Baixe Template artigo científico e outras Esquemas em PDF para Português (Gramática - Literatura), somente na Docsity! jan/ abr 2009 [ 53 D O U T R I N A 1. INTRODUçãO A fiscalização contratual constitui-se em um dos mais relevantes temas da gestão pública contemporânea, no Brasil. Verdadeiro “Calcanhar de Aquiles” da execução dos contratos administrativos, não são raros os casos em que boas licitações e bons contratos são perdidos em seus fins devido a deficiências na fiscalização ou mesmo à ausência desta. O presente texto trata do assunto e procura lançar algumas luzes sobre o controvertido labor do fiscal de contratos. São definidos, inicialmente, o conteúdo da fiscalização da execução contratual e os deveres do fiscal de contratos. Logo após, são tratados assuntos pertinentes como a terceirização de serviços, a instituição obrigatória de preposto, a responsabilidade pelos encargos previdenciários e trabalhistas, as alterações contratuais e a subcontratação. Em seguida, recebem atenção os temas da liquidação da despesa e das penalidades contratuais. Finalmente, conclui-se pela necessidade de se implementar medidas efetivas de fiscalização contratual e pela caracterização da atividade de fiscalização como uma questão de postura profissional do servidor incumbido. 2. FISCALIzAçãO DA ExECUçãO CONTRATUAL A fiscalização da execução contratual é obrigatória para todos os órgãos e entidades públicos. Não se insere na esfera de discricionariedade do gestor a decisão de fiscalizar ou não, sendo o não-exercício desse poder- dever uma falta grave. O fundamento dessa obrigatoriedade encontra-se na Lei nº 8666/1993, cujo artigo 67 define que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assistí-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. No que se refere à contratação de terceiros para assistência à fiscalização, é importante deixar claro que a responsabilidade primária pela fiscalização é sempre da Administração, o que, necessariamente, envolve o fiscal do contrato. Acórdão nº 1930/2006-TCU-P: O art. 67 da Lei 8.666/1993 exige a designação, pela Administração, de representante para acompanhar e fiscalizar a execução, facultando-se a contratação de empresa supervisora para assisti-lo. Assim, (...) o contrato de supervisão tem natureza eminentemente assistencial ou subsidiária, no sentido de que a responsabilidade última pela fiscalização da execução não se altera com sua presença, permanecendo com a Administração Pública. Fiscalização contratual: “Calcanhar de Aquiles” da execução dos contratos administrativos Carlos Wellington Leite de Almeida é servidor do Tribunal de Contas da União. É mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Programação e Análise Financeira pelo International Monetary Fund Institute (EUA), especialista em Economia e Orçamento de Defesa pelo Center for Hemispheric Defense Studies (EUA), bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e bacharel em Ciências Navais pela Escola Naval. Carlos Wellington Leite de Almeida 54 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A A fiscalização do contrato administrativo é a parcela da gestão contratual que focaliza a exigência do cumprimento contratual por parte das contratadas. Distingue-se da gestão contratual, que é a condução integral do processo de contratação, desde a identificação das necessidades da Administração até o fim da execução do contrato, com o seu devido encerramento. E distingue-se, ainda, da auditoria contratual, que consiste na verificação das ações de gestores e fiscais, de maneira a permitir a avaliação geral dos procedimentos implementados, tanto do ponto de vista estritamente legal quanto do ponto de vista da qualidade da gestão e da fiscalização. A fiscalização dos contratos administrativos encerra diferentes aspectos e deveres, entre os quais se destacam: a) registrar em livro próprio todos os atos e fatos relacionados à execução contratual; b) preferencialmente, fazer o preposto assinar os registros das ocorrências; c) manter um livro de ocorrências para cada contrato; d) manter postura exigente em relação a todos os itens da execução contratual, demandando o cumprimento de todas as obrigações; e) promover ou propor ajustes contratuais, quando se fizerem necessários; e f) a p l i c a r o u p r o p o r a a p l i c a ç ã o d a s penalidades. A Lei nº 8666/1993 refere-se ao fiscal de contrato como o “representante da Administração”. O artigo 67 estabelece a base de sua atuação. Seu parágrafo 1º define a obrigação de anotar em livro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução contratual, e determinar o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos. O parágrafo 2º assevera que as decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser, por ele, solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas apropriadas. A omissão na tomada de providências constitui falta punível administrativamente, o que dá tom ao esperado bom desempenho dos fiscais. Instrução Normativa 02/2008-MPOG/ SELTI : Art. 31. O acompanhamento e a fiscalização da execução do contrato consistem na verificação da conformidade da prestação dos serviços e da alocação dos recursos necessários, de forma a assegurar o perfeito cumprimento do contrato, devendo ser exercidos por um representante da Administração, especialmente designado na forma dos arts. 67 e 73 da Lei nº 8.666/93 e do art. 6º do Decreto nº 2.271/97. O fiscal é a mão forte do dirigente do órgão ou entidade e o mais importante agente da Administração no que se refere ao contrato que supervisiona. Deve manter uma postura isenta e equilibrada, de forma a cobrar o adequado cumprimento do objeto contratado. Ocupa uma posição de autoridade sobre o executor e deve atuar, sempre, em prol da garantia de qualidade na execução contratual. O fiscal de contratos, em suma, é aquele servidor especialmente designado que: a) identifica necessidades a serem atendidas pela empresa contratada, no âmbito do contrato; b) redige ou auxilia o setor encarregado na redação de cláusulas contratuais, tanto no contrato original quanto nos aditivos; c) exige cumprimento do contrato, observando o menor dos detalhes, tendo em mente que um contrato cumprido em quase 100% é, na verdade, um contrato descumprido; d) toma providências com vistas ao ajuste ou à melhoria dos contratos; e e) acompanha as ocorrências de execução, procede aos registros escritos e promove a documentação. A terceirização de serviços constitui-se em um dos mais importantes fenômenos contemporâneos da Administração, seja de negócios privados, seja na seara da gestão pública. Consiste na transferência de atividades-meio de uma organização para outras pessoas (terceiros), permitindo concentração nas atividades finalísticas e nas atividades-meio consideradas estratégicas (VIEIRA, 2006). No Brasil, o fenômeno da terceirização surge com o Decreto-Lei nº 200/1967, é instensificado com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995), e consagra-se, atualmente, em normas diversas, tais como a Lei nº 9.632/1998, o Decreto nº 2271/1997 e o Decreto nº 4.547/2002 (extinção de cargos). A terceirização nos jan/ abr 2009 [ 57 D O U T R I N A Acórdão nº 089/2000-TCU-Plenário: o pagamento de multas por atraso na entrega de documentos ou recolhimento de tributos não se justifica. A jurisprudência do Tribunal é no sentido de que o fato seja evitado, pois, se verificada culpa ou dolo, o pagamento de multas, juros e correção monetária caracterizará débito, ficando o responsável obrigado ao seu ressarcimento. Tão grave é a responsabilidade solidária da Administração em relação aos encargos previdenciários, que o recolhimento dos 11% referidos independe, mesmo, do efetivo pagamento à empresa terceirizada. É dizer, se o pagamento à empresa for obstado, por exemplo, por sua situação irregular junto ao fisco, ainda assim, o órgão ou entidade contratante deverá recolher os encargos previdenciários, a fim de evitar a incorrência em multa. A orientação para a administração do Tribunal de Contas da União (TCU) é bem clara nesse sentido, e, a responsabilidade pelo cumprimento compete ao fiscal do contrato. Infosemat 02/2008 - Retenção de Contribuição Previdenciária (orientação interna do TCU): quando se verificar a ocorrência de pendências que impedem o pagamento, não se deve deixar de encaminhar a nota ou fatura ao setor competente para retenção da contribuição previdenciária. Para que não haja a incidência de multa e encargos por atraso no recolhimento do tributo, recomenda-se a todos os fiscais de contratos que, ao receberam a nota fiscal ou fatura, certifiquem-se da correção do documento e, ainda que haja pendência que impeça o pagamento, o encaminhe para retenção da contribuição previdenciária. Realizada a retenção, o fiscal do contrato tomará as providências necessárias para o saneamento das pendências junto à contratada, a fim de liberar o pagamento. 5. ALTERAçõES CONTRATUAIS Os contratos administrativos, como os contratos celebrados à luz do Direito Civil, podem sofrer alterações ao longo de sua execução. Embora dentro de limites mais rígidos do que aqueles relativos ao Direito Civil, não há a pretensão normativa que um ajuste entre a Administração e a contratada seja inalterável. São diversos os motivos que podem levar a alterações no contrato (FERNANDES, 2006). Quanto à iniciativa, as alterações podem ser unilaterais ou por acordo, sendo as unilaterais uma possibilidade deferida apenas à Administração. Quanto ao alcance, as alterações dos contratos administrativos podem ser qualitativas, quando dizem respeito a características inerentes do objeto contratado, sem subverter-lhe a natureza, ou quantitativas, quando alteram o volume de serviços, fornecimentos ou aquisições, mantidos os custos unitários. Alteração quantitativa é a que muda as quantidades de produto ou de serviço, aumentando-as ou reduzindo-as, dentro de limites legalmente definidos. Os custos unitários são mantidos, no que se diferenciam, em essência, as alterações quantitativas das alterações de preço que serão vistas adiante. Os limites legais às alterações quantitativas, previstas na Lei nº 8.666/1993 são: De forma unilateral: acréscimos e supressões devem obedecer ao limite de 25% do valor atualizado do contrato, por ato unilateral da Administração, limite de 50% se se tratar de reforma em edifício ou equipamento, do valor atualizado do contrato. Por acordo: supressões podem, desde que por acordo das partes, exceder os limites de 25% ou 50%, conforme o caso. Acréscimos permanecem restritos aos limites acima definidos. As alterações de prazo devem ser sempre justificadas de forma expressa, pois não podem servir para afastar culpa do contratado. Além disso, devem respeitar os limites definidos na Lei nº 8.666/1993, art. 57, e nunca incorrer em renovação. A renovação trata da extensão de contrato já com a vigência expirada, caracterizando, na verdade, um novo contrato. É instituto jurídico inválido, por burlar a regra geral da licitação. 58 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A As alterações de preço podem ocorrer de três formas: reajuste de preço, repactuação de preço ou revisão de preço. O reajuste do preço, forma mais simples, consiste na alteração do valor inicial do contrato, com periodicidade e índice previamente fixados, destinado apenas à preservação do valor inicial do contrato, devendo ter periodicidade mínima de 12 meses e ser formalizado mediante simples apostilamento. A repactuação do preço consiste na alteração do valor de maneira pactuada entre as partes, com periodicidade previamente fixada, mas não vinculada a índices prévios, devendo ser levada em conta a efetiva variação de custos e encargos na execução. Como o reajuste de preços, deve ter periodicidade mínima de 12 meses, mas sua formalização dá-se mediante aditivo contratual, sendo insuficiente o simples apostilamento. O período mínimo de um ano já era previsto na Instrução Normativa MARE nº 18/97 e continua na recente Instrução Normativa 02/2008-MPOG/SELTI. Instrução Normativa MARE nº 18/97: será permitida a repactuação do contrato, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano a contar da data da proposta, ou da data do orçamento a que a proposta se referir, ou da data da última repactuação. Instrução Normativa 02/2008-MPOG/ SELTI: Art. 37 Será admitida a repactuação dos preços dos serviços continuados contratados com prazo de vigência igual ou superior a doze meses, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano. Os contratos de prestação de serviços de natureza contínua admitem uma única repactuação a ser realizada no interregno mínimo de um ano, conforme estabelecido no art. 3º da Lei nº 10.192/2000 e no art. 5º do Decreto nº 2.271/1997. No caso dos incrementos de mão de obra ocasionados pela superveniência da data-base, a data do orçamento a partir da qual correrá o prazo mínimo de um ano será a data do acordo, convenção, dissídio coletivo ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta. Essa orientação decorre do Acórdão nº 1563/2004-TCU-P e foi incorporada pela Instrução Normativa 02/2008-MPOG/SELTI. Acórdão nº 1563/2004-TCU-P : os incrementos dos custos de mão-de-obra ocasionados pela data-base de cada categoria profissional nos contratos de prestação de serviços de natureza contínua não se constituem em fundamento para a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro; (...) no caso da primeira repactuação dos contratos de prestação de serviços de natureza contínua, o prazo mínimo de um ano (...) conta-se a partir da apresentação da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se referir, sendo que, nessa última hipótese, considera-se como data do orçamento a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta, vedada a inclusão, por ocasião da repactuação, de antecipações e de benefícios não previstos originariamente, nos termos do disposto no art. 5° do Decreto 2.271/97 e do item 7.2 da IN/Mare 18/97; A revisão de preço faz-se necessária quando de fato imprevisível ou previsível, mas de consequências imprevisíveis/incalculáveis, após a definição do preço. Tem natureza extraordinária e não é limitada a valores certos. A Lei nº 8.666/1993 define que os contratos poderão ser alterados para restabelecer a relação inicialmente pactuada, na hipótese de fatos imprevisíveis/incalculáveis, retardadores/ impeditivos, força maior, caso fortuito, fato do príncipe de álea econômica. No que se refere a questões de ordem tributária, especificamente, no artigo 65, o mesmo diploma estabelece que quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como superveniência de disposições legais, após a apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão contratual, para mais ou para menos, conforme o caso. jan/ abr 2009 [ 59 D O U T R I N A 6. SUBCONTRATAçãO A subcontratação ocorre quando o contratado entrega parte da obra, serviço ou fornecimento a terceiro que executará parcela do objeto contratual em seu nome. É importante notar que a subcontratação tem caráter excepcional, sendo vedada por regra e somente aceita quando expressamente prevista em edital e contrato. Outra característica importante da subcontratação é a manutenção do vínculo de responsabilidade, de forma exclusiva, entre a Administração e o contratado original, que continua a responder integralmente perante o órgão ou entidade, ainda que a subcontratação haja sido autorizada e realizada dentro dos limites do ato convocatório e do contrato. A subcontratação, quando autorizada pela Administração somente poderá ser parcial, nunca total. A subcontratação total consiste na sub- rogação contrataual e trata-se de instituto terminantemente vedado nos contratos administrativos. O órgão ou entidade contratante poderá, sendo mesmo recomendável, estabelecer, já no edital, percentuais máximos do objeto permitidos para a subcontratação. Ou, se for ocaso, inserir cláusula que vede a subcontratação. A prática, pelo contratado original, de subcontratação não autorizada constitui motivo para a rescisão contratual. Em qualquer caso, a Administração deve resguardar-se do direito de avaliar previamente as condições da empresa a ser subcontratada. Essa avaliação inclui as condições jurídica, financeira, de regularidade fiscal, de regularidade com obrigações trabalhistas e a capacidade técnica para execução do contrato, a qual deve ser, no mínimo, igual à da contratada original. A Administração deve reservar-se, ainda, o poder de não autorizar a subcontratação1. 7. LIQUIDAçãO DA DESPESA A liquidação, segunda fase do ciclo da despesa orçamentária (empenho, liquidação e pagamento), constitui-se no momento mais delicado da fiscalização dos contratos administrativos. O fiscal de contratos, servidor especialmente designado pelo órgão ou entidade contratante, é o mais importante ator desse importantíssimo ato da gestão administrativa. O fiscal é de fundamental importância para a garantia de que o pagamento corresponda à efetiva entrega do objeto (bem ou serviço). As falhas cometidas pelo fiscal no momento da liquidação trazem consequências negativas mais do que preocupantes para a Administração e são falhas de dificílima reversão em momentos futuros. É no momento da liquidação da despesa que o fiscal de contratos deve mostrar o máximo de seu valor profissional.