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Guias e Dicas
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Artigos científicos gerais, Manuais, Projetos, Pesquisas de História

Artigos científicos, baseados em livros e dissertações.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2019

Compartilhado em 03/09/2019

luciana-vitoria
luciana-vitoria 🇧🇷

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Baixe Artigos científicos gerais e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para História, somente na Docsity! 47 Resumo O objetivo do presente estudo é discutir a relação entre educação escolar e transformação social. As análises foram realizadas a partir das categorias trabalho, alienação e superação. Adotamos como referen- cial a teoria marxista, com base em textos de Marx (2001); Saviani (1997); Duarte (1993; 2006; 2008); Mészáros (1981; 2005); e Bahro (1980). Foram analisados ainda documentos governamentais e não-go- vernamentais. Tomando como pressuposto que a transformação da realidade exige antes sua compreensão e interpretação, e sendo o conhecimento essencial para a realização destas atividades, conclui-se que a educação escolar pode contribuir para a transformação social na medida em que permite que as camadas populares se apropriem do conhecimento produzido historicamente pelo homem, de modo que possam não apenas compreender e interpretar a realidade, mas expressar seus interesses de forma elaborada, sis- tematizada. Palavras-chave: Educação Escolar – Transformação Social – Trabalho – Trabalho Educativo – Alienação. Abstract The objective of the present study is to argue the relation between pertaining to school education and social transformation. The analyses had been carried through from the categories work, alienation and overcoming. We adopt as referencial the marxist theory, on the basis of texts of Marx (2001); Saviani (1997); Duarte (1993; 2006; 2008); Mészáros (1981; 2005); e Bahro (1980). Governmental and not governmental documents had been analyzed still. Taking as estimated that the transformation of the reality before demands its understanding and interpretation, being knowledge essential for accomplishment of this activities, we consider, to end of work, that education pertaining to school can to contribute for transformation social in measure where it allows that the popu- lar layers if appropriate historically of the knowledge produced for the man, in way that can not only understand and interpret the reality, but to express its interests of elaborated form, systemize. Keywords: School Education – Social Transformation – Work – Educative Work – Alienation. Educação escolar e transformação social MOREIRA, Adriano revistafaac, Bauru, v. 1, n. 1, p. 47-57, abr./set. 2011. MOREIRA, Adriano. Educação escolar e transformação social. 48 Trabalho e educação A educação é um fenômeno próprio dos seres humanos (Saviani, 1997), razão pela qual compre- ender sua essência exige, antes de tudo, a compre- ensão da própria essência humana. No que consiste a essência humana? O que di- ferencia o homem dos outros animais? De acordo com Marx (2001, p.116), os animais buscam in- cessantemente manter sua existência física, o que requer a satisfação de suas necessidades corporais: comer, beber, dormir, procriar etc. Essa é sua ativi- dade vital e através delas eles não se diferenciam. Ao contrário, identificam-se prontamente, fazen- do dela sua própria atividade. Os homens fazem de sua atividade vital objeto da própria vontade e consciência. Encontra-se aqui a diferença essencial entre o homem e os animais: diferentemente da atividade destes, a atividade vital humana é lúcida e, portanto, livre. A natureza, por sua vez, é entendida como o corpo inorgânico do homem, ou seja, é o próprio corpo inorgânico do homem, na medida em que ela própria não é corpo humano. Assim, ao mes- mo tempo em que o homem é parte da natureza, ele necessita estabelecer com ela um intercâmbio permanente, sem o qual morrerá. Nesta perspecti- va, o homem aparece como o corpo inorgânico de outro homem e deve reconhecer neste, enquanto membros da mesma espécie, seu próprio ser (Marx, 2001, p.116). A atividade vital humana, ou seja, o meio pelo qual o homem se relaciona com a natureza e, por conseguinte, com os outros homens e consigo mes- mo, é o trabalho, que compreende dois aspectos constitutivos: o ato do trabalho (a mediação do ho- mem com seu corpo inorgânico) e o produto do trabalho, aquilo que foi fixado num objeto, que as- sumiu uma forma física (objetivação do trabalho). É no tipo dessa atividade que reside todo caráter de uma espécie, o “seu caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem” (Marx, 2001, p.116). Em outras palavras, a vida genérica do homem corresponde à sua vida produ- tiva livre, em que tanto o ato do trabalho como o produto desta ação são determinados conforme sua consciência e vontade. Duarte (1993, p. 64) ressalta que o homem, portanto, não é meramente um ser natural – em- bora destaque que o homem é, antes de qualquer coisa, um ser vivo, um produto da natureza –, mas também um “ser natural humano”, cujo “ato de nascimento” é a história, entendida como o pro- cesso que se inicia a partir do momento em que o homem, através do trabalho, passa a produzir os meios para satisfazer suas necessidades, ou seja, a partir do momento em que o homem passa a “apro- priar-se da natureza, objetivando-se nos produtos de sua atividade transformadora”. Esse autor aponta ainda que, à medida que de- terminadas necessidades humanas são satisfeitas, outras, de novo tipo, são originadas, exigindo para sua satisfação objetivações mais complexas e eleva- das. Tal processo desencadeia-se num movimento sem fim. Desse modo, a humanização do homem, isto é, a constituição do “gênero humano” ocorre ao longo da história pela relação entre objetivação e apropriação: As características do gênero humano não são, po- rém, transmitidas pela herança genética, porque não se acumulam no organismo humano. As característi- cas do gênero humano foram criadas e desenvolvidas ao longo do processo histórico, através do processo de objetivação, gerado a partir da apropriação da na- tureza pelo homem. A atividade humana, ao longo da história, vai construindo as objetivações, desde os objetos stricto sensu, bem como a linguagem e as re- lações entre os homens, até as formas mais elevadas de objetivações genéricas, como a arte, a filosofia e a ciência. Cada indivíduo tem que se apropriar de um mínimo desses resultados da atividade social, exigi- do pela sua vida no contexto social do qual faz parte (Duarte, 1993, p. 40-41). Em síntese, a essência humana é o trabalho (livre e consciente). É este que ratifica o homem como ser humano, que o torna capaz de reconhe- cer os outros homens como seu próprio ser e viver deliberadamente como um ser social (Marx, 2001, p.140). Não obstante, o mesmo autor aponta que, em um sistema econômico e social onde impera a propriedade privada, a relação do homem com a natureza e com sua atividade vital é deformada. Referimo-nos à relação entre trabalho e capital. O capital é definido como trabalho acumulado, que se revela quando esta acumulação proporciona rendimento ou lucro: “recursos, stock, é toda acu- mulação de produtos da terra ou de manufatura. O stock só se chama capital quando traz ao proprietá- rio rendimento ou lucro” (Marx, 2001, p.80). Desse modo, o capitalista – o homem que se apropria do trabalho acumulado de outrem – é aquele que vive de capital e de renda. O proletário, inversamente, vive somente de seu salário. Este, revistafaac, Bauru, v. 1, n. 1, p. 47-57, abr./set. 2011. MOREIRA, Adriano. Educação escolar e transformação social. 51 confere humanidade ao homem, diferenciando- o dos demais seres vivos; b) para satisfazer suas necessidades, o homem, ao invés de adaptar-se à natureza, adapta-a a si mesmo, transformando-a e criando, por conseguinte, um mundo humano – entendido por Saviani como o mundo da cultura –; e c) o trabalho se inicia no momento em que seu agente antecipa mentalmente a finalidade da ação, de modo que “o trabalho não é qualquer tipo de atividade, mas uma ação adequada a finalidades. É, pois, uma ação intencional” (Saviani, 1997, p.15). Esta constatação, segundo este autor, implica afir- mar que a educação é simultaneamente “uma exi- gência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho”. Contudo, o mesmo autor distingue o trabalho material do tra- balho não-material: enquanto o primeiro se refere ao processo de produção de bens materiais necessá- rios à existência humana, o segundo, que se relacio- na ao “conhecimento das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de simboli- zação (arte)”, constitui o instrumento que permite antecipar em idéias a ação do trabalho material. A princípio, é nessa segunda categoria que se situa a educação. Contudo, o autor afirma que o trabalho não-material possui duas modalidades: a primeira, relativa às atividades em que há separação entre o produto e o produtor, nas quais existe um intervalo entre a produção e o consumo, como por exemplo, nos casos dos livros e dos objetos artísti- cos; a segunda modalidade abrange as atividades em que o produto não se separa do ato de produção e não há intervalo entre produção e consumo, como é o caso da atividade docente em sala de aula: [...] se a educação não se reduz ao ensino, é certo, entretanto, que ensino é educação e, como tal, par- ticipa da natureza própria do fenômeno educativo. Assim, a atividade de ensino, a aula, por exemplo, é alguma coisa que supõe, ao mesmo tempo, a presen- ça do professor e a presença do aluno. Ou seja, o ato de dar aula é inseparável da produção desse ato e de seu consumo, a aula é, pois, produzida e consumida ao mesmo tempo (produzida pelo professor e con- sumida pelos alunos). (Saviani, 1997, p. 16-17). Assim, vê-se que a educação (sua natureza) constitui um “trabalho não-material”, no qual o ato de produção e o ato de consumo se imbricam. Tal fenômeno está relacionado à produção de “idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, ha- bilidades. Assim, [...] trata-se da produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana” (Saviani, 1997, p.16). Quanto à especificidade da educação, o au- tor aponta que: considerando que a natureza humana não é um dado inato ao homem, mas por ele produzida, o “trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produ- zida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 1997, p.17). Nesse sentido, o autor assevera que o objeto da educação compre- ende, concomitantemente, a definição dos ele- mentos culturais (que precisam ser assimilados pelos indivíduos para que eles se tornem huma- nos) e a descoberta das formas mais adequadas para se atingir esse objetivo. O primeiro aspecto do objeto educacional se re- fere ao ato de distinguir entre o que é essencial e o que é supérfluo para a produção do gênero huma- no, trata-se, pois, da definição de conteúdos. Para a efetivação deste ato, o autor chama a atenção para a idéia de “clássico”, ou seja, aquilo que resis- tiu ao tempo, que se afirmou como fundamental: “que não se confunde com o tradicional e também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual” (Saviani, 1997, p.18). O segun- do aspecto refere-se à organização dos conteúdos, bem como dos espaços, tempos e procedimentos para o desenvolvimento do trabalho pedagógico: [...] o homem não se faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interes- sa à educação é aquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, tem que tomar como referência, como matéria-prima de sua ativi- dade, o saber objetivo produzido historicamente (Sa- viani, 1997, p. 11, itálicos nossos). A conceituação de Saviani sobre a especificida- de da educação remete ao conhecimento sistema- tizado (o saber advindo da ciência), e à educação formal (a escola, entendida como a “instituição cujo papel consiste na socialização do saber siste- matizado”), ou seja: Vejam bem: eu disse saber sistematizado; não se trata, pois, de qualquer tipo de saber. Portanto, a revistafaac, Bauru, v. 1, n. 1, p. 47-57, abr./set. 2011. MOREIRA, Adriano. Educação escolar e transformação social. 52 escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematiza- do e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular (Saviani, 1997, p. 19). Neste ponto, cabe indagar: o saber que está sendo produzido na sociedade capitalista não se configura como um saber voltado apenas para a concretização dos interesses do capital? Logo, a transmissão deste saber (pela escola) às camadas populares não reafirmaria os interesses burgue- ses, em detrimento dos interesses populares, sen- do, conseqüentemente, danoso à superação da ordem capitalista? Ao abordar estas questões, Sa- viani (1997, p.94) assinala, primeiramente, que a produção do saber é realizada historicamente pelo conjunto dos homens, e não apenas pelas classes dominantes. Por essa razão, mesmo sendo apropriado pela burguesia, o saber não se reduz a algo inerentemente burguês. Em outras palavras, o que se chama de “saber burguês” representa na verdade um conhecimento que foi apropriado pela burguesia e colocado por ela ao seu serviço. Assim, a questão fundamental para o desenca- deamento das transformações sociais necessárias para a superação do capitalismo não estaria em de- finir o saber erudito como puramente burguês, e tampouco a cultura popular como meramente po- pular, nem buscar ofertar às massas apenas o saber popular, negando-lhe o erudito, e sim viabilizar o acesso das camadas populares ao saber sistematiza- do, permitindo-lhes expressar de forma elaborada os seus interesses (Saviani, 1997). Partindo do pressuposto de que cultura popu- lar é a cultura que o povo domina, Saviani (1997, p.94) sustenta que, a partir do momento em que o povo passar a dominar o saber sistematizado, este deixará de ser um privilégio das elites e se tornará popular. Aqui se revela a importância da escola, pois é por meio dela que o povo poderá ter acesso ao saber sistematizado. A escola, po- rém, é entendida de forma dialética, isto é, não se reduz a um instrumento estritamente a serviço da burguesia contra as camadas populares. Se, por um lado, o autor reconhece que ela é uma insti- tuição determinada pela sociedade capitalista, por outro, aponta que essa determinação é relativa e apresenta uma forma de ação recíproca, ou seja, ao mesmo tempo em que a escola é determinada pela sociedade, ela reage a esta ação, interferindo na sociedade e podendo impulsionar transforma- ções. Portanto, “determinado também reage sobre o determinante” e deste modo a escola também pode ser um instrumento dos trabalhadores na luta contra a burguesia (Saviani, 1997, p. 107). Nessa perspectiva, a aquisição do conheci- mento sistematizado pelas massas pode consistir numa ameaça à ordem estabelecida. Não é por acaso, adverte o autor, que as classes dominan- tes têm negado o saber sistematizado às camadas populares, como forma de perpetuar sua condi- ção e privilégios. Outro ponto interessante dessa análise é que isto não se refere apenas ao fato de se negar ao povo o acesso à escola, mas também pela desvalorização e secundarização desta, isto é, pelo ato de alienar a escola daquilo que lhe é específico: a transmissão do conhecimento pro- duzido historicamente pelo homem: [...] a expansão da oferta de escolas consisten- tes de modo a atender a toda a população significa que o saber deixa de ser propriedade privada para ser socializado. Tal fenômeno entra em contradição com os interesses atualmente dominantes. Daí, a tendência a secundarizar a escola esvaziando-a de sua função especifica, que se liga à socialização do saber elaborado, convertendo-a numa agência de assistência social, destinada a atenuar as contradi- ções da sociedade capitalista (Saviani, 1997, p.115, itálicos nossos). É forçoso abrirmos um parêntese para evi- denciar que a tendência apontada por Saviani – de que a escola destinada às camadas populares pode estar negligenciando sua função social de transmitir o conhecimento sistematizado e se de- dicando apenas a atenuar os problemas gerados pelo capitalismo – parece estar se concretizando de maneira acelerada. Enquanto os setores domi- nantes e o Estado têm insistido em afirmar que o acesso à escola pública de ensino fundamental foi universalizado no país (ou seja, que finalmente as camadas populares estão tendo acesso ao saber escolar), até mesmo avaliações realizadas por ór- gãos governamentais revelam que os alunos têm concluído o primeiro ciclo do ensino fundamen- tal (até a 4ª série) sem terem assimilado conheci- mentos elementares, como o domínio da leitura, da escrita e das operações matemáticas básicas. Conforme o Relatório 2003 do Sistema Nacio- nal de Avaliação da Educação Básica (SAEB)1, a 1 Disponível em: <http://www.inep.gov.br/down- load/saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf>. Acesso em: 20 jan. de 2008. revistafaac, Bauru, v. 1, n. 1, p. 47-57, abr./set. 2011. MOREIRA, Adriano. Educação escolar e transformação social. 53 aferição de desempenho em leitura, realizada com os estudantes da 4ª série do ensino fundamental, é elaborada com base numa escala de desempenho entre 0 a 375 pontos2, sendo que o patamar su- perior a 200 pontos de proficiência é considerado próximo ao adequado: “pois nesse ponto os alunos consolidaram habilidades de leitura e caminham para um desenvolvimento que lhes possibilitarão seguir em seus estudos com bom aproveitamento”. No entanto, os dados revelam (Tabela 1) que nos últimos anos esse índice jamais foi alcançado e, o que é mais preocupante, a média de 2005, mesmo sendo superior às de 1999, 2001 e 2003, sofreu 2 Esta escala, bem como a que se refere à escala de matemática, não estão presentes no SAEB 2005. In- dagado pelo jornal “O Globo” sobre qual a pontuação mínima empregada pelo SEAB 2005 para determinar a proficiência em leitura, escrita e matemática, o atual Ministro de Educação, Fernando Haddad, esquivou- se, dizendo: “O MEC sabe, mas eu não vou te dizer hoje”. Deste modo, tomaremos como base de análise as escalas de 2003. Disponível em: <http://www.oglobo. globo.com/educacao/mat/2007/02/07/294487599. asp.>. Acesso em: 20 jan. de 2008. um decréscimo em torno de 9% em relação à mé- dia obtida em 1995. Em Matemática, na 4ª série, a escala é mensura- da de 0 a 425 pontos, considerando-se 200 pontos como uma média satisfatória para esse nível de es- colarização, uma vez que: O desenvolvimento de algumas habilidades, como efetuar as quatro operações aritméticas, é importante para a resolução e aplicação de pro- blemas de média e alta complexidade. Se o estu- dante não dominar esse pré-requisito, estará pros- seguindo em sua trajetória escolar com déficits que comprometem ainda mais o seu aprendizado. Além disso, saber somar, dividir, multiplicar e subtrair é essencial no próprio cotidiano da vida moderna para, por exemplo, pagar uma conta ou calcular os juros de uma prestação (SAEB, 2003, p.8, itá- licos nossos). Contudo, a exemplo do que ocorre em Língua Portuguesa, em Matemática o patamar mínimo também não vem sendo alcançado; além disso, as médias de 2005, mesmo sendo superiores às dos anos de 1999, 2001 e 2003, sofreram uma queda de aproximadamente 5% em relação a 1995 e 1997. Tabela 1 – Médias de proficiência obtidas por estudantes de 4ª série do ensino fundamental em língua portuguesa e matemática no SAEB entre os anos de 1995 e 20053 1995 1997 1999 2001 2003 2005 Português 188 186 171 165 169 172 Matemática 191 191 181 176 177 182 Fonte: INEP, 2005 Gráfico 1 – Médias de proficiência obtidas pelos alunos de 4ª série do ensino fundamental em língua portuguesa e matemática no SAEB nos anos de 1995 e 2005 3 Disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/saeb/2005/SAEB1995_2005.pdf>. Acesso em: 20 jan. de 2008. revistafaac, Bauru, v. 1, n. 1, p. 47-57, abr./set. 2011. MOREIRA, Adriano. Educação escolar e transformação social. 56 O Estado de São Paulo, que detém cerca de 30% do PIB nacional – e talvez tenha sido a unidade fe- derativa brasileira que mais se empenhou na im- plantação de medidas neoliberais –, obteve médias muito modestas no PISA (com desempenho infe- rior a Estados mais pobres, como Paraíba e Sergi- pe), ficando abaixo da média nacional em ciências e leitura, e apenas igualando-a em matemática. Diante desse quadro, parece estar se constituindo no país um discurso conservador que responsabili- za unicamente os docentes pelo fracasso escolar dos alunos. Entretanto, parece mais provável que o baixo desempenho dos estudantes do ensino fundamental em aspectos básicos como leitura e escrita se deva, em grande parte, ao impacto das medidas neolibe- rais – concretizadas pelas pedagogias do aprender a aprender – no interior da escola, isto é, na sala de aula. Portanto, a situação em tela seria decorrente da própria política educacional adotada no Brasil, que, ao que tudo indica, tem realmente desvalorizado a es- cola pública como instituição socializadora do saber elaborado, buscando assim convertê-la, como aponta Saviani (1997), numa agência de assistência social. É importante esclarecer que temos consciência de que as políticas neoliberais procuram disseminar a ideia de uma suposta superioridade qualitativa do setor privado sobre o público, e que exames gover- namentais como os que utilizamos aqui são muitas vezes usados para corroborar esta tese. Entretanto, nossa intenção, ao abordar os exames citados, foi apenas evidenciar que há iniciativas governamen- tais que revelam que o ensino oferecido pelo Estado às camadas populares é de baixa qualidade, o que remete a outra discussão: que existem no país dois tipos distintos de escolas – uma dedicada aos po- bres e outra dedicada aos ricos. Enfim, vê-se que o conceito de educação defen- dido por Saviani (1997) se mostra comprometido com os interesses humanos, estando concatenado com dois aspectos importantes para a transformação social: primeiro, os interesses imediatos das camadas populares, que poderão obter por meio da escola o conhecimento necessário para compreender e inter- pretar a realidade, e também para atender às exigên- cias do mundo do trabalho; segundo, a socialização dos bens de produção, movimento necessário, como afirma Duarte (2008; 2006; 1993), para a superação do capitalismo. Aliás, tal formulação coloca em relevo a necessidade de universalizar o acesso ao conheci- mento sistematizado, o que implica a luta por uma escola efetiva, empenhada em transmitir/socializar o saber necessário para a formação do gênero humano. Referências ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Centralidade sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do tra- balho. São Paulo: Ed. Unicamp, 1998. BAHRO, R. A alternativa para uma crítica do socialismo realmente existente. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. DUARTE, N. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Coleção Polêmicas do Nosso Tempo. Campinas: Autores Associados, 2008. _____. A pesquisa e a formação de intelectuais críticos na Pós-Graduação em Educação. Florianópolis: Perspectiva, v.24, n.1, p.89-110, jan/jun. 2006. _____. A individualidade para-si (contribuição a uma teoria histórico-social da formação do indivíduo). Coleção Educação Contemporânea. Campinas, SP: Autores Associados, 1993. Tabela 3 – Médias do Estado de São Paulo no PISA/2006 em comparação com as médias nacionais em ciências, leitura e matemática Médias de São Paulo Médias Nacionais Ciências 385 390 Leitura 392 393 Matemática 370 370 Fonte: INEP, 2006 revistafaac, Bauru, v. 1, n. 1, p. 47-57, abr./set. 2011. MOREIRA, Adriano. Educação escolar e transformação social. 57 Adriano Moreira é pedagogo, professor e vice-diretor de Educação Básica com mestrado em Educação Escolar pela FCLAr/UNESP. E-mail: <[email protected]>. Recebido para avaliação em outubro de 2010. Aprovado para publicação em março de 2011. FERNANDES, M.J.S. Problematizando o trabalho do professor coordenador pedagógico nas escolas públicas estaduais paulistas. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) – Faculdade de Ciências e Letras, Uni- versidade Estadual Paulista, Araraquara, 2004. MARX, K. Manuscritos Econômicos Filosóficos. Coleção Obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2001. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. _____. Marx: a teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 6ª Edição. Coleção Polemicas do Nosso Tempo. Campinas: Editora Autores Associados, 1997.

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