tecnologias, mencionava o fato de vivermos na era da simulação, argu- mentando que, se a aceleração das mudanças nos lança na incerteza quanto ao futuro, resta-nos antecipá-lo levando a vida no interior de cenários virtuais. Assim, as novas tecno- logias, aquelas de processamento e difusão de informação, como internet, televisão, rádio e similares, seriam os efetivos espaços vivenciais contemporâneos, e, para ele, falar a um analista sobre problemas, explorar idéias, reflexões, estaria ultrapassado frente às novas inquietações e aos recursos disponíveis em nossos tempos. Seguramente eu não concordo com isso, e vou explicar por quê — afinal trata-se não apenas da questão “para que serve a psicanálise?”, mas do que ela nos vale hoje. Para começar essa discussão, uma lembrança me vem à mente. Há algum tempo, numa das entrevistas do programa Roda- Viva, na televisão, escutei um cientista americano, reconhe- cido pela quantidade de novos inventos tecnológicos que produziu ao longo de sua vida, ser interpelado por um dos entrevistadores que imaginava que, provavelmente, nada surpreendia esse grande inventor. O cientista replicou di- zendo ter ficado espantado com o desenvolvimento das telecomunicações no último século. Disse ter esperado que a tecnologia se desenvolvesse muito mais na direção da facilitação do trabalho, execução de tarefas, e não tanto nesse outro sentido da comunicação entre os homens. Isso o surpreendeu. Nesse mesmo sentido, é curioso observarmos as aspi- rações de desenvolvimento prospectadas no antigo desenho 10 Denise Maurano animado Os Jetsons, de mais de trinta anos atrás, para percebermos o quanto era exatamente a facilitação do tra- balho que ali era privilegiada. Congestionamento de trânsi- to, problemas com a empregada doméstica? Nem pensar... Havia tubos acopláveis às costas, robôs para fazer as tarefas de casa, absoluta praticidade na alimentação, e por aí era anunciado o que se esperava para o futuro. Eis que o futuro chegou, e o que tomou a frente da cena parece ter sido mesmo o que diz respeito à comunicação. Creio poder dizer que, no fim das contas, o que mais se acelerou em nossos tempos foram os laços que nos ligam, ou tentam nos ligar, uns aos outros. Afinal, a comunicação não visa isso? É verdade que mediados pela alta tecnologia — fios, eletricidade, dispositivos ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético —, mas o que está no centro da cena é o apelo à criação de laços com os outros. Se em outros momentos da história da humanidade o homem apelava a outros valores para se haver com as dificuldades da vida — como a constituição da lei, a fé em Deus, as luzes da razão —, na contemporaneidade parece ser no anseio de criar laços, de comunicar-se, que o homem aspira a encontrar a salvação para suas dificuldades e, so- bretudo, para o seu desamparo. Ancorados uns nos outros buscamos obter algum apoio, mesmo que o outro ao qual nos ligamos esteja nas mesmas condições de desamparo que nós mesmos. Isso parece estar bem representado na pintura A parábola dos cegos, de 1568, do pintor flamengo Pieter Brueguel, chamado o Ancião, na qual uns tantos cegos, andando pela rua em fila, encontram-se certamente uns Para que serve a psicanálise? 11 apoiados nos ombros dos outros, porém todos juntos não sabem aonde vão chegar. Esse apelo a se ligar aos outros participa obviamente da história da humanidade, mas o que chamo a atenção aqui é para o fato de, na contemporaneidade, termos inflacionado essa estratégia. Assim, as pessoas recorrem mais facilmente a alguém ao alcance da mão, ou ao alcance da linha telefô- nica, do que a um templo religioso para se amparar. Da mesma forma, também não crêem mais nos poderes da racionalidade para encontrarem uma fórmula para melhor viver. Parece que estamos mesmo sob o império de Eros. E Eros não é apenas o deus do amor, mas, tal como propôs a psicanálise, é sobretudo a tendência à promoção de laços, tendência a estabelecer ligações. É claro que a forma como isso se dá, tête-à-tête ou via internet, faz diferença, mas o elemento motivador e a natureza da busca, creio estarem inalterados, pelo menos por enquanto. O que a psicanálise chamou de libido, energia de Eros, cobra incansáveis inves- timentos, sobretudo no amor e na sexualidade, e traz em seu rastro a outra face da mesma moeda: o ódio. Foi a inquietação da falta, vivida na contemporaneida- de como falta de amor, ou insatisfação sexual, que deu origem à invenção da psicanálise. A psicanálise veio servir para tratar dos impasses decorrentes disso. Cedo, Freud percebeu que aquilo que fazia sofrerem as mulheres que ele atendia, e lhes fazia produzir sintomas inexplicáveis aos olhos dos médicos de seu tempo, não eram senão diferentes expressões de um mal inexorável: o mal de amor. Cedo, ele se deu conta, também, de que o tratamento para isso passava 12 Denise Maurano seus suados primórdios no rigor da ética cunhada por Freud, foi a de ser uma estratégia para tratar desse vazio, que na maior parte do tempo traduzimos por falta de alguma coisa ou falta de alguém. Sua intenção não foi a de consti- tuir-se como promessa de saná-lo. Aqui, o tratamento é a cura, já que não podemos nos curar da ferida de sermos humanos. Ou seja, substituindo a idéia de cura como o que estaria na finalização de um tratamento, por meio da extir- pação de um mal, entra em cena o procedimento investiga- tivo do tratamento psicanalítico, que traz como uma de suas conseqüências o efeito terapêutico. O vazio é impossível de ser extirpado, mas cabe-nos encontrar meios menos nefas- tos de abordá-lo. Como li num folhetim: “Não se pode mudar a direção do vento, mas pode-se alterar a posição das velas.” Viver sem se haver com a dor da falta, seja esta identi- ficada ao que quer que seja, é simplesmente inumano. Não podemos nos livrar daquilo que constitui propriamente a nossa humanidade, a nossa diferença em relação aos outros animais. O que pode ser alterado é a maneira como vivemos a experiência da vida, a posição que ocupamos ao nos defrontarmos com a falta daquilo que supostamente iria nos tornar completos. Sugiro que a palavra “psicopa- tologia” — em sua origem grega, “psico-pathos-logia” — seja traduzida ao pé da letra: busca de sentido (logia) daquilo que causa espanto (pathos) à alma (psico). Sem dúvida que esta incompletude nos espanta, e podemos reagir a isso, neurótica, psicótica ou perversamente. Vol- tarei a essa questão em breve. Para que serve a psicanálise? 15 Não pensem que estou defendendo uma posição pes- simista, do tipo que toma essa incompletude como um defeito de fabricação com o qual teríamos que nos confor- mar. Não concordo com a idéia de que Freud ou Lacan — psicanalista francês, que se propôs a retornar ao rigor de Freud — sejam pessimistas. Defendo, sim, essa orientação ética que funda a proposta psicanalítica, acolhendo a vida não em uma dimensão ideal, como gostaríamos que ela fosse, mas em sua dimensão real. Sofremos os efeitos desse real todas as vezes que nos confrontamos com o fato de que as coisas não estão ao alcance de nossas mãos, como gosta- ríamos que estivessem. Isso é duro? Certamente. A expres- são brasileira “cair na real” é primorosa na indicação da queda de ilusões que decorre da confrontação com o real, porém, negar sua existência, na promessa de que pelas forças da mente ou do que quer que seja poderemos escapar, intensificará, por conseqüência, nossa fragilidade — e não nossa força. Afirmar a vida com tudo o que nela há, de alegria e de sofrimento, de leveza e de dureza, é não a mutilar de nenhum de seus componentes. Mas obviamente, se é simples falar assim, não é simples viver dessa forma. Somos facilmente atraídos pela posição ressentida, “que injustiça fizeram contra mim!” Ou pela posição nostálgica, “bom é como era antes!” Ou, ainda, pelo vislumbre romântico que suspira por um ideal jamais passível de realização, sob pena de, caso efetivado, perder todo o encantamento. Assim estamos nós em nossa radical humanidade, nes- sa condição de errantes, suplicantes de algo que nos oriente, que nos complete e acene com a possibilidade de precisão 16 Denise Maurano na adequação de nossas ações, dado que nunca sabemos direito se o que resolvemos fazer está certo ou não. Como humanos, subvertemos as determinações do instinto. Não comemos meramente por fome, nossas atividades sexuais não se limitam às funções biológicas, nosso sono tampouco. Somos afetados por inúmeras variáveis. Nosso universo de necessidades é intermediado pelo das representações. As coisas não são o que são, mas o que representam para nós. Desta forma, podemos perder o apetite, ou comer demais, se ficamos tristes; podemos optar pela abstinência sexual por uma razão ideológica ou moral; podemos perder o sono diante de uma preocupação. O que nos rege não é propriamente um instinto, mas algo de outra natureza, que Freud propõe chamar de pulsão. A adequação de nossa percepção ao que existe de fato é permeada por esse universo que nomeamos como campo da linguagem. Isso quer dizer que, se não temos um acesso direto e objetivo às coisas, inventamos um estratagema para contornar esse abismo que nos separa do mundo: inventa- mos a linguagem. Ou seja, desenvolvemos, mais que qual- quer outro animal, nossa capacidade de nos comunicarmos por recursos simbólicos e imaginários. Inventamos palavras para designar as coisas, nomear o que nos falta; criamos ícones para adorar, ideologias para nos salvar do desam- paro. Construímos, com o desenvolvimento da linguagem, uma rede de elementos através da qual encontramos meios de nos referendar. Situamos, com isso, o Outro a quem nos dirigimos. Assim, eu não sou apenas Fulano de Tal, eu sou Para que serve a psicanálise? 17 nas intensidades psíquicas, naquilo que é bem próprio cha- mar de dimensão econômica do psiquismo, pois focaliza a existência de montantes de afeto, que operam nos investi- mentos e desinvestimentos psíquicos. Esse novo movimen- to que vai, a meu ver, inaugurar a contemporaneidade, eu proponho caracterizá-lo como momento da prevalência do apelo à libido, apelo ao amor e à sexualidade como via de solução dos problemas da vida. Será ele que dará margem ao surgimento da psicanálise. Porém essa valorização da emoção já havia encontrado acolhida na cultura pela via das artes, ainda no tempo de Descartes, na idade dita Moderna. A arte barroca que se desenvolve nessa época, sobretudo no século XVII, é expres- são da visão do sujeito afetado pela paixão. Veremos o quanto tal visão irá interessar à psicanálise. Ainda que na- quele momento não fossem a libido e a sexualidade que prevalecessem como foco temático, não se pode deixar de observar a exuberância dos afetos, expressos pela via da exibição do corpo dos santos que chega quase à obscenida- de, como se o ardor da alma fosse tornado visível pela focalização do corpo. Encontram-se, com isso, meios de dar visibilidade a questões de difícil apreensão. A palavra “barroco” aparece, originalmente, como vo- cábulo especializado da ourivesaria para designar a pérola de forma irregular, que bem se presta, como lembra Clau- de-Gilbert Dubois em Le baroque, para que se associe nela o esplendor e a impureza. Em sua transposição para a arte, uma identidade a partir dos “defeitos” é transformada em eloqüente afirmação da natureza. Mas não foi à toa que essa 20 Denise Maurano expressão artística levou muito tempo para ser reconhecida como tal. Foi apenas no fim do século XIX que Heinrich Wölfflin, um historiador da arte, a reconheceu. Até então, designar uma obra como barroca era o mesmo que dizer que ela era bizarra, desproporcional, esquisita. Isso porque ela se diferenciava do que se tinha como modelo, ou seja, se diferenciava do ideal clássico de beleza, até então o único valorizado. Barroco indica uma visão de beleza que escapa às exigências da ordem, da harmonia e do equilíbrio, próprias à visão clássica do belo. A beleza de uma Vênus de Milo, na qual nada excede ou falta, é completamente diferente da beleza que apresenta uma escultura de Aleijadinho, grande expressão do barroco brasileiro. Se designamos esta última como bela é porque estamos aí orientados por uma outra concepção de belo, que não está submetida a um ideal de perfeição, mas sim acolhe o dinamismo da vida, suas imper- feições, a força de suas intensidades. Em obras como as de Aleijadinho, o que vale não é a precisão das formas, mas a força de sua expressão, de seu poder de afetar a sensibilidade de quem a observa. Dividida por visões de mundo opostas — como o sagrado e o profano, o sofrimento e a alegria, a razão e a emoção, a sensualidade e a espiritualidade, o bem e o mal, a obscuridade e a luz, a vida e a morte —, a expressão barroca é a configuração de uma crise. Tal crise, além de poder ser datável num período da história que abriga as cruzadas pelos mares, o desenvolvimento do mercantilismo, os conflitos religiosos provenientes da Reforma Luterana e Para que serve a psicanálise? 21 uma série de questões que causaram turbulência nas verda- des e nos modos de viver estabelecidos, prenuncia a própria modernidade, com tudo que esta trouxe de novidade e subversão, e não apenas para os padrões tradicionais das Academias de Belas-Artes. Charles Baudelaire, poeta, escritor e crítico de arte francês, propôs em um pequeno ensaio intitulado Sobre a modernidade que a beleza é dividida em duas metades. Existe aquela do espírito clássico, que fixa as imagens na dimensão da eternidade. O que nela está posto não sugere nenhuma alteração, a imagem é apresentada como estática, alheia ao tempo e ao movimento. O exemplo da Vênus de Milo nos serve para observar isso. Mas o poeta lembra que a modernidade introduziu uma outra relação com a beleza: a beleza do que se movimenta, a beleza do que é transitório e mesmo do que perece. A beleza que se pode ver nos gestos, nas rugas, nas marcas da passagem do tempo. É essa dimen- são de beleza na vida que é especialmente valorizada pela psicanálise. Certa vez Freud estava passeando com um amigo por um jardim florido. Comentavam sobre a transitoriedade da beleza, a propósito, o fato de que, em breve, com a mudança das estações, aquelas belas flores não estariam mais ali. Diferentemente de uma perspectiva que veria nessa transi- toriedade um motivo de pesar, ele, ao contrário, via no movimento do tempo uma afirmação da vida. O que está vivo se mexe, e é o contraste que aguça a percepção. Pode- mos ler isso num pequeno texto de Freud, intitulado A transitoriedade. Ele atesta o espírito do autor como sujeito 22 Denise Maurano os opostos não se anulam. Isso ocorre também em nossas fantasias, em nossos sintomas, e ainda nos chistes, esse modo peculiar de piadinhas, ditos espirituosos, através dos quais dizemos, pelo humor, o que jamais poderíamos dizer seriamente. Nossos sonhos, atos falhos, fantasias, sintomas e chistes são abordados pela psicanálise como formações do inconsciente. Como se pode facilmente perceber, essas pro- duções não obedecem às leis da racionalidade consciente, que exige clareza, coerência, ausência de contradição. Elas revelam as leis de funcionamento do inconsciente e mos- tram que nosso psiquismo é muito mais amplo do que aquilo a que temos acesso pela nossa consciência. Influenciados pela consciência, temos a tendência de sempre buscar semelhanças entre as coisas, abolindo dife- renças e contradições. Tendemos a desprezar o que parece ilógico ou incoerente. Julgamos tudo isso uma besteira e nos afastamos do que parece equivocado. O reconhecimento do diferente como o que é errado não apenas afeta nosso pensamento racional, como até motiva inúmeros conflitos étnicos, religiosos, políticos e de diversas outras naturezas. Quando a psicanálise sublinha que o psiquismo não é só a consciência; quando valoriza nossas produções psíquicas, como sonhos e fantasias, tidas até então como bobagens, promove uma reviravolta na abordagem do psiquismo, que implica simultaneamente uma subversão na visão tradicio- nal da vida e do mundo. O que explica o porquê de a psicanálise poder ser melhor compreendida pela arte do que pela ciência tradicional. Para que serve a psicanálise? 25 Não quero com isso que vocês entendam que o incons- ciente é o domínio do caótico e do ilógico. Não se trata disso. A questão é que a psicanálise serviu para ressaltar o funcio- namento de uma outra lógica também operante no psiquis- mo, que eu diria tratar-se da lógica do paradoxo. Cabe ressaltar que nesse plano do paradoxo, tão afeito ao incons- ciente quanto à expressão barroca, a visão que se tem do Eu, da afirmação de si mesmo, como o que viria a definir o sujeito, passa a ser um tema sobre o qual recai todo questio- namento. Não se tem como afirmar algo sem se perguntar pela possibilidade de seu contrário. A psicanálise vem res- saltar que o Eu não é senão a fachada de nós mesmos, do sujeito que somos. O que realmente somos escapa às possi- bilidades de apreensão do Eu. O que se apresenta na arte barroca não é mais uma perspectiva de apaziguamento do ser e da vida, não é mais uma negação de sua instabilidade e dinamismo, mas sim uma focalização na aceleração do tempo. É isso que incita à desestagnação, e a uma certa pressa. Na arte barroca exibe-se um comportamento passional que revela que é preciso todo o vigor para nos defendermos do aniquilamento, sem que a morte seja por ela negada. O que a articula tanto com a posição teórica quanto com a posição clínica da psicanálise: a idéia da confrontação do homem com um limite, onde em última instância situa-se a morte, é a convocação a que se viva a vida. A paixão e a turbulência que a arte barroca incita são as marcas indeléveis que expressam a subjetividade, não enquanto remetida a uma afirmação de si, mas em um 26 Denise Maurano movimento de evasão motivada pela inquietação. Podería- mos pensar que, nela, é a vida pulsional, ou seja, a energia fundamental que rege a dinâmica do sujeito, que não está encoberta em função das exigências de harmonia e ordena- ção. Uma visão clássica de mundo apela a tais exigências visando um plano ideal. No barroco, o Eu e a natureza são tidos como manifestações legítimas e únicas próximas da verdade, que não deve ser interpretada pela lógica intelec- tualista, mas sim deixada para ser expressa livremente. Na arte barroca, trata-se de situar o infinito do ser na dimensão finita da natureza e do humano. Nessa perspecti- va, o sujeito encontra-se impregnado de mundo e é mesmo confundido com ele. Daí a utilização que faço da noção de dessubjetivação como o que viria paradoxalmente designar a subjetividade barroca. Ou seja, na perspectiva da subjeti- vidade barroca, o sujeito, imbricado no que o circunda, apresenta-se em evasão, exibe-se como fora-de-si, remetido intimamente ao que lhe é exterior, tendo como referência uma relação com o que o transcende. O que é bastante diferente de uma visão de sujeito enquanto um ser bem delimitado e circunscrito na consciência que teria de si mesmo, e no que se poderia definir por uma psicologia do seu comportamento. Essa noção de dessubjetivação será preciosa para que se possam abordar questões inerentes ao que se espera do final de uma análise. Isso será retomado mais adiante, mas, só para adiantar, refiro-me à análise como o percurso que o sujeito empreende desde a investigação do que funda- menta sua constituição, do que opera em seus processos Para que serve a psicanálise? 27 um analista. E isso não porque um analista não seja indicado para tratar certos quadros. Às vezes, ainda se questiona: será que a psicanálise serve para tratar psicótico? Ou ainda para tratar alcoolista ou toxicômano? Ou então alguém com câncer em fase terminal? São inúmeras as questões, e res- pondo-as dizendo que a psicanálise é indicada para tratar todo tipo de doença, dado que não tratamos a doença mas o sujeito que nela está implicado, ou seja, o sujeito que faz da doença um sintoma que chamamos analítico. Vocês podem me perguntar: mas o que é esse sintoma analítico? É qualquer sintoma que seja tomado pelo sujeito como fonte de questionamento de si mesmo. É isso que faz com que um sintoma seja analisável. É claro também que não se trata de um questionamento qualquer: trata-se de um questionamento dirigido ao saber inconsciente, saber a que o analista deve dar suporte. Ou mesmo dirigido à psicanálise, desencadeado às vezes em um sujeito antes mesmo de ele ter escolhido um analista para o acompanhar. Um questionamento dirigido pela aposta de que existe, em alguma esfera do meu psiquismo, um saber que age em mim, através de uma outra lógica que não aquela que eu reconheço conscientemente. Posso acreditar que a depressão toma conta de mim porque isso é um desígnio dos céus, uma doença hereditária, um castigo de Deus, a praga de um vizinho, o efeito de minha alimentação, ou posso ainda pensar que há em mi- nha depressão um saber inconsciente que nela opera. Posso até vir a sentir uma secreta e sinistra satisfação que me move em sua direção, apesar da dor que ela me provoca. Será essa 30 Denise Maurano fé no inconsciente que fará dessa depressão um sintoma analítico, se houver um analista a quem esse sintoma passe a ser dirigido. Acontece de alguém passar tempos intrigado com suas questões, percebendo-se nos sintomas que faz, trabalhando de certa forma sobre eles, até que um dia resolve procurar um analista. Acontece também de uma pessoa ser identifi- cada por todos os amigos como alguém que precisa de análise, dado que está sofrendo psiquicamente, atormen- tando a todos que o rodeiam, mas a própria pessoa nem se dar conta disso e estar a léguas de distância de pensar em tirar algum proveito da psicanálise. Isso revela o quanto a psicanálise não é uma questão de necessidade, mas sim de desejo. Sem que a própria pessoa queira, não há análise possível. É por isso que não é a natureza do sofrimento que delimita o campo de intervenção do analista, mas o modo de relação do sujeito com seu sofrimento, seja ele qual for. Lembro-me de um moço que me procurou para tratamento no momento em que se encontrava em franco surto psicó- tico. Logo que entrou no consultório, queixando-se de alu- cinações sinestésicas, nas quais sentia seu corpo sendo cutucado, anunciou com o que disse o longo e fecundo trajeto de trabalho que teríamos pela frente: “Falta media- ção! Essa complexidade eu não suporto. Quero que a para- fernália de máquinas que invadem meu pensamento possa ser substituída por uma parafernália filosófica, onde eu, como humano, encontre espaço para existir.” Clamava por resgatar pela fala, pela “parafernália filosófica”, recursos Para que serve a psicanálise? 31 simbólicos que lhe protegessem da invasão do não-senso do mundo, invasão do real como algo assustador. Buscava formas de mediação para haver-se com esse real. A psicaná- lise trabalha nessa direção. Com relação a essa questão da especificidade da pro- cura de um analista, uma vez num programa de TV pergun- taram-me qual era a diferença entre psiquiatra, psicólogo e psicanalista. Essa é uma questão que nos endereçam bastan- te freqüentemente. Na rapidez do tempo na televisão, utili- zei um exemplo que me parece elucidativo, embora obvia- mente por demais sumário, mas que serve para nossos fins agora. Sugeri: vamos supor que você esteja com uma terrível insônia, e por causa dela vá procurar ajuda. Se sua questão é tentar eliminar de imediato a insônia e pronto, você pode recorrer a um psiquiatra, que, considerando sua insônia como sintoma de uma suposta doença, te dará um remédio para intervir no seu sintoma. Isso porque a “doença” moti- vadora da insônia não é senão suposta. Digo suposta doença porque a grande diferença da psiquiatria para outros ramos da medicina é que quando você procura um médico, queixando-se de um sintoma, o médico irá tratar da causa dele, ou seja, da doença da qual seu sintoma é sinal. Assim, se você está com azia, ele não vai medicar sua azia, mas sim a gastrite, a úlcera, ou seja lá qual for a doença que é causa dela. Já no caso dos sintomas diretamente psíquicos, quando se trata de abordá-los de forma medicamentosa, a questão é bem mais complexa. Você toma o remédio para dormir, mas a “doença” que te deixa acordado permanece intocada. 32 Denise Maurano ciência ou mesmo do comportamento, ou ainda a partir de exercícios cognitivos, dependendo da escola de psicologia pela qual ele se orienta. O contato escolhido pode ser rege- nerador para você e possibilitar-lhe meios de melhor adap- tar-se no contexto de sua vida. Ou, ainda, você pode perceber que seu sintoma não diz respeito a um estresse qualquer, mas que apareceu num momento especial de sua vida e a partir de certos fatores que escapam à sua possibilidade de apreensão consciente. Com isso, para além de se livrar dele, você pode querer também saber o que ele pode te informar acerca de seu próprio funcionamento, de como você reage na vida, de como tem se conduzido. Se você tem essa perspectiva, um psicanalista será o profissional mais indicado para ajudá-lo. Seu sintoma será abordado numa análise como um sinal do que você é; como um modo paradoxal de obter algum tipo de satisfação, por mais sinistra que ela seja. Chama-se a isso gozo, o processo onde prazer e dor se entrelaçam secretamente. A expressão “volúpia do aborre- cimento”, do nosso querido Machado de Assis em Memórias póstumas de Brás Cubas, nos dá a medida desse gozo sinistro. Uma analisanda que iniciou seu tratamento queixando-se de síndrome do pânico, à qual voltarei a me referir mais adiante, após ter perdido seu sintoma, comenta lamentan- do-se dessa perda: “Você não sabe como é isso; no meu sintoma eu era absoluta!” Obviamente, estou me referindo a satisfações que res- pondem a processos inconscientes, e que não se submetem a injunções como “não devo pensar isso, devo pensar aqui- Para que serve a psicanálise? 35 lo”, ou outros modos de auto-sugestão, muito em voga na atualidade. Refiro-me a sintomas que escapam à possibili- dade de dominação consciente, sintomas frente aos quais o sujeito se sente impotente, tendo às vezes já tentado os métodos citados, sem contudo obter resultados. As condições preliminares de uma psicanálise Como vimos acima, nem mesmo a evidência de fatores psíquicos atuando na produção de sintomas, ainda que agregue um pedido de ajuda nessa direção, é suficiente para resultar num processo psicanalítico. O deslanchamento do dito processo vai depender de uma retificação que o sujeito faz de sua própria posição queixosa. Essa retificação o in- troduz no trabalho sobre o Inconsciente, através do desejo de empreender tal trabalho. Sem isso, nada feito. Certa vez uma moça veio me procurar, encaminhada por seu médico, por causa de uma “alergia” que a deixava coberta de placas vermelhas na pele todas as vezes que via um certo vizinho. Ela chega com sua mãe e pede que a mesma entre junto no consultório. Recebo as duas, já que tenho por princípio sempre acolher o sujeito como ele estiver podendo chegar, até que se configure, ou não, a possibilidade de um trabalho a ser feito. Quando pergunto à moça se ela tem alguma idéia do que pode estar aconte- cendo, ela, que se diz umbandista, alega um “trabalho de macumba” feito por esse homem para prejudicá-la. Sua mãe concorda com esta versão. Tento avaliar se há alguma vaci- 36 Denise Maurano lação nessa explicação, por onde ela pudesse pensar para além dessa certeza, algo que não apenas responsabilizasse o vizinho, o “de fora”, mas implicasse ela mesma, porém foi inútil. Ainda assim ela, na ocasião, diz querer voltar ao consultório, diz estar sofrendo muito com isso, e ter sido bom falar. Na semana seguinte, ela volta com a mãe. E, novamen- te, pede que a mãe entre junto com ela na sala. No momento em que a percebi um pouco mais à vontade, indaguei acerca da presença de sua mãe e lhe perguntei se gostaria de me falar sozinha. Ela disse que a mãe a acompanhava em tudo e que isso era ótimo, não lhe trazia o menor problema. Problema era o vizinho macumbeiro, que ela não entendia por que queria prejudicá-la. Pedi que me falasse disso e ela disse não ter idéia, apenas raiva. Pergunto se haveria algo nela que daria margem a esse vizinho para afetá-la. Ela responde não ter nada a ver com isso, que o trabalho dele é que era forte. Embora eu não visse ainda nenhuma brecha pela qual, da função de analista, eu pudesse ajudá-la, (não pelo conteúdo do que ela trouxe, mas pela forma fechada como colocava sua questão, ou sua falta de questionamen- to), ela novamente afirma querer retornar. Na terceira sessão, novamente com a mãe, ela chega radiante. Diz ter vindo para me dizer que seu problema está solucionado porque ela encontrou uma forma de cortar o “trabalho do macumbeiro”. Descobriu que bastava tomar um banho de leite que as placas sumiam, e que sua mãe se incumbia de ajudá-la nisso. As duas me agradecem muito por tê-las escutado, e mãe e filha vão embora, felizes da vida. Para que serve a psicanálise? 37 O que Freud designa como lei da castração é a confron- tação que cada um de nós faz com o fato de nós, homens e mulheres, não termos essa plenitude creditada a esse sím- bolo. Os homens têm o seu representante, o pênis. Mas não têm o falo, a plena potência vital. Creditamos um gozo supremo à suposta posse dessa plena potência vital, porém só acedemos a esse gozo parcialmente. Nossa satisfação é sempre parcial. O que, afinal, não é ruim, já que a satisfação que falta é elemento motriz para novas buscas. A maneira pela qual a lei da castração intervém virá configurar o modo privilegiado de defesa que atuou no processo de subjetivação. Baseado em Freud, sobretudo nos textos sobre as Psiconeuroses de defesa, Lacan propõe deli- mitarmos três formas privilegiadas de modalidades defen- sivas: neurose, psicose e perversão. Tais seriam as três ma- neiras de um sujeito colocar-se frente à lei da castração. Muito sumariamente, poderíamos dizer que um neu- rótico é aquele que sofre com a lei. Exige a si mesmo não a perder de vista, ainda que sonhe com uma forma de burlá- la, e, quem sabe, arranjar um jeito de ver-se pleno. Um psicótico a burla, ou seja, não se apercebe dos limites — não porque o queira, mas por contingências operantes em seu processo de tornar-se um sujeito. Isso é o que permite inclusive que, no Direito, se diga que um psicótico é inim- putável, ou seja, não pode responder juridicamente por seus atos transgressivos. Já com o perverso, a coisa é bem dife- rente. Ele não desconhece a lei, muito pelo contrário, a conhece muito bem, porém não quer saber dela. Não quer saber de limite algum, quer justamente gozar com a trans- 40 Denise Maurano gressão do limite, e, nesse sentido, é o oposto do neurótico que sofre quando acontece de transgredi-la. A suposição diagnóstica levantada pelo analista nas entrevistas preliminares será fundamental para que ele pos- sa avaliar suas possibilidades de intervenção. Quanto às estratégias de tratamento, será ainda necessário que ele averigúe as possibilidades do que chamamos “histericiza- ção” do sujeito. O que significa, para além de outras ques- tões que não cabem ser abordadas agora, a possibilidade de o sujeito engajar-se na transferência com o analista para que, através do manejo dessa transferência — que implica tanto o crédito dado ao saber inconsciente suposto ao ana- lista quanto o amor que dele é efeito —, sejam traçados os rumos da direção do tratamento. Mencionei o amor implicado na transferência, mas que não se entenda disso que a psicanálise visa tornar as pessoas dependentes e infantilizadas!... A questão é outra. Depen- dentes somos todos nós, em última instância. O amor trans- ferencial é um modo de trazer à luz essa dependência exa- tamente para investigar seus pontos de fixação e promover, neles, eu diria, uma certa “ventilação”. A transferência na análise presta-se a ser analisada, não insuflada. Se um ana- lista faz isso, certamente não está agindo analiticamente. Exatamente por isso um analista deve abster-se de sugerir, o que não significa recusar-se a assumir a responsabilidade de intervir, indicando a direção visada pelo trabalho analí- tico. O “ensaio de análise”, maneira pela qual Freud propõe designar esse período inicial do trabalho, serve ainda para Para que serve a psicanálise? 41 que se evite a dimensão de equívoco presente no fato de se confundir a freqüência ao consultório de um analista com uma análise propriamente dita. Isso evita que se pense que uma psicanálise fracassou quando, na verdade, ela nem começou. Obviamente, a psicanálise não se propõe a dar conta de todo tipo de sofrimento, por mais que esse sofrimento pareça perfeitamente passível de ser abordado analitica- mente. É preciso, antes de tudo, que apareça alguma possi- bilidade de o sujeito escutar algo dele mesmo, no próprio ato de se queixar. É preciso que o sujeito se situe no que está falando e, no mínimo, se intrigue com o seu posicionamen- to. A função do analista é fundamental nesse processo. Fomentar no sujeito esse trabalho de investigação, de escuta da própria fala, de intriga quanto a si mesmo, é efeito do desejo que coloca um analista em ação. Se ele vai ter ou não sucesso em seus esforços vai depender da situação, mas a parte dele ele tem que fazer. Acontece também de o sujeito que chegou se queixan- do do mundo, dos seus insucessos, começar rapidamente a perceber que ele tem a ver com isso. Que suas atitudes, seu modo de se colocar, implicam certas manifestações que, ainda que ele não tenha consciência delas, promovem a situação da qual ele se queixa. Aperceber-se disso tanto pode provocar no sujeito uma vontade de investigar que motiva- ções são essas que o conduzem malgrado a sua vontade, quanto fazer com que ele não queira mexer nisso e inter- rompa o processo aí, buscando, às vezes, um recurso apazi- guador, algo que não solicite dele trabalho pessoal algum. 42 Denise Maurano trocam opiniões, “figurinhas”, como se costuma dizer. Tra- ta-se de um trabalho que tem funções específicas para o analisando e para o analista. Por mais que, obviamente, o analista esteja encarnado na pessoa que ele é, por mais que ele possa sentir todas as coisas que qualquer um sente, ele não está ali para atuar suas pessoalidades, mas sim para tentar até mesmo valer-se disso para averiguar a emergência do sujeito do inconsciente que se trata de investigar. Comentei, anteriormente, dois momentos fundamen- tais preliminares à entrada no processo de uma psicanálise que podem ser designados como pedido de ajuda e pedido de análise. Neste último, já aparece não apenas a queixa acerca do sintoma mas também uma vontade de querer saber o que se tem a ver com isso. Aparece aí o pedido de analisar sua própria queixa. Porém, para que um processo analítico comece realmente, é preciso ainda um outro passo. É preciso que, para além do pedido de análise, compareça o desejo de análise. Ou seja, é preciso que o sujeito efetivamen- te se decida por empreender esse trabalho, apesar dos riscos que uma análise comporta. Pode ser que, diante disso, o sujeito que havia feito um pedido de análise, na hora de empreendê-la de fato, recue. Sabemos que um sintoma — seja ele insônia, gagueira, fobia ou o que for —, por mais danos que traga, não está ali à toa. Sendo, até então, a melhor solução que o sujeito encontrou diante de um conflito, ele é melhor do que aquilo que veio, de certa forma, encobrir. A grande novidade de Freud foi tratar o sintoma não como um defeito ou degene- ração, mas como uma via de expressão do sujeito. Expressão Para que serve a psicanálise? 45 de algo que certamente não é fácil de ser expresso, senão o sujeito o faria diretamente. Freud percebeu que o sintoma constitui-se como uma defesa frente a algo intolerável psi- quicamente. Em termos sumários, um conflito entre o de- sejo que move o sujeito e aquilo que o censura. O sintoma é, portanto, em si mesmo o efeito de um paradoxo. É um compromisso com o desejo que nos anima, é expressão desse desejo e, ao mesmo tempo, é a marca de seu recalca- mento. Lembro-me aqui de um outro caso bastante elucidati- vo da implicação do desejo no sintoma. Fui procurada certa vez por uma moça que pedia tratamento para sua filha de três anos que estava ficando “careca”. O diagnóstico de alopécia, doença que promove a queda dos cabelos, tinha sido dado pelo pediatra, que observou que o problema surgiu logo após o nascimento da irmãzinha da menina, e sugeriu então que ela viesse me ver. Depois de um longo período de entrevistas com a mãe, dado que era dela que partia a demanda — e nos cabe sempre, antes de qualquer coisa, avaliar a demanda —, a menina, que sabia de nossas sessões, pede para vir me ver. Ela mesma faz sua demanda. Quando chega, entretanto, não quer entrar no consultório sozinha comigo e pede que a mãe nos acompanhe. A menina, então, busca uma folha de papel, desenha um círculo e me mostra. Pergunto o que é, ela diz: “É você.” Indago como eu estou. E ela: “Você está careca.” Pergunto: “Por quê?” Ao que ela responde: “A sua cabeça está maluca. Você está pensando que está virando homem.” A mãe, que assiste à cena, se espanta e me diz: “Eu passei a 46 Denise Maurano gravidez inteira preparando-a para ter um irmãozinho; será que ela acha que eu queria um filho homem?” E assim começou o trabalho com essa menina que, durante muito tempo, não poupava esforços na tentativa de responder ao desejo desse Outro que para ela era o mais valioso do mundo — a mãe. A posição conflitante do desejo mostra-se aí evidente. Tornar-se careca, por pior que isso fosse, por mais “maluco” que parecesse, era para essa menina a estratégia de fazer-se o filho homem que a mãe desejou e não teve. Era sua forma de ocupar esse lugar que estava vago no desejo materno. Era a maneira de tentar garantir-se, buscando sanar a insatisfa- ção que percebeu na mãe. Por isso, por mais que o sintoma trouxesse incômodo e mal-estar, ele apresentava-se também como fonte de satisfação. Era via de solução. Ocorre-me ainda um outro caso, no qual a transparên- cia dessa relação do sintoma com o desejo é, também, surpreendente. (Aliás, a clínica psicanalítica constitui-se disso.) Refiro-me a uma moça que vem me procurar quei- xando-se de um portentoso medo de morrer que a acometia em inúmeras situações. Chamava a isso “síndrome do pâ- nico”. Buscando investigar que medo era esse, saber do porquê do medo de morrer e não de outra coisa, ela, ten- tando me dizer que a questão da morte era central em sua vida, já que havia perdido muitas pessoas, inclusive o pai, na mais tenra infância, faz o seguinte ato falho: “Foi assim, quando eu morri, meu pai nasceu.” Espanta-se com o que disse, e eu corto a sessão nesse ponto, como uma estratégia para mantê-la em aberto, dan- Para que serve a psicanálise? 47 sujeitos, palavra advinda de subjectum, ou seja, posto de- baixo. Desse modo, nossa subjetivação se dá por uma dupla operação: por um lado, nos alienamos no desejo desse Outro, como via de salvação, porém por outro lado é preciso que nos separemos dele, para podermos constituir o nosso próprio desejo, ainda que seja para desejarmos o desejo desse Outro. Se assim o fazemos é porque há uma dimensão letal na alienação. Alienados no Outro, nos safamos em parte do desamparo, ancoramos em alguma significação, porém, como nenhuma significação pode resumir a com- plexidade da existência humana, resta sempre um ponto de vacilação do sentido, uma brecha, via pela qual erigimos o desejo que nos funda como sujeitos. Esse desejo se aferra à Coisa que supostamente nos faria plenos, sem faltas. Coisa que se traduz por um objeto que de fato nunca existiu, que foi perdido na inscrição mesma de nossa humanidade, mas que funciona para nós como a preciosidade escondida que perseguimos, dado que na fantasia ele nos retiraria da condição de carentes ou de devedores em relação ao Outro salvador. Lacan propõe nomear esse objeto como objeto a. É como se a esperança fosse de que, ao obter esse objeto, eu pagasse a dívida que tenho para com o Outro e me libertasse de suas exigências. A idéia inconsciente sobre a qual fundamentamos nos- so Eu, ou seja, a fantasia com a qual vestimos o sujeito que nós somos, busca nos articular com esse objeto enigmático, impossível, que, caso pudesse ser apreendido, nos deixaria quites com o Outro em nossa existência, o que nos permi- 50 Denise Maurano tiria gozar plenamente, sem restrições. Seríamos então su- jeitos sem faltas, emprenhados por um objeto que nos daria consistência, nos objetivaria e nos retiraria da errância. A fantasia que norteia nossas ações, quer atinemos com ela ou não, é nosso modo singular de respondermos ao desejo do Outro tentando garantir um lugar para nós. Lugar de reconhecimento que estamos sempre perseguindo, vis- lumbrando um gozo a mais do qual nos sentimos particu- larmente privados. Aí está portanto, também, a fantasia em sua função de promover a satisfação, articulada ao desejo inconsciente. Lacan propõe que uma análise visa o atravessamento dessa fantasia. Não se trata de dissolvê-la, ou acabar com ela, até porque não há como prescindir absolutamente dessa referência. A questão é que esse atravessamento indica uma outra modalização da relação do sujeito com o objeto, implica um certo luto desse objeto, ou, pelo menos, de seu valor absoluto, o que acarretará também um reposiciona- mento do sujeito na relação com o Outro, visto que a fantasia é o meio de o sujeito responder ao enigmático desejo do Outro. Nesse vai-e-vem do sujeito ao Outro, o campo da linguagem atua como a trama na qual estamos todos enre- dados. Nesse sentido, o Outro, a exterioridade é o que vige no mais íntimo de nós mesmos, é o ponto de fundação de nosso próprio desejo. Esta é a razão pela qual o Inconsciente, enquanto homogêneo ao desejo, enquanto expressão mes- ma do desejo, é social, referenda-se no que nos vem de fora. Dessa forma, o que é exterior e o que é interior não se Para que serve a psicanálise? 51 opõem: interconectam-se, numa torção tal como a que existe na fita de Moebius. A fita de Moebius é bastante elucidativa do que estou falando e é facílima de ser construída. Se pegarmos uma fita e, segurando uma de suas extremidades, torcermos a outra em meio giro e colarmos as pontas, temos aí nossa fita. A curiosidade desse objeto é que suas duas bandas, pelo efeito da torção, passam a ser uma só: elas encontram-se agora em linha de continuidade. Se você arrastar o dedo por uma das bandas, sem atravessar a borda, chegará a outra banda. Não há mais banda interna e banda externa, dentro e fora: direito e avesso se interconectam. Esse simples objeto subverte nosso espaço comum de representação. Lacan o escolhe para mostrar o quanto den- tro e fora não se excluem no funcionamento do Inconscien- te. Pode-se dizer que nossa interioridade é uma dobra da exterioridade e, nesse sentido, percebe-se que as acusações que recaíram sobre a psicanálise, criticando nela um afasta- 52 Denise Maurano suas dimensões, mesmo aquelas em que se abriga o sofri- mento. Não se pretende nela a destituição do sofrimento da vida, o que amputaria da vida uma de suas dimensões fundamentais. É a expansão da vida, e não sua conservação, o que aí vigora. Aqui, uma aproximação com a interpretação nietzschiana da tragédia não é mera coincidência. A ética da psicanálise também não recua da entrada nessa zona de horror, e certamente conta com a atuação de elementos transfiguradores, sem os quais ela seria simples- mente inviável. Em A face oculta do amor articulei arte trági- ca e psicanálise e destaquei dois desses elementos. Um refe- re-se à musicalidade da fala, dado que, segundo a regra fun- damental da psicanálise, o sujeito é convidado a dizer, não importa o quê, marcando-se aí a primazia do que se articula ao nível do som, sobre o sentido, e assim encorajando o adentramento em terrenos difíceis de serem penetrados. Outro elemento transfigurador operante na psicanáli- se diz respeito ao efeito de beleza produzido pelo manejo do amor na experiência psicanalítica, onde, via a transferência (designação do amor nessa experiência), o sujeito deve se reposicionar em sua relação ao objeto, deve ser transporta- do em certa medida para além do apego ao objeto, numa relativa dimensão de infinitude. O dito popular “Quem ama o feio, bonito lhe parece” traduz bem essa relação entre o amor e o belo, percebida desde a Antiguidade, com a proposição de Platão de que o amor busca o belo. Ou seja, busca usar a beleza como um véu que serve de anteparo ao nosso inexorável remetimento à morte. Porém cabe ressaltar, com Kant, qual a abordagem Para que serve a psicanálise? 55 do belo que nos serve. Nessa perspectiva, um objeto é reconhecido como belo não pelo que ele é em si mesmo, mas por sua capacidade de nos transportar para mais além dele, sua capacidade de nos fazer transcender. Operar com o belo dessa maneira implica também colocar em ação uma boa dose de dessubjetivação. Uma boa dose de desatrelamento do próprio apego ao Eu, como objeto de privilegiado inves- timento narcísico. Busca-se portanto que a ênfase na de- manda de ser amado se desloque para a celebração da atividade de amar. Se a menção à arte trágica me ofereceu meios para explicitar a lógica da ação psicanalítica e as implicações radicais do ato desejante, a menção ao barroco que intro- duzi no início do livro prima pela oferta de visualização do que é ainda mais invisível, do que se situa para além de toda e qualquer delimitação, mesmo aquela referida ao desejo. A ênfase dada à tragédia da subjetividade conduz a essa men- cionada dimensão da dessubjetivação e suas implicações, tão bem traduzidas na maneira pela qual a arte barroca foca, ou melhor dizendo, desfoca o objeto. É nesse sentido que, no barroco, encontro meios de situar a relação do sujeito não propriamente ao desejo, via por onde ele busca se definir, mas ao gozo, via por onde ele ultrapassa sua própria delimitação subjetiva. É a economia de gozo, ou seja, as diferentes relações à satisfação que um sujeito pode ter, que opera para além do que a linguagem pode distinguir, recortar. Reporto-me, nesse ponto, sobre- tudo ao gozo que se encontra mais além do que pode ser representado. 56 Denise Maurano Para a tragédia, o barroco, a psicanálise e certamente alguns outros produtos da cultura, o valor da vida não se afirma pela glória da imortalidade. Se há uma afirmação da vida, é pelo valor intrínseco a ela mesma, valor esse que não recalca a relação com, e mesmo a fascinação pela, morte — relação em último termo com o irrepresentável, já que não temos no psiquismo a representação de nossa própria mor- te. Nelas age a transfiguração do terrível que aí se encontra, e não seu encobrimento. Isso revela que não há Outro que possa resolver a ques- tão da morte, ou seja, traz como conseqüência a queda do Outro e, ao mesmo tempo, uma infinitização do ser em sua impossibilidade de delimitação definitiva. Mais do que que- da, o que se expressa é mesmo um ultrapassamento do Ou- tro. É a perspectiva do movimento, da dinâmica, que ganha a cena. A figura negativa do horror é explorada naquilo que pode conter de beleza. O que aí opera é a possibilidade de uma abordagem positiva no saber sobre a morte, uma pers- pectiva na qual a morte não precisa ser negada. Vale sublinhar que o não-recuo frente à ética trágica é viabilizado pela coragem proveniente de sua relação com uma dimensão que é estética. O horror que nos é próprio, que é parte mesmo da vida, só pode ser suportado através do véu transfigurador da beleza. É preciso portanto dar forma bela ao assédio da morte e de todos os assassinatos pelos quais ela clama. Quem sabe, assim, sua realização artística possa deter a sede de sua realização factual? Para concluir, gostaria de enfatizar que certamente não foi à toa que escolhi finalizar focalizando a ética da psicaná- Para que serve a psicanálise? 57 Referências e fontes • As reflexões sobre a ética da psicanálise tiveram como base O Seminário – A ética da Psicanálise, livro 7, de Jacques Lacan (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988); meu livro Nau do desejo: o percurso da ética de Freud a Lacan (Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1995); os textos de Sigmund Freud, Além do princípio do prazer (1920), O futuro de uma ilusão (1927), e O mal-estar na civilização (1930), in Obras completas de Sigmund Freud (Rio de Janeiro, Imago, 1977), além do que já foi explicitamente citado no texto. • As articulações da psicanálise com a arte, mais especifica- mente com a arte trágica, são idéias que se encontram desenvolvidas em um outro livro meu, A face oculta do amor: a tragédia à luz da psicanálise (Rio de Janeiro, Juiz de Fora, Imago/ Editora da UFJF, 2001). • As idéias acerca da afinidade entre a psicanálise e a expres- são barroca, sugerida por Jacques Lacan em seu O Seminário — Mais, ainda, livro 20 (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985) é tema que venho desenvolvendo atualmente junto ao Nú- cleo de Estudo e Pesquisa em Subjetividade e Cultura, Uni- versidade Federal de Juiz de Fora, tendo resultado recente- mente no vídeo Torções do gozo: uma imersão no barroco, produzido com os pesquisadores Alex Sandro Martoni, 60 Camila Hallack, Fabrício Siqueira Nunes, Fernanda Macha- do, Jean-Claude Soares, Priscila Aparecida Batista, Rafael Guarize, Raquel Ruff Peixoto, Rejane Nunes. • A idéia da expressão barroca como configuração de uma crise que prenuncia a modernidade é de Irlemar Chiampi, em Barroco e modernidade (São Paulo, Perspectiva, 1998). • Para a abordagem das questões teórico-clínicas percorri, além dos textos de Freud já mencionados ao longo da discussão, outros trabalhos seus como A interpretação dos sonhos (1900), Sobre a dinâmica da transferência (1912), Recomendações aos médicos no exercício da psicanálise (1912), Sobre o início do tratamento (1913), Observações sobre o amor de transferência (1914), O inconsciente (1915), As pulsões e seus destinos (1915) e Inibição, sintoma e angústia (1926) — todos publicados nas Obras Completas já mencio- nadas. Tais questões encontraram referência ainda sobretu- do nos Seminários de Jacques Lacan, Os escritos técnicos de Freud, livro 1, e Os quatro conceitos fundamentais da psica- nálise, livro 11 (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1983 e 1985). • As discussões acerca das condições preliminares ao trata- mento psicanalítico encontraram no capítulo “O método psicanalítico”, do livro Lacan elucidado, de Jacques-Alain Miller (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997), uma fonte fecun- da de consulta. O livro de Antonio Quinet As 4+1 condições da análise (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993) também foi consultado. Para que serve a psicanálise? 61 Leituras recomendadas • Além de sugerir a leitura dos textos que foram utilizados como referência e fonte para este trabalho, a fim de que o leitor possa fazer o seu próprio percurso por essas obras, recomendo ainda, no que diz respeito aos aspectos teóricos da psicanálise, o livro de Marco Antonio Coutinho Jorge, Fundamentos da psicanálise: de Freud a Lacan (Rio de Janei- ro, Jorge Zahar, 2001, vol.1), por sua linguagem acessível permitir uma introdução rigorosa e clara acerca das bases conceituais da psicanálise. Nesta mesma direção encontra- se o livro O inconsciente freudiano e a transmissão da psica- nálise, de Alain Didier-Weill, publicado em 1988 pela mes- ma editora, na coleção Transmissão da Psicanálise. • No que diz respeito à clinica vale sugerir a leitura do debate “Para que serve a psicanálise?”, que no livro Circulação psicanalítica é aberto por um artigo de Antonio Quinet comentado em seguida por Chaim Samuel Katz, Roberto Azevedo, Ana Maria Portugal, Sérgio Santana, Fábio Thá, José Martinho e Luiz Eduardo Prado de Oliveira. Esse livro, por mim organizado, foi editado pela Imago em 1992. • Sugiro ainda a leitura das tragédias de William Shakespea- re e de Paul Claudel; lamentavelmente as obras deste último, não se encontram disponíveis em português. O livro de 62 pela FUNALFA/JF e Banco do Brasil; Desdobramentos de Vê- nus: uma viagem rumo ao continente negro (2005) e Matriar- cado de Pindorama: a presença do feminino na cultura brasi- leira (2007). Email: dmaurano@corpofreudiano.com.br Para que serve a psicanálise? 65 Volumes recentes: CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO Sociologia do trabalho [39], José Ricardo Ramalho e Marco Aurélio Santana Origens da linguagem [41], Bruna Franchetto e Yonne Leite Antropologia da criança [57], Clarice Cohn Patrimônio histórico e cultural [66], Pedro Paulo Funari e Sandra de Cássia Araújo Pelegrini Antropologia e imagem [68], Andréa Barbosa e Edgar T. da Cunha Antropologia da política [79], Karina Kuschnir Sociabilidade urbana [80], Heitor Frúgoli Jr. Pesquisando em arquivos [82], Celso Castro Cinema, televisão e história [86], Mônica Almeida Kornis FILOSOFIA PASSO-A-PASSO Estética [63], Kathrin Rosenfi eld Filosofi a da natureza [67], Márcia Gonçalves Hume [69], Leonardo S. Porto Maimônides [70], Rubén Luis Najmanovich Hannah Arendt [73], Adriano Correia Schelling [74], Leonardo Alves Vieira Coleção PASSO-A-PASSO Niilismo [77], Rossano Pecoraro Kierkegaard [78], Jorge Miranda de Almeida e Alvaro L.M. Valls Filosofi a da biologia [81], Karla Chediak Ontologia [83], Susana de Castro John Stuart Mill & a Liberdade [84], Mauro Cardoso Simões Filosofi a da história [88], Rossano Pecoraro PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO A sublimação [51], Orlando Cruxên Lacan, o grande freudiano [56], Marco Antonio Coutinho Jorge e Nadiá P. Ferreira Linguagem e psicanálise [64], Leila Longo Sonhos [65], Ana Costa Política e psicanálise [71], Ricardo Goldenberg A transferência [72], Denise Maurano Psicanálise com crianças [75], Teresinha Costa Feminino/masculino [76], Maria Cristina Poli Cinema, imagem e psicanálise [85], Tania Rivera Trauma [87], Ana Maria Rudge Édipo [89], Teresinha Costa
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