Baixe Esquemas de leituras e outras Esquemas em PDF para Sociologia, somente na Docsity! MANNHEIM, Karl. Sociologia do conhecimento. Volume 1. Routledge & Kegan Paul Ltd: Porto, 1974. 07 Capítulo I: Introdução 1 — Observações prévias: A sociologia do conhecimento de Mannheim foi muitas vezes mal interpretada como uma variante de cepticismo e ilusão. 08 Na doutrina de Mannheim, as potencialidades da participação social como fonte do conhecimento desempenham um papel mais importante do que as limitações que aquela coloca ao conhecimento. II: Influências: Nascido em Budapeste, uma cidade da Europa central em que as influências culturais alemãs eram predominantes [...] estava-se no período da 1º Grande Guerra e do tempo caótico da revolução e da contrarrevolução que imediatamente se lhe seguiu. 10 havia clima de revolução razoável que deu aos jovens a impressão de uma completa reorientação intelectual, espiritual e moral. Ao regressar da guerra, a «geração da linha da frente» tinha de reduzir as suas pretensões materiais; mas as suas pretensões intelectuais, sociais e morais assumiram dimensões gigantescas. Era para usar uma das expressões favoritas de Mannheim um clima de «utopia»; e muitas teorias e correntes novas alimentaram a consciência utópica da geração da linha da frente [...] todas defendiam personificar, de um certo modo, a verdade absoluta [...] II — o marxismo, que representava ar fresco para a «geração da linha da frente» da 1º Grande Guerra. 11 Mannheim não era um marxista integral; [...] mas também para Mannheim o declínio da burguesia e a ascensão do proletariado era o traço essencial da fase contemporânea da história [...] algumas teses marxistas, como a da natureza «ideológica» do pensamento social, representaram para ele exemplos primários de uma nova perspectiva essencial que se tornou possível através de uma participação ativa no processo histórico. Por outro lado, ultrapassou ortodoxia marxista segundo a qual o pensamento da consciência de classe do proletariado só por si representava a realidade tal como ela era [...] IV - Um destes movimentos era o que se dirigia a uma «síntese» nas ciências culturais, especialmente na história das ideias, da arte e da literatura. 12 «Geistesgeschichte». Esta nova tendência caracterizava-se por uma rejeição completa do «positivismo», isto é, da tentativa de analisar o fenómeno humano, cultural e intelectual em termos de mecanismos causais também operativos numa natureza inanimada. no que diz respeito ao fenómeno cultural e humano, só uma doutrina sólida, «sintética », anti-positiva é verdadeiramente «científica». Wilhelm Dilthey foi um dos primeiros representantes deste ponto de vista. 13 Mannheim reagiu fortemente à nova tendência «sintética»; um abismo radical entre os conceitos «estáticos» das ciências naturais e das matemáticas, por um lado, e os conceitos dinâmicos da história e das ciências sociais [...] V — O método baseava-se na ideia de que o historiador é capaz de comungar genuinamente com o verdadeiro significado dos trabalhos e acções que estuda. Para a conseguir, tem contudo, de separar-se dos conceitos, padrões de valores e categorias característicos da sua idade e de aprender a substituí-los pelos conceitos, padrões de valores e categorias do período que se considera. 14 «historicismo». A tese central do historicismo era a de que nenhum produto da cultura humana poderia ser analisado e compreendido de um modo isolado do tempo; a interpretação deveria começar pela conexão de cada produto com um índice temporal, pela sua relacionação com um «estilo» ligado a um determinado período. [...] implicava assim, um relativismo completo no que respeita aos valores; [...] quando falamos de épocas passadas. [...] o historiador se colocava na disposição antiquada em que olhava para os produtos culturais, não com os seus olhos mas com os olhos dos habitantes de culturas anteriores era perfeitamente capaz de sentir grandeza, o significado humano. 15 Mannheim identificou-se fortemente com o historicismo — que se tornou um dos ingredientes essenciais da sociologia do conhecimento. [...] Mannheim acentuou o elemento de compromisso, de acção, como a verdadeira substância do processo histórico. [...] necessidade de dotar um credo político progressivo de profundidade, de o salvar da superficialidade dogmática. VI - a escola fenomenológica. [...] Husserl seu objetivo era mostrar que no verdadeiro conhecimento se percepcionavam as «coisas em si mesmas» e não meras reflexões de uma consciência pré-existente, autónoma. 16 O «conhecimento substancial» prometido pela fenomenologia acabou por ser mais o conhecimento das essências» do que o das coisas tangíveis do mundo exterior [...] O «conhecimento substancial» prometido pela fenomenologia acabou por ser mais o conhecimento das «essências» do que o das coisas tangíveis do mundo exterior. 17 Mannheim recusou a teoria fenomenológica de um conhecimento dos valores objetivo, absoluto; mas aceitou outros ensinamentos da escola, e especialmente a doutrina dos «atos intencionais». [...] o conhecimento do fenómeno do mundo material só pode ser alcançado se nos colocamos no papel do observador que parte de dados da consciência, de medidas e deduções de premissas expressas em linguagem quantitativa; mas o estudo dos impulsos, valores e actos humanos requer uma abordagem «intencional» inteiramente diferente. [...] Mannheim usou este tipo de raciocínio na rejeição da sociologia positivista; segundo ele, o erro do positivismo consistiu em negligenciar a diferença «fenomenológica» entre o mundo inanimado e o mundo histórico-cultural Mannheim estava impaciente por mergulhar para além da superfície fenomenológica no verdadeiro âmago das coisas, na substância da realidade histórica que só o sujeito activo, completamente comprometido era capaz de alcançar. III. O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 18 1- A abordagem «estrutural» é, na verdade, um traço fundamental do método sociológico de Mannheim. [...] significa explicá-lo, não como uma unidade isolada, autossuficiente, mas como parte de uma estrutura mais larga; a explicação baseia-se não tanto nas propriedades da coisa em si mesma, mas no lugar que ela ocupa dentro da estrutura. [...] Mannheim afirma que a primazia das formas lógicas pertence à «sistematização». Todas as formas mais simples, mais elementarmente lógicas, como os conceitos ou os juízos, só podem ser compreendidas em termos da sua forma globalizante, compreensiva. [...] aceita o uso da escola neo-Kantiana na definição de lógica: a lógica é a ciência que trata com conceitos, juízos e sistemas e, acima de tudo, com a sua «validade» ou valor lógico. 19 Para ele, o problema central da lógica era e foi sempre, mais a «validade» do que a consistência: a questão era somente a de saber se devíamos atribuir validade intemporal, absoluta ou validade relativa, «situacionalmente determinada» a afirmações científicas e a sistemas conceituais. [...] A filosofia, contudo, situa-se algures no meio entre estes dois tipos: embora haja só «uma verdade» em filosofia, pelo menos idealmente (o que se afirma em atenção ao princípio da validade «intemporal»), as velhas soluções não são simplesmente rejeitadas) 36 Segundo o historicismo, [...] só podemos compreender se os relacionarmos com o período em que foram originados. [...] (daí um problema) o conceito de geração depara [...] outros (fatores), não «sociológicos», que parecem ser responsáveis por certas modificações características do comportamento. [...] Positivista: a geração é tão só um facto natural, bruto; é essencialmente um conceito quantitativo, mensurável. A escola romântica-metafísica: vê nas várias gerações concretas «enteléquias» que podem ser compreendidas por intuição, mas que não podem ser sujeitas a qualquer análise racional. [...] (Para) Mannheim [...] a análise positivista é insuficiente, porque cada geração produz alguma coisa de único que não pode ser deduzido dos meros fatos naturais e estatísticos da idade biológica e da juventude. Mas o conceito de «inteléquia» é também inaceitável, porque impede qualquer análise científica. [...] o problema das gerações, deve ser resolvido pela análise sociológica. 37 «o pertencimento a uma mesma geração» determinou certas facetas do comportamento e do pensamento de várias pessoas; estas pessoas agem e pensam de um certo modo porque ocupam um mesmo lugar num todo «estrutural». [...] certas formas de pensamento e ação devem ser analisadas em termos do lugar que ocupam dentro de um processo dinâmico. Mannheim introduz aqui o termo Lagerung (estratificação) para significar os traços comuns a alguns indivíduos e determinados não pela escolha consciente [...] Nisto, a «geração» é semelhante a «classe [...] grupos de idade mais velhos e mais novos numa sociedade experimentam os mesmos acontecimentos, mas os efeitos desses acontecimentos serão diferentes, [...] o mero fato de pertencer a um mesmo grupo etário não determina só por si a orientação total de várias pessoas. [...] «geração» sobrepõe-se a outros fatores históricos e culturais. 39 todo o pensamento «existencialmente determinado» é o reflexo de alguma aspiração social [...] Corremos menos riscos se explicarmos os movimentos intelectuais em termos políticos e não o contrário: partindo de uma atitude puramente teórica e projetando um modelo de pensamento contemplativo, interno, teórico no processo da concreta vida real [...] Assim; podemos conceber as discussões: teóricas: como incidentes de uma luta geral pelo poder. Quando o poder social se encontra monopolizado, por um grupo a interpretação individual do mundo é soberana não dá expressão a uma posição contrária à oficialmente prevalecente. Porém, os monopólios do poder inevitavelmente se rompem num dado momento quando as ideias rivais conseguem quebrar a hegemonia oficial. Três fases da competição das ideias: atomista — concentração — síntese. 40 vida intelectual depende da distribuição e das formas de poder em determinada sociedade. [...] Mannheim; nota que a educação não está de acordo com a realidade social. [...] educação só fala de princípios e ideiais abstractos; não prepara os jovens para aquilo que têm que fazer para conquistarem um lugar dentro da sociedade industrial. [...] Isto inicia uma análise das várias formas de «sucesso» que os homens podem alcançar em sociedades diferentemente estruturadas. 41 Mostra-se, com a ajuda das categorias de Weber, que as realizações econômicas têm um componente mais largo de «racionalidade» e de cálculo do que, digamos, os feitos militares; as sociedades em que o status depende primariamente do sucesso econômico, eliminam gradualmente outras formas de diferenciação de status. [...] Tal como em Max Weber, a «burocracia» representa o cume da organização «racional». [...] o homem não é livre de formular os desejos e ambições da sua vida de um modo puramente pessoal, individual; a sua posição objetiva na sociedade determina o que pode ser a sua ambição. 42 A educação deveria ser transformada de forma a preparar o homem para a sua tarefa superior. [...] a educação deveria permitir ao homem fazer uma de uma liberdade que não existe se a definição seja apenas em termos gerais, abstratos. IV—A crítica da sociologia do conhecimento de Mannheim Nestas categorias é uma tarefa vã discutirmos os méritos da teoria? Se cada um se posiciona diante de uma teoria de acordo com as influências determinantes, não estaremos sempre nos enganando, uma vez que não se estabelece assim um verdadeiro e um falso? 43 O que Mannheim queria demonstrar era que um certo tipo de conhecimento fatual era determinado pelos fatores sociais, mas este conhecimento não pode ser separado dos valores. [...] Mannheim primeiro posicionou a natureza ideológica de todo pensamento. [...] Mannheim, forçou-se por demonstrar que tal conhecimento era válido e legítimo, mesmo se não pudesse ser considerado como verificável pelos, padrões positivistas. [...] a sua opinião era a de que, cada período tinha, de reescrever a história para fazer Justiça às ideias que antes não se compreenderam. 44 Penso que qualquer teoria que afirma que todo o pensamento é totalmente determinado por fatores sociais está efetivamente destruída pelo seu próprio fundamento. É claro que Mannheim, não aplicou esta teoria a «todo» o pensamento, porque ele não incluiu as ciências naturais e a matemática no seu veredicto de «determinação existencial». 45 Mannheim afirma o conhecimento é determinado por fatores sociais. Tal não parece, no entanto, implicar uma contradição — desde que entendamos por «determinação existencial» uma espécie de determinação total de tipo causal que não deixa espaço à liberdade ou à argumentação. [...] uma determinação causal rígida era em si mesma uma categoria «estática», própria das ciências naturais, inaplicável a uma entidade «dinâmica» como a mente. Temos de lembrar que para Mannheim a «história» assumia o papel de determinante (ou co-determinante), e que a própria história era em si mesma um processo «significativo». 46 É possível trabalhar no sentido de uma síntese de cada perspectiva que é precisamente aquilo que a sociologia do conhecimento deseja. [...] a teoria da determinação social do pensamento serve para assim aumentar a validade objetiva da verdade. [...] Mas a tarefa de demonstrar essa determinação social é ainda muito árdua. Na verdade, o que faz com que o conhecimento existencialmente determinado seja válido é o facto de ter sido alcançado em comunhão com o processo histórico. 47 A verdade consiste essencialmente em algum caráter pragmático da resposta individual à realidade [...] a verdade alcançável pelo homem mostrava ser, ao mesmo tempo, a verdade que exprime a essência histórica. [...] Há aqui, em parte, uma diferença filosófica insolúvel: a diferença entre o conceito existencial de verdade como estar na verdade e o conceito aristotélico de verdade enquanto «falar verdade». Mannheim adere a primeira proposição. 48 Ainda assim, a sociologia do conhecimento de Mannheim é profundamente relevante, porque nenhum purismo metodológico pode aliviar-nos da tarefa de tomarmos o processo histórico como um todo e de assim definirmos a nossa relação com a cultura. 49 Capítulo Il: SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA WELTANSCHAUUNG 50 supondo que alguma coisa como uma «concepção universal» está já compreendida — como havemos de ver — de um modo pré-teórico, haverá algum modo de transpô-la para termos científicos e teóricos? II. A Luta por uma Síntese: 52 os estudos humanos diferem também essencialmente das ciências naturais quando se trata da relação entre os objetos lógicos respectivos com os correspondentes objetos da experiência diária, pré-científica. [...] Como exemplo, contrariamente as ciências naturais a análise estética, porém, o objeto tal como foi dado numa experiência pré-teórica concreta nunca deixa de constituir um problema. 53 as ciências culturais, os todos da experiência concreta negligenciados nos interesses da abstração sempre se mantem como um problema. [...] Já que cada um destes ramos deve a sua existência a uma operação abstrata, nenhum pode por si só dar uma informação completa e válida do seu objeto nos limites da sua estrutura conceitual; será necessário num determinado momento referir-se ao todo concreto. 54 Por seu tumo, ao tentarmos elucidar as causas das mutações nos motivos de arte, temos de fazer referência a fatores ainda mais importantes como o de Zeitgeist [...] ao relacionarmos entre si estes vários estratos da vida cultural, penetrando na totalidade mais fundamental em termos da qual se pode compreender a compreender a interconexão dos vários ramos dos estudos culturais — é este precisamente a essência do procedimento da interpretação que não tem contrapartida nas ciências naturais — só está «explica» as coisas. [...] uma disciplina especializada dentro das ciências culturais não pode permitir-se perder de vista a totalidade pré-científica do seu objeto, já que não pode compreender mesmo o seu tópico mais insignificante sem recurso àquela totalidade. [...] Esta série de questões que se levantam só podem ser apreciada se nos afastarmos dos princípios metodológicos das ciências naturais. 55 III: Racionalismo x Irracionalismo: A natureza complexa do conceito de Weltanschauung deriva do fato de que a entidade que Ihe subjaz se situa fora do domínio da teoria. [...] Tudo quanto o racionalismo pode compreender é que uma visão global de uma época ou de um indivíduo criativo está totalmente contida na sua expressão filosófica e teórica; só precisamos de recolher e organizar estas expressões num modelo para estarmos na posse de uma Weltanschauung. 56 Foi o movimento anti-racionalista nos seus estudos culturais, um movimento que Dilthey tornou uma força na Alemanha, que fez compreender que a filosofia teórica não é nem a criadora nem o principal veículo da Weltanschauung de uma época. [...] Mais, se esta totalidade a que chamamos Weltanschauung for compreendida como algo a-teórico e ao mesmo tempo como fundamento de todas as objetivações culturais [...] se, por outro lado, definimos a Weltanschauung como alguma coisa de a- teórico, [...] a nossa investigação a favor de uma síntese estará, então, numa posição de acompanhar qualquer campo cultural. [...] Em segundo lugar, ao alargarmos o campo de estudos nas sínteses culturais, esta aproximação permitir-nos-á olhar para o nosso objeto a partir de uma perspectiva inteiramente nova. 57 de que o homem é cidadão de vários mundos ao mesmo tempo. Possuímos o material primordial da experiência, que é totalmente indeterminado e do qual nem podemos dizer se é homogéneo, em várias em leis estruturais do objeto em si mesmo; certos elementos e fases da realidade sensível tornam-se aqui estádios necessários na realização progressiva de significado. 74 O significado expressivo também está sempre embebido neste estrato de significado objetivo. 75 A verdadeira expressão caracteriza-se pelo facto de algum conteúdo psíquico ser capturado num meio sensualmente formado, dotando-o de uma segunda dimensão de significado; e esta compreensão do conteúdo físico só é possível se o meio sensual não é tratado como alguma coisa de secundário e cambiável, mas se se lhe atribui a sua forma de valor individual por direito próprio. [...] cada modelo individual de movimento traduz um estado de emoção especificamente único e estamos, então, em presença de um verdadeiro gesto «expressivo ». Quando só pensamos no tipo de gesto-sinal de linguagem, podemos partir do princípio que há uma «gramática universal de expressão », pela qual certos movimentos podem ser reunidos numa combinação rígida que corresponde a certos modelos típicos de emoção. 78 tudo o que podemos concluir daqui é que o significado objetivo querido só é apreciável pela investigação histórica fatual, e que na sua investigação temos de empregar os mesmos métodos que usamos no inquérito fatual histórico. 79 O significado documental também se alcança através de objetivações - o que é característico no significado documental também pode ser compreendido a partir do modo como o assunto é selecionado e representado e pelo modo como se apresenta o meio. 80 o significado documental pode ser atingido sem considerar o trabalho no seu todo; na verdade, qualquer aspecto parcial de um trabalho, como o tratamento característico de uma linha, de uma estrutura espacial (1) ou uma composição de cor pode revelar o significado documental. 83 o objeto histórico correspondente; em alguns casos, este objeto identifica-se pelo nome de uma pessoa ou coletividade histórica, tal como quando falamos do espírito Shakesperiano, Goethiano, ou do espírito clássico. Tais expressões, no entanto, são sempre usados de um modo oblíquo, porque o que queremos significar não é Shakespeare ou Goethe como pessoas reais, mas a essência ideal em que as suas obras se resumem. 84 A nossa formulação mostra que não renunciamos a uma investigação da «raça» como problema histórico- cultural, ou da «classe» como um problema de sociologia cultural; decerto que ambos os tópicos designam problemas que merecem ser resolvidos; o que queremos é apontar certas implicações metodológicas que se aplicam a estas linhas de investigação. 85 Entre estas duas espécies de objeto — o objeto do espírito coletivo, derivado da interpretação de objetivações culturais, e o objeto antropológico ou sociológico — a discrepância devida à sua origem heterogénea é tão grande que parece absolutamente imperativo interpolar um campo intermédio de conceitos capazes de mediar estes dois extremos. 87 Para compreendermos o «espírito» de uma época, temos de atender ao nosso próprio «espírito» — só a substância pode compreender a substância. Uma época pode estar mais próxima em essência de uma era particular do que outra, e a que está mais próxima será aquela cuja interpretação prevalecerá. 88 razão de ser de tal facto é precisamente o da compreensão histórica não ser intemporal como o conhecimento matemático ou científico, mas antes em si mesmo moldada pelo processo histórico na autorreflexão filosófica. [...] Se dispomos de várias interpretações diferentes de uma época, estando todas corretas neste sentido, só podemos perguntar qual delas é mais adequada, e qual revela maior riqueza, maior afinidade substancial com o objeto. Quando deparamos com uma aparente contradição entre as interpretações corretas de uma determinada época ou Weltanschauung, mantidas por diferentes gerações de intérpretes, o que devemos fazer é traduzir as interpretações menos adequadas (mas ainda corretas) na linguagem das interpretações mais adequadas. 90 V. A ESTRUTURA PRE-TEÓRICA DOS PRODUTOS CULTURAIS: 91 exigem uma caracterização dos produtos culturais na sua forma a-teórica, tal como se apresentam quando as compreendemos adequadamente como objetos de valor na aproximação imediata, irrefletida [...] 1. Em primeiro lugar: Um produto cultural na sua apreensão imediata não se apresenta numa forma estratificada. 92 2. tendência geral para considerar o conteúdo expressivo como algo que é associado, introduzido de fora, é explicada pela relutância geral para o compreender como um «significado. 93 Devemos reconhecer esta esfera de significado não teórico como alguma coisa de intermédio entre a teoria e a intuição, se não quisermos considerar tudo o que é não teórico como intuitivo e irracional; 94 3.domínio do significado tem, no entanto, uma extensão mais larga do que a que é dada pelo significado teórico juntamente com o reino do significado não teórico representados pelos produtos culturais, pela tradição oficial e académica. [...] Há uma cultura subjacente que também é significativa nesta estrutura; opondo-se ao mero fluxo, pode tornar-se um objeto intencional, pode ser apresentado e é «irreal segundo o método do significado» — e por esta razão, não pode ainda ser identificado com o mundo irracional dos seres. 95 4. De algum modo temos de nos ocupar do carácter significativo dos nossos modelos de experiência subjetiva, porque eles constituem o estrato em que o significado expressivo e documental é compreendido. Eles abrangem de uma forma nova o material óptico e acústico que já se formou pelo significado objetivo. 96 Como vemos, os significados da experiência formada relançam o significado objetivo no molde do significado expressivo e documental. O que levanta uma nova questão: um elemento é primeiramente compreendido como uma unidade de significado objetivo (ex. numa pintura: uma Gestalt puramente visual), e só depois também como uma unidade de significado documental e expressivo? [...] elemento em consideração torna-se uma unidade inteiramente nova de significado quando considerada à luz da experiência formada. A primeira interpretação pode ser mantida (na verdade, deve sê-lo, na medida em que é interpretação objetiva); mas uma vez que procedemos a uma nova interpretação, deparamos com um significado inteiramente novo. 97 6. Não tratamos aqui, portanto, de «elementos» ou «unidades de significado» autossuficientes que compõem novos todos quando outras unidades lhe são acrescentadas. [...] O que permanece inalterável é apenas o substrato material (uma mancha de cor, uma linha), e mesmo isso, apenas na medida em que possa ser considerado como uma «coisa» definitiva, é necessariamente parte de um todo compreensivo; e com a aparência de um todo novo, a parte enquanto tal é também alterada. 98 VI COMO É QUE A VISÃO GERAL PODE SER CIENTIFICAMENTE TRATADA: 99 todo o produto cultural é atribuído um significado documental que reflete uma visão geral, temos a garantia básica de que a Weltanschauung e o significado documental são susceptíveis de investigação científica. [...] invocamos o princípio fenomenológico segundo o qual cada esfera da realidade tem a sua natureza de «apresentação» própria, e que o domínio do «significado» não se restringe nem à espfera das «coisas» físicas, nem aos acontecimentos psíquicos localizados numa sequência temporal de experiências individuais. 100 o «conhecimento» se define como conhecimento teórico, acompanhado de conceitos e conexões lógicas, o nosso problema metodológico consistirá em descobrir como os dados recolhidos na intuição pré-teórica podem ser transformados em conceitos teóricos. 103 Uma análise científica, sistemática do significado documental procederia à separação de certos elementos ou unidades de significado da sua situação concreta e a sua colocação em objetos validamente compreensíveis de generalidade superior pelo uso de categorias e conceitualizações apropriadas. 105 Uma das dificuldades já foi mencionada; e a de toda a Weltanschauung (a que é documentada) se situar para lá das objetivações culturais e de não ser abrangidas por nenhuma das esferas culturais por si só. Por conseguinte, temos de cobrir todas as esferas culturais, temos de comparar as várias objetivações pela mesma série de critérios documentais. [...] abordagem mais plausível consiste em saber se podemos aplicar certas regularidades e problemas sugeridos pela história da filosofia ao exame de outros campos culturais que não a filosofia. Assim Dilthey, de quem acentuamos acima ter sido o pioneiro ao chamar a atenção para os aspectos irracionais da Weltanschauung, 106 qualquer estrutura teórica que não admite variação dinâmica (ou até mesmo dialética) é necessariamente obrigada a equacionar produtos das épocas mais distantes, esquecendo-se assim, precisamente o essencial nelas: o papel constitutivo da temporalidade. 108 Dois aspectos deste poderoso esforço para uma síntese têm interesse para nós: 1) a tentativa de uma construção estritamente racional e 2) o esforço de retirar as variações significativas das formas maduras de formas originais semelhantemente diferenciadas. Comecemos com o primeiro ponto. O surpreendente tratamento estritamente racionalizante do material é explicado pelo desejo de Hegel de sujeitar os significados documentais encontrados pela intuição à verificação objetiva. A verificação pode 122 Não queremos saber só o «que aconteceu». Estamos interessados não apenas no «porquê» imediato (os antecedentes causais imediatos) de um acontecimento, mas perguntamo-nos constantemente: «O que quer dizer?». 123 historicismo é uma filosofia da história ao libertar a filosofia implícita numa descrição histórica e ao analisar conscientemente os problemas que se levantam na representação do passado. 124 Em cada fato, então, há qualquer coisa mais do que o facto «em si mesmo». O fato é moldado por uma totalidade, quer no sentido de uma lei de modelação, quer no sentido de um princípio de sistematização. [...] com a sistematização do historicismo, realiza-se o destino que o historicismo descobriu a partir das formas passadas dos processos mundiais: a vida tem uma tendência constante para se ossificar um sistema. 126 (contra Kant) O que surge como totalmente impossível, contudo, é negar uma nova filosofia, baseada na análise reflexiva de um novo estádio da realidade sociocultural, só porque este novo sistema contradiz os pressupostos últimos de um sistema anterior, que correspondeu a um estádio anterior. [...] variam as definições mais gerais e as categorias da Razão que estão sujeitas a processos de alteração de significado, como qualquer outro conceito, no decurso da história da mente. 127 Que, na verdade, a dicotomia forma-conteúdo que é a base de uma filosofia estática da Razão está completamente desprovida de aplicabilidade universal, que só serve um tipo de pensamento unilateral orientado para a manipulação de objetos-coisas rígidos, é o que pode ser demonstrado pelo fato de atualmente, se não mesmo de forma declarada, tal pensamento também operar com modelos desprovidos de vida. 130 o historicismo concebe o confronto não apenas nas antíteses dos sistemas teóricos, mas pode demonstrar este contraste nos modos opostos de comportamento prático. 131 Quando esta doutrina da autonomia da Razão apareceu nos tempos modernos, ela era expressão de uma relação sociológica entre as diferentes esferas que atualmente prevalecem no moderno «sistema de vida e cultura». Esta relação não é intemporal e eterna, mas sujeita à variação histórica, e isto de tal forma que se fôssemos descrever as diferentes esferas da vida apresentadas à experiência imediata em diferentes períodos, recolheríamos uma lista fundamental das mudanças culturais. 132 O que o historicismo tenta aqui nas esferas individuais histórico-culturais, na história da arte, na história da religião, na sociologia, etc., tomando estas diferentes esferas da cultura não na sua exclusividade imanente, mas como uma parte integrativa de um todo. 123 Ao apontarmos a conexão básica das premissas teóricas de uma época com toda a realidade sociocultural, não pretendemos negar rotundamente que estas doutrinas têm uma qualquer validade duradoura. Porque na análise final destes problemas, teremos de examinar a questão de saber se se podem estabelecer os resultados de uma análise estrutural e de uma demonstração da determinação filosófico-histórica e sociológica da teoria ou, se assim for, refutar a estrita validade sistemática (Geltungssinn) da própria teoria. 134 ILO PONTO DE PARTIDA DE UMA TEORIA DO HISTORICISMO (TROELTSCH): 135 Troeltsch representa aquele tipo de cientista cultural que, graças a um profundo desejo de compreender a totalidade da vida, gostaria de transcender a especialização recente da investigação histórica e realizar uma síntese. 137 historicismo (que o livro tenta delinear) é considerado sob dois aspectos: é discutido como um problema sistemático, e é também apresentado em termos de uma história do seu problema: Deste modo, podemos considerar o livro como uma contribuição para a história da génese das ciências culturais. O historicismo tem interesse em traçar o seu nascimento e desenvolvimento: o decurso do seu desenvolvimento não é, no entanto, descrito numa compreensão épica, mas só em relação a problemas com significado sistemático. Dois desses problemas são tomados como representativos: (a) a história da luta por um modelo de julgamento histórico e (b) a história do conceito de evolução. 138 certos modelos fundamentais de pensamento e conhecimento (na verdade, e, em certa medida, a própria lógica) estão integralmente fundidos em diferentes unidades históricas concretas. Assim, não uma mera afirmação programática, mas uma investigação científica da história do conceito geral, o da evolução, revela-nos claramente em que medida e de que modo mesmo as ciências culturais e mesmo as suas categorias lógicas, são diferenciadas, de acordo com unidades culturais concretas e as respectivas perspectivas. 139 De acordo com Troeltsch, o sujeito detentor de conhecimento histórico não é um contemplativo puro. [...] as ciências exactas podem, na verdade, fazer afirmações em cujo conteúdo não entram a posição histórica e local do sujeito conhecedor e a sua orientação de valores, que aqui podemos legitimamente construir um sujeito correspondentemente abstrato (livre da determinação histórica). 140 se tomamos como base da construção um sujeito cognitivo, a estrutura dos juízos e das afirmações do historiador, em todas as questões essenciais, chegaríamos a conclusões inteiramente diferentes. [...] posição histórico-filosófica do observador torna-se evidente não só no sentido de uma posição de concordância ou discordância com o que é relatado, mas mesmo nas categorias de significado, no princípio da seleção e da sua direção. [...] a seleção de factos e o modo como são apresentados dependem não só da área de valor em que se conduz a investigação [...] mas a materialização concreta, historicamente determinada dos vários valores também entra numa estrutura categorial das análises históricas. 141 tendência da seleção histórica, a forma da objetivação e representação só se tornam compreensíveis em termos de orientação da atividade presente. [...] sujeito histórico está a meio caminho entre o ego empírico do historiador e o sujeito puramente supratemporal da teoria Kantiana do conhecimento. [...] Para Troeltsch a conexão essencial entre «padrão de valor» e «síntese cultural dentro da história» torna-se a verdadeira pedra angular da teoria da história. Assim, o problema da objetividade da ciência é levado a um nível inferior, e aproximado da investigação concreta. 142 Ao aproximarmos os problemas metodológicos e epistemológicos da história dos aspectos concretos da investigação histórica, tornam-se imediatamente visíveis muitos problemas que estiveram escondidos quando nos ocupávamos só com um ponto de vista de estrita abstração formal. Em primeiro lugar, ocupamo-nos com o significado das aspirações pragmáticas, extra teóricas do homem. [...] Em segundo lugar, torna-se possível mostrar e compreender a determinação posicional (Standortgebundenheit) histórico-filosófica (sociológica) de cada item de conhecimento histórico (de que é consequência o facto de as imagens históricas do passado mudarem em cada época). 143 porque está muito para além da crítica das fontes, dever ser sempre escrita de novo, não no sentido de um processo de correção, mas no sentido de uma nova orientação total, o facto de a história criar os seus princípios, pontos de vista e modelos fora da síntese contemporânea real, é aqui reconhecido como um princípio teórico da ciência histórica. [...] O simples fato de todo o item do conhecimento histórico se determinar por uma perspectiva posicional particular, e de haver uma fusão íntima da imagem histórica particular de cada época com as verdadeiras aspirações e valores concretos, não implica, de modo algum, a relatividade do conhecimento assim obtido. 144 além da aplicação de modelos baseados na posição histórica da perspectiva do observador, podemos também descrever e avaliar as épocas passadas em atenção aos seus padrões e valores próprios. [...] num modo de interpretação denominado de crítica e representação imanente do passado. 145 As diferentes imagens históricas não se contradizem entre si nas suas interpretações, mas rodeiam o conteúdo histórico materialmente idêntico de diferentes pontos de partida e a diferentes graus de profundidade. Perfeitamente trabalhadas, esta doutrina deveria conduzir à demonstração da existência do «progresso» (embora não necessariamente o progresso unilinear) na sequência de várias teorias históricas de épocas sucessivas. 149 II. AS FORMAS DO MOVIMENTO HISTÓRICO: 150 qualquer método de análise só é, na verdade, adequado a tratar desta ou daquela área específica da vida ou cultura. 152 economia, o sistema legal, os costumes de uma época não nascem na sua totalidade com base num plano intencionalmente escolhido de um indivíduo. No entanto, eles têm uma estrutura realmente significativa, sistematicamente compreensível, em virtude da orientação racional, significativa da conduta humana em geral. O crescimento histórico de tal estrutura é também susceptível de ser conceptualmente analisado como uma sucessão de modelos vitais de uma sociedade. 153 o melhor procedimento parece ser o de combinar os dois métodos histórico-filosóficos, isto é, descrever o crescimento nos campos psíquicos culturais como uma transformação de Gestalt, e nos campos substituirão a tipologia intemporal, generalizadora das formas econômicas e sociais por uma sequência temporal destas formas, introduzindo-se, assim, um elemento histórico-sociológico na sociologia. 173 V. PADRÕES DINÂMICOS NO PENSAMENTO E NA PRÁTICA: 174 o historicismo não consiste numa combinação de descobertas de uma disciplina individual (e a história); é antes, pelo menos em intenção, uma espécie de filosofia que se situa para lá da epistemologia e que tenta construir uma base a partir dela. Assim, o seu lugar sistemático corresponde ao da «metafísica » dos primeiros tempos. 175 investigação causal histórica também tem de pressupor de um certo modo tal substrato «filosófico» em que se baseia esta «tendência» história global. 177 ao tornar a consciência histórica cada vez mais poderosa, gradualmente minou a filosofia estática da Razão, nada permaneceu de todo o conteúdo do sistema exceto, como resíduo e como gesto de resignação, a limitação deste absoluto supratemporal a formar. A antítese de uma concepção estática da Razão nasceu quando o material da experiência vital se tornou dinâmico, ou, pelo contrário, quando se reconheceu a fluidez deste material. 178 Dizer que o absoluto se revela no processo genético e que só pode ser compreendido a partir de posições definidas dentro do mesmo processo, em categorias que são moldadas pela descoberta do contacto material do fluxo genético em si mesmo dizer isto não é professar o relativismo. [...] substrato último que se revela no tempo tem a sua verdade no seu progresso. O que é acessível a partir de várias perspectivas é, em si mesmo, um aspecto da verdade; e a pluralidade destas perspectivas não envolve arbitrariedade, mas somente a aproximação a um objeto mutável a partir de posições mutáveis. 180 Assim, retiramos da história padrões de valores exemplificados por realizações concretas, mas só os podemos retirar porque já os compreendemos instintivamente, através da nossa participação na mente coletiva (Gesamtgeist) ativa na história. 181 O historicismo é, portanto, na nossa opinião, a única solução do problema geral de como descobrir padrões e normas materiais concretamente exemplificadas para uma visão do mundo que se tornou dinâmica. 182 historicismo partilha desta insistência sobre as provas materiais, entre outras, com a escola fenomenológica; enquanto que, no entanto, a escola fenomenológica; procura e encontra uma certeza de valores no sentido estático, sobretudo pelo recurso a valorações cristãs-católicas, e de novo assim se aproxima deste problema com uma atitude supratemporal, ansiosa de estabelecer uma hierarquia supratemporal de exigências de valores materialmente realizados, o historicismo não pretende ser capaz de definir as constelações materiais de valores que persistem para lá de um determinado período histórico-filosófico. 185 Capítulo IV O PROBLEMA DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO (1) 1.0 PROBLEMA CONSTELAÇÃO Num sentido lato, o termo «constelação» pode designar a combinação específica de certos fatores num determinado momento, o que apela a uma investigação para sabermos quando temos razão para afirmar que a presença simultânea de vários fatores é responsável pela forma assumida pelo facto em que estamos interessados. 186 Também aconteceu noutros campos que categorias fundamentais foram destacadas do seu contexto original que se tornou obsoleto, para serem utilizadas posteriormente num próprio contexto teórico. [...] A categoria da «constelação», retirada assim do seu contexto original, provou ser particularmente útil para nós no único campo em que podemos ainda fazer uso de um verdadeiro instinto metafísico hoje: o da contemplação da história do pensamento. [...] O nosso conhecimento do pensamento humano em si mesmo desenvolve numa sequência histórica; e somos levados a levantar este problema da «constelação» pela convicção que o passo seguinte no conhecimento é determinado pelo status conseguido pelos vários problemas teóricos, e também pela constelação de fatores extra teóricos, num dado momento, tornando possível prever em que medida certos problemas serão solucionáveis. 187 Se alargamos o nosso campo de visão de um modo correspondente os problemas implícitos na categoria «constelação » exigem-nos não só que consigamos uma visão sinóptica de todos os problemas teóricos levantados em certo momento, mas também que tomemos em consideração os problemas práticos da vida no mesmo momento. 188 precisamos, no entanto, não é somente de um catálogo das correntes e tendências existentes, mas sobretudo de uma análise estrutural radical dos problemas que se podem levantar numa determinada época [...] Na interrogação os fatores fundamentais, que entram na constelação que necessariamente possibilita o problema de uma [...] sociologia do pensamento no nosso tempo, cabe mencionar estes seguintes quatro aspectos. 189 (1) O factor primeiro e mais importante que torna possível levantar questões sociológicas acerca do pensamento é o que podemos denominar por autotranscedência e auto relativização do pensamento. 190 Assim, esta posição envolve o perigo de um circulus vitiosus teórico. A tentativa de relativizar qualquer outra esfera, como a arte, a religião [...] Podemos fugir a este círculo vicioso, concebendo o pensamento como um mero fenómeno parcial que pertence a um fator mais compreensivo dentro da totalidade do processo do mundo [...] Para mencionarmos um só tipo de solução: se defendermos que a esfera de pensamento (a dos conceitos, juízos e conclusões) é tão só a da expressão e não a da constituição cognitiva última dos objetos, desfaz-se a contradição, de outro modo insuperável. 191 o progresso histórico de um sistema filosófico para outro não se limita a uma espécie de refutação teórica. Nunca abandonamos tal princípio último só porque se prova que envolve contradições; os sistemas filosóficos mudam se o sistema vital em que vivemos sofrer uma mudança. [...] Se consideramos a «relativização do pensamento teórico» de um ponto de partida histórico e sociológico, vemos que pode ser realizada de várias formas, dependendo de que entidade está presente, de que pensamento se diz depender; este papel pode ser desempenhado pela consciência mítica, pela religião ou por qualquer outro gnosticismo, ou por uma esfera empiricamente investigada. 192 (2) Depois da auto “liquidação da consciência religiosa medieval [...] vemos como sistema compreensivo seguinte o racionalismo do período do Iluminismo. Este sistema, que era o único a atribuir à Razão autonomia real, era como tal, menos capaz de efetuar uma relativização do pensamento, apontando antes na direção contrária, isto é, para uma auto-hipostatização da Razão contra todas as forças irracionais. 193 O âmago sistemático e também sociológico desta ciência oposicional era a sua hostilidade à teologia e à metafísica e encontrou a sua tarefa principal na desintegração da monarquia, com a sua tradição residualmente teocrática, tendo o clero como um dos seus defensores. [...] o que importa é que vemos aqui pela primeira vez uma espécie de atitude face a ideias que a partir de então se tornaram a marca de contraste de todas as classes nascentes e que tinham encontrado a sua primeira consciência, a formulação reflexiva no marxismo. 194 A diferença essencial entre o desmascarar de uma mentira e o de uma ideologia consiste no facto da primeira se dirigir à personalidade moral de um sujeito e procura destruí-la moralmente, desmascarando-o como um mentiroso, enquanto que o desmascarar de uma ideologia na sua forma pura ataca, por assim dizer, só uma força sócio intelectual impessoal. No desmascarar das ideologias procuramos trazer a luz um processo inconsciente, não para aniquilar a existência moral das pessoas que fazem certas afirmações, mas para destruirmos a eficácia social de certas ideias, desmascarando a função que realizam. 195 (3) O aparecimento da viragem de mentalidade «desmascaradora », cuja história escondida ainda apela a uma investigação mais exata, não é, no entanto, suficiente para explicar a razão porque emos hoje uma constelação que permite o desenvolvimento de ima sociologia do pensamento. [...] Em primeiro lugar, a relativização, tal como a caracterizamos até aqui (em termos de «desmascaramento» e «transcendência») referida somente a certos itens individuais de pensamento era ainda parcial na sua intenção. Em segundo lugar, não indicamos ainda terminus da moção transcendente, o absoluto em relação ao qual certos itens são relativizados. 196 Como dissemos, tal centro nunca pode ser pensado; ele sempre tenderá para a esfera da vida em que o pensador sistematizador enquanto sujeito prático vive mais intensamente. 197 (4) Mas ainda precisamos de um outro traço para a caracterização completa da constelação moderna. Antes de alcançar o estado atual, o «desmascaramento» enquanto método teve de ultrapassar a parcialidade inicial, do seu exercício dentro de limites. [...] Que não podíamos, a este respeito, considerar as ideias e as crenças isoladamente, mas antes, compreendê-las como partes mutuamente interdependentes de uma totalidade sistemática, esta a lição que aprendemos do historicismo moderno. 198 Em todos estes casos, se acrescentássemos a palavra «ideologia», encontraríamos a mesma concepção fundamental que subjaz a teoria marxista subjacente, Que em Hegel quer em Marx, encontramos a mera «crença subjetiva» como lhe chama Hegel, ou «ideologia», como é designada na linguagem marxista, depreciada; a esta esfera subjetiva é retirada sua autonomia em favor de alguma realidade básica. [...] É e o formalismo rígido, Scheler não se satisfaz com a fronteira demarcada entre a eternidade e a temporalidade; sente-se impelido a analisar os novos fatores culturais nascentes no mundo. 214 A principal característica do ensaio de Scheler é, tal como afirmamos acima, a grande extensão do seu estudo: Scheler tenta analisar o sociológico do ponto de vista do intemporal, o dinâmico a partir de um sistema estático. Encontramos na sua teoria todos os pontos enumerados na descrição de «constelação» subjacente ao aparecimento da sociologia do conhecimento: (a) o pensamento concebido como relativo ao ser, (b) a realidade social como o sistema de referência em relação ao qual o pensamento é concebido como relativo, e (c) uma visão compreensiva da totalidade histórica. 215 sociologia do conhecimento faz parte da sociologia cultural que por seu turno é parte da sociologia; esta divide-se em sociologia «real» e sociologia «cultural». primeira examina os fatores «reais» do processo histórico, especialmente derivações como o sexo, a ambição e o poder enquanto que a última trata de fatores «culturais». A sociologia como um odo, tem no entanto, a tarefa de «determinar os tipos e leis funcionais da interação» destes fatores, e especialmente estabelecer uma «lei de sucessão» de tais tipos de interação. [...] «infraestrutura» compreende fatores psicológicos) (orientações) e não fatores socioeconômicos, e (b) de que há uma separação rígida entre as duas esferas, ao contrário da variante neo- Hegeliana do marxismo. 216 Neste momento gostaríamos de chamar a atenção para a diferença fundamental entre os tipos de sociologia que são possíveis hoje. Uma continua a tradição das ciências naturais com o objetivo de estabelecer leis generalizadoras (a sociologia ocidental é desta natureza); a outra volta à tradição da filosofia da história (Troeltsch, Max Weber). 217 Na sociologia da cultura, faz-se uma tentativa de analisar as situações históricas únicas em termos de comunicações singulares de propriedades e fatores subjacentes a processos constantes de transformação, constelações que em si mesmo são fases num processo genético, cuja direção totalizante pode ser determinada. 218 A uma mente humana existente em desenvolvimento numa multiplicidade concreta, só pode corresponder uma essência dinâmica «homem»; na nossa opinião, não podemos pensar à maneira historicista na investigação factual e permanecer estáticos na análise essencial. [...] A generalização e a formalização são, na nossa opinião, procedimentos técnicos válidos com utilidade em sociologia, já que podem ser empregues para controlar a multiplicidade de dados; para o pensamento concreto, para o pensamento do concreto, só servem como um trampolim. 219 o fato de a singular natureza fenomenológica e estrutural do mental, que materialismo monista necessariamente despreza, ser aqui bem patente. 221 Para nós, também, há uma separação fenomenológica entre o Ser e o Sentido; mas esta dualidade fenomenológica não pode ser considerada ainda como fundamental quando examinamos ambos os termos como partes de uma totalidade dinâmica genética. 222 O erro do materialismo consiste somente na sua errada metafísica que equaciona o «Ser» ou «Realidade» com a matéria. Porque, no entanto, nega o conceito de «ideal» como algo absolutamente autossuficiente, como algo que é de alguma forma pré-existente, que se revela a si mesmo, somente com base numa lógica imanente de significado, ou possibilita à realidade histórica ou a qualquer outra espécie de realidade o estímulo necessário que torna a autorrealização possível, na medida em que, como dizíamos, nega este conceito de «ideal», o materialismo está correto. 223 porque nós como sujeitos interpretativos somos seres humanos reais e temos uma experiência imediata da «existência» em que os fatores reais são convertidos em dados mentais, somos capazes de fazer convergir na investigação as duas esferas, a do ideal e a do mental. 224 devemos reconhecer, como seu resultado, duas esferas «mentais», a relação mútua do que é infraestrutura e do que é superestrutura. A questão que se levanta é a de saber como uma esfera afeta a outra no processo total, como uma mudança estrutural determina uma mudança estrutural na superestrutura. 226 altura e a forma de manifestação do assim chamado pode da mudança se é que ele se manifesta — depende também da constelação cultural total com que se confrontam as várias gerações no amadurecimento. 227 sociologia cultural se preocupa primariamente com a reconstrução das relações funcionais entre o «atual» por um lado, e o processo genético passado por outro, é na nossa opinião demasiado arriscado para este ramo de conhecimento adoptar a premissa de um mundo de ideias «pré-existentes», mesmo se só no sentido de uma génese não temporal de «significado» puro. 229 Para os historicistas, as entidades não existem fora do processo histórico; só nele se tornam entidades, só nele se realizam e só através dele se tomam inteligíveis. O homem tem acesso a entidades criadoras de história e dominadoras de várias épocas porque, vivendo na história, ele lhe está existencialmente ligado. A história é o caminho, para o historicista o único caminho, para a compreensão das entidades que geneticamente nascem dela. 233 Como tentamos mostrar, o conhecimento científico-tecnológico difere do pensamento filosófico na medida em que o primeiro tipo de pensamento completa um só e o mesmo sistema de pensamento durante sucessivos períodos, enquanto que o último parte de novos centros de sistematização em cada época, tentando controlar a crescente multiplicidade do mundo histórico. [...] Todo o conceito nestes campos inevitavelmente muda o seu significado com o decurso do tempo, e isto porque ele continuamente é inserido em novos sistemas dependentes de novas séries de axiomas. 234 Uma síntese histórica genuína das culturas passadas não pode consistir numa adição não perspectivista dos fenómenos sucessivos, mas tão só numa tentativa sempre renovada de incorporar entidades retiradas do passado num novo sistema. A verdadeira evolução historicamente observável do pensamento na filosofia (e também nas ciências culturais com ela relacionadas) revela um modelo diferente, como vimos, do modelo de evolução das ciências naturais. 235 «O assunto histórico (o conteúdo histórico, por assim dizer, de uma época) permanece idêntico em si mesmo, mas em virtude das condições essenciais da sua cognição só pode ser compreendido a partir de posições intelectuais-históricas divergentes ou, por outras palavras, só podemos analisar alguns dos seus “aspectos'». 237 cada teoria histórica pertence essencialmente a uma dada posição; mas isto não quer significar, como pretendemos frisar, que toda a realidade, a «fatualidade irrecusável» dos dados e significados essenciais se dissolva numa multidão de diferentes perspectivas. 240 a metafísica não foi e não pode ser eliminada da nossa concepção do mundo e que as categorias metafísicas são indispensáveis para a interpretação do mundo histórico e intelectual. Concordamos igualmente com ele na afirmação de que o conhecimento factual e o conhecimento essencial representam duas formas diferentes de conhecimento mas não admitimos uma separação abrupta entre os dois; o que pensamos é que o conhecimento essencial apenas vai mais longe e mais fundo na mesma direção em que o conhecimento factual se lança. [...] Não nos surpreenderia que na tentativa de caracterização do ponto de partida da sociologia do conhecimento, tivéssemos que discutir os pressupostos sistemáticos e filosóficos. Porque o nosso problema é precisamente o de saber até onde o tratamento empírico, científico de um problema é influenciado pela posição filosófica, metafísica de investigador. 241 os produtos mentais podem ser interpretados não só diretamente no que diz respeito ao seu conteúdo, mas também indiretamente, em atenção à sua dependência da realidade e especialmente à função social que realizam. Esta a fonte já sociologia do conhecimento e cultura. [...] para nós, o imediatamente lado é a mudança dinâmica das posições, o elemento histórico. Concentramos a atenção neste elemento e exploramos as possibilidades de ultrapassagem do relativismo. 242 na medida em que uma época já passou (pode, com é óbvio, e como já dissemos, dizer-se que passou apenas num sentido relativo), na medida em que se apresenta como uma Gestalt completa, podemos especificar o papel funcional dos modelos de pensamento relativos à direção que o processo evolucionário tem tomado. 243 Dentro do processo histórico, o pensamento constantemente regressa ao ponto de partida a partir de novas e mais compreensivas ideias centrais. [...] Assim, podemos chegar à ideia, ignorando a posição estrutural hoje observada, de que a rivalidade atual dos sistemas e posições antagónicas, e as suas tentativas de incorporar as posições rivais dentro de si, indicam uma tendência inerente a todo o pensamento humano para analisar o todo da realidade, uma tendência que fracassa o seu objetivo já que não foi ainda descoberto um princípio sistemático totalmente compreensivo. 244